Estudo e Aplicações do Padrão IEEE 802.22 – II
Os atuais padrões de transmissão sem fio terrestres não alcançam grandes distâncias, e as regiões afastadas
carecem de infraestrutura adequada para implantação de acesso banda larga à Internet. Como solução deste
problema, o IEEE iniciou um trabalho no primeiro padrão de transmissão sem fio que utiliza o conceito de
rádios cognitivos. Os rádios cognitivos possuem consciência do ambiente em que operam através de
medições constantes do espectro para alocação dinâmica de canais.
O padrão, chamado de IEEE 802.22, tem como objetivo compartilhar canais de TV nas faixas de VHF e
UHF, podendo formar células de até 100 km de raio. Ele se baseia na escassez que existe de transmissores
de TV em regiões distantes, onde vários canais encontram-se disponíveis. Com o padrão IEE 802.22, será
possível fornecer acesso banda larga nestas regiões, além de serviços como telefonia sem fio. O uso de
rádios cognitivos pelo padrão irá auxiliar no desenvolvimento de sistemas futuros que utilizam a mesma
tecnologia, além de complementar os atuais serviços de transmissão sem fio.
Esta série de tutoriais tem por objetivo apresentar o padrão 802.22 do IEEE a partir da necessidade de mais
estudos a respeito desta tecnologia, e como ela poderá impactar nos atuais sistemas. Como o espectro
pretendido para uso é alocado para emissoras que detém o direito de seu uso, podem surgir questões
legislativas, que fogem ao escopo deste trabalho. No entanto, torna-se necessário entender como será
possível utilizar estes canais, sem gerar interferências indesejáveis nos mesmos. Além disso, o estudo de
rádios cognitivos pode ajudar a alavancar seu uso em outros sistemas.
Os tutoriais foram preparados a partir da dissertação “Estudo e Aplicações do Padrão IEEE 802.22”,
elaborada pelo autor, e apresentada ao Instituto Nacional de Telecomunicações, como parte dos requisitos
para obtenção do Título de Especialista em Engenharia de Redes e Sistemas de Telecomunicações. Foi
orientador do trabalho o Prof. Dr. Luciano Leonel Mendes.
Este tutorial parte II dará continuidade ao aprofundamento do padrão IEEE 802.22, detalhando tanto a
forma pela qual a camada de enlace opera de forma a evitar causar interferências nos serviços primários,
como também o compartilhamento de espectro por redes IEEE 802.22 mútuas. A seguir apresentará as
possíveis aplicações para o padrão IEEE 802.22 e os impactos que podem ocorrer nos atuais serviços de
telecomunicações sem fio. Por fim, apresentará a conclusão deste estudo.
Marcelino Mundstein Vogel
Engenheiro de Telecomunicações pela Universidade Católica de Petrópolis – UCP, e Especialista em Redes
e Sistemas de Telecomunicações pelo Instituto Nacional de Telecomunicações – Inatel. Está cursando
Especialização em Comunicações Móveis na Universidade Federal Fluminense – UFF.
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Atuou na COMTEX e em parceria com a IONODES, no Canadá, como Especialista de P&D – Hardware,
no desenvolvimento e suporte de dispositivos de vídeo IP (codificadores H.264, câmeras, entre outros).
Atualmente trabalha como Engenheiro na Oi, após ser aprovado no programa de Trainee Expert 2010, na
área de Tecnologia e Integração.
Email: [email protected]
Categoria: Redes de Dados Wireless
Nível: Introdutório
Enfoque: Técnico
Duração: 15 minutos
Publicado em: 27/02/2012
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Padrão IEEE 802.22 – II: Introdução
Hoje se pode dizer que o mundo das comunicações, pelo menos para os usuários finais, como clientes
domésticos, pequenas empresas e escritórios, é sem fio. Mesmo que grande parte das conexões à internet
ainda utilizem soluções cabeadas, como xDSL e DOCSIS, praticamente toda rede possui um ponto de acesso
sem fio, e o número de acessos de dados em redes celulares vem aumentando consideravelmente. Apesar de
em muitos casos as taxas e cobertura ainda serem limitadas nestes sistemas, eles são uma alternativa para
comunicação de dados, principalmente quando é necessária mobilidade do usuário.
Existem diversos padrões que utilizam a tecnologia de transmissão sem fio, como telefones fixos e móveis,
como também os padrões 802.11 (Wi-Fi), 802.15 (Bluetooth), 802.16 (WiMAX) (IEEE, 2010), entre outros.
A figura 1 mostra um comparativo em função da distância e taxas de transmissão destes padrões. Alguns
destes padrões, como o Wi-Fi e o Bluetooth, fazem uso da banda ISM (Industrial, Scientific and Medical –
Industrial, Científica e Médica), que abrange uma diversa gama de frequências, sendo que as mais utilizadas
são a faixa de 2,4 GHz e 5,8 GHz. Além disso, nesta categoria incluem-se as comunicações via satélite, com
a utilização de VSAT (Very Small Aperture Terminal – Terminal com Abertura Muito Pequena) para dados,
e radiodifusão de TV e rádio. As bandas mais utilizadas para este fim são a banda C (4 GHz a 8 GHz) e Ku
(12 GHz a 18 GHz), para satélites, 54 MHz a 216 MHz para VHF, com um pequeno intervalo de 88 MHz a
108 MHz para FM, e 416 MHz a 862 MHz para UHF.
Apesar da grande diversidade de soluções citadas, ainda existe uma grande problema para utilização de
algumas tecnologias em regiões rurais. Há uma grande escassez de infraestrutura nestas áreas, onde é
praticamente impossível utilizar tecnologias baseadas em DSL. Além disso, é custoso demais levar fibras
ópticas até estes pontos, pois normalmente a demanda de tráfego é bem inferior à que a fibra pode oferecer.
Figura 1: Comparativo entre diferentes padrões IEEE para transmissão sem fio
A respeito das tecnologias sem fio, atualmente não existem padrões para grandes coberturas, em parte
devido às altas frequências utilizadas, o que causa maior atenuação, como também pela falta de estrutura em
locais próximos. Por exemplo, um sistema LTE seria uma solução, mas existe a necessidade de um backhaul
de alta capacidade, o que cai no problema primordial. Os terminais VSAT são muito caros, e muitas vezes
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não correspondem à realidade financeira dos habitantes destas áreas.
No entanto, existe uma faixa de frequências que se adequa a este cenário, que vai de algumas dezenas de
MHz até centenas de MHz. Quem detém o uso desta faixa atualmente quase inteira são as radiodifusoras de
TV. Mas estudos mostram que em regiões remotas, grande parte dos canais nesta faixa está livre em grande
parte do tempo. Pensando nisso, o IEEE iniciou um estudo sobre o primeiro padrão que utiliza rádios
cognitivos, chamado de 802.22. Seu objetivo é a monitoração e alocação dinâmica de espectro para
transmissão de dados em regiões rurais, podendo ter um alcance de 100 km ou mais, devido às
características de propagação na banda de VHF/UHF. Os rádios cognitivos que operam no padrão IEEE
802.22 alocam dinamicamente um ou mais canais de TV, que não estão sendo utilizados, para transmissão e
recepção de dados. Esta alocação pode ser em três domínios: no tempo, na frequência e no espaço. Isto
permite aos rádios alterar os canais utilizados sem que o detentor primário do canal, isto é, a emissora de TV,
seja prejudicada, caso esta passe a utilizar o canal naquela localidade.
Motivação
A motivação deste trabalho surgiu com a necessidade de mais estudos a respeito desta tecnologia, e como
ela poderá impactar nos atuais sistemas. Como o espectro pretendido para uso é alocado para emissoras que
detém o direito de seu uso, podem surgir questões legislativas, que fogem ao escopo deste trabalho. No
entanto, torna-se necessário entender como será possível utilizar estes canais, sem gerar interferências
indesejáveis nos mesmos. Além disso, o estudo de rádios cognitivos pode ajudar a alavancar seu uso em
outros sistemas.
Histórico de Rádios Cognitivos e do padrão IEEE 802.22
Os primeiros avanços em direção ao conceito de rádio cognitivo ocorreram em 1992, quando o
Departamento de Defesa dos Estados Unidos demonstrou que a construção do SDR (Software Defined
Radio – Rádio Definido por Software) era possível, através dos contratos do Speakeasy I e Speakeasy II,
este último em 1997. Após este ponto, o Speakeasy foi evoluindo gradativamente para o PMCS
(Programmable Modular Communication System – Sistema de Comunicação Modular Programável), para o
DMR (Digital Modular Radio – Rádio Modular Digital), e para o JTRS (Joint Tactical Radio System Sistema de Rádio Tático Conjunto) (ARSLAN, 2007).
O termo rádio cognitivo foi usado pela primeira vez em um artigo de 1999, cujos autores foram Joseph
Mitola e Gerald Maguire (DOYLE, 2009). Eles descrevem um rádio cognitivo como sendo um rádio que
adapta suas condições de funcionamento de acordo com as condições do ambiente em que ele se encontra.
Esta ideia foi um caminho natural que partiu do estudo e desenvolvimento dos SDR (Software Defined
Radios - Rádios Definidos por Software), também realizado por Mitola na Universidade de Estocolmo.
Os rádios cognitivos podem ser descritos, em poucas palavras, como rádios conscientes dos ambientes nos
quais operam. Esta consciência permite funções que vão além das dos sistemas atuais. Em um sistema de
terceira geração, é mandatório controle de potência nos móveis a fim de evitar o problema perto-distante,
que é uma característica intrínseca de sistemas que utilizam espalhamento espectral. Em sistemas de quarta
geração, como WiMAX ou LTE, por exemplo, a modulação adaptativa dá grande grau de flexibilidade,
alterando automaticamente de acordo com a distância e características do meio de transmissão. Isso quer
dizer que usuários perto da estação-base experimentarão maiores taxas, enquanto que usuários mais
distantes irão utilizar esquemas mais robustos de modulação para compensar as perdas.
Assim como os sistemas citados, os rádios cognitivos possuem métodos de adaptação mais avançados, como
uso de espectro, controle de potência, modulação adaptativa, uso de antenas inteligentes, economia de
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bateria e processamento, entre outros. Eles também precisam se adaptar a eventos planejados e não
planejados, e isso requer que os rádios possuam consciência não só do ambiente, mas dos aspectos
regulatórios, do usuário e de suas capacidades. Isso o leva a aprender e tomar decisões baseando-se em
eventos passados, configurando-se de forma autônoma.
É evidente que os rádios cognitivos são muito mais complexos que os equipamentos atuais. No entanto, sua
grande capacidade de adaptação irá permitir seu uso em circunstâncias muito mais complicadas, além de
poder superar os problemas impostos pela regulação do espectro.
Em 2004, o FCC emitiu uma NPRM (Notice of Proposed Rulemaking – Aviso de Proposição de Regras)
sobre o espectro de televisão. Isto deu origem ao grupo de trabalho do IEEE 802.22 em novembro de 2004,
com o objetivo de desenvolver um sistema para redes WRAN, que seria capaz de fornecer conexão de
banda larga para áreas rurais compartilhando o espectro de TV. Por volta de maio de 2006, o primeiro
esboço (draft) versão 0.1 foi disponibilizado, mas ainda eram necessários trabalhos e discussões,
principalmente com as emissoras de TV, que estão preocupadas com a interferência que pode ocorrer em
seus canais. Atualmente, o esboço está na versão 3.2, mas ainda não foi lançado um padrão definitivo, o que
era esperado para o início deste ano (CORDEIRO, CHALLAPALI e BIRRU, 2006).
Tutoriais
Para atingir o objetivo de apresentar os princípios do padrão IEEE 802.22, esta série de tutoriais foi
organizada como apresentado a seguir.
O tutorial parte I apresentou inicialmente os conceitos básicos de rádios cognitivos, que incluem forma pela
qual é realizada a monitoração e alocação espectral e como são implementadas as camadas física e de
enlace. A seguir se aprofundou no padrão IEEE 802.22, a partir de aspectos de camada física, como
modulação, taxas de transmissão e banda utilizada.
Este tutorial parte II dá continuidade ao aprofundamento do padrão IEEE 802.22, detalhando tanto a forma
pela qual a camada de enlace opera de forma a evitar causar interferências nos serviços primários, como
também o compartilhamento de espectro por redes IEEE 802.22 mútuas. A seguir apresenta as possíveis
aplicações para o padrão IEEE 802.22 e os impactos que podem ocorrer nos atuais serviços de
telecomunicações sem fio. Por fim, apresenta a conclusão deste estudo.
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Padrão IEEE 802.22 – II: Interface Aérea (2)
Nesta seção será apresentada a camada de acesso ao meio da rede que, em conjunto com a camada física
apresentada no tutorial parte I, foram concebidas para prover o grau de adaptação e flexibilidade requeridos
pelo sistema.
Camada de Acesso ao Meio (MAC)
Nas WRAN que utilizam o padrão IEEE 802.22, o controle de acesso ao meio das estações de assinantes
(CPEs) é realizado nas BS, que também possuem a função de prover qualidade de serviço. Além das
características existentes nos padrões 802.11 e 802.16, que também fazem parte da camada MAC do
802.22, existem algumas características únicas deste padrão, descritas a seguir.
Estrutura do quadro e Superquadro
No esboço atual do padrão IEEE 802.22, é definido um superquadro formado por diversos quadros MAC.
Ele é enviado pela BS em um ou até três canais contíguos classificados como livres, e tem como função
enviar informações para os CPE de forma que eles possam sincronizar e se associar à BS. Isto é realizado
através do cabeçalho de controle do superquadro (SCH – superframe control header), que é enviado no
início de cada superquadro em conjunto com um preâmbulo que o antecede. O superquadro possui duração
de 160 milissegundos, e cada quadro MAC que o compõe possui 10 milissegundos de duração, o que resulta
em 16 quadros MAC em cada superquadro. A sua estrutura geral é apresentada na figura 11.
A estrutura do quadro MAC é composta por um subquadro de fluxo de descida (DS – downstream) e outro
de subida (US – upstream), e a divisão entre eles pode ser adaptada de acordo com a capacidade alocada
para cada um dos fluxos. O subquadro DS consiste em apenas uma PHY PDU (Packet Data Unit)
endereçada a vários CPE. No entanto, o subquadro US pode conter diversos PHY PDU de vários CPE. Cada
PHY PDU é iniciada por um preâmbulo cuja função é sincronização e estimação de canal. O preâmbulo
possui uma sequência de treinamento longa e outra curta opcional. No subquadro DS, o FCH (Cabeçalho de
Controle do Quadro - Frame Control Header) contém informações sobre o tamanho e a composição dos
subquadros DS e US, além de descritores de canal para suas características de camada física. O subquadro
US é iniciado com intervalos de contenção para inicialização, requisição de banda e notificações de UCS
(Situação de Coexistência Urgente – Urgent Coexistence Situation) que precedem as PHY PDU do enlace
de subida.
As janelas de inicialização são utilizadas para adaptação dos desvios temporais e ajustes de potência. As
janelas de notificação UCS servem para transmissão de relatórios sobre a detecção de detentores primários.
O BCH (Cabeçalho de Controle de Rajada – Burst Control Header), como parte da primeira PHY PDU de
subida, possui o endereço MAC da BS e do CPE em cada rajada de subida para permitir a identificação da
BS e do CPE de cada rajada.
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Figura 11: Estrutura do superquadro do IEEE 802.22
Estabelecimento de Conexão
O estabelecimento de conexão em redes 802.22 é diferente da dos outros padrões. Nele, quando uma CPE é
ligada, a princípio ela não sabe qual canal irá utilizar, e também não possui nenhum canal padrão para troca
de informações com as BS, tendo em vista que o espectro utilizado é compartilhado com usuários
licenciados. Logo, não há um meio de uma CPE ter conhecimento de um canal para estabelecimento inicial
de conexão com uma BS, tendo em vista que isto poderia ocasionar interferência em um serviço primário.
Para resolver este problema, os equipamentos utilizam o método de “ouvir antes de falar”(listen before
talk), ou seja, quando a CPE é ligada, ela não transmite nenhuma informação para o meio, exatamente para
evitar interferências. Ela varre o espectro de TV licenciado, e com isto descobre quais os canais estão sendo
utilizados e quais estão livres. A BS também executa o mesmo procedimento, e periodicamente difunde um
quadro OFDMA em um canal livre, que difere do quadro de difusão de TV pelo preâmbulo enviado no início
de cada quadro. Se o CPE receber este quadro, ele então se sintoniza no canal enviado pela BS e envia seu
identificador no enlace de subida. A BS então fica ciente da existência de uma CPE, e todo procedimento de
autenticação e conexão é realizado. O CPE envia um relatório para a BS com o uso de espectro, adquirido
através de suas medições anteriores. Isto serve como realimentação para a BS, que então toma decisões
baseadas nestas informações.
Métodos de Detecção
Como já discutido, é imprescindível que a detecção de detentores primários dos canais de TV seja realizada,
de forma a evitar interferências indesejadas a qualquer custo. Para isso, esta detecção deve ser realizada
tanto pelo CPE quanto pela BS. Existem dois métodos de detecção: fast sensing, ou detecção rápida, e fine
sensing, ou detecção fina.
A detecção rápida é realizada por algum algoritmo rápido, como por exemplo, um detector de energia. Esta
detecção pode ser realizada rapidamente (cerca de 1 ms por canal) e é eficiente, pois é executada na própria
faixa de transmissão, e não acarreta perdas consideráveis devido ao seu curto tempo de monitoração. As
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medições são feitas tanto pelas CPE quanto pelas BS e o resultado é centralizado na BS, que então decide se
é necessário realizar detecção fina.
Na detecção fina ocorre uma monitoração mais precisa dos canais potenciais. Os algoritmos utilizados
demoram cerca de 25 milissegundos para cada canal, pois eles procuram por assinaturas específicas no sinal
transmitido por usuários primários, como por exemplo, os sinais de sincronismo de campo do sinal de TV. A
figura 12 ilustra como os métodos de detecção são intercalados entre períodos de transmissão útil pelas BS.
Figura 12: Tipos de detecção de canal empregados pelo padrão IEEE 802.22
Desafios da camada MAC atual do padrão IEEE 802.22
Atualmente, existem alguns problemas que ainda devem ser tratados na camada MAC do IEEE 802.22.
Certamente, quando os sistemas começarem a ser implantados, várias redes cognitivas do padrão irão
coexistir, competindo pelo espectro de forma agressiva. Assim, deve ser necessário um método de alocação
de espectro que evite a interferência entre as próprias redes IEEE 802.22 (SENGUPTA, BRAHMA, et al.,
2007).
Além do problema de coexistência, existe o problema do nó oculto, mais especificamente, da estação
primária oculta. Por exemplo, se uma BS e um CPE estão se comunicando e um detentor primário começa a
operar no mesmo canal perto do CPE, mas não da BS, o CPE irá detectar a transmissão, mas a BS, não. O
CPE fica impossibilitado de reportar à BS sobre o uso do canal, pois iria gerar interferência no serviço
primário, mas a BS iria continuar a transmissão, causando interferência. Devido à natureza centralizada do
padrão, somente a BS pode alocar um canal, logo ao CPE não é permitido alterar seu canal sem a permissão
da BS. O que torna a situação ainda pior é o fato do CPE não possuir um tempo para reportar a situação.
Eles apenas possuem um prazo para alteração de canal de 2 segundos, ou seja, se ele detecta qualquer
serviço primário na mesma faixa de frequências ele precisa alterar os canais dentro deste prazo.
Outro problema relacionado à situação da estação primária oculta é o que ocorre quando uma CPE acaba de
ligar e deseja se comunicar com uma BS. O CPE irá começar a monitorar os canais para tentar encontrar a
difusão periódica da BS. No entanto, se já houver um detentor primário utilizando o canal da BS fora de sua
região de detecção, mas dentro da região de detecção do CPE, a difusão da BS não será decodificada
adequadamente pelo CPE devido à interferência que o serviço primário irá causar. Isto pode ocasionar dois
problemas: o CPE pode desligar após constatar erroneamente que não existe nenhuma BS, ou a BS pode
parar sua difusão após certo tempo por constatar que não existe nenhum CPE na região. Isso ocasiona
desperdício de sinalização de controle e baixa utilização do espectro. A figura 13 ilustra o problema das
estações ocultas.
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Figura 13: Problema do nó oculto em redes IEEE 802.22
Coexistence Beacon Protocol – CBP
O CBP tem como função compartilhar informações entre células de WRANs distintas sobre o
compartilhamento espectral. Alguns CPE selecionados de células adjacentes enviam pacotes CBP com o
objetivo de informar aos outros CPEs qual o canal utilizado naquela rede, além de possíveis canais de
backup e a identificação da BS e do CPE. Se em uma dada localidade operassem duas redes IEEEE 802.22,
sendo que uma delas detectasse um detentor primário e a outra não (por motivos de obstrução ou
desvanecimento), a rede que detectou o serviço primário poderia alertar a outra rede, através de pacotes
CBP, sobre a proibição do uso do canal utilizado pelo detentor. Além disso, os pacotes CBP também
possuem informações sobre localização geográfica das redes. As rajadas CBP são transmitidas no final do
subquadro de subida, US.
Coexistência de sistemas no IEEE 802.22
Como os sistemas 802.22 são direcionados para operação com outros sistemas licenciados, é imprescindível
que os rádios cognitivos possam coexistir com serviços primários. Isso requer que a interface aérea do
padrão IEEE 802.22 possua métodos distribuídos para monitoração do espectro, além de um gerenciamento
de espectro eficiente.
Cada CPE deve possuir duas antenas, uma omnidirecional e outra direcional. A antena omnidirecional é
utilizada para monitoração do espectro, enquanto que a antena direcional é utilizada para comunicação com
as BS. As antenas direcionais possuem maior ganho, resultante do fato que a potência irradiada é
concentrada em um feixe de menor área, o que aumenta a distância do enlace. As antenas omnidirecionais
devem ser utilizadas em ambientes externos para uma monitoração precisa do espectro.
A tarefa de identificar se um canal de TV está disponível é complicada, pois envolve fatores como ruído no
receptor, desvanecimentos por múltiplos percursos ou sombreamento, transmissões sem fio de outros
dispositivos, interferência de canais adjacentes ao canal desejado, entre outros. A figura 14 ilustra uma
situação similar ao problema do nó oculto. Neste exemplo, como pode-se perceber, o sinal emitido pela
radiodifusora de TV encontra um obstáculo geográfico, o que causa desvanecimento no sinal que a WRAN
iria detectar. Assim, a rede cognitiva acredita que o canal em questão está disponível, e ao utilizá-lo
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ocasiona interferência nos receptores de TV. Baseando-se nisto, os sistemas do padrão IEEE 802.22 devem
ser capazes de detectar sinais com níveis de potência bem reduzidos. Para sinais de TV Digital no padrão
ATSC, considerando a banda de 6 MHz, o limiar de potência acima do qual a BS impede o uso de um canal é
– 116 dBm. O grupo de trabalho do IEEE 802.22 definiu ainda que, se um dado canal A está ocupado pelo
detentor primário, a rede não deverá utilizar o canal A e os canais A+1. Para a TV analógica em sistema
NTSC, este valor é de – 95 dBm, medido no pico do sinal de sincronismo da portadora de imagem.
Finalmente, o limiar para microfones sem fio é de – 107 dBm em uma banda de 200 kHz. Para outros
sistemas de transmissão de TV, estes limiares podem variar (CORDEIRO, CHALLAPALI e BIRRU, 2006).
Figura 14: Detecção de emissora de TV dificultada por desvanecimento por obstáculo
Baseando-se em características de propagação para a frequência de 615 MHz, os receptores de TV que se
localizarem a mais de 132 km de distância do transmissor seriam incapazes de decodificar o sinal recebido
com sucesso. Pelas regras definidas pelo FCC para a transmissão de TV digital nos EUA, a relação entre o
sinal desejado e indesejado, definido por D/U (desired to unidesired ratio), é de 23 dB. O contorno de
proteção nos EUA para a TV Digital é a região onde o campo elétrico é de 41 dBμV, logo o nível de campo
elétrico do sinal indesejado deve ser de no máximo 18 dBμV. Como a potência de transmissão das WRAN é
limitada em 36 dBm, a distância para qual o nível de campo decai para 18 dBμV é de 23 km, que adicionado
à distância de contorno de proteção do transmissor de TV, resulta em uma região de 155 km. O campo
elétrico do sinal do transmissor de TV digital a 155 km é 35,1 dBμV, e a potência recebida por um rádio com
antena isotrópica para monitoração seria de -97,9 dBm. Conclui-se daí que uma estação da WRAN deve
proteger uma área com raio de 155 km ao redor de uma estação de TV (CORDEIRO, CHALLAPALI e
BIRRU, 2006).
Outro parâmetro importante para as WRAN é o tempo de detecção do canal, que é definido como o período
no qual um serviço primário suporta interferência antes do sistema IEEE 802.22 detectá-lo. Mais parâmetros
a respeito da DFS (Dynamic Frequency Selection – Seleção Dinâmica de Frequência) são apresentadas na
Tabela 2.
A detecção de microfones sem fio se mostra mais complicada, pois sua potência e banda de transmissão é
inferior à de transmissores de TV, operando em 200 kHz e com potência de 50 mW. Para isso, a detecção
poderia ser auxiliada se os microfones possuíssem sinalizadores (beacons). Eles transmitiriam sinais em
intervalos de tempo, com maior potência, e assim as BS e CPE seriam capazes de detectar a transmissão e
não utilizar os canais que os microfones ocupam.
O MAC do IEEE 802.22 também gerencia uma tabela que classifica canais segundo sua disponibilidade. Sua
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classificação pode ser como:
Ocupado: canais em uso por um serviço primário licenciado.
Disponível: canais que podem ser usados pelo IEEE 802.22.
Proibido: canais que nunca devem ser utilizados pelo IEEE 802.22.
A classificação de canais e manutenção da tabela pode ser feita pelo operador de serviço ou pelo próprio
mecanismo de detecção do IEEE 802.22.
PARÂMETRO
Tabela 2: Características da DFS no padrão IEEE 802.22
MICROFONES SEM
RADIODIFUSÃO DE
FIO
TV
Tempo de verificação de disponibilidade do 30 segundos
canal
30 segundos
Período de desocupação
10 minutos
10 minutos
Tempo de detecção do canal
Menor que 2 segundos
Menor que 2 segundos
Tempo de configuração do canal
2 segundos
2 segundos
Tempo de abertura do canal
0,1 segundo
0,1 segundo
Tempo de mudança de canal
2 segundos
2 segundos
Tempo de fechamento do canal
0,1 segundo
0,1 segundo
Limiar de detecção de interferência
- 107 dBm
- 116 dBm
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Padrão IEEE 802.22 – II: Serviços
O padrão IEEE 802.22 surgiu para revolucionar como o espectro de frequências é utilizado com o uso de
rádios cognitivos, gerando uma nova alternativa para acesso à Internet banda larga de usuários em regiões
afastadas, o que vem como um complemento para os atuais serviços. Também é possível utilizar o padrão
IEEE 802.22 para serviços de última milha diferenciados, como o WLL (wireless local loop).
Capacidade de sistemas IEEE 802.22
As taxas de dados que podem ser obtidas atualmente em regiões afastadas de grandes centros raramente
passam de 1 Mbit/s e, geralmente, é realizada através de conexões cabeadas ou por provedores que utilizam
rádios operando nas faixas não licenciadas de 2,4 GHz e 5,8 GHz. Mesmo assim, muitas empresas de
telecomunicações não investem em áreas rurais, pois o investimento em infraestrutura é dispendioso em
relação ao retorno no investimento. Isto também faz que o acesso à Internet nestas regiões tenha preço
elevado comparado a cidades e grandes centros.
Com base nas taxas existentes hoje em grande parte das cidades do interior, o padrão IEEE 802.22 poderia
cumprir a demanda de tráfego de usuários. O sistema especifica eficiência espectral da ordem de 0,5 bit/s/Hz
até 5 bits/s/Hz. Se for considerada a média deste valor, cerca de 3 bits/s/Hz, seria possível transmitir até 18
Mbit/s em um único canal de TV de 6 MHz. Considerando um número de 12 usuários acessando o mesmo
canal, seria possível alocar 1,5 Mbit/s por usuário no enlace de descida. No enlace de subida, seria possível
transmitir a taxas de 384 kbit/s. Estas taxas são comparáveis e até mesmo superiores a de sistemas DSL.
Aplicações do IEEE 802.22
Com base nas informações de taxas possíveis para o padrão IEEE 802.22, é possível até mesmo fornecer
conectividade para outros usuários que não estejam em regiões afastadas, que é a meta principal do padrão.
É possível ainda tirar proveito da tecnologia de rádios cognitivos para prover acesso a usuários residenciais,
pequenas empresas, condomínios e campus universitários, mesmo em regiões metropolitanas.
Também é possível aplicar o padrão IEEE 802.22 para prover acesso de telefonia para regiões remotas
através da tecnologia de WLL. Com a taxa aproximada de 18 MHz por canal de 6 MHz e, considerando um
codificar PCM padrão, cuja taxa é de 64 kbit/s, seria possível alocar cerca de 280 usuários por canal, o que
seria ideal para regiões remotas que necessitam de poucas linhas telefônicas. Com codificadores mais
eficientes, como o G.723.1 ou G.729, a taxa pode cair ainda mais, assumindo valores em torno de 6 a 8
kbit/s. Isto aumenta ainda mais a capacidade do sistema, que pode comportar cerca de 2.200 circuitos de
voz. Como o método de acesso utilizado é o OFDMA, basta configurar o número de portadoras por usuário
de acordo com a taxa requerida pela aplicação em questão.
O backhaul de conexão de uma BS IEEE 802.22 pode ser realizado de várias formas. Podem ser utilizadas
fibras ópticas para agregar o tráfego até um ponto de fácil instalação, ou que já possua fibra instalada, e
então derivar uma conexão para uma BS, como também enlaces de micro-ondas para concatenação do
tráfego. Tendo em vista que o tráfego gerado em regiões distantes não é muito elevado, o custo destes
equipamentos pode ser reduzido.
A figura 16 mostra um exemplo de rede WRAN utilizando um satélite para realizar conexões com redes
externas. Este caso é o ideal para regiões totalmente remotas, onde é difícil levar outros meios de
transmissão para agregar o tráfego. Este cenário geralmente é ilustrado em diversas apresentações que
ilustram aplicações do IEEE 802.22. Além de o backhaul ser realizado com um satélite, a implantação com
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fibras ópticas também pode ser viável, pois algumas regiões afastadas já possuem disponibilidade de enlaces
de fibras ópticas. Neste caso a taxa pode ser até maior que as obtidas com o uso de satélites, e a latência do
canal é reduzida consideravelmente.
Figura 15: Exemplo de aplicação do padrão IEEE 802.22
Impacto do padrão IEEE 802.22 em outros sistemas de comunicação
Atualmente, os equipamentos para transmissão de dados, principalmente os utilizados em sistemas DSL e de
terceira geração celular, possuem preços bem reduzidos devido a grande escala de produção, levada pela
demanda de usuários. Para que sistemas IEEE 802.22 possuam boa penetração no mercado, obviamente, o
preço dos equipamentos, principalmente do CPE, deve ser compatível com as soluções existentes. Esta é
uma grande vantagem deste padrão, pois os equipamentos de assinantes devem utilizar sintonizadores na
faixa de VHF e UHF, relativamente simples e baratos. O maior custo inicial será no desenvolvimento dos
processadores, que precisam implementar todo o esquema de monitoração e alocação dinâmica de espectro.
Pensando desta maneira, o impacto dos sistemas IEEE 802.22 em outros sistemas de comunicação de dados deve ocorrer de forma
suave, pois eles não visam a extinção das outras formas de acesso, mas sim em uma alternativa para comunicação a longas distâncias. O
único impacto que deve ser considerado ocorre de forma técnica, e não comercial, e seria relacionado com o maior desafio do padrão IEEE
802.22, que é evitar interferências em outros sistemas licenciados.
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Padrão IEEE 802.22 – II: Considerações Finais
Por ser o primeiro padrão a utilizar o conceito de rádios cognitivos, o IEEE 802.22 certamente servirá como
validador desta tecnologia no que diz respeito a gerenciamento e alocação de espectro. O maior entrave para
sua adoção pode ser a aceitação por parte das emissoras de TV, que podem alegar que estes sistemas
estariam utilizando de forma inadequada o espectro reservado a elas.
Nos EUA já existe uma grande inclinação para adoção do padrão, mas ainda serão necessárias mais
discussões a respeito de sua implantação no Brasil e em outras partes do mundo. No entanto, certamente os
avanços obtidos em redes cognitivas com seu uso no padrão IEEE 802.22 abrirão novos caminhos para
compartilhamento do espectro, possivelmente servindo como solução para resolver os impasses atuais que
ocorrem quando há necessidade de alocação de faixas de frequência para novas tecnologias e serviços.
Referências
ARSLAN, H. Cognitive Radio, Software Defined Radio, and Adaptive Wireless Systems. University of
South Florida, Tampa: Springer, 2007.
BERLEMANN, L.; MANGOLD, S. Cognitive Radio and Dynamic Spectrum Access. Chichester: Wiley,
2009.
ČABRIć, D. B. Cognitive Radios: System Design Perspective. Berkeley: [s.n.], 2007.
CORDEIRO, C.; CHALLAPALI, K.; BIRRU, D. IEEE 802.22: An Introduction to the First Wireless
Standard based on Cognitive Radios. Journal of Communications, I, n. 1, 2006.
DOYLE, L. E. Essentials of Cognitive Radio. Trinity College, Dublin: Cambridge University Press, 2009.
IEEE. IEEE 802 LAN/MAN Standards Committee. Site do IEEE, 25 Maio 2010. Disponivel em:
www.ieee.org
Acesso em: 13 Julho 2010.
SENGUPTA, S. et al. Enhancements to cognitive radio based IEEE 802.22 air-interface. ICC 2007,
Glasgow, 24-28 Junho 2007. 5155-5160.
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Padrão IEEE 802.22 – II: Teste seu entendimento
1. Qual dos padrões abaixo não é utilizado em redes locais ou Local Area Networks – LAN?
IEEE 802.11a/b/g, velocidade de até 54 Mbit/s.
IEEE 802.11n, velocidade maior que 100 Mbit/s.
IEEE 802.22, velocidade entre 18 e 24 Mbit/s.
Todas as anteriores.
2. Ao estabelecer uma conexão, qual é o procedimento inicial realizado pela CPE quando é ligada?
Talk-before-listen, onde transmite uma sinal padrão assim que é ligada.
Listen-before-talk, onde varre todo o espectro de TV licenciado para descobrir os canais em uso e os
que estão livres.
Talk-listen-on init, onde transmite um sinal padrão em uma frequência e varre o espectro em outra
frequência.
Nenhuma das alternativas anteriores.
3. Quais são os serviços típicos que podem ser implementados com o auxílio do padrão 802.22?
Banda Larga fixa e Telefonia fixa usando WLL.
Banda Larga fixa e móvel.
Telefonia fixa e móvel.
Banda Larga e Telefonia móvel.
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Download

Estudo e Aplicações do Padrão IEEE 802.22 – II Os atuais padrões