JAM - JURÍDICA
Ano XV, n. 3, março, 2010
tão primário quanto o que significa remanescente de
obra, de serviço ou de fornecimento, bastando para responder saber o que é obra, serviço e fornecimento
(que é a compra com entrega parcelada); remanescente daquilo é o que faltou construir do contrato
da obra, ou faltou prestar do contrato de serviço,
ou faltou entregar do contrato de fornecimento.
Onde algum mistério?
Entretanto, para um profissional da área jurídica, ou para um servidor da Administração pública que trabalhe com licitações e com contratos, necessariamente habituados à dualidade mundo dos fatos versus mundo do direito, a dúvida é, como tantas e
tantas outras, mais que natural, e os impasses menos esperáveis ocorrem com mais frequência do
que se imagina.
II – O direito alberga um mundo materialmente
fictício, puramente convencional, por assim dizer
decretado num primeiro momento pelo legislador e
confirmado pelo juiz que, uma vez tendo sido suscitado em um segundo momento, informa o que
entendeu do trabalho do legislador. Grosseiramente resumindo, o legislador integra o mundo jurídico,
e o juiz o reintegra. A doutrina, mais que evidente,
desempenha papel fundamental para o trabalho de
ambos, sobretudo do Judiciário, e a jurisprudência,
que é o conjunto sistemático das decisões judiciais,
costuma dar a trilha a seguir por todos.
Concebido para permitir que os homens se tolerem e possam conviver – ou de outro modo, sem direito, os homens, na sua bestialidade incomensurável,
por qualquer valor econômico em disputa se devorariam ou se trucidariam uns aos outros sem hesitação, o mais forte pulverizando o mais fraco tãologo pudesse –, o direito nada mais constitui que
um imenso emaranhado de convenções, estatuições,
regramentos maiores e menores em preconcebida
harmonia, tudo a constituir um vasto cipoal de
formalismos e formalidades por vezes fastidiosas e
enfadonhas até para a gente do ramo, porém simplesmente indispensáveis à sobrevivência humana no
planeta (1).
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Assim se dá a todo tempo um essencial contraste entre o mundo real e o mundo artificial do
direito, e por vezes sem conta, na lei de licitações.
Nessa lei atual, quando se imagina que, neste momento ou naquele, a lei se refere ao mundo dos
fatos físicos familiar a qualquer pessoa, muita vez
alguém de formação jurídica suscita problemas até
então inimagináveis, que somente passam pela cabeça de advogados, jurisconsultos ou, ao menos,
bacharéis com gosto especulativo.
Para ilustrar, a quem ocorreria imaginar, senão a profissionais do direito, que possa existir uma
verdade jurídica – aquilo que os autos do processo
documentam – diferente da verdade real, que foi o
que de fato aconteceu, e que é a única presente à
idéia de todas as pessoas não afetadas pelo necessário artificialismo do direito? Pois isso está na base
do direito, e de tão banal não chama nenhuma atenção...
III - Passando ao mundo das licitações, alguém
porventura imaginaria que o “remanescente de obra,
serviço ou fornecimento”, referido no inc. XI, do
art. 24, da lei nacional de licitações, seja ou possa
ser algo diferente de uma sobra ainda por fazer de
algum contrato interrompido, ou seja, a parte do
objeto que deixou de ser realizada, e por isso
remanesceu daquele contrato? Poderia ser algo diferente disso, que qualquer pessoa compreende perfeitamente o que seja?
Parece que sim. Se introduzirmos um raciocínio jurídico nesta questão que de outro modo é de
uma materialidade infantil, teremos a possível figura do remanescente jurídico de um contrato de execução inacabada, algo seguramente diferente de um
remanescente físico de obra. Pode algo assim existir, mesmo no mundo do direito que permite fantasiar e devanear sem qualquer limitação objetiva?
1
Com efeito, tenham todos certeza de que, se o mundo já é
este imenso vale de lágrimas em que vivemos mesmo em
existindo o direito, então, se esse último desaparecer o primeiro resultará imensamente pior.
OPINATIVO
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