Arte e Ludicidade na Educação e na Vida Jivatman [email protected] RESUMO O elemento ludico é inerente a toda expressão artística. A alegria resultante do ato de criar – seja qual for o seu meio de expressão – é uma experiência gratificante para o ser humano, pois o interliga com a fonte criativa original que se manifesta no universo incessantemente. A função educativa da arte não foi ainda amplamente reconhecida e utilizada. O valor que a destaca num novo sentido está em sua possibilidade de servir de veículo para mundos inauditos em nós. A finalidade deste artigo está, pois, em apresentar um pouco da proposta pedagógica infantil de Auroville, Índia, tomando como eixos estruturantes a arte e a ludicidade. Palavras-chave: arte; ludicidade; educação artística. INTRODUÇÃO Meu nome é Jivatman – nome da minha predileção, que significa “alma individual”, em sânscrito. Venho de Auroville, uma cidade internacional em construção no Sul da Índia, onde vivem atualmente cerca de 2.000 pessoas de cerca de 40 nacionalidades. Somos quatro brasileiros vivendo lá, eu um deles, baiano de nascimento, aspirante a cidadão universal. Sim, o propósito de Auroville é criar uma unidade humana real, com base naquilo que cada um, não importa a nacionalidade, tem em comum com todos: um ser profundo que não se mostra facilmente na superfície, mas que é nossa identidade verdadeira. A proposta de Auroville, portanto, não é de fácil realização, pois pressupõe que cada um tenha descoberto dentro de si esse ser essencial e assim contribua com o melhor de si ao todo coletivo. Por essa razão, muitos dos ideais de Auroville, 40 anos depois de sua fundação em 1968, ainda não foram plenamente realizados, subsistindo 1 porém, em muitos corações, a aspiração pela sua manifestação concreta, segundo a visão original daquela que os concebeu, Mira Alfassa, conhecida como “A Mãe”. Numa cerimônia em 28 de fevereiro de 1968, que contou com a presença de representantes de 120 países (inclusive o Brasil), cada um colocando um punhado de terra de seu país numa urna em forma de lotus, lá se misturando, como símbolo de unidade humana – ela leu (numa transmissão radiofônica ao vivo) a seguinte carta de princípios, os quais deveriam nortear a implementação da futura cidade: 1. Auroville não pertence a ninguém em particular. Auroville pertence a humanidade toda. Mas para residir em Auroville, é preciso ser o servidor voluntário da Consciência Divina. 2. Auroville será o lugar da educação perpétua, do progresso constante, e de uma juventude que nunca envelhece. 3. Auroville quer ser a ponte entre o passado e o futuro. Aproveitando todas as descobertas exteriores e interiores, ela quer se lançar audaciosamente em direção a realizacões futuras. 4. Auroville será o lugar de pesquisas materiais e espirituais para dar um corpo vivo a uma unidade humana concreta. Não se pode falar de Auroville, sem se mencionar também o nome de Sri Aurobindo, um grande iogue, pensador e poeta indiano (1872-1950) que realizou, em sua existência física, a conexão com planos de consciência muito além mesmo das regiões mais altas do plano mental (plano que rege a vida humana terrestre desde o aparecimento do chamado “homo sapiens”) e que no processo ascendente inevitável da evolução irá se manifestar na terra, à medida em que os seres humanos, ultrapassando as limitações cerceantes da consciência mental mais elementar, se abrirem suficientemente para receber a influência desses planos mais altos, espirituais e supramentais. Em verdade, Auroville foi 2 criada para “acelerar a chegada da realidade supramental sobre a terra”, como disse A Mãe - a colaboradora de Sri nAurobindo por cerca de 40 anos. É significativo que Auroville tenha começado concretamente nos anos de 1960, pois essa foi a década em que o elan por uma mudança radical das instituições e valores vigentes na sociedade dita civilizada, manifestou-se com grande vigor. Basta lembrar das grandes manifestações dos jovens em diversas partes do mundo em 1968, manifestações de um caráter verdadeiramente revolucionário em seu questionamento corajoso das instituições e valores da civilização ocidental utilitaria e materialista, reivindicando – ainda que sem muita clareza – uma nova ordem social ou mesmo uma nova desordem: o importante era desvencilhar-se, e se possível mudar, os padrões de vida e pensamento que obstruem a visão de um futuro mais luminoso. O processo evolutivo O que restou de toda essa efervescência e busca de algo novo, de um outro paradigma de vida, educação, sociedade? Se olharmos apenas os sinais exteriores da sociedade ocidental nas últimas três décadas, seríamos tentados a dizer que nada restou, que persistimos com uma ênfase ainda maior nos mesmos caminhos batidos, que abraçamos com um entusiasmo ainda mais forte os valores de um sistema que nos incita a sempre ter mais, a consumir mais, esquecendo que o verdadeiro sentido da vida, em vez de ter mais, é SER mais, evoluir completamente como ser humano, desenvolver as infinitas capacidades latentes que aguardam em nós seu pleno florescimento. De qualquer modo, ainda que o homem pareça retroceder, o elemento novo que quer se manifestar, a consciência nova, cresce apesar de tudo e contra tudo (em surdina, poder-se-ia dizer) e vai se impor cada vez mais, despertando todos aqueles que estiverem abertos para recebê-la e manifestá-la. 3 Como foi dito, Auroville existe para “acelerar” esse processo, essa passagem de uma humanidade em vias de sufocar dentro de seus próprios limites mentais, vitais e físicos a uma nova humanidade, ou mesmo um novo ser com uma consciência muito mais vasta. Como disse o poeta Carlos Drummond de Andrade, em seu poema “Contemplação no Banco”: “Nalgum lugar faz-se esse homem... Contra a vontade dos pais ele nasce, Contra a astúcia da medicina ele cresce, E ama, contra a amargura da política. Não lhe convém o débil nome de filho, Pois só a nós mesmos podemos gerar, E esse nega, sorrindo, a escura fonte. Irmão lhe chamaria, mas irmão Por que, se a vida nova Se nutre de outros sais, que não sabemos? Ele é seu próprio irmão, no dia vasto, Na vasta integracão das formas puras, Sublime arrolamento de contrários Enlaçados por fim. Meu retrato futuro, como te amo, E mineralmente te pressinto, e sinto Quanto estás longe de nosso vão desenho E de nossas roucas onomatopéias...” Drummond, profeticamente, indica-nos a emergência INEVITÁVEL desse “ser novo” que nascera até mesmo “contra a vontade dos pais” etc. Sim, o processo evolutivo de manifestacão de novas formas e 4 possibilidades da Consciência, não depende diretamente de nenhum de nós, mas é privilégio nosso - até então a criatura mais evoluída na terra - podermos colaborar com ele, e a educação que damos a nossas crianças (e a nós mesmos adultos, pois não há limites no processo de crescimento) é indubitavelmente o instrumento mais importante a nossa disposição. Em 1954, antes portanto da fundação de Auroville, A Mãe teve a visão de um lugar ideal que deveria ser criado. Ela diz: “Deveria existir em alguma parte sobre a terras um lugar onde nenhuma nação teria o direito de dizer: “é meu”. Onde todo ser humano de boa vontade tendo uma aspiração sincera poderia viver livremente como cidadão do mundo..... E obedecer a uma só autoridade, aquela da verdade suprema; um lugar de paz, concordia, harmonia, onde todos os instintos guerreiros do homem seriam utilizados exclusivamente para vencer as causas de seus sofrimentos e suas misérias, para superar suas fraquezas e ignorâncias, para triunfar sobre suas limitações e incapacidades; um lugar onde as necessidades do espírito e a preocupação pelo progresso viriam antes da satisfação dos desejos e paixões, da busca de prazeres e gozos materiais. Neste lugar, as crianças poderiam crescer e se desenvolver integralmente sem perder o contato com sua alma; a instrução seria dada não em vista de passar em exames ou de obter certificados e postos, mas para enriquecer as faculdades existentes e proporcionar o nascimento de novas. Neste lugar os títulos e as situações seriam substituídos por ocasiões de servir e de organizar; as necessidades materiais de cada um superioridade intelectual, seriam satisfeitas com moral e espiritual se igualdade, traduziriam e a na organização geral, não por um aumento dos prazeres e poderes da vida, mas por um crescimento dos deveres e das responsabilidades. A beleza, em todas as suas formas artísticas: pintura, escultura, música, literatura, seria acessível a todos, igualmente, sendo a faculdade de 5 participar das alegrias que elas dão, limitada unicamente pela capacidade de cada um e não pela posição social ou financeira…” A Mãe continua a enumerar alguns outros aspectos desse lugar ideal mas vamos nos ater ao último ponto citado, referente à beleza, à arte em geral, pois ele nos traz ao centro de nosso propósito ao escrever este artigo: o papel da arte na educação, sua contribuição fundamental para o conhecimento e crescimento de nosso ser integral. Vivendo, como já foi citado, em uma época em que a mente analítica está ou foi colocada no centro de nossa experiência perceptiva do mundo e de nós mesmos, é natural que os sistemas educativos, em sua maioria, privilegiem o aspecto mental (sem dúvida, importante) em detrimento de outros aspectos e dimensões do ser humano.Mas, como disse Sri Aurobindo, “O universo não é meramente uma fórmula matemática exprimindo a relação de certas abstrações mentais chamadas números e princípios, para no fim chegar a um zero ou a uma unidade vazia; nem é meramente uma operação física incorporando um certo equilíbrio de forças. Ele é o deleite de um Amante de si mesmo, o jogo de uma eterna Criança, a interminável manifestação de um Poeta intoxicado pelo êxtase de seu próprio poder de criação ilimitada”. E ainda: “O aspecto de pensamento não á suficiente: idéias, forças, existencias, princípios são moldes vazios a não ser que eles sejam preenchidos pelo sopro do deleite divino”. 6 A arte Para aprendermos a ver e viver esse aspecto do Maravilhoso que se manifesta a cada momento diante de nós, a Arte, tendo em sua essência como objetivo a manifestação da Beleza, é um instrumento precioso que não pode ser subestimado na educação tanto da criança como do adulto. “O dia em que voltarmos à antiga veneração da alegria e da beleza será nosso dia de salvação, pois sem essas coisas não pode haver, em poesia e arte, uma nobreza e doçura asseguradas, nem uma dignidade e plenitude de vida cumpridas, nem uma harmoniosa perfeição do espírito”, disse Sri Aurobindo num depoimento vigoroso que aponta para o fato que não basta “qualquer” arte, mas aquela que nos reconduza à “veneração da alegria e da beleza”. Por que será que ele faz essa ressalva? Se fizermos um pequeno retrocesso de cerca de cem anos, vamos ver que as inúmeras convulsões sociais, duas terríveis guerras mundiais, um avanço tecnológico-científico a serviço do comercialismo e da produção de armamentos capazes de varrer a vida sobre a terra, trouxeram no campo da arte e da literatura um sentimento de profundo mal-estar e negativismo quanto ao futuro do homem. Sentindo cada vez mais fortemente uma cisão entre homem e mundo natural, muitos artistas, assim como escritores e músicos, distanciando-se de uma relação mais profunda com a natureza física, passaram a explorar os labirintos da mente como fonte principal de inspiração para o seu trabalho. Mas, como disse a Mãe, “na arte, não é a cabeça que deve predominar, é o sentimento pela beleza.” Em sua verdade fundamental” – ela continua – “ arte é nada menos do que o aspecto de beleza da manifestação divina. Partindo deste ponto de vista, vamos talvez perceber que há pouquíssimos artistas verdadeiros; no entanto existem alguns e estes podem muito bem ser considerados como iogues. Pois, como um iogue, o artista entra em profunda 7 contemplação para aguardar e receber a inspiração. Para criar algo verdadeiramente belo, ele tem primeiro que vê-lo dentro de si, concebêlo como um todo em sua consciência interior; só depois de encontrado, visto, captado interiormente, ele pode executá-lo exteriormente. Ele cria de acordo com esta visao interior maior”. Dentre os artistas contemporâneos que compartilham essa visão da Mãe, podemos mencionar o nome de Gabriel Stanulis, pintor e escultor lituano que se radicou na Suíça na época da Segunda Guerra Mundial. Ele diz “Pra descobrir a força que existe em mim, eu me concentro, e se na concentração eu vejo personagens, eu pinto personagens, mas não tomo nenhum modelo. A prática do silêncio mental me permite chegar a um grau de concentração em que nenhuma idéia exterior vem me perturbar, então eu vejo sempre uma fonte de luz e um certo espaco; não sei dizer como as percebo interiormente, mas meus olhos os vêem, é o ponto de partida para toda expressão, seja ela bi, tridimensional ou outra”. Voltando a focalizar o potencial educativo da arte, damos de novo a palavra a Sri Aurobindo: “O conjunto de música, artes plásticas e poesia é uma perfeita educação para a alma; elas tornam e mantém seus movimentos purificados, autocontrolados, profundos e harmoniosos. Não é necessário que todo homem seja um artista. É necessário que todo homem tenha sua faculdade estética desenvolvida, seu gosto treinado, tendo tornado ativo, correto e sensível seu sentido de beleza e compreensão intuitiva de forma e cor e do eh expresso em forma e cor”. Essa função educativa da arte não foi ainda, porém, amplamente reconhecida. A tendência pragmático-utilitária dominante na sociedade atual vê a arte como um simples lazer, uma ocupação secundária ou mesmo ociosa, marginal, quando comparada com outras ocupações 8 humanas “mais importantes”, porque rentáveis do ponto de vista econômico. É desnecessário dizer que essa visão foi transportada para o âmbito educacional, onde relativamente ainda são poucos aqueles que vêem as coisas de outro modo. Damos a palavra a Rolf Gelewski (19301988), dançarino e educador que muito contribuiu para elevar a consciência do sentido verdadeiro da educação entre nós. Ele disse: “A arte é mais do que sua atual figura deixa transparecer – ela é uma possibilidade que ainda não foi percebida em toda a sua extensão e realidade e, menos ainda, asproveitada. Em sua manifestação externa, em seus aspectos de mera fora e beleza material, a arte em verdade não interessa mais. O valor que a destaca num novo sentido esta em algo diferente de exclusividade, como também de uma atuação limitada aos objetivos de uma civilização qualquer: este valor está em seu potencial de ser servidor. Está na possibilidade, que a arte é, de nos servir de entrada e de veículo de entrega a mundos inauditos em nós, e de conseguir transcender as regiões mais altas de nosso alcance mental, está em sua genuína proximidade a intuição e beleza real, sua capacidade de ser intensa e una e simples, e seu poder de magicamente tocar e acordar e transformar”. A importância da arte e do lúdico no processo educativo Em Auroville essa consciência da importância da arte no processo educativo está criando raízes cada vez mais firmes, estendendo-se da tenra infância até a idade adulta. No jardim de infância a experiência de “Play of painting” (“Pintar brincando”), baseada no método do educador suíco Arno Stern, tem-se mostrado fértil e entusiasmante para educadores e educandos. Algumas fotos dessa experiência foram mostradas na minha apresentação “power point”. No campo da música vem se desenvolvendo um movimento de criação de uma cultura 9 musical auroviliana, dando ênfase a canções infantis nas quatro línguas basicas de Auroville (inglês, francês, tamil e sânscrito) que tratam sobretudo de temas referentes ao homem e a natureza em sua unidade fundamental. O grupo de músicos responsável pelo projeto, do qual faço parte, além da gravação e distribuição gratuita de CDs às criancas, realiza concertos nas diversas escolas de Auroville e mesmo em sua periferia. Um coral para crianças maiores vem se apresentando com regularidade com um repertório de canções do mundo inteiro (algumas fotos do coral foram também mostradas na apresentação). Um dos trabalhos mais consistentes em educação artística em Auroville, vem ocorrendo no centro de artes visuais conhecido como “As Pirâmides”, pois sua sede é um projeto arquitetônico de Roger Anger (o arquiteto-chefe de Auroville, recentemente falecido) em forma de três pirâmides unidas formando uma só (uma visão fotográfica desta construção foi mostrada na apresentação, bem como alguns aspectos do seu interior). “As Pirâmides” oferecem diferentes oficinas, tais como desenho, pintura, modelagem, escultura, vitral, artesanato, além de dar uma formação de base para o conhecimento artístico, através de cursos de história da arte, geometria descritiva, perspectiva etc. O centro é parte do programa escolar de Last School (Última Escola), que desenvolve – com estudantes de nível secundário – uma linha pedagógica conhecida como “progresso livre”, pois são os próprios estudantes, com o apoio dos professores, que organizam ou escolhem as disciplinas que querem estudar durante um certo período (um trimestre, por exemplo), concentrando, desta maneira, suas energias naquilo que verdadeiramente querem aprender. Mas “As Pirâmides” recebem também estudantes de outras escolas de Auroville, como “Transition”, escola primária e “New Era School”, de nível secundário. Para tornar esse relato mais concreto, transcrevo a seguir parte de uma entrevista 10 com Lola, um dos orientadores do centro, responsável pelo atelier de desenho e pintura: “Tudo é possivel. Se um aluno vem com um interesse e diz: “Eu quero fazer isso, é possível. Há somente os limites do aluno. Apenas quando ele não tem a menor ideia do que quer fazer é que nós propomos trabalhos estruturados. Mas se uma criança tem realmente um interesse, ela pode ir muito longe. Há o atelier de artesanato onde os estudantes fabricam objetos em madeira, papel, esponja, resina: há o atelier de vitrais, a escultura, a pintura, o desenho. Aqui também não há limites: pode-se fazer colagens, trabalhar com areia, com todo tipo de material. O começo de tudo é a confianca: é preciso que os alunos sintam confianca para que possam se interessar. Quando eles ficam contentes após terem feito alguma coisa, então a gente pode pedir mais, e ir mais longe e ainda mais longe. E para isso é preciso dar uma grande liberdade. A gente os segue. Eles querem fazer tal coisa? Então é isso: a gente os segue sempre. Mais tarde, quando a gente construiu realmente alguma coisa, podemos fazer o movimento inverso. Podemos dizer-lhes: “bem, agora é preciso fazer isso, isso e isso”. É como se fosse agora obrigatório – mas obrigatório COM A SUA ACEITAÇÃO.” Com a confiança vem o esforço e com o esforço, a alegria, a enorme satisfação de estar criando algo, na verdade estar criando a si mesmo, descobrindo possibilidades e talentos que estavam escondidos em algum recanto do ser, só esperando o momento propicio, a oportunidade de subir ‘`a superfície. Desenvolvimento da sensibilidade através do refinamento das emoções e dos sentidos – esta é uma função amplamente reconhecida da arte, seja ela visual (pintura, escultura), auditivo-sonora (musica), espaço-temporal (dança, teatro). Mas a arte tem ainda outra função bem importante: o desenvolvimento intelectual. Sri Aurobindo oferece-nos uma visão bem clara desta qualidade única da arte: 11 “O valor da arte no treinamento da faculdade intectual é também uma parte importante de sua utilidade. Nós já indicamos o caráter duplo da atividade intelectual, dividida entre os centros intelectuais imaginativo, criador e simpático ou compreensivo de um lado e o crítico, analítico e penetrante do outro, Os últimos são melhor treinados através de ciência, crítica e observação, os primeiros através das artes plásticas, poesia, música, literatura e o estudo compreensivo do homem e suas criações. Estas tornam a mente pronta para apreender em um relance, sutil em distinguir nuances, profunda em rejeitar autosuficiência superficial, móvel, delicada, rápida, intuitiva. A arte ajuda nesse treinamento pelo evocar de imagens na mente que esta tem que compreender não por análise, mas por auto-identificação com outras mentes; ela é um poderoso estimulante de penetraçao interior compreensiva. A arte é sutil e delicada, e ela torna a mente tamabém sutil e delicada em seus movimentos. Ela é sugestiva, e o intecto habituado a apreciação da arte é rápido em apanhar sugestões, dominando não apenas, como a mente científica faz, o que é positivo e na superfície, mas o que conduz a uma sempre fresca ampliação e sutilidade de conhecimento e abre uma porta para os segredos mais profundos da natureza interior, onde os instrumentos positivos da ciência não podem sondar a profundeza ou medida. Esse supremo valor intelectual da Arte nunca foi suficientemente reconhecido.Os homens tornaram a linguagem, a poesia, a história, a filosofia, agentes para o treinamento desse lado da intelectualidade, partes necessárias de uma educação liberal, mas a imensa força educativa da música, pintura e escultura nãao foi devidamente reconhecida. Elas foram consideradas como atalhos da mente humana, belas e interessantes mas não necessárias, feitas portanto para os poucos. Mas o impulso universal para desfrutar a beleza e atratividade do som, olhar e viver entre pinturas, cores, formas, devia ter alertadoa humanidade para a superficialidade e ignorância de uma tal visão dessas ocupaçes eternas e importantes da mente humana.” 12 O caráter lúdico da arte é tão evidente que não necessita ser de novo enfatizado: a alegria de criar, de dar à luz”, no sentido mais direto da expressão, aquilo que se encontrava em estado embrionário, nãomanifestado, oculto, imerso em escuridão, é portador de uma alegria única. A sabedoria indiana encontrou o termo “Lila” para exprimir o jogo, o eterno brinquedo do Criador ao manifestar o universo. E, para o meu conhecimento, nenhuma formulação intelectual captou com maior força e clareza o elemento lúdico subjacente à vida, à manifestacao universal de que somos parte, do que neste pequeno aforismo de Sri Aurobindo:”Um Deus que não pode sorrir, não poderia ter criado esse universo cheio de humor”. Jivatman, Auroville 24.8.08 13