2 ATRIBUNA VITÓRIA, ES, DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2015 Reportagem Especial DIAGNÓSTICO Exames que põem a saúde em risco THIAGO COUTINHO/AT Médicos apontaram 10 exames que podem causar alergias e até câncer se forem feitos de forma errada ou em excesso Kelly Kalle xames médicos são muito importantes para a detecção de doenças e diagnósticos precoces. Porém, especialistas afirmam que a população está fazendo esses procedimentos, muitas vezes, em excesso. Com isso, aumenta a exposição à radiação – que pode até levar a um câncer, futuramente –, a contrastes (substâncias usadas em exames de imagem) e a riscos inerentes aos procedimentos, como alergia a anestesias e até possíveis erros, como perfurações. Por isso, médicos apontam 10 exames que colocam a saúde em risco, se forem mal indicados, feitos de forma errada ou em excesso. O professor e radiologista do Instituto da Criança da Universidade de São Paulo (USP) Marcelo Valente, representante do Colégio Brasileiro de Radiologia, explicou que os exames que mais demandam atenção são os com radiação. “Toda radiação ionizante pode trazer malefícios ao organismo. Falamos, em geral, dos exames de raios X e das tomografias. O sol, por exemplo, emite radiação todos os dias e ele também é saudável. A radiação é cumulativa. Por isso, quanto menos exames desnecessários, melhor”, ressaltou o médico. Valente disse que os efeitos da radiação surgem a longo prazo, após 20, 30 anos. Ele frisou que não há uma dose que pode ser considerada insegura. “A OMS (Organização Mundial da Saúde) não tem esses dados, mas há países que estudam pacientes que passam por exames”. Segundo o médico, hoje a legislação brasileira diz que uma dose em torno de dois raios X de tórax ao ano seria normal. “Expor uma pessoa a radiação não faz com que surja uma nova doença. Ela vai aumentar a probabilidade de ter uma doença que a pessoa já tenha predisposição genética.” O gerente médico do Departamento de Imagem do Hospital Albert Einstein, Marcelo Buarque de Gusmão Funari, ressaltou que os efeitos da radiação em excesso vão desde queimaduras na pele a alterações genéticas, câncer e catarata. “Hoje, os exames são muito seguros, mas as pessoas reagem diferente. Não é porque tomei sol cinco minutos que terei melanoma.” O clínico geral e gastroenterologista João Evangelista Teixeira ressaltou que um simples exame de sangue pode trazer problemas. “Se feito em excesso, pode agravar anemias. Exames de imagem que usam contrastes podem causar gastrite e diarreia.” CAUTELA Exames só quando necessário A auxiliar administrativo Denize Castro Torrezani, 48, contou que está há 24 anos com o mesmo ginecologista, que fez os partos de seus dois filhos. Ela acredita que isso faz com que o médico indique apenas os exames que são necessários, para evitar exposição à radiação e a riscos desnecessários. “Tenho uma relação de confiança e, depois de todos esses anos, de amizade também. Ele me conhece bem e sabe das minhas necessidades. Por isso, passa exames quando eu realmente preciso. Sempre que preciso, ele tem canal direto comigo e posso ligar para ele quando acontece algo”, ressaltou. E OS PROCEDIMENTOS 1 Raio X > SÃO EMISSÕES eletromagnéticas semelhantes à luz visível, que ajudam a detectar problemas no organismo com o exame de imagem. Em excesso, pode desencadear a longo prazo alguns tipos de câncer, como leucemia e linfoma, além de alterações celulares, caso a pessoa tenha predisposição. A legislação brasileira diz que uma dose ao redor de dois raios X de tórax ao ano seria considerada normal. DIVULGAÇÃO que o raio X e conta com mais radiação. Pode desencadear, após 20 ou 30 anos, alguns tipos de câncer, como leucemia e linfoma, além de alterações celulares, caso a pessoa tenha predisposição. Lia Canedo, diretora clínica do Hospital Metropolitano ” 8 Endoscopia digestiva > MOSTRA por imagem o esôfago, es- tômago e duodeno. Feito de maneira errada, pode causar até perfuração. Usa xilocaína, anestésico que pode causar alergia em algumas pessoas. 3 Cateterismo cardíaco > O EXAME usa muitos contrastes para detectar as imagens. Com isso, alguns pacientes podem ter alergias, complicações renais e até mesmo um choque anafilático e morrer. Pode ainda ter complicações, caso o cateter (tubo) seja inserido de forma incorreta. > APESAR de ser um exame simples, “ alergia. Caso o paciente seja diabético, pode até causar insuficiência renal. Conta com radiação também, podendo causar tumores no futuro. > EXAME de imagem mais complexo 4 Exame de sangue Os contrastes usados em exames de imagem podem dar alergia DIVULGAÇÃO 2 Tomografia computadorizada pode haver riscos. Durante a coleta, pode ter perfuração de veia, caso não seja feito corretamente. Depois, pode haver ainda um processo infeccioso no local, caso o paciente tenha baixa imunidade. Em idosos ou quem tem propensão a ter anemia, pode agravar esse quadro se o exame for feito em excesso. 5 Colonoscopia > HÁ O RISCO do procedimento anes- tésico – podendo levar a um choque anafilático por alergia –, além de risco de perfuração do intestino grosso, com necessidade de cirurgia de urgência pela hemorragia. A radiação em tomografias é mais alta do que em exames de raios X “ ” Marcelo Funari, gerente médico do Hospital Albert Einstein 6 Radioscopia > EXAME de imagem que visualiza vá- rias partes do corpo, como o sistema digestivo, com radiação e com contraste de bário, para ver o movimento do trato gastrointestinal. Pode causar gastrite, irritação gástrica e diarreia, além de lesões de pele ou até câncer, no futuro. 7 Angiotomografia > EXAME de imagem usado em doen- ças coronarianas e cerebrais. Especialistas afirmam que conta com muito contraste, podendo causar 9 Cintilografia miocárdica > A CINTILOGRAFIA de perfusão mio- cárdica é um exame que usa substância radioativa, o radioisótopo, injetada em uma veia. Com radiação em excesso, pode desencadear, a longo prazo, alguns tipos de câncer, como leucemia e linfoma, além de alterações celulares. 10 Cintilografia da tireoide > USA MATERIAL radioativo para ana- lisar a glândula. Dependendo da dosagem, como vai acumulando essas substâncias no organismo, exames em excesso podem causar perda de glóbulos vermelhos, levando à leucemia, anos após os exames. Fonte: Médicos Marcelo Valente, Lia Canedo, Daniel Knupp, Priscila Valentim, Carlos Magno Pretti, José Marcelo Corassa, Ricardo Kuniyoshi, Henrique Zacarias, Thanguy Gomes Friço, João Evangelista Teixeira, Guilherme Crespo, Priscila do Carmo Santana e Marcelo Buarque de Gusmão Funari. VITÓRIA, ES, DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2015 ATRIBUNA 3 Reportagem Especial OS TIPOS DE RADIAÇÃO NECESSIDADE ANTONIO COSME /AT A radiologia > DESCOBERTO em 1895, o procedi- mento radiológico deixou de ser apenas um trabalho de geração de imagens do corpo humano para se tornar uma importante ferramenta que auxilia a planejar diferentes etapas e procedimentos da área da saúde. Sala de exame > HÁ PACIENTES que acreditam que, ao entrar em uma sala de exames de raios X, o ambiente estaria “contaminado” de radiação. Esse risco não existe, pois, quando o aparelho está desligado da tomada, não emite radiação. Medicina nuclear > ESP EC IA LIDAD E médica que usa quantidades mínimas de substâncias radioativas (radiofármacos) como ferramenta para acessar o funcionamento dos órgãos e tecidos vivos, realizando imagens, diagnósticos e também tratamentos. A radiação > É TODA ENERGIA que se propaga em forma de onda por meio do espaço. Há vários tipos, como ionizante, luz visível, infravermelha, ultravioleta, ondas de rádio e televisão. Radiação ionizante > ELA É CAPAZ de determinar a modi- ficação dos tecidos do organismo. Todo e qualquer exame que usa a radiação ionizante leva alguma quantidade de radiação ao organismo, sendo prejudicial ao corpo humano. Radiação não ionizante > É A RADIAÇÃO que não tem energia suficiente para fazer mudanças nos átomos do organismo. Essas são de baixa frequência. A divisão entre a ionizante da não ionizante é a fre- quência da luz solar. Abaixo, está a radiação infravermelha e depois radiofrequências de micro-ondas, rádio, celular, televisão e ainda a rede elétrica. > VALE LEMBRAR que a radiação natural é aquela que existe no meio ambiente, que vem do chão e do espaço, como a luz solar. Radiação ultravioleta > ENCONTRA-SE na luz solar e em lâm- padas. É importante para a síntese da vitamina D no organismo, mas em excesso pode causar queimaduras, alterações imunológicas, catarata e até câncer. Radiofrequência e micro-ondas > ENCONTRADA em emissões de rádio e televisão, comunicações, radar, entre outros. A exposição em excesso pode provocar aquecimento da pele, queimaduras, formigamentos e alterações da sensibilidade de mãos e dedos, além de irritação nos olhos. Radiação infravermelha > PRESENTE na luz solar e em certas lâmpadas, além de estar em indústrias. É prejudicial para a pele, podendo provocar queimaduras, e para os olhos, afetando a retina. Campos elétricos e magnéticos > PRESENTE na geração e distribuição de energia. Em caso de exposição a esses campos, estudos apontam riscos de leucemia, tumores cerebrais e câncer de mama, além de risco de doenças cardiovasculares, alterações do sono, depressão e até suicídio entre trabalhadores eletricistas expostos a cabos de alta tensão. Fonte: Especialistas consultados e pesquisa AT. Saiba mais Radiação é maior em tomografias RAIO X MILISIEVERTS É a medida usada para avaliação do impacto da radiação ionizante sobre os seres humanos. 0,1 MILISIEVERT É a dose de radiação de um raio X de crânio 0,15 a 0,2 MILISIEVERT É a dose de radiação envolvida em um raio X de tórax PARA UMA PESSOA em um am- biente normal, a quantidade de radiação do sol recebida por ano é cerca de 3 a 4 MILISIEVERTS. NOS ESTADOS UNIDOS > EXAMES COM RADIAÇÃO podem ser responsáveis por 5% de todos os casos de câncer nos Estados Unidos > O AUMENTO DE EXPOSIÇÃO à Fonte: Médicos consultados e pesquisa AT. TOMOGRAFIA 2 MILISIEVERTS É a radiação média de uma tomografia de crânio 6a7 MILISIEVERTS É a dose de radiação de uma tomografia no tórax Check-up para dar mais segurança O aposentado Nerlito Sampaio Neves, 90, e a dona de casa Dilce Portela Neves, 84, estão há quase quatro anos no plano de saúde Medsênior e sempre vão ao mesmo geriatra, por terem mais confiança. “Também frequentamos os médicos especialistas de que temos necessidade. Eu, por exemplo, sempre vou ao gastro e ao otorrino. Meu ma- rido vai ao endócrino, otorrino e nefrologista. Fazemos exames que os médicos que nos conhecem acham necessários. Por isso, nos sentimos seguros”, frisou Dilce. DIAGNÓSTICO Indicação deve ser precisa, dizem médicos ara especialistas, a quantidade de exames que a população brasileira faz é alta e, muitos deles, são desnecessários. Para reduzir esses tipos de exames, médicos afirmam que a indicação desses procedimentos deve ser precisa. “Todo exame, por mais seguro que seja, tem seu risco, mesmo que mínimo. Por isso, o médico deve dosar o 'risco-benefício' antes de pedi-lo, até mesmo os de laboratório”, afirma professor e médico radiologista do Instituto da Criança da Universidade de São Paulo e representante do Colégio Brasileiro de Radiologia Marcelo Valente. Valente frisou que o paciente e a família acabam pressionando o P médico por exames. “Eles acham que fazer mais exames é tratar melhor o paciente, o que nem sempre é verdade. Será que o médico está dando a atenção necessária, examinando bem e dando segurança?” O cardiologista Ricardo Kuniyoshi ressaltou que exames de imagem com contrastes e radiação não devem ser usados como rotinas Há exame feito sem suspeita ou justificativa plausível e isso pode, a longo prazo, ser ruim ao paciente “ Guilherme Crespo, oncologista ” KADIDJA FERNANDES/AT 500 vezes uma tomografia de abdômen equivale à radiação emitida em um raio X de abdômen radiação indevida mostra que há 42 novos casos de câncer a cada 100 mil homens americanos e 62 mulheres com câncer a cada 100 mil na ala feminina GUILHERME CRESPO diz que é preciso dosar o risco-benefício dos exames em check-ups. “Se o médico não tem uma suspeita de problema, não deve fazer o procedimento.” O oncologista e diretor de provimento de saúde da Unimed Vitória, Guilherme Crespo, explicou que 70% dos exames realizados no plano de saúde são normais. “O ideal é que em 98% dos exames fossem detectados problemas. Ou seja, tem exame feito sem uma suspeita ou justificativa plausível e isso pode, a longo prazo, ser ruim para o paciente. Em exames cardíacos com contrastes, 60% são normais, não precisavam ser feitos e poderiam causar uma insuficiência renal”, observou. O diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial, Gustavo Campana, frisou que é normal que os idosos façam três vezes mais exames. “Muitos exames não são buscados ou usados. Mas a sociedade preza pelo exame certo ao paciente certo e na hora correta.” O coordenador do Departamento de Física Médica da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear, Tadeu Kubo, comentou que os exames e tratamentos usam quantidades mínimas de substâncias radioativas. “A medicina nuclear é até mais segura do que tomar uma aspirina, por exemplo. Mas deve ser usada quando tiver indicação.”