________________________________________________________________________ PN 1035.99; AG: TC. Lagos; Ag.e: Ruy Neves de Oliveira, Rua Dr. Faria e Silva, 10 3º A e E, Lagos; Ag.o: MP. ________________________________________________________________________ 1. O Ag.e, advogado do A., António Manuel da Graça Oliveira (na acção ordinária que este moveu contra a R. Tourinter Lda.), requereu a junção aos autos de atestado médico passado em benefício da testemunha Carlos Alberto da Silva Martins, que faltou à audiência de julgamento, pedindo a justificação no prazo. 2. A testemunha fora indicada pelo A.. 3. Foi então proferido o despacho recorrido: posto que requerido por pessoa que não tem, nem pode ter, nos presentes autos, poder de representação da testemunha, vai indeferido; custas do incidente pelo subscritor do requerimento, fixando-se a taxa de justiça em ½ Uc. 4. Na acta, a testemunha foi condenada em multa: Pte.: 7 000$00, caso não justificasse a falta no prazo legal. 5. Na sessão seguinte, a testemunha compareceu e foi ouvida. 6. Não foi elaborada a liquidação, não foi notificada para pagamento e por fim foi proferida sentença final, que transitou. 7. Concluiu o Ag.e: 1 a) O despacho recorrido indeferiu a junção aos autos de um atestado médico de testemunha que faltara à audiência de julgamento e o requerimento que o veiculara, não considerando justificada a falta, tudo por se entender que quem subscreveu o dito requerimento (o recorrente) não tinha, nem podia ter, poderes de representação do faltoso; b) Em consequência, também condenou o Ag.e no pagamento da taxa de justiça no montante de ½ Uc.; c) O despacho em questão está ferido de nulidades e, para além disso, consubstancia manifesto erro de julgamento; d) De facto, o subscritor do requerimento destinado a pedir justificação da falta de alguém não tem que se achar munido de quaisquer poderes de representação, visto que o dito requerimento não é acto pessoal, podendo por isso ser subscrito por terceiros (Ac. RP, 94.01.12, CJ. XIX, 1/52); e) Ademais, o atestado médico tem de ser aceite, mesmo desacompanhado de requerimento (Ac. RC, 94.04.26, CJ, XIX, 1/50); f) Acresce, mesmo que fosse acto pessoal, nada obstar a que o recorrente subscrevesse o dito requerimento na qualidade de mandatário (sem representação) do faltoso; g) Em qualquer caso, ainda que se admita a bondade dos argumentos do despacho recorrido, nada autoriza o indeferimento sem mais qualquer justificação; h) Ao indeferir o requerimento do recorrente, sem qualquer fundamentação de direito, e com argumentos de circunstância que não se confundem com verdadeiros e próprios fundamentos de facto (ausência de fundamentos de facto), o despacho recorrido padece de nulidade, por violação do disposto no art. 668º/1 b CPC; i) Mais! Ao indeferir a admissão do atestado médico, com a consequente não justificação da falta, o despacho recorrido evidencia outra nulidade, por violação do mesmo dispositivo legal, visto que não especificou também os fundamentos de direito da decisão; 2 j) Por outro lado, foi ainda cometida a nulidade de omissão de pronúncia, quanto ao conteúdo do requerimento e do atestado (art. 668º/1 d CPC); k) Devem ser reconhecidas as nulidades alegadas, ou aceite o erro de julgamento e, em consequência, revogado o despacho recorrido, para ser substituído por outro que admita a junção do atestado médico e considere justificada a falta. 8. Nas contra-alegações disse o MP: a) Assiste razão ao recorrente; b) Indeferiu-se o pedido de justificação com fundamento na não obediência a um requisito formal - ter de ser apresentado pela própria testemunha; c) Por isso não se apreciou sequer a questão material - justificação ou não da falta; d) Mas o pedido de justificação não é um acto pessoal, tanto mais que a própria testemunha pode até estar impossibilitada fisicamente de o levar a cabo; e) Mesmo o requerimento não é também indispensável, nada impedindo que a testemunha peça verbalmente a justificação, apresentando simplesmente o atestado médico; f) E no caso dos autos, o documento médico apresentado é comprovativo do impedimento da testemunha; g) Teria pois de ser apreciado, independentemente de eventual vício formal; h) Deve o despacho recorrido ser substituído por outro que aprecie ou não a justificação da falta. 9. Transcreve-se da sustentação: 3 a) Antes do mais cabe começar por realçar que o decidido resultou da constatação da proibição de o advogado falar com as testemunhas, e ao fazê-lo violar deveres estatutários, mormente os que estão a coberto do art. 76º EOA1; b) Por conseguinte, sendo tal prática proibida, a representação de testemunhas por advogados da parte constitui infracção disciplinar (art. 91º EOA, por violação do art. 76º); c) Assim, a proximidade e necessário contacto com a testemunha representada não são possíveis sem quebra da isenção e desejado distancionamento do advogado, tratando-se de um acto ilícito à luz do direito considerado no seu todo; d) E incumbia ao tribunal, nestas circunstâncias, actuar em defesa da legalidade, ainda e sempre em obediência ao comando constitucional de repressão da violação da legalidade democrática (arts. 156º, 264º e 266º CPC; 202º/2 CRP); e) Por outro lado, a forma sucinta da decisão não equivale a falta de fundamentação (art. 158º CPC): pretendeu não dramatizar a falta deontológica, por se crer que o requerimento em causa relevava antes de excesso de voluntarismo, ou ingenuidade; f) Acaso se aceite todavia a tese da desnecessidade do requerimento para justificação da falta, o resultado seria idêntico para o recorrente (não fosse a sua, ainda actual, pretensão de ver justificada a falta da testemunha): desentranhamento, com custas pelo recorrente; g) Mas, se for certo que a simples junção de um atestado médico funciona como requerimento da justificação da falta, o que não foi o que sucedeu, a tese em apreço nada tem a ver com a resolução a dar à questão, pois a verdade é 1 Vd. Arnault, António, Estatuto da Ordem dos Advogados, Fora do Texto, Coimbra, 1992, pp. 55/56: a lei, e designadamente o EOA, constituem a fonte primacial da deontologia profissional; contudo, há praxes não codificadas que impõem ao advogado certo comportamento, sob pena de responsabilidade disciplinar v.g. não poder ouvir as testemunhas…; a possibilidade de o advogado poder falar com as testemunhas, existente em alguns países, v.g. os Estados Unidos, foi discutida no 1º Congresso dos Advogados Portugueses (1972) e proibida por larga maioria…. Vd. tb. Ac. CS.OA, 82.05.28, ROA, 42/823. 4 que aquele requerimento foi apresentado e tinha de ter decisão sob pena, aí sim, de se cometer nulidade por omissão de pronúncia; h) No entanto, em Direito Processual Civil rege o princípio do pedido (art. 3º CPC), e os meios de prova não se podem confundir com as alegações dos factos que visam comprovar; Concluindo: i) De qualquer modo, o requerimento em crise tinha de ser apreciado e não se vê de todo como a decisão possa ser a que o recorrente pretende, nomeadamente no sentido da justificação da falta: o interesse em tal decisão não é seu, antes da testemunha faltosa, que nada solicitou no processo; j) Admitindo ainda que o requerimento poderia ter sido subscrito por terceiro ou, sem conceder, que o atestado pudesse ter sido entregue por outrem, certo é que nunca poderia ser o advogado da parte que ofereceu a testemunha. 10. O recurso está pronto para julgamento, nos termos do disposto no art. 705º CPC. 11. Estes os factos que damos por assentes: a) Na acção ordinária que correu pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lagos e em que é A. António Manuel da Graça Oliveira, R. Touristel Lda., foi indicado no rol de testemunhas do A., Carlos Alberto da Silva Martins; b) Na audiência de julgamento, 98.01.08, a testemunha faltou, tendo sido condenada na multa de Pte.: 7 000$00, caso não justificasse a falta no prazo legal; c) Com entrada em 98.01.19, o recorrente, advogado do A., apresentou um requerimento pedindo a justificação da falta de Carlos Alberto da Silva Martins, juntando um atestado médico, subscrito pelo Dr. João Amado, Int. Cardiologia HDF, no qual se diz que a testemunha esteve doente, 98.01.08, motivo pelo qual não pode comparecer em tribunal; d) Com data de 98.01.29 foi proferido o despacho recorrido; 5 e) Não foi liquidada a multa, nem notificado para pagamento Carlos Alberto da Silva Martins; f) De novo convocado, esteve presente e foi ouvido na audiência de 98.02.09; g) Em 98.05.11 foi proferida a sentença respeitante à acção proposta por António Manuel da Graça Oliveira, que transitou em julgado. 13. Baseia-se a decisão recorrida, por um lado, no princípio do pedido que importará, para a testemunha que faltou à audiência, pedir a justificação da falta; por outro, na proibição de o advogado da parte contactar as testemunhas oferecidas. Contraria a tese do despacho, a defesa da desnecessidade do requerimento e da inutilidade de uma decisão formal que, por isso mesmo, elide o essencial do debate: determinar se a falta foi ou não justificada. Neste último plano, aduz-se na sustentação que se não for necessário o pedido de justificação da falta, então há incidente anómalo, merecedor de despacho no mesmo sentido do que foi proferido. Começando por este último problema, diremos que o incidente anómalo sujeito a indeferimento e tributação corporiza sempre um entrave à marcha do processo, injustificado. Se aceitarmos a tese de que não é necessário formular pedido de justificação da falta, porque o requerimento nesse sentido juntava também os elementos necessários para decisão sobre o tema, teremos a conclusão lógica de o pedido não ter, por qualquer forma, perturbado a marcha do processo. Ainda que desnecessário, certo é que trouxe elementos sérios, e no momento apropriado, para uma decisão apropriada. Não colhe aqui portanto a contra-argumentação final. E tendo agora em conta a estrutura contraditória do processo, como corolário ou desenvolvimento do princípio do pedido, certo é que a testemunha respondeu à solicitação que lhe foi feita no despacho que a condenou em multa, caso não justificasse a falta no prazo legal. Nestas circunstâncias, não é necessário que peça algo que já lhe foi imposto: basta que faça juntar ao processo os elementos suficientes da justificação, para não sofrer a multa. Não se trata de acto pessoal, 6 por outro lado, já que se pode extrair da legislação comum sobre justificações de faltas que o documento comprovativo da impossibilidade de ter comparecido pode até ser enviado pelo correio. Assim é de admitir que também o possa ser por qualquer núncio. É agora sob esta perspectiva que se nos afigura poder rebater a primordial objecção sustentada contra o mérito do recurso: é vedado ao advogado da parte contactar com as testemunhas que ofereceu, mas não é vedado que estas se socorram dele como núncio. Segundo a experiência comum, até se torna compreensível que a testemunha entregue a quem a ofereceu o documento comprovativo da impossibilidade de ter comparecido para ser junto ao processo, porque será quem mais facilidade, e elementos, tem para o fazer. Tanto nem sequer supõe que o advogado tenha contactado com ela: pode muito bem conceber-se ter sido o constituinte quem o muniu do atestado. Em todo o caso, o que norma deontológica prescreve é que o advogado não contacte a testemunha oferecida, para de alguma maneira não a instruir ou debater com ela aspectos da causa. E a simples entrega de um atestado médico, com vista a obter a justificação de uma falta, não cabe seguramente no âmbito da proibição, que nem pode ser racionalmente compreendida com os limites exagerados dos deveres cometidos à mulher de César. Temos deste modo que não procedem nem a justificação do despacho recorrido, nem da sustentação, ficando todavia em aberto saber se a interposição do presente recurso faz cair no âmbito da consequente revogação do despacho recorrido, a problemática da justificação da falta da testemunha. Ora, o processo findou sem cumprimento do despacho que aplicou a multa. Mas como bem sustenta o M.P. dele constam os elementos suficientes para ajuizar sobre a condição suspensiva da decisão condenatória. Removido o obstáculo que se traduz na prolação do despacho em crise, o problema subsiste em conecção íntima com a problemática posta pelo presente agravo. E se a omissão de pronúncia, arguida contra a decisão recorrida, justamente por não ter levado em conta o que resulta do atestado, e em face da falta da testemunha anotada em acta, nos parece 7 excessiva no contexto de legitimação do recorrente, aquela íntima conecção autoriza, ainda assim, a que, ao menos sob a directiva da celeridade processual, se tome posição. Nada havendo que contrarie a declaração médica da impossibilidade de comparência da testemunha, há portanto que ter a falta como justificada. 14. Vistos os arts. 3º CPC e 76º EOA, decide-se, pelas razões expostas, revogar o despacho recorrido, com a consequência da admissão ao debate intraprocessual do atestado médico e correlativa justificação da falta de Carlos Alberto da Silva Martins à audiência de discussão e julgamento, 98.01.08. 15. Sem custas, por não serem devidas. 8