Domingo de Ramos e da Paixão (Ano A)
Bênção dos Ramos
O texto – Mt 21,1-11
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Quando já se aproximavam de JERUSALÉM
e chegaram perto de Betfagé, sobre o monte das Oliveiras.
Jesus enviou dois discípulos,
dizendo-lhes:
«Ide à aldeia que está em frente de vós
e logo encontrareis uma jumenta presa e com ela um jumentinho.
Soltai-os e trazei-mos.
E, se alguém vos disser alguma coisa, respondereis:
‘O Senhor precisa deles, mas logo os devolverá’».
Isto sucedeu para se cumprir o que fora anunciado pelo profeta:
«Dizei à filha de Sião:
Eis que O TEU REI vem ao teu encontro, manso
e montado numa jumenta, e sobre um
jumento,
filho duma jumenta».
Os discípulos foram
e fizeram como Jesus lhes ordenara.
Trouxeram a
jumenta
eo
jumentinho,
puseram as capas sobre eles
e Jesus sentou-se em cima.
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Uma grande multidão estendia as suas capas no caminho;
outros cortavam ramos das árvores e espalhavam-nos pelo chão.
A multidão que o precedia e a que o seguia gritava:
Hossana ao FILHO DE DAVID!
Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor!
Hossana nas alturas!
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Quando entrou em JERUSALÉM, toda a cidade ficou em alvoroço e perguntavam:
«QUEM É ESTE?».
E a multidão dizia:
«É O PROFETA JESUS, DE NAZARÉ DA GALILEIA».
Breve comentário
A chave de leitura da entrada de Jesus em Jerusalém é sugerida pela citação dum texto bíblico,
introduzido com a fórmula habitual: «Isto sucedeu para se cumprir o que fora anunciado pelo profeta». A
citação é uma montagem de dois fragmentos proféticos que anunciam a vinda do Senhor para salvar a
cidade, representante do povo de Israel.
O convite inicial baseia-se no texto de Is 62,11: «Dizei à filha de Sião: Eis que chega o teu salvador»,
mas também em Zc 9,9, que fornece a linha messiânica a toda a cena: «Exulta filha de Sião, rejubila, filha
de Jerusalém. Eis que vem a ti o teu rei…». Mateus relê o texto profético na sua perspectiva messiânica,
deixando de lado as duas qualificações dadas ao rei-messias no texto de Zacarias: justo e vitorioso. Assim,
realça a única qualidade do messias Jesus: «manso», como também ele se apresentou antes como o
messias «manso e humilde de coração» que promete a libertação e a paz aos oprimidos (Mt 11,29).
A ideia do messias «manso», não violento e pacífico, é vincada pelo facto de Jesus entrar na cidade de
Jerusalém montado num jumento, a montada dos príncipes e chefes do povo em tempo de paz. Para fazer
coincidir a cena evangélica com os pormenores do texto profético, Mateus faz conduzir a Jesus a jumenta e
o seu jumento e afirma que Jesus, depois de os discípulos terem colocado os seus mantos, montou sobre
os animais.
O clima real-messiânico da entrada de Jesus é sugerido também pelo gesto da multidão que estende os
seus mantos no caminho. O grito de aclamação é tomado da invocação hoshî’anna’ («dá a salvação») do Sl
118,25. O mesmo salmo sugere as palavras de acolhimento do Filho de David: «Bendito o que vem em
nome do Senhor» (Sl 118,26). Este salmo, cantado na festa das Tendas, dá o significado messiânico
também ao pormenor dos ramos de árvores que a multidão espalhava no caminho. O salmista, depois das
palavras de saudação dirigidas àquele que vem em nome do Senhor, convida a preparar «o cortejo com
ramos frondosos até aos lados do altar» (Sl 118,27). Assim, aquele que entra em Jerusalém não é apenas
um messias manso, desarmado e pacífico, mas também aquele que vem com a autoridade de Deus, como
Senhor. A cidade que, com a sua rejeição e a condenação do messias Jesus, confirma a sua infidelidade
histórica, deverá preparar-se para o encontrar como Senhor, juiz do fim dos tempos (Mt 23,39).
Um indício e presságio desta reacção ambivalente encontra-se na cena a seguir à entrada de Jesus.
Toda a cidade de Jerusalém fica em alvoroço, tal como se perturbou com a chegada dos magos que
perguntavam: «Onde está o rei dos judeus que nasceu?». Também agora circula a interrogação sobre a
identidade daquele que fez a sua entrada real na cidade. A multidão que acompanha Jesus reconhece-o
como «profeta».
Jesus é o messias pacífico e salvador que entra na sua cidade como Filho de David e Senhor, mas que
se revelará como tal somente depois de ter vivido até ao fim o seu destino de «profeta» rejeitado,
perseguido e morto (cf. Mt 13,57; 23,37).
P. Franclim Pacheco
Diocese de Aveiro
Missa da Paixão
O texto – Mt 26,14–27,66
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Então um dos Doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os sumos sacerdotes
e disse:
«Quanto quereis dar-me,
se eu vo-lo
ENTREGAR?».
Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata.
A partir daquele momento, procurava a oportunidade para o
ENTREGAR.
II
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No primeiro dia dos Ázimos, os discípulos aproximaram-se de Jesus
dizendo:
«Onde queres que
prepararemos para comeres a Páscoa?»
Ele disse:
«Ide à cidade, a casa dum certo homem e dizei-lhe:
‘O Mestre diz: O meu tempo está próximo;
farei a Páscoa em tua casa com os meus discípulos’».
Os discípulos fizeram como Jesus lhes ordenara
e prepararam
a Páscoa.
III
Chegando a tarde, pôs-se à mesa com os Doze discípulos.
Enquanto comiam, disse:
«Em verdade vos digo:
Um de vós
me ENTREGARÁ».
Eles, profundamente entristecidos, começaram dizer-lhe, um a um:
«Porventura serei eu, Senhor?».
Respondendo, disse:
«Aquele que meteu comigo a mão no prato,
esse
me ENTREGARÁ.
O Filho do Homem vai, como está escrito acerca dele;
mas ai daquele homem
por quem o Filho do Homem
vai SER ENTREGUE.
Seria melhor para esse homem não ter nascido!»
Respondendo, Judas, o traidor, disse:
«Porventura serei eu, Rabbi?».
Disse-lhe:
«TU O DISSESTE».
IV
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Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, abençoando,
partiu-o e deu-o aos seus discípulos,
e disse:
«Tomai, comei:
Isto é o
MEU CORPO».
Em seguida, tomou um cálice, deu graças e deu-lho,
dizendo:
«Bebei dele todos
porque este é o MEU SANGUE da Aliança,
derramado por muitos para a remissão dos pecados.
Eu vos digo que desde agora não beberei mais deste fruto da videira,
até àquele dia em que beber o vinho novo convosco
no Reino de meu Pai».
E, tendo cantado o hino, saíram para o Monte das Oliveiras.
V
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Então, Jesus disse-lhes:
«Todos vós VOS ESCANDALIZAREIS
por minha causa,
nesta noite,
pois está escrito:
‘Ferirei o pastor e serão dispersas as ovelhas pastor’.
Mas, depois que eu for ressuscitado, vos precederei na Galileia».
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Respondendo, Pedro disse-lhe:
«Ainda que todos
SE ESCANDALIZEM
por tua causa,
Eu jamais
ME ESCANDALIZAREI!»
Disse-lhe Jesus:
«Em verdade te digo:
Esta noite, antes de o galo cantar,
TRÊS VEZES ME NEGARÁS ».
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Diz-lhe Pedro:
«Mesmo que tenha de morrer contigo,
NÃO TE NEGAREI!».
Do mesmo modo disseram também todos os discípulos.
VI
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Então Jesus foi com eles para um lugar chamado Getsémani
e disse aos seus discípulos:
«Sentai-vos aqui, enquanto eu vou além orar».
E, levou consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu,
começou a entristecer-se e a angustiar-se.
Disse-lhes, então:
«A minha alma está triste até à morte;
ficai aqui e vigiai comigo».
E, adiantando-se um pouco mais, caiu com a face por terra, e
orava
dizendo:
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«Meu Pai, se é possível, passe de mim este CÁLICE!
Porém, NÃO COMO EU QUERO, MAS COMO TU QUERES».
Voltou para junto dos discípulos e, encontrando-os a dormir,
e disse a Pedro:
«Nem sequer pudestes vigiar uma hora comigo!
Vigiai e orai, para não entrardes em tentação.
O espírito está pronto, mas a carne é débil».
De novo, afastando-se, pela segunda vez
orava,
dizendo:
«Meu Pai,
se este CÁLICE não pode passar sem que Eu o beba,
SEJA FEITA A TUA VONTADE!»
E, voltando, de novo os encontrou adormentados,
pois os seus olhos estavam pesados.
E, deixando-os, afastou-se e
orou pela terceira vez,
repetindo as mesmas palavras.
Por fim, regressou para junto dos discípulos
e disse-lhes:
«Dormi agora e repousai!
Eis que se aproxima a hora,
e o Filho do Homem VAI SER ENTREGUE nas mãos dos pecadores.
Levantai-vos, vamos!
Eis que se aproxima AQUELE QUE ME ENTREGA».
VII
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Enquanto ainda falava, eis que chegou JUDAS, um dos Doze,
e com ele uma grande multidão, com espadas e varapaus,
da parte dos sumos sacerdotes e dos anciãos do povo.
Aquele que o entregaria deu-lhes um sinal,
dizendo:
«Aquele que eu beijar, é ele:
prendei-o».
Aproximando-se imediatamente de Jesus
disse:
«Salve, rabbi!».
E beijou-o.
Jesus disse-lhe:
«Amigo, a que vens?».
Então, avançando, deitaram as mãos a Jesus e
prenderam-no.
E eis que dos que estavam com Jesus
levou a mão à
espada,
desembainhou-a e feriu um servo do Sumo Sacerdote, cortando-lhe uma orelha.
Então Jesus disse-lhe:
«Mete a espada no seu lugar,
pois todos aqueles que fazem uso da espada
morrerão à
espada.
Porventura crês que não posso orar a
meu Pai
que me daria imediatamente mais de doze legiões de anjos?
Mas como, então, se cumpririam as ESCRITURAS,
de que isto deve acontecer?».
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Naquele mesmo hora
disse Jesus à multidão:
«Como para um ladrão saístes com espadas e varapaus,
para me prender.
Todos os dias estava sentado no templo a ensinar,
e não me prendestes.
Mas tudo isto aconteceu,
para que se
cumprissem as ESCRITURAS dos profetas».
Então, todos os discípulos o abandonaram e fugiram.
VIII
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Os que tinham prendido Jesus conduziram-no ao Sumo Sacerdote Caifás,
onde os escribas e os anciãos se tinham reunido.
PEDRO, entretanto, seguia-o de longe até ao palácio do Sumo Sacerdote;
E, entrando, sentou-se entre os servos, para ver o fim.
Os sumos sacerdotes e todo o Sinédrio
procuravam algum falso testemunho contra Jesus,
PARA O FAZEREM MORRER;
mas não o encontraram,
embora se tivessem apresentado muitas falsas testemunhas.
Finalmente, apresentaram-se duas,
que disseram:
«Este declarou:
‘Posso destruir o templo de Deus e reedificá-lo em três dias’».
Erguendo-se, o Sumo Sacerdote disse-lhe:
«Não respondes nada? Que é isto que testemunham contra ti?».
Mas Jesus continuava calado.
Então, o Sumo Sacerdote disse-lhe:
«Conjuro-te, pelo Deus vivo,
que nos digas
se és o
Cristo, o Filho de Deus».
Disse-lhe Jesus:
«TU O DISSESTE.
Mas eu digo-vos:
De ora em diante vereis
o Filho do Homem
sentado à direita do Poderoso
vindo sobre as nuvens do céu».
Então, o Sumo Sacerdote rasgou a sua veste,
dizendo:
«Blasfemou!
Que necessidade temos, ainda, de testemunhas?
Eis que agora ouvistes a blasfémia.
Que vos parece?»
Eles, respondendo, disseram:
«É RÉU DE MORTE».
Então cuspiram-lhe no rosto e bateram-lhe com os punhos.
Outros davam-lhe bofetadas, dizendo:
«Profetiza,
Cristo: quem te bateu?».
IX
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Ora, PEDRO estava sentado fora no pátio do palácio.
Aproximou-se dele uma criada,
dizendo:
«Também tu estavas com Jesus, o galileu».
Mas ele NEGOU diante de todos,
dizendo:
«Não sei o que dizes».
Enquanto saía para o átrio, viu-o uma outra que disse aos presentes:
«Este estava com Jesus, o Nazareno».
E de novo NEGOU, com um
JURAMENTO:
«Não conheço o homem ».
Pouco depois, os que estavam lá aproximaram-se
e disseram a Pedro:
«De certeza também tu és daqueles,
pois até a tua fala te denuncia».
Então, começou a dizer imprecações e a JURAR:
«Não conheço o homem!».
E imediatamente
um galo cantou.
E Pedro recordou-se da palavra de Jesus:
«ANTES DE O GALO CANTAR, ME NEGARÁS TRÊS VEZES».
E, saindo para fora, chorou amargamente.
X
27 1 Chegada a manhã, todos os chefes dos sacerdotes e anciãos do povo
reuniram-se em conselho contra Jesus, para o fazerem morrer.
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Manietando-o, levaram-no e ENTREGARAM ao governador Pilatos.
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Então JUDAS, que o tinha
ENTREGADO, vendo que Jesus tinha sido condenado,
teve remorsos e devolveu os trinta denários de prata aos chefes sacerdotes e anciãos,
dizendo:
«Pequei,
ENTREGANDO sangue inocente».
Mas eles disseram:
«Que nos importa? Isso é lá contigo».
Então ele, lançando os denários no templo, retirou-se e foi enforcar-se.
Mas os chefes dos sacerdotes, apanhando os denários,
disseram:
«Não é lícito pô-los no tesouro,
pois é preço de
sangue».
Depois de terem deliberado em conjunto,
compraram com eles o «Campo do Oleiro»,
para a sepultura dos estrangeiros.
Por isso, aquele campo é chamado,
até ao dia de hoje, «Campo de Sangue».
Então cumpriu-se o que tinha dito Jeremias, o profeta:
Tomaram as trinta denários de prata,
o preço da venda que os filhos de Israel avaliaram,
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e deram-nas pelo Campo do Oleiro,
como tinha ordenado o Senhor».
XI
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Jesus, entretanto, compareceu diante do governador.
O governador interrogou-o
dizendo:
«Tu és o Rei dos Judeus?»
Jesus respondeu:
«TU O DIZES».
E enquanto os chefes dos sacerdotes e anciãos judeus o acusavam,
Ele nada respondia.
Então, disse-lhe Pilatos:
«Não ouves quantos testemunhos trazem contra ti?».
Mas Jesus não lhe respondeu, nem sequer sobre um ponto coisa alguma,
de modo que o governador estava muito admirado.
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Em cada festa
o governador costumava soltar à multidão um prisioneiro que eles queriam.
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Havia, então, no cárcere um prisioneiro famoso que se chamava Jesus Barrabás.
Estando eles reunidos,
disse-lhes Pilatos:
«QUEM QUEREIS QUE VOS SOLTE:
Jesus,
o Barrabás
ou JESUS, chamado CRISTO?»
Ele sabia, com efeito, que lho tinham ENTREGADO por inveja.
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Enquanto estava sentado no tribunal, a mulher mandou-lhe dizer:
«Não te intrometas com esse JUSTO,
porque hoje fui muito atormentada em sonho por causa dele».
Os chefes dos sacerdotes e os anciãos dos judeus
persuadiram a multidão a pedir Barrabás
e A FAZER MORRER JESUS.
Retomando a palavra,
o governador perguntou-lhes:
«QUAL DOS DOIS QUEREIS QUE VOS SOLTE?»
Eles disseram:
«Barrabás!».
Pilatos disse-lhes:
«Que farei, então, de JESUS chamado CRISTO?»
«SEJA CRUCIFICADO!»
Pilatos retomou:
«Que mal fez Ele?»
Mas eles gritaram ainda mais forte:
«SEJA CRUCIFICADO!»
Pilatos, vendo que nada conseguia
e que o tumulto crescia cada vez mais,
tomando água, lavou as mãos diante do povo,
dizendo:
«Estou inocente
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do sangue deste homem.
Isso é convosco».
E todo o povo respondeu:
«Que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos!».
Então, soltou-lhes Barrabás.
Quanto a
JESUS, depois de tê-lo feito flagelar,
ENTREGOU-o para
SER CRUCIFICADO.
XII
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Então, os soldados do governador conduziram Jesus para o pretório
e reuniram à volta dele toda a coorte.
Despiram-no e envolveram-no
com um manto escarlate.
e, tecendo uma
coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça
juntamente com uma cana na mão direita;
e, prostrando-se diante dele,
escarneciam-no, dizendo:
«Salve! Rei dos Judeus!».
E, cuspindo-lhe no rosto, agarravam na cana e batiam-lhe na cabeça.
Depois de o terem escarnecido,
despiram-lhe o manto, vestiram-lhe as suas roupas
e levaram-no para o
CRUCIFICAREM.
XIII
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Enquanto saíam, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão,
e requisitaram-no para levar a CRUZ.
Chegando a um lugar chamado Gólgota, que significa «Lugar do Crânio»,
deram-lhe a beber vinho misturado com fel;
mas Ele, provando-o, não quis beber.
Depois de o terem
CRUCIFICADO,
repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte.
E, sentando-se, faziam a guarda no lugar.
Por cima da sua cabeça, colocaram a causa da sua condenação:
«Este é JESUS,
O REI DOS JUDEUS».
Juntamente com Ele, FORAM CRUCIFICADOS dois salteadores:
um à direita e outro à esquerda.
Os que passavam insultavam-no, meneando a cabeça
e dizendo:
«Tu, que destruías o templo e o reedificavas em três dias,
SALVA-TE A TI MESMO!
Se és
FILHO DE DEUS,
DESÇA DA CRUZ!».
Do mesmo modo os chefes dos sacerdotes o insultavam
juntamente com os escribas e os anciãos judeus,
dizendo:
«SALVOU os outros
e não pode
SALVAR-SE A SI MESMO!
É
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O REI DE ISRAEL,
DESÇA AGORA DA CRUZ,
e acreditaremos nele.
Confiou em Deus;
ELE QUE O LIVRE AGORA, se lhe quer bem,
pois disse: ‘EU SOU FILHO DE DEUS!’».
Até os salteadores, crucificados com ele, o insultavam com o mesmo tom.
XIV
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Desde a hora sexta até à horas nona, fez-se escuridão sobre toda a terra.
Cerca da hora nona, Jesus clamou com voz forte:
isto é:
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«ELI, ELI, LEMÁ SABACTHÁNI?»,
Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?
Alguns dos que ali se encontravam, ao ouvir isto,
diziam:
«Está a chamar por Elias».
Imediatamente um deles correu a tomar uma esponja
e, embebendo-a em vinagre, fixou-a numa cana e dava-lhe de beber.
Mas os outros disseram:
«Deixa; vejamos se Elias vem salvá-lo».
E Jesus, gritando de novo com voz forte, expirou.
E eis que o véu do templo rasgou-se em dois, de alto a baixo;
a terra tremeu e as rochas fenderam-se;
os túmulos abriram-se e muitos corpos de santos mortos ressuscitaram;
e, saindo dos túmulos, depois da sua ressurreição,
entraram na cidade santa e apareceram a muitos.
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O centurião e os que com ele faziam a guarda a Jesus,
vendo o tremor de terra e o que estava a acontecer,
ficaram apavorados e disseram:
«ESTE ERA VERDADEIRAMENTE FILHO DE DEUS!».
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Estavam ali muitas mulheres que estavam a observar de longe;
elas tinham seguido Jesus desde a Galileia para o servir.
Entre elas, estava Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago e de José,
e a mãe dos filhos de Zebedeu.
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XV
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Ao cair da tarde, veio um homem rico de Arimateia, chamado José,
que se tinha tornado também ele discípulo de Jesus.
Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o CORPO DE JESUS.
Então, Pilatos ordenou que lho entregassem.
José tomou o CORPO, envolveu-o num lençol limpo
e depositou-o no seu TÚMULO novo, que tinha mandado talhar na rocha.
Depois, rolou uma grande pedra contra a entrada do TÚMULO e retirou-se.
Maria de Magdala e a outra Maria estavam ali sentadas, diante do TÚMULO.
No dia seguinte, no dia a seguir à Preparação,
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Reuniram-se os chefes dos sacerdotes e os fariseus junto de Pilatos
e disseram-lhe:
«Senhor, lembrámo-nos de que aquele impostor disse, ainda em vida:
‘Três dias depois hei-de ressuscitar.’
Ordena, pois, que o sepulcro seja guardado até ao terceiro dia,
para que não venham os discípulos roubá-lo
e depois dizer ao povo:
‘Ressuscitou dos mortos.’
E esta última impostura seria pior que a primeira».
Pilatos respondeu-lhes:
«Tendes guardas. Ide e guardai-o como quereis».
E eles foram pôr o SEPULCRO em segurança,
selando a pedra e pondo-lhe a guarda.
Breve comentário
Com esta narração estamos na parte central e certamente mais antiga do anúncio primitivo, que
podemos definir como o cume do drama da redenção.
A narração, descritivamente pobre, é, no entanto, densa de conteúdo doutrinal. Verificam-se duas
tendências dominantes: a histórica, que procura confirmar a veracidade dos factos, e a teológica,
empenhada em apresentar a morte de Cristo, não como simples facto de crónica, mas como recapitulação
de toda a preparação profética do passado e como projecção da humanidade num futuro de esperança e de
amor. Em linhas gerais, os evangelistas procedem conforme um esquema comum, o que não exclui
diversidade de pormenores e inserções de elementos próprios.
A figura central da narração é a pessoa do Mestre que, embora imerso numa atmosfera hostil, aparece
como o dominador dos acontecimentos e das pessoas. O grito de fé do centurião, unido às reacções
cósmicas manifestadas na morte de Cristo, abre uma espiral de luz a confirmar que, apesar do aparente e
momentâneo sucesso das forças adversas, o verdadeiro vencedor é ele, o Messias e Filho de Deus,
Salvador da humanidade.
A exposição de Mateus é essencialmente uma narração eclesial (o centurião não está isolado no seu
acto de fé), onde o presente é visto como maturação do passado (citações da Escritura), que assegura aos
crentes a fidelidade divina e leva-os ao acto de adoração plena, enquanto a conclusão da perícopa, em
visual cósmico, coloca em relevo o aspecto escatológico da morte do Redentor.
Centrados no facto de Cristo que morre na cruz, podemos distinguir dois grupos de pequenos quadros
que completam e clarificam a cena central: os últimos momentos de Jesus e a sua morte (Mt 27,45-50) e os
fenómenos cósmicos na morte de Jesus (Mt 27,51-56).
OS ÚLTIMOS MOMENTOS DE JESUS E A SUA MORTE (Mt 27,45-50)
Mateus, mais do que nos aspectos clínicos dos últimos instantes de Jesus, fixa-se no aspecto doutrinal
sublinhando a incidência da morte de Cristo no âmbito da história da Salvação. Um acontecimento tão
grande não podia ser reduzido a termos comuns; era necessário recorrer a uma linguagem adaptada que
envolvesse toda a realidade, o céu e a terra; por isso, a partida do Salvador é acompanhada de fenómenos
excepcionais, entre os quais o primeiro, recordado por toda a tradição sinóptica, é o do aparecimento das
trevas.
No momento em que a Luz do mundo se apaga sobre a cruz, as trevas envolvem a terra. Tal escuridão é
considerada uma intervenção extraordinária de Deus, estreitamente ligada às circunstâncias dos últimos
instantes da vida do Redentor, no qual os cristãos veriam o cumprimento das trevas anunciadas para o Dia
de Yahweh. É suficiente pensar numa intervenção extraordinária de Deus em fenómenos naturais mais
intensos como uma aglomeração misteriosa de espessas e densas nuvens ou, melhor ainda, um escurecer
do sol provocado por vapores ou pelo pó trazido pelo vento siroco, fenómeno frequente na Palestina nesta
estação e que, provavelmente, naquele ano teve uma intensidade excepcional.
Mais que no facto sensível em si, é para o seu valor simbólico que o evangelista quer chamar a atenção
dos leitores. Apoiando-se em passagens do Antigo Testamento de tipo apocalíptico-profético, Mateus quer
apresentar nas trevas que envolvem a terra o símbolo das forças do mal que procuram desesperadamente
prender a obra redentora de Jesus e a aproximação do supremo juízo divino, do Dia de Yahweh. De resto, o
tema das trevas, como concretização das forças do mal, encontra-se um pouco por toda a parte nas
narrações evangélicas, sobretudo nas da Paixão. Aqui, na morte de Jesus, torna-se uma prova sensível do
mar de ódio que está a submergir Cristo. Além disso, no Antigo Testamento, a obscuridade é símbolo de
desgraça e de maldição por parte de Deus, pelo que se torna também sinal da ira punitiva do Senhor que se
abate sobre os algozes do Messias e Filho de Deus.
No meio destas trevas, a tradição de Marcos-Mateus recorda o grito de Jesus entoado no início do
Salmo 22, quase como confirmação dos oráculos proféticos e também como reflexo do drama íntimo que o
atormenta pelo lado humano: Elî, Eli, lema sabachtánî, acrescentando imediatamente o esclarecimento da
tradução (27,46b). A citação literal do salmo convida a considerar o espírito que o percorre de princípio ao
fim e que não é certamente nem de amargura nem sequer de desconforto, mas exprime o confiante
abandono do Messias nas mãos de Deus para que os inimigos, que quiseram a sua morte, não venham a
prevalecer.
Pronunciando estas palavras do salmo, Jesus coloca-se na posição espiritual do salmista. Em ambos os
casos, o do Mestre e o do salmista, o abandono não é nem a rejeição nem a reprovação, mas sim a
expressão do peso que a prova deixa na natureza humana, unido porém à oração confiante dirigida a Deus,
embora no meio duma opressão exterior e miséria moral; mais: o facto de invocar a Deus como «seu Deus»
dá exactamente ao lamento o acento da confidência mais do que de reprovação. Deus, por um desígnio
misterioso, abandona-o nas mãos dos inimigos, mas a aparente derrota muda-se, no salmo, em sentido
messiânico, com o triunfo do Messias.
Jesus repetiu em voz alta a invocação do salmista e o termo ’Elî foi interpretado como invocação do
profeta Elias. A confusão não parece ser um equívoco da parte dos hebreus que estavam junto à cruz, mas
sim intencional jogo de palavras para escarnecer uma vez mais do agonizante. De facto é difícil pensar que
os escribas e os fariseus presentes não tenham reconhecido nas palavras de Cristo o início do Salmo 22.
Segundo a opinião popular corrente, Elias era o grande socorrista das necessidades e, particularmente,
levava a salvação na angústia máxima aos homens piedosos; além disso, sempre segundo a crença do
povo, devia descer à terra para preparar a vinda do Messias (cf. Mt 17,10ss) para ungi-lo como tal e dá-lo a
conhecer ao mundo. Os hebreus, presentes na agonia de Cristo, jogando com a homofonia material dos
termos, fingiram entender que o moribundo invocava a ajuda do profeta e desejava tê-lo ao lado como
socorro; por isso, com complacência sarcástica, colocam em relevo que o Salvador invoca o precursor do
Messias, já certos que Jesus não se moveria mais da cruz e que certamente ninguém o ajudaria.
Logo a seguir a este mal entendido sobre Elias, Mateus insere no seu quadro narrativo o facto de um
soldado (só os soldados se podiam aproximar) que procura tirar a sede a Jesus oferecendo-lhe vinagre,
sem o mínimo aceno ao que determinou esta acção. A oferta do vinagre com um acenar ao Sl 69,22 poderia
aparecer como uma ofensa a aumentar o tormento; na realidade, é entendida como um alívio (cf. 19,28),
mesmo prolongando um pouco mais o sofrimento do moribundo.
Não faltaram críticos que duvidaram do valor deste facto, dizendo-o fruto da reflexão dos evangelistas
sobre o Sl 69,22. Um exame atento ao conjunto sugere antes a formulação inversa: realmente Cristo na
cruz experimentou uma grande sede, coisa normal nos crucificados, e este elemento histórico levou à
reflexão teológica que o viu já preanunciado pelo salmista.
Todavia, embora admitindo que o vocábulo «vinagre» tenha sido escolhido pelos evangelistas por causa
do Sl 69,22, no nosso caso a palavra tem uma acepção mais ampla e, segundo a opinião comum dos
exegetas, designa a chamada «posca», uma bebida ácida e refrescante, mistura de água com vinagre,
muito usada pelos soldados que a preferiam à água pura.
Atingido pelo espectáculo de tanta majestade no sofrimento, e movido por um sentido de humanidade, o
soldado, tendo metido uma esponja numa cana, ofereceu-lhe de beber. Mas também aqui a maldade dos
presentes se faz notar: «Deixa, vejamos se Elias vem salvá-lo»; o ódio cega completamente os hebreus que
até ao fim atacam a própria vitima.
O forte grito com que Jesus morre demonstra que Cristo até ao último momento teve uma clara
consciência e que a sua vida não se apagou docemente mas violentamente como verdadeira vítima
sacrificial para o bem da humanidade.
Uma coisa nos fere: todos os trágicos acontecimentos que se sucederam com ritmo alucinante, de noite
e manhã, encontram o seu epílogo na simples constatação dos evangelistas na sua função de historiadores:
«expirou». É um verbo demasiado breve para exprimir uma realidade tão grande, mas em casos
semelhantes a discrição e o silêncio são preferíveis. Os evangelistas enunciam, sem romantismo, a
conclusão da obra, em que Jesus realizou definitivamente a salvação dos homens.
OS FENÓMENOS CÓSMICOS NA MORTE DE JESUS (Mt 27,51-56)
A ideia que preside a esta cena final nos sinópticos, em que Marcos e Lucas são mais breves, aparece
evidente: às injúrias e humilhações precedentes opõem-se aqui as provas de testemunho e veneração.
Mateus é mais desenvolvido e, enquanto noutros lados tende a abreviar elementos maravilhosos, aqui, pelo
contrário, multiplicou-os, acrescentando outros sinais, como o terramoto, o fender da rocha, a abertura dos
sepulcros e a ressurreição dos mortos, o que, opondo-se às precedentes descrições que apresentavam o
Mestre na sua realeza natural e humana, faz realçar a sua misteriosa personalidade de Filho de Deus.
Os fenómenos com que os sinópticos, Mateus em particular, apresentam a morte de Jesus, fazem
realçar, juntamente com as trevas, a dimensão excepcional do acontecimento e o unem estreitamente a
profundos visuais simbólico-doutrinais, quer cultuais (o véu do templo que se rasga), quer cósmicos (o
terramoto e o fender da rocha), quer escatológicos (a ressurreição dos mortos). Para entender estes dados
e a sua inserção na perícopa é necessário ter em conta o género literário destas narrações. Não se trata de
instantâneos fotográficos, nem de serviço imediato de informação, mas duma narração de sabor bíblico e
intenção teológica.
Sem negar à partida os acontecimentos maravilhosos, temos no entanto o direito de nos interrogarmos
porque é que eles são expostos desta maneira e se os autores não teriam a intenção de evocar temas
bíblicos que se realizaram agora.
A hora sexta é o meio dia; a hora nona são as três horas da tarde. Esta é a hora das trevas em pleno
dia, como foi profetizado por Amós: «Naquele dia - oráculo do Senhor meu Deus - farei com que o Sol se
ponha ao meio-dia, e em pleno dia cobrirei a terra de trevas» (Am 8,9; no mesmo contexto fala do «luto por
um filho único). O dia do Senhor tão esperado revela-se como «trevas e não luz» (Am 5,20). Estamos como
no fim do mundo: «Logo após a aflição daqueles dias,o Sol irá escurecer-se, a Lua não dará a sua luz...
Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem...» (Mt 24,29ss), isto é, o sinal da cruz. Esta é a hora
profetizada por Jesus Jesus quando estava perante o Sinédrio: «De agora em diante vereis o Filho do
Homem sentado à direita do Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu» (Mt 26,64).
Nesta hora, hora da sua morte na cruz, Jesus deixa de ser definido como vivente neste mundo, ou
melhor deixa de ser definido como um condenado à morte, e assume uma nova modalidade como presença
na história, como juiz sentado à direita do Pai. Devemos ainda esperar o anúncio da ressurreição, mas tudo
já se decide nesta hora suprema, a qual se apresenta como uma dupla hora de trevas em vez da luz
esperada, mas também hora de salvação precisamente no meio da trevas mais densas. Hora duma
salvação que se realiza paradoxalmente, no momento do extremo abandono.
É provável que a morte de Cristo tenha sido acompanhada de acontecimentos extraordinários (Mt 27,5153). Porém, vê-se que o evangelista os apresenta com uma intenção de fundo. Encontramo-nos diante dum
género literário utilizado pelos escritos sagrados para anunciar as profundas transformações que o início da
era messiânica teria produzido. De resto, demonstram-no muito bem as expressões evangélicas usadas
pelo primeiro evangelista ao apresentar estes fenómenos cósmicos, expressões onde a referência proféticoapocalíptica aparece evidente. Podemos recordar o rasgar do véu que, na literatura apocalíptica, significa
«suprimir o segredo, tirar a exclusividade», ou ainda o tremor de terra e o partir das pedras, figura do juízo
divino, ou também a ressurreição dos corpos como apresentação do início duma nova fase e dum novo
modo de viver.
O primeiro fenómeno, comum aos três sinópticos, é o do véu do templo rasgado, colocado aqui pelo seu
significado simbólico. Mais do que procurar saber de que véu se trata, o acento é posto sobre o «rasgar» ou
destruição do véu, figurando a revogação do judaísmo a favor do cristianismo. Com a morte de Cristo
termina a antiga economia judaica com todas as suas instituições cultuais e o seu âmbito nacionalista para
dar início ao universalismo da salvação; as figuras e as promessas dão lugar à realidade, enquanto ao
ritualismo judaico, ligado a um só templo e celebrado com a oferta de vítimas irracionais, se substitui o culto
universal em espírito e verdade de que Cristo é o altar, a vítima e o Sacerdote. Realizava-se, assim, a dupla
profecia de Jesus que o templo ficaria deserto (Mt 23,38), enquanto era erigido o novo templo não feito por
mão de homem.
Ao véu que se rasga, comum à tradição sinóptica, Mateus acrescenta outros três fenómenos (o
terramoto, o quebrar das rochas e a ressurreição dos mortos), a entender-se sempre em âmbito simbólico;
mais: dir-se-ia que, avançando na sua descrição, o primeiro evangelista se afasta mais da possibilidade
duma interpretação histórico-narrativa para sublinhar de modo primário as apresentações proféticoapocalípticas de valor claramente teológico.
Antes de mais, temos o terramoto e o fender das rochas (Mt 27,51b). Entramos aqui em plena expressão
bíblico-apocalíptica para a descrição do dia de Yahweh de que Mateus mostra depender estreitamente.
Não se nega a possibilidade de que à morte de Jesus tenha havido um terramoto com um fender das
rochas; porém, do conjunto aparece mais evidente que o nosso evangelista se refira ao Antigo Testamento,
na recordação de abalos telúricos como manifestação da ira divina (cf. Am 8,9; Jr 15,9), para fazer
compreender que, com a morte de Cristo, se cumpriram as profecias escatológicas e teve verdadeiramente
início a era messiânica da transformação e da salvação.
Mais difícil se apresenta a interpretação do outro fenómeno recordado por Mateus, a ressurreição de
alguns mortos que se teriam feito ver em Jerusalém depois da ressurreição de Cristo (Mt 27,52-53). Tomada
à letra, este texto torna-se pouco verosímil. De facto, como se pode pensar em mortos que ressuscitam no
momento em que Jesus expira e que esperam no sepulcro a ressurreição de Jesus para aparecer na cidade
santa? E, a ser assim, como é que o redentor poderia ainda ser considerado o primogénito dos mortos? (cf.
1Co 15,20)
O texto é entendido à luz das apresentações apocalípticas da época admitindo que aqui Mateus queira
falar da ressurreição escatológica, já anunciada pelos profetas para o fim dos tempos. Os justos de que se
fala seriam os personagens do Antigo Testamento que esperavam a libertação de Cristo para entrar na
beatitude celeste. Mateus quer ensinar que estes justos obtiveram a entrada na era escatológica,
associados à ressurreição de Cristo e por força da sua precedente morte salvífica na Cruz; eles entraram
assim com as suas almas no céu, apareceram na Jerusalém Celeste, enquanto o seu corpo espera ainda a
ressurreição final. Esta palavra de Mateus é mais teológica que histórica; com ela, sobretudo, o evangelista,
ligando-a aos acontecimentos apocalípticos precedentes (tremor de terra, escurecimento do sol, quebrar
das rochas), quis apresentar aos cristãos a morte de Cristo no seu significado universal, como o início do
fim dos tempos, o início duma nova era escatológica, que em parte já chegou, enquanto pela graça e pela fé
estamos unidos a Cristo ressuscitado, mas que, ao mesmo tempo, não chegou definitivamente, pois ainda
estamos neste mundo de pecado à espera de nos unirmos para sempre com Cristo glorificado.
O conjunto de todos estes fenómenos assume assim o valor de uma verdadeira revolução cósmica que,
partindo do alto, o véu do templo, se propaga para a terra, com o terramoto, transmitindo-se àquilo que nela
é mais sólido, as pedras, e de mais sagrado, os túmulos.
O centurião romano, encarregado da execução e da guarda ao corpo do Crucificado, permanecendo ao
lado da cruz, tinha notado em Jesus factos extraordinários: o suportar sereno da dor, a profunda calma
diante das injúrias e sarcasmos, o perdão concedido aos que o crucificaram, o forte grito antes de morrer;
tudo coisas que o atingiram fortemente. Certamente o centurião já tinha visto morrer muita gente
condenada, mas nenhum tinha tido uma atitude resignada e nobre como a de Jesus; um semelhante
espectáculo tinha-o abalado e colocado a ele, pagão, frente ao extraordinário, ao divino.
No pretório e no Calvário o centurião tinha ouvido acusar aquele condenado de se ter feito Filho de Deus.
Ora ele mesmo, por todas as circunstâncias, podia constatar que aquela afirmação era bem fundada e que
Jesus se tinha comportado de modo sobre-humano. O centurião, perante tudo isto, sente brotar-lhe de modo
espontâneo a afirmação: «Verdadeiramente este homem era Filho de Deus», uma profissão de fé que
proclama publicamente a inocência de Jesus e a sua grandeza mais que humana e o fundamento de todas as
suas pretensões, a prefigurar concretamente a entrada no reino dos céus da multidão dos gentios, ingresso
predito por Jesus quando louvou a fé dum outro centurião durante a sua vida pública (Mt 8,10-11).
Juntamente com o centurião são recordadas, como testemunhas mudas e doridas, algumas mulheres
piedosas, quase todas galileias, do grupo que há muito seguia Jesus (cf. Lc 8,2ss). Temos aqui um outro
contraste muito forte: a ausência dos discípulos, que fugiram à excepção de João (Jo 19,26ss), e estas
mulheres débeis corajosamente presentes na tragédia do Calvário. Em parte, são as mesmas que estarão
presentes na sepultura e que na manhã de Páscoa se dirigirão ao túmulo. Mateus conservou o nome delas:
Maria de Magdala, Maria mãe de Tiago e José e a mãe dos filhos de Zebedeu.
A presença destas mulheres piedosas e da Mãe de Jesus ao lado da cruz a testemunhar a sua fidelidade
e o seu amor, fecha com um flash humano e piedoso a cena do Gólgota. Na realidade, o enquadramento de
Mateus, de narração fúnebre transforma-se em apoteose para recordar que a morte é a condição da vitória,
mas também o início da mesma. Embora Jesus esteja ainda na cruz, ele já triunfa e as piedosas mulheres,
que observam de longe, já preanunciam a sua ressurreição.
Este enquadramento último do Calvário adquire assim um valor teológico e recorda-nos uma vez mais
que a participação na paixão de Cristo é o único caminho para entrar e fazer parte da sua glória.
P. Franclim Pacheco
Diocese de Aveiro
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