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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN
Campus Avançado do Seridó - Governadora Wilma Maria de Faria
Faculdade de Filosofia
Curso: Licenciatura em Filosofia
Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza
História da Filosofia Contemporânea I
Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza1
O SENTIDO DA VIDA HUMANA SEGUNDO A FILOSOFIA DA AÇÃO
1. BLONDEL E A FILOSOFIA DA AÇÃO
―A existência possui um sentido?‖ A esta pergunta irremediavelmente somos
levados ao submeter à crítica o nihilismo. Abundantemente, como já tivemos
oportunidade de observar no capítulo anterior, Schopenhauer e o próprio Nietzsche pôrla-se-ão. No entanto, todos os dois filósofos alemães, sem justificativas críticas
suficientemente fundadas, são vítimas claramente de um pressuposto ―cultural‖ — em
relação a um tema encontrado necessariamente no centro de uma tal questão —, que se
expressa no seu ateísmo ou na assunção a-priorística pela negativa à pergunta: ―a
existência possui um sentido?‖
O nosso presente texto, como anteriormente já precisamos, assumirá a produção
filosófica blondeliana, seja por suas características críticas, seja por sua atualidade em
relação ao diálogo com o âmbito cultural contemporâneo, especialmente com o
nihilismo. Ainda uma vez, nunca é desnecessário afirmar a complexidade de tais
assuntos. Complexa se mostra uma análise satisfatória do nihilismo e complexa mostrase um estudo profundo da filosofia de Maurice Blondel.
Reconhecidas estas observações se nos justifica as limitações teóricas que
fizemos em relação ao nihilismo e se nos apresentam como necessárias algumas outras
limitações. Fundamentalmente, no estudo ao qual nos devemos empenhar, limitar-nosemos especialmente à obra central do blondelianismo, a L’Action, especialmente em seu
famoso último capítulo: Le lien de la connaissance et de L’action dans l’Être.
1
O Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza é mestre em filosofia pela Pontifícia
Universidade Gregoriana de Roma, mestre em bioética pela Universidade Pontifícia
Regina Apostolorum de Roma e professor da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte.
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Naturalmente, tal não excluirá o recurso a outros capítulos de tal obra, em especial à sua
introdução e aos capítulo que formam a sua segunda parte, dentre os quais
Schopenhauer será um autor central. Ademais, nos ateremos ao estudo do ensaio
blondeliniano de 1900: Princípio elementar de uma lógica da vida moral, o qual se
mostra em perfeita continuidade com a L’Action e com os debates contemporâneos
sobre o nihilismo.
De fato, a crítica reconhece o desconhecimento — ou ao menos a desatenção —
de Blondel quando da produção da L’Action da obra filosófica de Nietzsche,2 no
entanto, é essencialmente por via de Schopenhauer que a atualidade da L’Action se
estenderá à toda a teorização nihilista. O elo de ligação entre estes três autores se deve
sobretudo à pergunta fundamental, com a qual introduzimos este presente capítulo, que
estes identificaram como sendo o centro de toda a filosofia. Blondel e Nietzsche não
concordarão com a resposta pessimista de Schopenhauer. Ademais, o método
empregado ao fim do qual se chegaria a uma resposta, mostra-se, como veremos,
radicalmente diverso nos três casos.
Procurando a partir de agora o enquadramento do estudo do último capítulo da
L’Action, para por em ressalto a sua atualidade contemporânea, devemos inicialmente
justificar a força da crítica filosófica blondeliniana e para tanto nos empenhamos em
uma essencial exposição de seus pontos centrais.
1.1 POR UMA CRÍTICA DA VIDA E UMA CIÊNCIA DA PRÁTICA
2
Blondel somente tratará explicitamente de Nietzsche alguns anos depois da publicação
da L’Action: 1. em um curso proposto para o ano letivo de 1915-1916, cujo título
parafraseia a terceira inatual nietzscheana: «Nietzsche educador de toda uma geração: a
vontade de potência»; 2. em uma carta datada de 1936 e direcionada à Sociedade dos
estudos filosóficos de Aix-Masseille; 3. por fim, nas obras da maturidade, por meio de
numerosos acenos, entretanto, de forma episódicas. (Cf. D. D’ALESSIO, Ecce Homo. Il
dramma dell’umanesimo cristiano, 339).
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Blondel viveu e pensou sua filosofia ininterruptamente submetendo-se à
dinâmica do rigor crítico, sabendo que tal tensão seria a garantia da receptividade de sua
obra, paradoxalmente atacada pelo pensamento laico e pelo pensamento religioso de
então, em uma época em que a religião enfrentava um profundo processo de convulsão,
em especial ao interno do catolicismo.
Blondel assumira desde os primeiros anos de seus estudos o desafio de alcançar
claridade em relação aos problemas fundamentais da existência. Deveria existir um
meio de fundar um discurso que pudesse ser irremediavelmente necessário,
incontestável para todo e qualquer homem, seguindo de perto, neste ponto particular, as
pretensões da modernidade.
O subtítulo da L’Action — Ensaio de uma crítica da vida e de uma ciência da
prática — testemunha o caráter e a amplitude do projeto que tal obra se propôs a
realizar: desvelar o que é ao mesmo tempo necessariamente e voluntariamente implícito
na sucessão de atos que compõe a vida de todo homem, para a constituição de uma
ciência da prática, por meio de uma crítica implacável. Todo o conteúdo de tal obra
será o desenvolvimento de tal projeto, presente aqui como uma semente que anseia por
iniciar o seu crescimento.
Não desprezando a herança do lógos ocidental, em especial por meio da
valorização do patrimônio filosófico moderno, o filósofo de Aix-en-Provence procura
atingir o núcleo central do esforço que marca toda existência humana, concentrando sua
busca em torno à pergunta inicial da ação: a vida humana possui um sentido? Uma tal
questão, ao menos aparentemente, mostra-se como iniludível.
Em verdade, como nos diz Blondel na introdução a L’Action, todo homem é
obrigado a afrontá-la e resolvê-la implicitamente por meio de seus atos. A vida, a
locomotiva da sucessão de nossos atos não para nunca. Somos necessariamente
condenados a agir e na ação condenados a escolher o caminho concreto que esta deve
seguir, porquanto se deixar levar pela corrente, ao invés de agir livremente, é na maior
parte dos casos agir contra si mesmo. Optar por uma via é renunciar às outras; mesmo
escolher não agir, mesmo o suicídio é já uma ação.
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Entretanto, as nossas escolhas, segundo Blondel, não serão nunca realizadas e
atuadas sob plena luz, dada a limitação de nosso pensar finito. Nem mesmo poderemos
ser totalmente senhores de nossos atos, como nos mostra a nossa experiência
quotidiana, seja porquanto somos sujeitos a determinismos vários que às vezes contra
toda intenção diversa usurpam o nosso ―domínio‖, seja porquanto dos nossos atos
resultam conseqüências exteriores que nos se mostram como indomáveis (Cf. M.
BLONDEL, L’Action, VI-X).
―Na prática, nada se esquiva ao problema da prática; e não somente cada um o
põe, mas cada um, a seu modo, o resolve inevitavelmente” (M. Blondel, L’Action, X).
Na prática o problema da ação é universal a todo homem. Esta constitui a via direta na
qual o método de solução é o da ação de acordo com a consciência moral. Todavia, no
homem surgem outras exigências: a busca do tentar entender o sentido daquilo que faz e
daquilo que deve fazer. Esta segunda via, indireta, não somente ajudaria na iluminação
da consciência interior, como também permitiria comunicar a solução encontrada
pessoalmente, não obstante as limitações aqui presentes, indicando a universalidade da
solução (Cf. M. Leclerc, Il destino, 134-135)
Daqui deriva a importância do estudo da ação (M. BLONDEL, L’Action, XVII):
É então uma ciência da ação que é necessário constituir; uma
ciência, que não será tal senão na medida em que será total,
porque toda maneira de pensar e de viver deliberadamente
implica uma solução completa do problema da existência; uma
ciência que não será tal senão na medida em que determinará
para todos uma solução única e excludente de todas as outras.
Porque não deve suceder que minhas razões, se estas são
científicas, possuam mais valor para mim que para os demais,
nem que deixem lugar a outras conclusões distintas das minhas.
Desta forma, Blondel se propõe a assunção, ao estilo de Agostinho e de
Descartes, de um método de dúvida que não aceite senão aquilo que não pode ser
negado. Inspirando-se a J.S. Mill, o filósofo francês procura a aplicação de uma crítica
radical que não se submeta a nenhuma das suas hipóteses, senão diante do que é
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impossível de se duvidar (método dos resíduos). Nada pode ser previamente dado por
óbvio, nem em nível de fatos, nem em nível de princípios ou de deveres (M. BLONDEL,
L’Action, XXI).
Na via indireta — diferentemente da via direta na qual somos necessariamente
obrigados a agir e a agir escolhendo — tudo deve metodologicamente ser posto sob
dúvida, não pelo simples duvidar, mas em vista de assumir somente certezas
absolutamente fundadas. Mesmo o problema da ―real existência de um problema‖, ou o
ponto de partida inicial ―não existe nada‖ são postos sob crítica:
A força de toda a investigação deve ser fornecida pela
investigação mesma; e o movimento do pensamento se
sustentará por si mesmo sem nenhum artifício exterior.
(M. BLONDEL, L’Action, XXII)
Que se abandone qualquer prejuízo ou desconfiança, justamente
porque não tomamos nenhum partido de antemão, nem pedimos
nenhum voto de confiança. Mesmo este ponto de partida ―não
há nada” não se poderia admitir, porque seria ainda um dado
exterior e como que uma concessão arbitrária e escravizante. A
operação de desobstrução é completa.
(M. BLONDEL, L’Action, XXV)
Como se vê, a atualidade de um tal método em confronto com as exigências da
crítica filosófica, e em especial da crítica nietzscheana, mostra desde já a sua relevância.
Devemos agora acompanhar o processo vital da árvore crítica blondeliniana, uma vez
que ―le déblaiement est complet‖.
Não obstante as delimitações a que nos devemos submeter neste presente escrito,
mostra-se essencial a compreensão do suco central do caminho de seu crescimento.
1.1.1 Existência da pergunta3
3
Tema correspondente à primeira parte da L’Action.
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É verdadeiramente imprescindível para o homem a pergunta sobre o sentido da
vida? Tal constitui uma questão à qual Nietzsche e Schopenhauer, como vimos,
responderam afirmativamente, não obstante as suas interpretações sobre o real valor de
um tal problema sejam diversas uma da outra. Em verdade, nem mesmo o critério
adotado por Nietzsche, ou seja, do ultrapassamento e do primado da diferença, deixam
espaço para a negação da pergunta, embora a sinceridade intelectual pretendida por
Nietzsche deve organizar hierarquicamente a qualidade das respostas dadas.
Uma tal negação é, no entanto, uma assunção teórica, baseada sobre a
inexistência de uma qualquer razão para se justificar uma escolha. Tal seria o ponto de
vista do estado estético kierkegaardiano. Ou ainda, do diletantismo de E. Renan e o
sagismo de M. Barrès, aos quais Blondel se dirige implicitamente na primeira parte da
ação.
De fato o estetismo, considerando a vida como um jogo, afirma teoricamente a
sabedoria do não fixar-se a nenhuma certeza ou modo de vida, felicitando-se a
experimentação de todas as mais diversas experiências. A verdadeira liberdade
consistiria em um não se aliar a nada definitivamente, fugindo às cadeias de todo tipo de
escravidão, qual seria a fidelidade a deveres morais etc (M. BLONDEL, L’Action, p. 11).
À pergunta sobre a existência humana, o esteta responde com o decreto de seu
esvaziamento, proclamando-se como amante do ―não querer nada‖, ao mesmo tempo
que tudo experimenta.
Fazendo emprego de sua crítica, Blondel descobre a insensatez e a debilidade de
uma tal doutrina, que excluindo todos os sistemas estáveis, torna-se pelo mesmo
movimento um sistema. Todavia, um sistema ilusório, ao passo que incapaz de
experimentar a vaidade de tudo, porquanto incapaz de experimentar totalmente tudo (M.
BLONDEL, L’Action, 13). Ademais, o esteta consciente de não querer nada
deliberadamente, ―não quer querer‖ (nolo velle). Mas, esta é já uma vontade de algo
(Cf. M. LECLERC, Il destino, 142). E um algo que não é indiferente, porque exclui uma
enorme gama de possibilidades, ou seja, aquelas que se apresentam como exclusivas.
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Mas em fim, qual o conteúdo implícito do querer do esteta? O esteta quer a si
mesmo, e é dominado pelo medo de perder-se. Entretanto, por meio de um amor tanto
disforme que procurando sacrificar todas as suas experiências a si, em uma autolatria,
ao fim sacrifica a si mesmo aos objetos que se lhe apresentam, perdendo-se nas coisas
exteriores (Cf. M. LECLERC, Il destino, 144).
A conclusão a que o filósofo de Aix-en-Provence chega ao fim de tal percurso
especulativo é de que o problema da ação existe, a escolha, o compromisso é
obrigatório. O homem não é um indeterminado, mas uma existência que quer algo,
mesmo se este algo é ainda ignorado (M. BLONDEL, L’Action, 21):
Não querer nada é, então, ao mesmo tempo: admitir o ser,
buscando nele esta infinita virtuosidade que sempre escapa; —
afirmar o nada, colocando nele a esperança vaga de um refúgio;
— limitar-se aos fenômenos e se encantar pela comédia
universal, para gozar do ser dentro da seguridade do nada. É
abusar de tudo.
Uma vez eliminada esta primeira problemática a ação humana se apresenta em
seu curso como uma busca: o homem quer e quer algo. A indeterminação deste algo
abre possibilidades diversas. Blondel as analisa em três hipóteses: 1. a hipótese do nada;
2. a hipótese dos fenômenos; 3. a hipótese da transcendência.
1.1.2 A estrada do nada4
O algo ao qual se dirige o problema da ação, dado a impossibilidade de saciá-lo
completamente e a náusea que deriva de uma saciedade fenomênica, não poderia ser
solucionado pela identificação do nada, tal qual vimos ser a hipótese do pessimismo de
4
Quanto a este tema, acompanhamos sobretudo o estudo da crítica de Schopenhauer na
L’Action proposto por C. TROISFONTAINES, «La critique de Schopenhauer dans
―L’Action‖», RPL, 91(1993), 603-619. Tal tema dentro a L’Action corresponderá a sua
segunda parte.
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Schopenhauer? O nada não seria a conclusão da experiência comum, da ciência e da
metafísica, diante da irremediável morte que acompanha todo o cosmo? Do fato de que
a nossa liberdade é independente diante do mecanismo determinístico do mundo
fenomênico que nos leva irreparavelmente à morte, a única via de solução ao problema
da ação não seria o romper a ilusão da imortalidade, alcançando a única liberdade
possível, ou seja, o apagamento de todo desejo de ser, por meio da sua substituição pela
vontade do nada? Porque a idéia do pessimismo schopenhaueriano se embaterá
frontalmente com o projeto blondeliniano, o seu confronto dentro à L’Action fora
inevitável. De fato, para Schopenhauer todo mal humano proveria da vontade de viver.
A ação seria o lugar de perdição do homem, e a única estrada de salvação seria o
aniquilamento da vontade, pela vontade do nada.
Blondel enfrentará o confronto com três formas do pessimismo propagado por
Schopenhauer.
A primeira destas aparece mediante a constatação empírica da universal vaidade
das coisas, de seu inevitável encaminhamento para a degradação, inclusive da própria
vida: a estrada da experiência direta. Entretanto, tal não sucederia somente porque
pediríamos da vida mais do que esta nos poderia dar? Não seria suficiente renunciar a
encontrar a satisfação dentro aos nossos atos para esperar uma bem-aventurada
indiferença?
A segunda, de forma mais elaborada que aquela da experiência direta, parte do
fim das ilusões de imortalidade que nos é comunicado pelas ciências. A ciência, por
mais que procure solucionar os problemas de contingência da vida humana e do
universo, ao fim constata somente o encaminhar-se de todas as coisas à extinção:
degradação de todos os sistemas.5 Tal, por sua vez, não seria, ainda, somente a
constatação de que pedimos do mundo muito mais do que este nos poderia dar? Ao
5
Em especial com as constatações da termo-dinâmica tais observações são levadas à
luz. De fato, um de suas leis é aquela que afirma o encaminhamento de todo sistema
isolado em si à morte termo-dinâmica, ou seja, ao estado de máxima entropia e mínima
energia.
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invés de proclamar o falimento da ciência, não seria mais justificável se apoiar sobre ela
e reconhecer que o nada é o fim da vida humana?
Por último, a terceira forma de pessimismo mostra-se como sendo a mais
radical, configurando-se como uma crítica metafísica. Segundo ela seriam inúteis o
suicídio do pensamento e da sensibilidade, caso a vontade não conseguisse livrar-se do
erro da vontade de viver, do erro do ser (M. BLONDEL, L’Action, 30). De fato, tal
pessimismo embora, em um primeiro momento, constate a existência de uma vontade
de viver, em um segundo momento declara a impossibilidade de sua realização, pela sua
dissolução dentro ao determinismo universal (M. BLONDEL, L’Action, 29):
E assim já que a vontade de ser não logra a ser, aí se encontra a
dor suprema; já que a vontade de não ser, ao entrar na verdade,
provoca um infinito consolo nas almas, aquilo que é preciso
demolir em si não é o ser que não é, mas a vontade quimérica de
ser, consentir ao não-ser da pessoa humana, arrancar até as
últimas raízes o desejo e todo amor a vida: desmascarar a
astúcia de todo instinto de conservação e de sobrevivência é
procurar à humanidade e ao mundo a saúde dentro do nada, este
nada que se deve definir como ausência de querer.
As respostas a tais objeções do pessimismo não serão difíceis de serem
formuladas. Quanto ao primeiro tipo, Blondel faz notar que algumas experiências
humanas poderiam ser aproximadas àquela do nada, sendo que a única absoluta
experiência de um tal nada hipotético seria aquela da morte. No entanto, as dificuldades
na comunicação de tal experiência são óbvias: quem dos pessimistas já a viveu para
documentá-la? Ademais, poder-se-ia falar de uma experiência aproximada: aquela de
uma vida mortificada, mediante a ascese, como previa já Schopenhauer. Entretanto, os
ascetas que a viveram geralmente possuem toda outra opinião em relação àquela do
pessimismo.
Os dois tipos de pessimismos seguintes se mostram estreitamente coligados.
Quanto a aquele de cunho científico, este não seria senão uma derivação ou uma espécie
de cientificismo, que afirmaria como única realidade existente a dos fenômenos
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objetivos das ciências positivas, os quais, entretanto, são reconhecidamente incapazes
de satisfazer as aspirações humanas. A crítica metafísica schopenhaueriana os
identificaria com o horizonte do nada, encontrando como via de solução somente aquela
do nosso já estudado aniquilamento da vontade de viver.
No entanto, é em obra, em tal modo de pensar, uma retorção: negando
explicitamente o ser, devido à inconsistência dos fenômenos, o pessimista imposta
implicitamente a sua infinidade. De tal modo, observa-se um erro lógico interno em seu
comportamento, não encontrando a satisfação infinita que buscava nos seres finitos, ele
hipotetiza à fundamental inconsistência do ser, ao invés de procurar a solução em um
lugar diverso daquele dos fenômenos. Querendo o aniquilamento de toda vontade de
ser, o pessimista afirma implicitamente um dúplice querer contraditório: o querer
profundamente o ser, que os fenômenos não chegam a satisfazer, e o querer superficial
dos fenômenos o qual o pessimista não consegue superar (M. BLONDEL, L’Action, 35):
Querer assim o nada, com palavras com as quais um se engana,
é com efeito render testemunho tanto da vaidade do que se dá
como alimento à ação, como da grandeza daquilo que quer com
toda a força, com toda a sinceridade do primeiro e íntimo
desejo: mentira, porque se abusa de um equívoco; não se quer,
não se pode negar de uma só fez o fenômeno e o ser; e,
entretanto, segundo as necessidades se os nega, uma vez ou
outra, como se se aniquilasse os dois de um só golpe, sem se dar
conta que por esta mesma alternativa eles são igualmente
afirmados.
Para Blondel, a oposição que o pessimismo institui entre ser e fenômeno possui
a sua origem no criticismo kantiano e na sua separação entre as esferas da razão pura e
da razão prática. De fato, o formalismo da pura intenção desvinculando o imperativo
moral do mundo fenomênico, no intuito de garantir a sua universalidade, acabou por
erigir uma separação entre atos postos pelo interesse sensível e atos postos pelo
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entendimento.6 De tal modo, abriu-se a estrada das conclusões Schopenhauerianas sobre
a inexorável alienação da vontade — para o filósofo alemão radicalmente estranha ao
fenômeno, porquanto coisa em si — que se objetiva nos corpos.
Mas seria justa a afirmação segundo a qual toda exteriorização da vontade no
mundo fenomênico seria uma perda para esta? A resposta de tal questão nos será
sugerida por Blondel, em seguida, na terceira parte da L’Action.
1.1.3 Estrada dos fenômenos7
A pergunta a ser colocada a esta altura não é aquela sobre a capacidade dos
fenômenos em satisfazer completamente a nossa mais profunda vontade, o que já fora
descartado pela crítica ao pessimismo. O que se pretende estudar agora é se caso o
engano não é nosso, ou seja, em tentar buscar o infinito, quando deveríamos nos
contentar com a positividade, limitada, é claro, mas real dos fenômenos (Cf. M. Leclerc,
Il destino, 156).
Este algo que nossa vontade anseia não seria somente reduzível aos fatos
objetivos, estudados pelas ciências positivas? A filosofia não seria vã, caso procurasse
andar além dos limites estabelecidos pelas ciências positivas?
O complexo desenvolvimento da crítica blondeliniana ao positivismo,
profundamente devedora de E. Boutroux, foge aos limites aos quais nos prefixamos na
redação do presente trabalho. Procuraremos nos concentrar em seus aspectos mais
relevantes e em suas conclusões.
Fundamentalmente, as incoerências do positivismo derivam da sua ereção como
único critério de verdade. De fato, as ciências não podem bastar a si mesmas,
dependendo da ação humana para se concretizarem, dependendo de escolhas e de
hipóteses de interpretação. A ciência moderna, filha do matrimônio entre as ciências
exatas e as ciências experimentais, mostra-se como dependente da ação humana para a
6
7
Como veremos em seguida, entre motivos e moventes da ação.
Correspondente à terceira parte da L’Action.
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constituição de suas conclusões. O pretender se declarar como único lugar da verdade
não pode ser positivisticamente fundado. Resta sempre insatisfeito um resíduo, que
deriva da impossibilidade de redução da vida e da qualidade, à teoria e à quantidade.8
De tal resíduo as ciências dependem radicalmente (M. LECLERC, Il destino, 161).
Existe então em nossa ação e em nosso querer um resíduo ―positivo‖, irredutível
às ―ciências positivas‖. Como se aproximar deste? A razão que interroga a ação
humana, a este ponto, deve se fazer inteiramente filosófica. Blondel falará aqui de uma
―ciência da ação‖ ou ―do sujeito que somos nós mesmos‖. O olhar filosófico, uma vez
resolvidos os problemas do diletantismo, do pessimismo e do positivismo, é orientado
para a clarificação do dinamismo interno à ação.
Deveremos então proceder ao estudo do nascimento e acompanhar o
desenvolvimento da ação. Neste âmbito, logo se assiste a um confronto que deve ser
solucionado: entre determinismo e liberdade.9 De fato, a proclamação de um
determinismo absoluto condena a liberdade à categoria de simples ilusão,10 como vimos
ser o parecer de Schopenhauer. Mas tal pretensão é justificável?
Uma certeza é incontestável: o fato da não existência de uma liberdade absoluta,
porquanto somos condicionados de diversos modos: enquanto possuímos um corpo,
encontramos-nos submetidos às leis que regem o mundo dentro do qual agimos;
psicologicamente recebemos a influência de nossa educação, de nossa língua, de nossa
cultura etc. Entretanto, do fato mesmo da nossa consciência de tais determinismos,
somos capazes de tomar as distâncias necessárias para relativizá-los. O monoideísmo há
como pressuposto a inconsciência, ou seja, a supressão da liberdade. A consciência, por
8
As reflexões blondelinianas mostram-se mais uma vez como de grande atualidade.
Basta-nos fazer referência às últimas conclusões da crítica científica (Cf. o primeiro
capítulo de nossa redação atual).
9
Sobre tal respeito não poderíamos deixar de citar M. RENAULT, Déterminisme et
liberte dans «L’Action» de Maurice Blondel.
10
Como veremos em seguida, na apresentação do Princípio elementar de uma lógica da
vida moral, tais interpretações filosóficas serão prenhas de conseqüências.
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sua vez, como veremos em seguida,11 supõe sempre a diferenciação entre estados
contrastantes.
Uma ação humana voluntária, ou seja, livre, não é nunca indiferente. O nosso
querer, ademais, condiciona-se sempre em função de diversos moventes que nos levam
a operar de uma ou outra maneira, de acordo com finalidades ou motivos por nós
mesmos, ao menos implicitamente, fixados. Por movente Blondel entende as
conseqüências em nós dos determinismos que precedem à ação, os quais nunca se darão
isoladamente — o que conduziria mais uma vez ao monoideísmo. Agir livremente
significa sempre comparar os diversos moventes que nos estimulam a orientar a nossa
ação em diversos sentidos. A nossa reflexão, então, procedendo por meio de uma
inibição do poder dos diversos moventes, os transformam em motivos possíveis (Cf. M.
Leclerc, Il destino, 166-167).
Tal processo não é um simples resultado matemático do jogo de forças, mas sob
o impulso da idéia do infinito, produzida dentro do sistema dos moventes, em acordo
com nossa aspiração pelo infinito, é responsável por uma nova organização que da
idéia do infinito recebe a força de uma potência infinita que suspende temporariamente
a força de todos os moventes, transformando-os, assim, em motivos, que por sua vez se
refletem em novos moventes e assim continuadamente. A nova ordem que se estabelece
dentro de nosso interior exige porém uma sua atuação, sendo impossível permanecer na
eterna reflexão, porquanto tal seria um suicídio metafísico, senão de fato. E ainda, uma
vez atuada, a ação fará parte desta imensa engrenagem, provocando novos
condicionamentos.
Uma vez conscientes, não podemos não agir livremente. Somos como que
obrigados à ação livre, não obstante nós mesmos. Entretanto, o sentido o qual
imprimimos à nossa liberdade é a nós ―imposto” como uma escolha. A liberdade é para
nós, ao mesmo tempo, necessária e voluntária. Encontra-se, assim, posta sob o crivo de
dois determinismos: um determinismo antecedente, do qual deve ratificar as condições e
11
Cf. nesta nossa presente redação as considerações sobre o Princípio elementar.
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sobre o qual exerce o seu poder; e um determinismo conseqüente, porquanto a liberdade
ao ratificar as suas condições por meio da ação concreta, aciona uma imensa cadeia de
conseqüências, as quais, não de raro, fogem ao seu próprio controle. Em conclusão, não
podemos querer um ato, sem querer o que o torna possível e suas conseqüências.
Em fim, este aliquid que necessariamente desejamos positivamente, a partir de
tais constatações, descobrimos querê-lo livremente. O problema moral é, assim,
necessariamente e voluntariamente posto (Cf. M. LECLERC, Il destino,169). A infinidade
de nosso querer, manifestada pelo nosso infinito poder de resistência em relação a todas
as pressões dos determinismos exercitados sobre nós, caracteriza aquilo que Blondel
chamará vontade que quer. Entretanto, ainda que fundando o imenso poder de nossa
liberdade e mostrando a amplitude infinita do nosso querer, nunca apagado pela
possessão de nenhum objeto finito, o movimento de nossa vontade necessariamente se
exercita por meio de escolhas precisas, fins parciais e atos concretos. À esta vontade
concreta, ao objeto do nosso querer Blondel chamará vontade querida. A tensão
existente entre a vontade que quer e a vontade querida, a inquietude fundamental,
constituirá o motor de todo o desenvolvimento da ação.
Identificada a qualidade da semente e o dinamismo que possibilitará o seu
crescimento, o filósofo francês passa ao estudo da ação em seu ciclo vital, que como
veremos, apresentar-se-á em ondas concêntricas.
Sinteticamente, procurando seguir o movimento da ação desvelado por Blondel,
nos deparamos em um primeiro momento com o nosso próprio corpo. Instrumento
privilegiado de expressão da vontade querida, por meio da asseguração de sua
colaboração o corpo é um meio indispensável para a resolução da equação da vontade.
De tal modo, a ação em seu dinamismo constitui o elo de ligação entre o corpo e a alma
(nossa vontade profunda), formando o indivíduo humano, ou seja, a unidade dinâmica
entre os diversos elementos e tendências esparsas que pouco a pouco se vão integrando
em uma ação comum, denominada por Blondel de sinergia interna. A ação para o
filósofo de Aix-en-Provence será o verdadeiro vinculo substancial, que a filosofia
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moderna em Leibniz e Descartes já procurara identificar (Cf. M. LECLERC, Il
destino,172).
Esta, embora se realiza por meio do corpo, não encontra neste o seu término
ultimo, deve prosseguir. E tal prosseguimento se embate com diversos outros âmbitos.
O primeiro destes é constituído pelo mundo físico. Pelo corpo, encontramos-nos
irremediavelmente sujeitados a suas leis, mas também somos capazes de agir sobre ele.
Assim, pouco a pouco, a ação procurará associar o cosmo a seus fins, mas
irremediavelmente não conseguirá resolver a equação de sua vontade.
A minha ação pessoal em sua dinâmica encontrará ainda outras liberdades, que
poderão com esta colaborar ou, ao contrário, prejudicá-la. Naturalmente, a ação somente
será beneficiada e poderá prosseguir por meio da colaboração, que se caracterizará por
ser uma colaboração de liberdades e, assim, se transformará em coação: ação de
diversos sujeitos, unidos em vista de um mesmo fim. O segundo ciclo, o circulo social,
possui o seu início aqui, no princípio primeiro da amizade. A ação se mostra, desta
forma, como sendo mais uma vez o seu vínculo, desta vez vínculo social. O movimento
da ação se expandirá ao interno do social, em diversos âmbitos, a partir de uma ação
particular que lançará seus fundamentos: a união conjugal, alargada naturalmente em
união familiar. A família não bastará para realizar os fins da ação, pressupondo toda
uma organização social que se alargará da cidade à constituição de uma nação e de um
estado, e das diversas nações a uma ordem mundial, nas quais a colaboração das
liberdades se potenciará cada vez mais fortemente (Cf. M. LECLERC, Il destino,172174).
Mesmo que a ordem social pudesse alcançar um estado satisfatório, resta a
pergunta se a aspiração profunda da vontade se completaria. Como vimos quando do
estudo da filosofia de Schopenhauer, no plano empírico, ao homem não resta que o
movimento do desejo ao tédio.
Impulsionada por seu querer infinito a ação procurará uma transcendência.
Assim, far-se-á primeiramente ação cultural ou artística, tendo em vista uma qualquer
superação da morte e permanência na história. Não completa, far-se-á em seguida ação
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moral, procurando viver e esclarecer o significado do imperativo da consciência.
Entretanto, a vida moral será sempre um meio, nobre é claro; no entanto, somente um
instrumento que aponta para um fim último que não é este mesmo. Nem mesmo aqui a
equação da vontade encontra sua solução.
Esgotados todos os recursos do gênio humano; esgotados todos os recursos da
via dos fenômenos, a tensão entre a vontade que quer e a vontade querida não se
resolve, restando duas soluções: 1. ou a capitulação do dinamismo infinito, pela
assunção da hipótese de seu absurdo, fazendo da ação supersticiosa, ou seja, procurando
atribuir arbitrariamente a um dos elementos encontrados durante o desenvolvimento da
ação o valor infinito que sabemos estes não possuir, constituindo assim a idolatria ou a
auto-idolatria; 2. ou continuar o movimento da ação e buscar o aliquid de nossa vontade
na única hipótese que resta por examinar, a do único necessário.
1.1.4 O ser necessário da ação12
Como vemos, a resolução da equação da vontade é ao mesmo tempo necessária
e irrealizável, a não ser que a última hipótese possa reger. Em síntese, salvo a existência
do único necessário, do sentido implícito, em resgate do Deus morto por Zaratustra.
Esta existência é necessariamente implicada no movimento de nossa vontade, que do
primeiro momento a exige e por isto se reconhece como incompleta. É na busca da
adequação perfeita ou de uma vontade infinita realizada, a qual não conseguimos nunca
atingir, que se funda toda nossa ação verdadeiramente livre. Tal, todavia, não significará
um absoluto otimismo, o qual poderia ser teorizado como uma possível resposta ao
pessimismo de Schopenhauer, anteriormente analisado.
Longe de poder ser considerado um otimista ingênuo, Blondel no decurso desta
quarta parte se esforça em mostrar os limites inerentes da vida, do desenvolvimento da
12
Correspondente à quarta parte da L’Action.
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ação humana. De fato, segundo ele, somos sujeitos à morte, ao sofrimento, a decepções
e a tantos outros infortúnios (Cf. M. BLONDEL, L’Action, 328-329).
De fato, somos constantemente sufocados pelos dinamismos do determinismo e
nossos atos constantemente se voltam contra nós mesmos, mudando-nos a ponto de não
nos podermos mudar a nós mesmos (Cf. M. BLONDEL, L’Action, 331). A impotência de
nossa ação nos parece total: ―antes, durante, após os nossos atos, existe dependência,
coação, fraqueza‖ (M. BLONDEL, L’Action, 331).
No entanto, o reconhecimento das deficiências da vida atual não seria possível
senão como um contraste: ―Admitir a insuficiência de todo objeto oferto à vontade,
sentir a enfermidade da condição humana, conhecer a morte, é portanto descobrir uma
referência superior‖ (M. BLONDEL, L’Action, 334).
Conscientemente ou não, o único necessário encontra-se por nós implicado em
nossos atos. Diante dele, somos colocados de frente à escolha, a que já nos referimos,
que agora nos se revela em toda a sua necessidade. Acolher a hipótese da ajuda que nos
pode dar o único necessário para o alcance de nossa plenitude — o que não é uma mera
questão de teoria, mas envolve todo o dinamismo da vida — constitui a vida da ação,
que se abre à possibilidade última da realização de seu movimento, tendo como suprema
hipótese a do dom sobrenatural. Ao contrário, o rejeitar tal abertura — fechando-nos
em nós mesmos, em nossa auto-suficiência — constituirá a morte da ação, pela renúncia
da continuação de seu movimento natural.
Percorrido todo o desenvolvimento da ação apresentado na obra central
blondeliniana, resta-nos ainda analisar o fundamental aprofundamento crítico que
Blondel proporá no último capítulo de sua L’Action: Le lien de la connaissance et de
l’action dans l’être.13
13
Este último capítulo será o terceiro da quinta parte da L’Action. Nos dois primeiros,
Blondel analisará a hipótese da estrada religiosa, especularmente em contraste com a
primeira parte da obra, na qual se tratava a questão do diletantismo. De tal forma se porá
em discussão o problema da possibilidade de uma revelação, que como um dom de
graça poderia realizar a ação, pretendendo mostrar a razoabilidade filosófica da prática
religiosa católica. Este último capítulo, ao qual dedicaremos a nossa presente atenção,
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1.1.5. O vínculo da ação e do conhecimento no ser
A implicação do único necessário em todos os atos humanos, com a fundação
neste da consciência e da liberdade, e, assim, de todo o movimento da ação em vista da
resolução da equação da vontade, provoca a inversão do caminho comumente
empreendido pela crítica filosófica para a constituição de suas certezas — o qual fora
criticamente analisado por Blondel neste último capítulo.14
Todos os ciclos concêntricos, passo a passo, percorridos pela dinâmica da
vontade mostraram-se de grande homogeneidade: unidos dentro a esta pela referência
implícita, desde o princípio, ao único necessário. De igual modo, porém, tal
encadeamento revela toda a sua heterogeneidade: de fato, cada momento pode se
revelar como um absoluto, no qual a vontade pode pretender igualar a si mesma. Cada
momento se apresenta como uma novidade, novas sínteses irredutíveis às suas
condições antecedentes — das quais, não obstante dependem —, e, todavia, reunidas
em um sistema.
não fora apresentado como parte da tese doutoral à Sorbona. Em verdade, embora já
delineado, o texto inicial de tal capítulo fora suprimido pelo próprio Blondel, que o
considerou ainda imaturo. Somente após a apresentação da tese e depois de substanciais
modificações, tal seria unido ao texto da L’Action, correspondente a aquele de sua
edição pública. Entretanto, tal texto constitui como que um capítulo à parte, na qual se
expõem uma especial metafísica, a qual antecipa as futuras pesquisas de sua Trilogia.
Blondel a definirá uma metafísica de segunda potência (Cf. L’Action, 464), para
distingui-la das idéias metafísicas descritas como fenômenos na terceira parte (Cf.
P. HENRICI. «Maurice Blondel e la filosofia dell’Azione», 609).
14
Trataremos em seguida de esclarecer tal questão, que na L’Action nasce em resposta
às observações dirigidas a Blondel por seu diretor de tese E. Boutroux e por seu amigo
V. Delbos. Após a leitura dos manuscritos que antecipam a confecção final da L’Action,
Boutroux e Delbos haviam sentido a necessidade de: uma maior significação filosófica
em especial pela clarificação de algumas questões religiosas que surgissem à propósito
da tese, sem, porém, fazer realmente parte desta (Cf. M. BLONDEL – E. BOUTROUX,
Lettres philosophiques de M. Blondel, 28 de julho de 1892); algumas correções que
precisassem o estatuto da metafísica, permitindo-lhe não só de preparar e erigir a ação,
mas também de justificá-la em seu pleno valor (Cf. M. BLONDEL – V. DELBOS, Lettres
philosophiques de M. Blondel, 27 de julho de 1892).
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Assim, as sínteses da ação, seus moventes e motivos, aparecerão ao mesmo
tempo como uma série de causas eficientes e um sistema de causas finais. Blondel a
definirá como unidade do vínculo causal (Cf. M. BLONDEL, L’Action, 434). Dentro
desta, observe-se que o posto central ocupado pelo único necessário concede a
possibilidade de toda existência, ou seja, dependente dele, a ação se constituirá como
movimento que de escalão em escalão fundará a todos: o sistema é a condição sine qua
non da série.
Como causas eficientes e causas finais os objetos da ação são na verdade seus
fenômenos, ou melhor, representações que o espírito se faz dos diversos setores de sua
existência. Curiosamente, em referência ao percurso realizado na terceira etapa da
L’Action, Blondel criticamente concluirá, assim, pelo caráter meramente ideal ou mental
de todo o complexo fenomenológico estabelecido: ―Com efeito, até agora, e ainda que
hábitos mentais contrários tenham podido convencer o leitor, somente se trataram de
meios subordinados à ação. Em nenhum caso se tratou de transformar ditas condições
práticas em verdades reais.‖ (M. BLONDEL, L’Action, 425)
No entanto, a partir daqui se faz necessária à análise crítica a identificação do
valor ontológico de tais condições. O determinismo contínuo que desenvolve a ciência
da ação requerá um supremo passo do pensamento, para exprimir todas as exigências
do determinismo prático: a sua prova ontológica.15 Tal não significará a saída do
determinismo fenomênico — que se impõe obrigatoriamente a nós com seu cetro de
ferro —, mas a necessidade científica que é para nós, pelo fato de pensarmos e
15
«La nécessité pratique de poser le problème ontologique nous amène nécessairement
à la solution ontologique du problème pratique. […] Ce qui exprimait simplement les
besoins de notre volonté doit acquérir, devant l’entendement même, une vérité absolue.
Ce qui n’était encore que nécessité de fait sera fondé en raison. Ce qui n’avait été posé,
en face de la pensé, que comme moyens immanents au vouloir va être posé, hors de la
volonté, comme fins immanentes à la pensée. Et, tandis que l’action avait paru
première, et l’être, dérivé, c’est la vérité, c’est l’être qui vont paraître premiers, mais
sans que leur subsistance et leur nature même cessent d’être déterminées par l’action qui
y trouve sa règle en même temps que sa sanction» (M. BLONDEL, L’Action, 425)
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atuarmos, comportarmos-nos como se a ordem universal fosse real e as obrigações
práticas, fundadas. (M. BLONDEL, L’Action, 427)
Segundo Blondel, de uma parte, para se resolver cientificamente o problema do
conhecimento e do ser é exigido um rigor crítico tal para o qual é impossível não
determinar com exatidão e de antemão todo o sistema das relações intercaladas entre
estes dois extremos. De outra parte, uma vez abarcadas pelo pensamento todo o
complexo das operações transitivas, este necessita que toda a série de seus objetos
participe da realidade de seu término, implicado desde o princípio, sob a pena de
banalização de todo o sistema (M. BLONDEL, L’Action, 427).
De acordo com as exigências científicas, que nos obrigam ao rigor, pelo fato do
determinismo da ação nos levar obrigatoriamente à identificação de um tal término,
resulta que possuímos um conhecimento certo do ser, do qual não nos podemos eximir.
No entanto, para alcançarmos um tal término não poderemos nos subtrair à alternativa
no resolver o problema prático, que se nos apresenta como vida ou morte da ação. O
conhecimento científico do ser se apresenta assim como necessário e ao mesmo tempo
voluntário. Subsiste uma presença necessária da realidade no pensamento, sem que a
realidade esteja necessariamente presente no pensamento (Cf. M. BLONDEL, L’Action,
420). O modo como tal presença se encontrará em nós, dependerá, segundo Blondel, da
opção suprema. O ser e o conhecimento são, assim, radicalmente heterogêneos e, não
obstante, idênticos. (Cf. M. BLONDEL, L’Action, 429)
Para compreender tais observações Blondel se empenhará em responder: 1.
como o pensamento concebe inevitavelmente a realidade de todos os seus objetos? 2. O
que pode ser rechaçado da inevitável concepção do ser e o que resta desta necessária
realidade no pensamento que a exclui e na vontade que dela se subtrai? 3. A adesão
prática e o livre reconhecimento, o que acrescem ao ser necessariamente concebido e a
verdade forçosamente reconhecida? Em fim, estas perguntas se reagrupam em uma
final: como a ação perfeita pode consumar tudo o que serviu para constituí-la?
Seguiremos agora o percurso por ele empreendido.
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1.1.5.1 A idéia de objetividade16
Por que a continuação do determinismo prático em toda a sua série reveste o
caráter de uma verdade real? Como já observamos, o determinismo da ação nos põe
diante da série, apresentando-a como um complexo de meios pelos quais a vontade
procura resolver a sua equação de modo voluntário. Precisamente porque cada objeto da
vontade se apresenta necessariamente como devendo ser querido voluntariamente, mas
podendo não sê-lo, é onde se funda a idéia de uma existência objetiva, ou seja,
independente de nossa vontade.
Todos os objetos que se apresentam à vontade, agrupados no sistema, como
dissemos, fazem referência à opção suprema, que se constitui em um momento da série,
e da qual cada opção particular será revestida, de tal forma que o seu Objeto, Deus, as
transcenderá todas. E tal é somente possível porque a série eficiente encontra-se
inseparavelmente unida ao sistema final, de tal forma que cada singular síntese porta em
si a presença do único necessário.
Cada movimento da vontade querida testemunha a sua incapacidade de igualarse no seu engajamento fenomenal à vontade que quer, fundando a necessidade do
sistema. No entanto, a realidade do todo sistemático, da qual participa cada anel da
cadeia, não passa ainda de uma abstração, de uma necessidade interna. A vontade que
quer exige uma sua objetivação, o seu engajamento, a vontade querida, de tal forma
que: ―Para que a noção de existência objetiva esteja na consciência, é necessário que
esta noção abstrata se realize em objetos concretos‖ (Cf. M. BLONDEL, L’Action, 433).
O já citado vínculo causal encontra assim sua explicação: não se trata de uma
necessidade inteligível e analítica, nem de uma simples justaposição de termos
empiricamente independentes, mas de uma concepção que integra estas duas últimas
dentro à lei necessária ―que exprime idealmente ao pensar o encadeamento real das
16
No desenvolvimento dos pontos do último capítulo da ação seguiremos o esquema
proposto por Paul Gilbert no artigo «Le phénomène, la médiation et la métaphysique».
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necessidades práticas cujas exigências ratifica a vontade mesma‖ (Cf. M. BLONDEL,
L’Action, 434).
Nesta ratificação ou objetivação, a cada escalão, a vontade joga o tudo por tudo,
tendo diante de si constantemente a possibilidade da idolatria. E ainda, porque o sistema
é transcendente a cada um de seus anéis, porque o único necessário é implícito em cada
ponto da série, a opção suprema, positiva ou negativa, determinará o sentido do sistema
concreto e sua realidade ontológica, como a de cada um de seus elementos.
No texto que seguirá procuraremos, seguindo Blondel, esclarecer tais
observações, por meio da explicitação do conhecimento privativo e do conhecimento
possessivo do ser.
1.1.5.2 O conhecimento privativo do ser
No segundo ponto do último capítulo da L’Action, Blondel trata de precisar
alguns questionamentos que se mostrarão essenciais: 1. de que forma tudo o que a visão
do espírito oferece como objetivo pode ser excluído. 2. Tal exclusão suprimirá a
possessão, mas não a necessidade e o conhecimento da realidade. 3. De que modo este
conhecimento privativo postula do ser excluído a mesma confirmação daquela do ato
que o rejeita.
A verdade real dos objetos, segundo Blondel, não residirá na irremediável
representação que possuímos destes, em virtude das exigências práticas de nossa ação,
mas sim no fato que depende de nós o querer e o não querer em relação a estes. Para que
estes objetos sejam em nós, devemos querer que sejam para nós o que são em si
mesmos. Mas como?
Segundo Blondel, aceitar ou regeitar as exigências práticas, significa acolher em
si ou eliminar de si a realidade da que derivam estas mesmas necessidades. Rejeitar a
dinâmica da ação que transcende toda a série, pela resposta negativa diante da suprema
opção em relação ao único necessário, será eliminar de nós a possessão dos outros
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seres, porquanto privamos a experiência daquilo que a reflexão descobriu ao coração de
todo conhecimento possível.
Entretanto, tal não significará a supressão da necessidade e do conhecimento da
realidade. A realidade e seu conhecimento, embora
co-extensivos, podem ser
radicalmente distintos (Cf. M. BLONDEL, L’Action, 438-439). Blondel falará da
existência de um conhecimento subjetivo, idêntico à opção, negativa ou positiva, a favor
do ou contra o único necessário. De acordo com esta opção, o conhecimento,
anteriormente abstrato, amplia-se, traduzindo em nosso pensamento a solução prática do
problema ontológico. (Cf. M. BLONDEL, L’Action, 438)
Caso a opção seja negativa, caso se suspenda o movimento natural do
conhecimento e da vontade em vista do único necessário, restará somente um
conhecimento intelectual da verdade dos fenômenos, uma imensa representação sem
nenhum fundo ontológico (Cf. P. GILBERT. Le phénomène, la médiation et la
métaphysique, 116).
O conhecimento, ao
limitar-se ao que já era, será então
privativo, dirigindo-se ao ser para esvaziar a si mesmo daquela realidade que, todavia,
requer por força de uma necessidade; a vontade permanecerá incapaz de proceder à
resolução de sua equação: ―o infinito que necessitamos, ele [o conhecimento] afirma de
fronte a quem o negou, mas para recusar ao negador tudo aquilo que ele [o
conhecimento] lhe afirma‖ (M. BLONDEL, L’Action, 439).
1.5.1.3 O conhecimento possessivo do ser
O tema da mediação, cujo termo é proposto por Blondel já desde o primeiro
ponto do presente capítulo da L’Action, no terceiro ponto, recebe uma consideração
absolutamente central. A opção positiva em relação ao único necessário, segundo
Blondel, com a conseqüente
aceitação de tudo o que o movimento da ação nos
apresenta como necessariamente requerido para seu cumprimento, nos abre a via da
possessão real dos seres. Todo o demais, somente em virtude deste mediador — do
único necessário — se nos comunica (M. BLONDEL, L’Action, 441-442). E, igualmente,
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não se poderia realizar a opção verdadeiramente positiva no seu confronto, sem a
solução prática do existir para ele, sacrificando a ele tudo o demais: o sacrifício é a
solução do problema metafísico pelo método experimental. Justifica-se, assim, o papel
central da ascese quanto a tal possessão. No entanto, uma ascese que recebe toda uma
outra significação daquela proposta por Schopenhauer.
Mas de tal modo, não se acabaria por subordinar o conhecimento a um ato
voluntário? O conhecimento da verdade, de tal forma, não pareceria ser um resultado da
vontade, de uma vontade criadora, análoga àquela de potência nietzscheana?
Blondel responde claramente: a realidade não subsiste em si porque um ato de
nossa vontade a erige em nós. Ao contrário, quando queremos a realidade, a ordem
universal, a fazemos ser em nós como é e porque é em si mesma. Mesmo o
conhecimento necessário, que precede à opção,
constitui-se em uma regra inflexível,
não podendo ser diferente do que é. É impossível que um decreto de nossa vontade
possa modificar a ordem científica. No entanto, diante da suprema opção, ao querer
livremente o que poderia ser não querido,17 o conhecimento se beneficia da possessão
do objeto, levando realmente em si o que antes era somente uma idéia, uma
representação (M. BLONDEL, L’Action, 440).
A este ponto do seu escrito, o filósofo de Aix-en-Provence, por meio de um
discurso rico de antecipações existencialistas, procura esclarecer o sentido do
conhecimento possessivo. Ao centro deste, como seu órgão, Blondel identificará a
caridade, ou o amor, sem o qual nada se conhece.
Por um lado, a caridade se configura em uma paixão ativa. Por outro, na medida
em que as coisas são, atuam e nos fazem padecer; de tal forma que o ser é amor:
―Aceitar esta paixão, recebê-la ativamente, é ser em nós aquilo que elas [as coisas] são
em si‖ (M. BLONDEL, L’Action, 443).
17
A opção apresenta-se, recordamos, como um momento da série dos fenômenos,
entretanto um momento decisivo para todos os outros: é a encruzilhada necessária para
se atingir a solução da equação da ação.
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A pureza do desprendimento interior, e o sacrifício de si mesmo ao único
necessário — sem o qual é impossível chegar a qualquer outro ser e a nós mesmos, ou
seja: a caridade ascética — constitui a verdadeira filosofia — analogicamente ao que
afirmou Schopenhauer, mas em todo outro sentido. Somente pela caridade se resolveria
o problema das aparências, porquanto nela se encontra o privilégio do poder aproximarse de tudo o que os seres possuem de vida e de ação, sem violentar ou despojar nenhum
do que lhe pertence, por meio da simples participação com a intenção do bem dos
demais. Também em relação às outras liberdades humanas, a caridade permite a
identificação em absoluto.18 Esta, segundo Blondel, não poderá nunca ser
verdadeiramente científica se não se realiza na obra individual, na relação caritativa
com o outro homem. O círculo social, exige, assim, a resolução prática, a possessão, a
caridade, como cada um dos demais anéis da cadeia dos fenômenos. Sem o dinamismo
da caridade entre os membros da humanidade não pode existir Deus para o homem; nem
tão pouco, sem Deus, homem para o homem, porquanto o caminho de acesso ao ser
estaria definitivamente obstruído.
De fato, por um lado, tudo se sustenta dentro ao amor ao único necessário,
porquanto Deus é o único que se pode amar por tudo e por todos. E, todavia, a Deus se
ama por meio do particular.
A heterogeneidade dos fenômenos, das aparências, depois da opção a favor do
único necessário se funde na homogeneidade e na solidez do vínculo real. De um tal
modo, ao fim da opção positiva, realizar-se-á a união universal (M. BLONDEL, L’Action,
443):
Mas também é [―adeus”] a palavra da verdadeira e única união,
a que consagra a mesma ausência, porque ela revela, pela
supressão dos laços aparentes, a solidez do vínculo real. Se não
18
Analogamente a E. Lèvinas, Blondel não considera o conhecimento abstrato como
capaz de promover a união entre duas liberdades. No entanto, diferentemente de
Lèvinas, e em conformidade com S. Agostino Blondel afirma tal possibilidade por meio
da Caritas.
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se chega a Deus que pela oblação de tudo o que não é ele, nele
se reencontra a verdadeira realidade de tudo o que não é Deus.
No entanto, afirma o nosso autor, tal não significa a supressão do princípio da
individuação. A comunhão universal, longe de ser causa de confusão, constitui-se no
único meio de possessão e distinção perfeita. O ser real é a unidade da múltipla
aparência e a diversidade simultânea dos fenômenos universalmente solidários: a
verdade de cada fenômeno da série é obrigatoriamente fundada, para que todo o demais
o seja.
Nenhuma ordem de fenômenos, por sua vez, poderia ser fundada por meio de
uma outra: em virtude da sua heterogeneidade, cada ordem de fenômenos exige uma
crítica irredutível às demais, nem mesmo ao entendimento; todavia, é exigido para a
sustentação do determinismo da ação que seja elevado ao que implica de ser e de
absoluto cada elemento relativo, cada aparência de fenômeno (M. BLONDEL, L’Action,
449-450).
A ciência da ação nos testemunha a absoluta necessidade do determinismo da
vontade, que exige para se completar, a opção positiva e tal opção nos previne
antecipadamente contra os perigos do aniquilamento — ou melhor, do nihilismo — e do
panteísmo — da absorção de todo ser distinto na imensidade divina.19
Nos correspondentes quarto e quinto pontos deste último capítulo Blondel
procurará aprofundar estas últimas observações, a partir do estudo dos fenômenos, em
vista de atingir a existência objetiva.
1.1.5.4 O problema da existência objetiva
19
Cf. M. BLONDEL, L’Action, 448. Esclarecedoras se mostram as palavras de P.
Henrici comentando tais passagens: «Blondel dimostra (…) la necessità di una scelta
riguardo al concetto dell’essere, proprio partendo dal fatto che l’essere esiste solo in una
correlazione totale di tutti i fenomeni e che la sua realtà dipende dalla realtà dell’Unico
Necessario. La decisione a favore del possesso dell’essere è dunque da intendere come
esplicazione delle implicazioni ontologiche della decisione riguardi dell’Unico
Necessario» (P. HENRICI, «Maurice Blondel e la filosofia dell’Azione», 610).
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a) Ser e fenômeno
Antes de tudo, Blondel procura focalizar criticamente algumas suposições
filosoficamente infundadas, que originaram um pseudo-problema, ao qual a
modernidade buscou em vão uma solução: ―onde se encontra a realidade ou a verdade
do ser que se nos exprime nos fenômenos?‖.
De fato, para Blondel — analogamente a Nietzsche —, o ser não pode ser
buscado em uma realidade posta atrás ou além dos fenômenos. Do fato de que o sistema
total do mundo dos fenômenos deve ser real, conclui-se que os dados sensoriais dos
quais este se compõe, devem ser igualmente reais. Ademais, o númeno kantiano, não
passaria, segundo Blondel, de um outro fenômeno: de idéias da metafísica à primeira
potência. Em senso pleno, o ser deve ser atribuído aos fenômenos enquanto tais (Cf. P.
Henrici, ―Maurice Blondel e la filosofia dell’Azione”, 610).
Entretanto, todos os fenômenos como tais são essencialmente relativos a um
sujeito. Seria possível, então, que o que é por nós, seja sem nós e apesar de nós? Seria
possível a afirmação de uma relatividade absoluta?
b) O vínculo do conhecimento
Blondel encontrará uma possível resposta a partir da hipótese leibniziana do
vínculo substancial,20 ao qual o nosso autor dedicou a sua famosa tese latina.21 De
20
Em relação a tal estudo, conferir o comentário introdutório de C. TROIFONTAINES in
M. BLONDEL, Le lien substantiel et la substance composée d’après Leibniz, 3-141.
21
Em uma série de cartas trocadas com o jesuíta Des Bosses, Leibniz havia concebido a
hipótese de um vínculo substancial, ou seja, de uma realidade que serviria de elo de
ligação das mônadas entre si e que realizaria a união dos fenômenos compostos tais
quais os percebemos, para tentar desta forma justificar a doutrina católica da
transubstanciação eucarística em desconformidade com a concepção da substância física
composta, extensa, pretendida pela teoria leibniziana. Não de forma muito clara,
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acordo com Blondel, como toda experiência humana leva em si um quê de atividade e
de passividade, assim cada fenômeno mostraria especularmente as mesmas duas partes
(Cf. M. BLONDEL, L’Action, 456). O ser dos fenômenos deve ser buscado precisamente
no elo desta união, que se mostrará indissolúvel. Por ela, atuamos em e sobre as coisas;
elas atuam em e sobre nós: o conhecimento ativo e passivo que temos destas é o duplo
fundamento do fenômeno, sensível e real.
A ciência humana especulativamente distingue no real por um lado a imensa
inteligibilidade dos fenômenos (razão), por outro, a originalidade de cada síntese
diretamente percebida (sensibilidade), que se mostra irredutível ao conhecimento que
destas possuímos. Ambos estes aspectos na realidade, mesmo que irredutíveis um ao
outro, mostram-se vinculados na indissolúvel unidade sintética do dúplice vínculo do
conhecimento racional e sensível. A ambigüidade do fenômeno constitui, assim, a sua
verdade real (M. BLONDEL, L’Action, 454):
As coisas são porque os sensos e a razão as vêem, e as vêem em
comum sem que este dúplice olhar, com que cada um parece
penetrá-las inteiramente, confunda-se nelas. [...] aquilo que a
abstração distingue na realidade sensível deve permanecer
indissoluvelmente unido: pode-se mostrar os aspectos
irredutíveis, mas não se pode separar suas faces solidárias. E,
precisamente, porque é impossível separá-las e reuni-las, entre
estas duas aparências conhecidas subsiste o que constitui o
apoio do vínculo, o que faz a verdade consistente.
c) Entendimento e Reflexão
Leibniz atribui tal vínculo a um ato da vontade divina, que torna existente e ordenada a
unidade como tal, anteriormente somente possível.
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Observemos ainda que se as coisas apresentam-se como ativas em relação a nós
e as outras coisas mediatamente o conhecimento e a percepção que possuímos destas —
porquanto não podem se perceber diretamente, sendo que o seu ser consiste em ser
ativas e passivas em um e mediatamente, em si —, da mesma forma, o conhecimento
depende das coisas para ser, porquanto pelas coisas realiza a sua atividade e sua paixão.
O conhecimento é assim também ele um elemento da série (M. BLONDEL, L’Action,
456).
Diferentemente de um realismo exacerbado que se inclina a afirmar a existência
de um ser diverso do que nos aparece fenomenicamente; diferentemente de um
idealismo disforme para o qual o ser existiria porque nós o faríamos existir; Blondel
afirma que as coisas que são conhecidas são conhecidas tais quais são (M. BLONDEL,
L’Action, 457). Como entender tais afirmações?
O conhecimento é um elemento da série e, portanto, não pode conhecer sem
implicar a série em sua totalidade e em todas as suas exigências. No entanto, chegar a
tais afirmações é encontrar-se dentro a um novo tipo de conhecimento que transcende o
fenômeno do conhecimento, conhecendo seus limites, conhecendo seu ato, e, assim,
conhecendo a necessidade voluntária de sua encarnação na possessão do ser: uma
metafísica de segunda potência, que une tudo (M. BLONDEL, L’Action, 465).
Estabelece-se, assim, a distinção entre duas instâncias do conhecimento, o entendimento
e a reflexão, ou seguindo a própria nomenclatura blondeliniana, entre cognitio per
notionem e cognitio per connaturalitatem, per habitum, per unionem (Cf. P. GILBERT,
Le phénomène, la médiation et la métaphysique, 304-305).
Tais duas formas de conhecimento para Blondel não se opõem, gozando de uma
imanência recíproca, embora sem nenhuma confusão: o conhecimento objetivo e
abstrato não é a reflexão objetiva e concreta. O vínculo substancial que nasce aqui se
estabelece por meio de um ato, da ação completamente fiel a suas exigências, e não por
meio de um qualquer novo conhecimento, a partir do qual a reflexão consideraria a série
fenomenal (Cf. P. GILBERT, Le phénomène, la médiation et la métaphysique, 306).
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A reflexão é consciente, assim, da incapacidade de auto-fundação no realconcreto do conhecimento nocional separadamente considerado, ou de cada elemento da
série, em razão da insuficiência do relativo. A atividade e a passividade dos fenômenos
se podem definir somente a partir de um sujeito que conhece, que opera ou que sofre.
Mas, retomando a pergunta já feita, é possível uma relatividade absoluta?
d) O ―Panchristismus‖ e os limites da filosofia
Para se fundar uma relatividade absoluta, ou seja, a absoluta atividade e
passividade dos fenômenos, Blondel faz recurso à busca de um sujeito também ele
absoluto e aqui nos adentramos nos limites da filosofia.
Se o ser das coisas do mundo consiste no seu poder ser passivas e ativas, não
bastará, para se constituir o fundamento último do ser mundano, a referência da
passividade das coisas em relação ao ato criador de Deus. Seria conveniente, assim,
também uma paixão absoluta, na qual as coisas pudessem exprimir a sua atividade. A
fundamental hipótese blondeliniana do panchristismus assume aqui suas justificativas:
na hipótese cristã, na vida divino-humana de Cristo, se configura o vínculo substancial
que sustenta o conjunto das coisas mundanas como seres reais no seu dúplice modo de
manifestar-se (Cf. P. Henrici, Maurice Blondel e la filosofia dell’Azione, 611).
Fazendo-se homem, em Cristo Deus percebe o mundo com os olhos da criatura e em
sua paixão, Cristo realiza o sofrimento absoluto. Assim, nele se estabeleceria o perfeito
vínculo entre o relativo e o absoluto (M. BLONDEL, L’Action, 460-461):
A realidade do fenômeno e, com ela, o sistema total e o
conjunto mesmo dos espíritos se desvaneceria sem este dúplice
vínculo do relativo com o absoluto e do absoluto com o relativo.
Não que o relativo seja minimamente necessário; ele não é real
que na medida em que recebe do absoluto o dom de ser causa no
âmbito do absoluto mesmo: necessidade condicional que não
toca em nada a independência soberana da causa primeira, mas
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que manifesta simplesmente a que condescendência, por sua
parte, é subordinada a existência das causas segundas.
Claro, Blondel é consciente da impossibilidade filosófico-especulativa de provar
a verdade desta extrema hipótese. No entanto, o papel da filosofia é o de demonstrar a
sua extrema coerência com a nossa mais profunda exigência. Como a cúpula do
Pantheon de Agripa, a razão se mostra incompleta e aberta ao infinito. Mas existiria
uma via para se realizar uma tal prova? Dirá Blondel: ―Fac et videbis‖ (M. BLONDEL,
L’Action, 403). Ao fim do percurso a via indireta encontrará novamente a via direta (M.
BLONDEL, L’Action, 463):
Que não se pretenda jamais de encontrar em uma teoria, por
mais perfeita que esta seja, um equivalente enganoso. Não se
resolve o problema da vida sem viver; e jamais dizer ou provar
dispensa o fazer e o ser. Eis então absolutamente justificado,
pela ciência mesma, o papel da ação: a ciência da prática
estabelece que não se pode suprir à prática.
A filosofia de Blondel, em sua via indireta, depara-se, ao fim, aberta a grandes
hipóteses. Uma desconfiança logo nos invade: a crítica não deveria proteger a reflexão
justamente de tais admissões hipotéticas, quais sejam as do tipo da opção em relação ao
único necessário? Não incluiriam estas a necessidade de um a-priori, mostrando as
mesmas características pelas quais se pôs sob suspeito o nihilismo?
2. É POSSÍVEL AINDA UM SENTIDO?
Às perguntas anteriores respondemos: absolutamente! A implicação do único
necessário não se mostra à crítica como sendo um a-priori, um fundamento sobre o qual
se construiria todo o edifício das afirmações posteriores. Ao contrário, na fidelidade ao
método da L’Action, tudo o que é afirmado, o é porquanto necessariamente deve sê-lo.
As hipóteses devem ser necessariamente comprovadas. No percurso crítico, algumas
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delas não se sustentam e cedem, algumas se mostram necessárias, outras exigirão o
recurso da prática para serem comprovadas.
E a hipótese nihilista? Não aquela de Schopenhauer, já vencida pela crítica, mas
aquela que se inspira em Nietzsche — que a seu modo, tenta responder ao pessimismo
nihilista por meio da assunção do paradoxal otimismo do Übermensch diante do
absurdo da imanência, no ultrapassamento e conseqüente primado da diferença — esta
se sustenta à crítica?
Certamente o a-priori que estimulara Nietzsche a levar a frente sua produção
filosófica nihilista não pode ser considerado como um argumento válido. Ademais, a
vontade de potência demonstrará todas as suas contradições quando sujeita à ciência da
ação: em verdade, o movimento da vontade nunca atingirá a resolução de sua equação
em meio à imanência. A vontade de potência será, conscientemente ou não, posta em
xeque-mate pela reflexão blondeliniana, que mostrará sim a impotência do movimento
da vontade de bastar-se a si mesmo. No entanto, recordemos que o falimento de uma
argumentação usada para se sustentar uma dada tese não significa necessariamente o
falimento da tese de fundo.
A deriva nihilista, fundamentalmente erigida sobre os pressupostos da crítica
nietzscheana à metafísica e à moral — os quais, por sua vez, segundo a nossa
interpretação histórica, radicam-se no falimento do projeto moderno de cientificidade —
, apresenta-se para grande parte da cultura atual como sendo uma alternativa possível.
Em verdade, para muitos, erroneamente, como a única. De fato, muitas dentre as
―filosofias‖ que apostam nesta estrada como um acontecimento irrefreável e
irrenunciável, fundam suas pretensões na paradoxal necessidade crítica da assunção das
respostas nihilistas.
Todavia, os dissensos em relação à interpretação do significado da anomalia
paradigmática — mesmo dentro ao quadro dos explícitos expoentes do nihilismo —
ao mesmo tempo em que abrandaram as afirmações nihilistas-nietzscheanas mais
categóricas — constituindo as bases do ―pensamento fraco‖ — deixaram a descoberto a
sua fragilidade, o seu caráter hipotético (Cf. F. D’AGOSTINI, Logica del nichilismo, 370-
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384). Até este ponto nada mais conforme ao nihilismo: paradoxo, fragilidade e
hipoteticidade constituem a sua força.
O nihilismo, pressupondo a necessidade da assunção de uma determinada lógica,
a clássica, como pré-requisito essencial para toda filosofia que pretenda contra este uma
crítica e constatada a falsificação em se afirmar esta mesma lógica como a única
possível, aparece aos olhos da filosofia como um blindado impenetrável e ao mesmo
tempo como uma arma de alta penetração, sob o nome de pensamento fraco.
Em um artigo denominado A prospectiva metafísica entre analíticos e
hermenêuticos, Enrico Berti observa que no pensar contemporâneo o adjetivo ―fraco‖
passa a gozar de uma grande força desde quando fora usado para denominar a especial
forma de pensar que renuncia a categorias ―fortes‖ (bem e mal, justo e injusto etc.), para
assumir posições mais esfumadas, menos categóricas. Tal se daria porque, segundo ele,
lógica e epistemologia seriam dois pontos de vista inversamente proporcionais: ―as
teorias mais fortes do ponto de vista epistemológico, ou seja, as mais ricas de
informações, são as mais fracas do ponto de vista lógico, ou melhor, da argumentação,
porque è facilíssimo refutá-las‖ (E. BERTI, La prospettiva metafisica tra analitici ed
ermeneutica, 2). E vice-versa, de acordo com o mesmo autor, as teorias
epistemologicamente mais débeis gozariam de uma força lógica maior pela dificuldade
de sua confutação. Daqui a ―força‖ das ―teorias epistemologicamente fracas‖, ou
melhor, daquelas teorias epistemológicas que admitem uma pluralidade de
possibilidades na determinação de uma coisa (E. BERTI, La prospettiva metafisica tra
analitici ed ermeneutica, 2).
O mais importante a se notar é que Berti faz valer tais afirmações também para o
campo da metafísica, chegando a individuar uma ―metafísica epistemologicamente
fraca‖ como compatível com as filosofias contemporâneas hoje dominantes, analítica e
hermenêutica (E. BERTI, La prospettiva metafisica tra analitici ed ermeneutica, 2):
Uma metafísica forte, como era por exemplo aquela de
Parmênides, segundo a qual (simplificando muito) ―todas as
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coisas são imóveis” [...] é facilíssima de se confutar [...] Ao
invés, uma metafísica fraca [...] seria muito mais dificilmente
confutável, e portanto deveria ser considerada como
logicamente muito forte. [...] Por isto creio que uma metafísica
―fraca‖, o de qualquer forma não excessivamente sobredeterminada, seja em realidade difícil de refutar e seja em fundo
compatível com muitas correntes filosóficas de hoje. […] Neste
sentido, o caráter obsoleto da metafísica poderia ser somente
aparente.
A agudez intelectual de Blondel em relação a tal problemática, que em verdade
se configura em torno da busca de força e de resistência crítica na assunção de uma
teoria epistemológica, mostrar-se-á impressionante. Já a L’Action, como anteriormente
destacamos, é dominada pelo desejo de um forte rigor crítico, o qual paulatinamente faz
ver o caráter novo da lógica blondeliana; posteriormente mais especificamente
formulado quando da apresentação do escrito Principe élémentaire d’une logique de la
vie morale, em ocasião do congresso internacional de filosofia de ano 1900, realizado
em Paris.
A tal escrito dedicaremos agora a nossa atenção, procurando destacar o seu
caráter lógico e epistemológico, e a diversidade deste da lógica e epistemologia das
filosofias de inspiração nihilista.
2.1 PRINCÍPIO ELEMENTAR DE UMA LÓGICA DA VIDA MORAL22
Fundamentalmente, com palavras do próprio Blondel, assim se podem descrever
as preocupações que o orientavam (M. BLONDEL, Principio elementare, 12-13):
Eu direi, transcrevendo termos precisos de Aristóteles, que a
toda a lógica constituída do ponto de vista da ’απόυασιςe da
’αντίυασις, é necessário prepor uma lógica metodicamente
constituída do ponto de vista da στέρησις.
22
Faremos uso de sua tradução italiana realizada por E. Castelli.
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De fato, sob o ponto de vista da filosofia até então vigente, o pensamento e a
moral humanos, apresentavam-se como inconciliáveis. Embora constituíssem
dimensões do próprio homem, estes mostravam-se contraditórios, ou melhor dizendo,
um excluiria categoricamente o outro: o pensamento exigia um inflexível determinismo
para ser absolutamente fundado; a moral, exigia a liberdade, ou melhor, a isenção de
todo determinismo, mesmo lógico (M. BLONDEL, Principio elementare, 15-16).
Somando-se a esta constatação, o filósofo francês alude ainda a duas outras (M.
BLONDEL, Principio elementare, 13-15). Em primeiro lugar, a natureza ambígua do
fato moral, ou seja, o seu caráter ao mesmo tempo coligado à intenção, sendo assim
autônomo em relação ao mundo, e, por sua necessidade de concretizar-se em uma ação,
coligado aos estados orgânicos anteriores, concomitantes e posteriores, ou seja,
à
engrenagem das forças físicas e psicológicas. Todavia, em segundo lugar, nunca a
contraditória é dada de fato, sendo impossível que o seja. Segundo Blondel, duas
alternativas nos restam: ou salvar a moral e permitir que a lógica sucumba diante da
evidência na realidade das oposições radicais; ou salvar a lógica, a partir da
pressuposição de que os fatos enquanto tais ignoram as leis de contradição e a norma
ideal ou formal do pensamento.
A primeira opção nos levaria a uma espécie de ―nihilismo especulativo‖
misturado com um toque de ―fideísmo moral‖. A segunda opção nos levaria à suposição
de que a lei moral seria completamente formal, exigindo uma total indiferença em
relação à matéria dos atos; senão, uma postura ainda mais radical na qual se termina por
suprimir toda vida individual, todo desejo, todo ato particular — quietismo ou
budismo.23 Ao início do mesmo escrito, Blondel afirmara (M. BLONDEL, Principio
elementare, 12):
Sem dúvida o pensamento filosófico realizou um imenso e feliz
esforço, seja para mitigar e alargar os horizontes da sua dialética
23
A estas duas opções se podem somar as conclusões de Nietzsche, ou seja, a
possibilidade de uma terceira opção: condenar seja a lógica, seja a moral.
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abstrata, que este iguala sempre mais à inexaurível riqueza do
espírito e das coisas, seja por preservar a parte original, e
sempre renovada da evolução das formas viventes ou da
invenção criadora das idéias, seja por reivindicar a
independência ou defender a supremacia da vida moral contra a
tirania das palavras e a usurpação dos conceitos. Mas em fim
nos limitamos ou a subordinar, o mais possível, o real ao
racional e a vida ou a mesma história à dialética idealista, ou,
invés, a opor a ordem prática e moral, com o seu próprio gênero
de certeza e as suas leis autônomas, à ordem especulativa ou
científica e às normas do pensamento.
Individuando sob tais vestes o problema central da lógica ocidental, Blondel se
propõe em seguida (M. BLONDEL, Principio elementare, 12):
Seria necessário então, colocando-nos a este ponto de
interferência (ao passo que, em fim, para nós, viver é realizar a
unidade do pensamento e da ação), desvincular o princípio
elementar que preside aos desenvolvimentos, tanto orgânicos
quanto originais da idéia e das ações, na integridade de uma
dialética que domina, sem sacrificar um ao outro, os dois
aspectos da vida moral.
Segundo o filósofo de Aix-en-Provence uma tal lógica moral, criticamente
fundada, não somente possuiria um princípio específico e simples, que solucionaria o
problema dos aparentemente contraditórios elementos da ação, determinismo e
liberdade, mas também daria acesso à chave de uma lógica geral, impensável caso não
se pudesse reconstruir tais problemas que como fizeram Aristóteles ou Kant, os quais se
mantiveram dentro à lógica constituída segundo o ponto de vista da ’απόυασις e
da ’αντίυασις (Cf. M. BLONDEL, Principio elementare, 12).
Para entender as observações blondelianas a tal respeito, devemos-nos remontar
ao modo como Blondel procede a interpretação do princípio básico de tais lógicas, o
princípio de não-contradição.
Segundo o Filósofo da ação, o princípio de não-contradição como também
aquele de identidade, não existem nos fatos: ―os fatos não podem nem produzi-lo, nem
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sugeri-lo, e nem mesmo ser a ocasião direta ou indireta de sua aparição na consciência‖
(M. BLONDEL, Principio elementare, 16). De onde, então, proviriam as noções lógicas
— contraditório, contrário, relativo, diverso etc. — que encontram-se à luz de todo
conhecimento, sendo condições da consciência distinta, a qual é, explicitamente ou não,
sempre consciência de uma descriminação, de uma relação e de uma oposição?
Tais noções surgiriam em nós porque espontaneamente nos cremos capazes de
modificar as coisas. Tal modificação se caracteriza, por um lado, pela iniciativa de
nosso automatismo psicológico sempre inserido na engrenagem dos fatos; por outro,
pela advertência que recebemos por parte das resistências empíricas e das lutas uterinas
entre os nossos desejos
co-existentes de nossa capacidade de mudar os fenômenos,
adaptando-os mais ou menos às exigências da nossa atividade, determinada e
determinante (Cf. M. BLONDEL, Principio elementare, 17). O filósofo francês ainda
precisa que (M. BLONDEL, Principio elementare, 17):
Se nós não possuíssemos nenhuma tendência original nem
postulados práticos, se tudo fosse indiferente, ou igual, ou
concedido sem esforço, não nos aperceberíamos absolutamente
que uma coisa não existe, que um ato nunca existiu, ou não
trouxe algum fruto. E, assim, é da nossa atividade exercida que
surge a primeira Alba de nossa vida lógica.
Deste modo, as noções lógicas surgiriam não certamente por virtude de uma
abstração intelectual, mas em razão de uma oposição qualitativa e concreta dos diversos
fenômenos, que entram na consciência como motivos e moventes da ação, formando
espontaneamente um tudo sistemático diante da reflexão, composto por sínteses
antagonistas. Uma vez escolhendo, querendo e atuando por própria iniciativa,
conferimos à empírica relatividade dos fatos a fixidez que serve de fundamento
resistente às oposições lógicas (M. BLONDEL, Principio elementare, 18).
Dentre estas várias noções uma se mostra central: a de contradição. Sem a sua
presença, ao menos implícita, as outras não poderiam, segundo Blondel, serem
conscientes. Mas o que suscita uma tal noção? Segundo nosso presente autor o
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sentimento de irreparabilidade do passado, ou seja, a nossa incapacidade de modificá-lo
(M. BLONDEL, Principio elementare, 19). Somos, assim, conduzidos mais uma vez à
ação. Dentro desta, o infinito poder do único necessário, sempre implicado, ocupará um
lugar central e garantirá a sua orientação. O campo da atividade moral, de nossa ação,
passa a constituir o lugar de explicação de nosso hábito intelectual (M. BLONDEL,
Principio elementare, 19):
em uma palavra, nós não possuímos a idéia do ser e da
contradição que em quanto somos colocados na condição de
resolver a alternativa da qual depende a orientação da nossa vida
e a nossa entrada no ser, alternativa, caso se possa dizer assim,
―auto-ontológica‖.
No entanto, com se vê, o modo como se concebe uma tal contradição é
fortemente diverso daquele concebido pela lógica formal, que por sua vez apresenta-se
como uma falsificação abstrata, essencialmente excludente dos opostos. O real sentido
do princípio de não-contradição, segundo Blondel (M. BLONDEL, Principio elementare,
20):
é aquele de se estabelecer que aquilo que poderia ser e
incorporar-se, em virtude do nosso fazer, a aquilo que nós
fomos (’έξις), é deste para sempre excluso (στέρησις), sem que
aquilo que é excluso cesse de servir a pensar distintamente
aquilo que fora escolhido e feito, a alimentar o esforço do
conhecimento e da execução, e a determinar moralmente o ato
realizado e o mesmo agente.
Deste modo, a lógica metodologicamente constituída sob o ponto de vista da já
citada στέρησις haveria como propriedade característica a superação dos obstáculos
abstratamente e artificiosamente impostos pela lógica formal, tendente a reduzir a vida,
os fenômenos, os seres ao substituto econômico dos substantivos, das palavras (M.
BLONDEL, Principio elementare, 20). De tal forma, a palavra ou o conceito que
simplifica, que restringe o individual, procurando servir à ciência, falsificaria o
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resultado e a complexidade das relações que subsistem sob a idéia da contraditória
exclusa. O resultado de tal processo seria aquele de uma metafísica falsa e tirânica,
baseada sob a aliança da gramática e da vida física (M. BLONDEL, Principio elementare,
22). Este tipo de metafísica atribuiria à modalidade fenomênica e aos dados dos sentidos
tudo o que os conceitos teriam tomado emprestado do ser pensante e real. Uma vez
constituída, sob o domínio de um mundo substantivado pelas palavras, sob o domínio da
lógica formal, esta imporia o próprio modo como lei do ser à atividade moral e
intelectual, que não obstante deveria submetê-la criticamente, medindo aquilo que esta
contém de verdade ontológica e lógica (M. BLONDEL, Principio elementare, 22).
Entretanto, Blondel não considera a lógica formal como um mal a ser combatido
absolutamente. Pelo contrário, destaca a importância de se entender o seu sentido e a
sua utilidade. A lógica abstrata é um obstáculo, mas um obstáculo útil; uma espécie de
mola necessária ao desenvolvimento da vida moral. Obstáculo útil porquanto simplifica
o trabalho crítico, por meio da apresentação de todas as coisas sub specie substantiae
como submetidas às leis da identidade e da não-contradição. Se devemos sem
interrupção precaver-nos criticamente contra o dogmatismo dos sensos e do
entendimento, estas fictícias concretizações lógicas servem como ponto de apoio ou
como estímulo para a opção imediata e a decisão radical do querer, sem as quais
poderíamos nos submeter a uma dialética interminável: ―pelo que possui de acósmico, o
princípio de não-contradição nos estimula invencivelmente a emigrar deste mundo onde
o nosso pensamento e a nossa ação não são completos‖(M. BLONDEL, Principio
elementare, 24).
A lógica abstrata recebe sua justificativa; forma-se a partir da lógica moral, das
exigências da vida prática e da inspiração moral (M. BLONDEL, Principio elementare,
33). A lógica moral, por sua vez (M. BLONDEL, Principio elementare, 33):
é assim a porta de acesso, e permanece a idéia diretiva ou a alma
da lógica geral, lógica na qual as rígidas normas de Aristóteles
ou de Kant seriam explicadas e transformadas, tornando-se mais
dóceis, como a geometria de Euclides o pode ser por uma
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geometria geral; lógica que resta por constituir, fazendo entrar a
um posto subordinado aquela lógica ideológica, útil e verdadeira
até que se considere como momento no desenvolvimento da
dialética integral da razão vivente, mas perigosa o mesmo falsa
caso se desconhece que a l’αντίυασιςnão é que um símbolo
inadequado da στέρησις.
Percebe-se, assim, que as perguntas relacionadas com o sentido da existência,
mais facilmente identificadas com questões morais, possuem, para a filosofia de
Blondel, uma íntima relação com questões gnosiológicas.
Sobre a possibilidade de um logos ou sobre a possibilidade de sentido,
retomando a pergunta inicial, que, em verdade, nos guiou, Blondel traça o caminho de
uma hipótese afirmativa. Entretanto, uma afirmativa que atingindo uma lógica segunda
ou reflexiva, reconhece o seu caráter de submissão à dialética da vida que a supera; uma
afirmativa hipotética que reconhece e exige a sua abertura a uma prova final prática, que
coloca em questão a vontade de potência da filosofia de Nietzsche: fac et videbis (M.
BLONDEL, L’Action, 403).
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1 Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza O SENTIDO DA