Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo
REPENSAR A RELAÇÃO CAMPO-CIDADE ATRAVÉS DAS
COMUNAS DA TERRA: OS SIGNIFICADOS E DESAFIOS DE UM
NOVO MODELO DE ASSENTAMENTO DO MOVIMENTO DOS
TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA
Yamila Goldfarb 1
.
Introdução
Este artigo pretende expor as investigações acerca da implantação e condições de
viabilidade de um novo modelo de assentamento rural que vem sendo construído no Estado
de São Paulo pelo Movimento de Trabalhadores Rurais Sem terra, o MST, chamado
Comunas da Terra. Tendo em vista a lógica dominante de produção e reprodução do
espaço em nossa sociedade, esse modelo surge como uma das formas de síntese do
campo e da cidade e busca ser uma resposta ao processo contínuo de expropriação em que
a reprodução da nossa sociedade se baseia. Por isso, refletir sobre os limites e
possibilidades contidos nessa experiência é primordial para potencializar práticas de
superação desses próprios mecanismos de expropriação.
Temos percebido nas últimas décadas, que os elementos contidos na cidade para a
superação de suas próprias mazelas não oferecem mais respostas. Talvez elas tenham que
ser construídas junto ao lugar que antes era visto como um estágio a ser superado, isto é,
no próprio campo. Mas não o campo nostálgico e sim um novo campo, redefinido por uma
relação mais íntima com a cidade.
Um exemplo disso é o que se pode fazer a partir do Estatuto da Cidade. Ao ter sido
aprovado pelo Senado, esse instrumento de regulação do crescimento das cidades, cria um
mecanismo que deixa de manter “estacionadas” as áreas rurais próximas aos centros
urbanos, antes reservados ao destino meramente especulativo. Ele exige que os Planos
Diretores considerem todo o município, tanto área urbana como rural, buscando a
integração e a complementaridade entre as atividades desenvolvidas nesses dois espaços,
com vistas ao desenvolvimento socioeconômico do município e do território. Isto é um
grande desafio, pois é extremamente difícil “demarcar, dentro da complexidade do território,
o que é uso e atividade urbana e rural, em termos jurídicos, porque muitas vezes há
predominância e sobreposição de usos. O mesmo se dá em relação ao Direito Tributário, ao
estabelecer categorias e classificações próprias para tributar a propriedade urbana e rural.
Como tributar áreas urbanas marcadas como rurais? No urbano cobra-se o IPTU, que é
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imposto municipal, no rural, o ITR, que é imposto federal. Isso obriga a considerar a
necessidade de planejar os territórios de forma integrada e compartilhada. (Costa 2004)
Assim, com a obrigatoriedade do Plano Diretor, para municípios com mais de 20.000
habitantes, que planejará não apenas o perímetro urbano, mas toda a área contida no
município, portanto, também a rural, levantam-se muitas questões a partir das quais
podemos pensar a proposta de Comunas da Terra. Isto é, como uma alternativa não
especulativa para uma área dos municípios que, no geral, está sujeita à apropriação privada
do espaço para atividades de lazer (chácaras particulares), à retenção especulativa, à
deficiência de infra-estrutura, à informalidade contratual ou a loteamentos clandestinos para
construção de condomínios fechados. (Costa, 2004)
Essa discussão nos coloca novamente, e de forma extremamente questionadora,
diante da questão campo-cidade, tão cara à geografia. Com as Comunas da Terra, um novo
espaço se impõe, resultado de processos sociais que nos exigem novos esforços teóricos
para compreendê-lo. A concepção de campo e cidade como dois espaços separados, onde
o primeiro tinha a função de abastecimento do segundo, já foi em certa medida superada,
dado os múltiplos processos ocorridos com a expansão das formas capitalistas de produção
e reprodução de relações sociais no campo. No entanto, essa questão não se deu por
encerrada e a realidade, talvez agora mais do que nunca, nos traz novos elementos que
impedem um entendimento estancado dos processos que relacionam cidade e campo.
As Comunas da Terra representam uma aproximação do campo em relação à
cidade, ou vice-versa, e podem representar a aproximação desta dela mesma, na medida
em que, ao oferecer uma nova chance a desenraizados urbanos, evidencia uma das faces
mais perversas de suas contradições. Este trabalho visa compreender a formação das
Comunas enquanto confluência de um processo urbano e de uma luta historicamente rural.
Sobre as Comunas da Terra
A primeira experiência de Comuna da Terra teve início com a ocupação de uma área
de 447 hectares, no Município de São José dos Campos, em setembro de 1998. Essa
ocupação é hoje o Assentamento Nova Esperança. Até o momento, já são dois
assentamentos, um pré-assentamento e pelo menos quatro acampamentos dentro dessa
proposta que consiste em criar comunidades de economia camponesa próximas aos
grandes centros urbanos. Para tanto, elas se organizam em lotes pequenos, de dois a cinco
hectares por família, cuja situação jurídica com relação à terra será de concessão ou
permissão de uso, coletivo ou familiar. O projeto visa voltar sua produção para a
subsistência e abastecimento das cidades vizinhas (com produtos hortifrutigranjeiros), mas
também para o oferecimento de outros serviços como lazer, através do turismo rural, por
exemplo.
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Um dos elementos mais importantes dessa proposta, é que esse projeto visa incluir
segmentos da população marginal das cidades, o que significa que não engloba apenas
camponeses expropriados da terra, mas também pessoas que não necessariamente têm
uma história recente diretamente ligada ao campo. Compõem esses assentamentos e
acampamentos camponeses que tiveram que deixar o campo, bóias-frias que foram às
cidades em busca de melhores oportunidades, ex-presidiários, ex-prostitutas, moradores de
albergues, desempregados e subempregados. Em suma, o proletariado expropriado que,
em grande parte dos casos, não deixou de ser o camponês expropriado. Isto porque esse
proletariado é, em grande parte dos casos, o camponês que migrou para as cidades, mas
que mantém o vínculo com o campo através de relações familiares e através de sua própria
história. Isso explica em grande parte, a presença e permanência de princípios e valores
que remetem a uma moral e lógica tradicionalmente camponesas. (Marques, 2002) A
formação das Comunas da Terra evidencia a possibilidade de recriação camponesa. Nesse
sentido, o acesso à terra representa a possibilidade de recampenização.
Para o Movimento, umas das motivações para esse projeto de assentamento é o fato
de que, se é proposto às famílias que agora habitam as cidades, um deslocamento para
regiões muito distantes, 500 ou 600 quilômetros, como no geral ocorre com as áreas de
assentamentos, boa parte terão dificuldade em ir, visto que já criaram fortes vínculos com a
cidade. No entanto, se a distância for de 50 a 100 quilômetros, passam a ser menores os
fatores impeditivos. Também é clara para o Movimento, que essa proposta cumpriria um
processo de “recampenização” da população brasileira. (Matheus, 2003)
Levantemos mais alguns pontos importantes do projeto: Um deles refere-se ao
tamanho dos lotes. A Comuna da Terra exige uma área menor que o modelo atual utilizado
nos assentamentos rurais, possibilitando que se assentem mais famílias, sendo que cada
uma ficaria com 2 a 5 hectares de terras para garantir a subsistência e possibilitar uma
renda, com a produção orgânica ou ecológica de cereais, horticultura, frutas e criação de
pequenos animais.
Com relação à produção, a proposta se baseia no seu beneficiamento em pequenas
agroindústrias e na comercialização direta, agregando valor à produção excedente para o
comércio, o que pode possibilitar maior viabilidade econômica para o assentado. Outras
atividades também fazem parte da proposta de Comunas da Terra como a produção de
móveis ou cerâmicas, por exemplo. Vale, no entanto, destacar a importância atribuída ao
beneficiamento da produção nas Comunas da Terra, pois, segundo Matheus, é ela que
permitirá a obtenção de uma renda significativa em lotes pequenos e garantirá a autonomia
do assentamento.
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Com relação à propriedade da terra, ela deverá ser um bem comum e não propriedade
privada. O seu uso poderá ser exercido de forma familiar, associativa, cooperativista, por
empresa comunitária ou por empresa pública, de acordo com as necessidades de cada
região, sem permissão ou direito à venda ou arrendamento. A garantia da utilização e posse
da propriedade social da terra se dará por concessão de uso real em nome do homem e da
mulher, com direito à herança. (Matheus, 2003) Essa questão é mais relevante do que pode
parecer num primeiro momento, pois os assentamentos, ao serem formados por lotes
impassíveis de venda, constituem-se como um bloqueio à reprodução da cidade como
negócio. Será preciso verificar, como essas grandes áreas resistirão à pressão do processo
especulativo que elas mesmas provavelmente gerarão, pois, ao se estabelecerem numa
determinada região, trarão infra-estrutura - luz e saneamento básico - o que costuma gerar
valorização imobiliária. Um dos desafios da formação das Comunas está em assegurar esse
entendimento entre os assentados para garantir a apropriação das terras no sentido de seu
valor de uso, e não de troca.
Com relação à matriz de produção, esta deve, necessariamente, passar por um novo
padrão produtivo e tecnológico através da produção agroecológica o que inclui garantir a
auto-suficiência na produção de sementes e mudas e até mesmo ter como meta, a geração
de fontes de energia próprias. (Matheus, 2003)
Outro ponto importante nas diretrizes das Comunas da Terra, a cooperação e a
solidariedade nas atividades econômicas como produção, beneficiamento e comercialização
e principalmente nas atividades estratégicas, como a produção de fertilizantes orgânicos,
produção de sementes e mudas, irrigação, beneficiamento da produção, supõem o
desenvolvimento de parcerias com outras organizações do campo e da cidade, como
instituições públicas, núcleos de produção familiar, associações, cooperativas de prestação
de serviços regionais. O trabalho cooperativo é essencial para potencializar a produção de
assentamentos que não possuem grandes extensões, no entanto, tem sido um dos grandes
desafios do MST ao longo dos últimos anos, pois esse modelo de organização baseado no
indivíduo se opõe à estrutura familiar do trabalho camponês. É interessante destacar, no
entanto, que muitos dos acampados são sozinhos, principalmente homens, e muitos, tanto
homens como mulheres, são bastante jovens, o que talvez possibilite maior adaptação ao
trabalho cooperado.
Outra das diretrizes da proposta Comuna da Terra refere-se ao desenvolvimento
sócio-cultural que traz em si a idéia de estimular a “urbanização” das famílias aglutinando-as
de acordo com a realidade regional, em povoados, comunidades, agrovilas ou núcleos de
moradia. Criando a infra-estrutura básica necessária através de serviços públicos de luz
elétrica, acesso à água potável, telefone, postos de saúde, escolas. Buscando construir
moradias próximas de maneira organizada para facilitar a instalação de energia elétrica,
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distribuição de água e saneamento básico, redes de esgoto. Os núcleos de moradia não
deverão ser muito grandes, apresentando em torno de no máximo 50 a 60 casas, para isso,
a divisão dos lotes deverá contemplar a necessidade de as famílias permanecerem
agrupadas em núcleos. Segundo Matheus, isso significa planejar as comunidades de forma
a buscar maior sociabilidade e condições mínimas de infra-estrutura social, garantir espaço,
de preferência onde esteja centralizado posto de saúde, escola, campo de futebol e quadras
poliesportivas, salão de festas religiosas e culturais, também para teatro, vídeo, danças,
shows e cursos em todas as áreas como produção e beneficiamento da produção, mas
também nas áreas de saúde, música, atividades culturais, etc, ciranda e parque infantil.
O camponês na questão campo-cidade
Interessante considerar o uso do termo recampenisação pelo MST, pois parece se
posicionar claramente diante da velha discussão acerca do fim ou não do campesinato
brasileiro.
Não é nova, no âmbito acadêmico, a discussão acerca dos conceitos utilizados para
se definir os trabalhadores do campo. Tampouco é nova essa discussão dentro das próprias
organizações de trabalhadores rurais. Conceitos e categorias estão sempre em disputa, já
que carregam um sentido político em suas definições.
“O fato de grande parte dos trabalhos acadêmicos recentes utilizarem o conceito de
agricultura familiar não significa que o conceito de camponês perdeu seu status teórico.
Uma coisa é a opção teórica e política dos cientistas frente aos paradigmas, o que é
extremamente diferente da perca do status de um conceito.” (Fernandes 2002 p. 6) Nesse
sentido, muitos pesquisadores decretam o fim de determinados conceitos baseados em
posições políticas e não em fatos concretos. O caso da definição de camponês e da sua
existência é exemplar.
Muitos teóricos diferenciam o agricultor familiar do camponês a partir de sua
integração com o mercado. Nesse entendimento, o campesinato tenderia a desaparecer
conforme seu grau de integração com o mercado capitalista aumentasse. Desta forma, com
a entrada das relações capitalistas no campo, ele estaria tornando-se um agricultor familiar.
No entanto, o conceito camponês não perdeu seu poder explicativo, pois ele, o camponês,
se recria na produção capitalista de relações não capitalistas de produção e principalmente,
na própria luta pela terra.
(Fernandes 2002)
“O campesinato é uma classe com baixa “classicidade” que se insere na sociedade
capitalista de forma subordinada. Ela é caracterizada por uma organização social específica
que ora serve aos interesses capitalistas, ora lhes é contraditória. O modo de vida
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camponês apresenta simultaneamente uma relação de subordinação e estranhamento com
a sociedade capitalista. Se, por um lado, o mercado domina o campesinato, por outro ele
não o organiza.” (Marques, 2002. p.2) A campesinidade é determinada pela importância
atribuída a valores de uma ética camponesa definida por valores morais relacionados à
terra, ao trabalho e à família, cujos princípios centrais são a honra,a hierarquia e a
reciprocidade. (Idem p.2). Diante disso tudo, difícil crer que o campesinato esteja deixando
de existir.
O que sim vem ocorrendo, é um processo de decadência das unidades familiares
que leva ao seu êxodo, gerado pela sujeição da renda da terra ao capital que faz com que o
camponês não se aproprie da maior parte do fruto de seu trabalho.
Além do mais, quando falamos em campesinato, não nos referimos apenas a
relações de produção, mas a um modo de vida, marcado por esse “ethos” camponês.
Mesmo sujeito ao mercado capitalista, esse modo de vida resiste e continua se
reproduzindo. E quando sua reprodução está de toda ameaçada, ela acontece no processo
de luta pela terra.
Nesse sentido, as ocupações de terra realizadas por trabalhadores que hoje se
encontram nas cidades e que vêem nessa opção (de ocupar e tornarem-se novamente
trabalhadores rurais) devem ser consideradas como a possibilidade de voltar a se reproduzir
enquanto camponeses. Nesse caso, estamos falando do extremo da resistência desse
conceito. No entanto, as ocupações realizadas por populações não-rurais não é um
fenômeno novo. Já na década de 70 as ocupações, foram “... tornando-se a principal forma
de luta por reforma agrária e, mais do que isso, constitutiva de uma identidade política. Em
torno dela, constituíram-se princípios organizativos próprios, bastante distintos dos que
regem as organizações sindicais, baseados na arregimentação de famílias inteiras (e não
apenas de indivíduos), sem um processo de afiliação ou associação formal, mas apenas na
participação, que pode começar em qualquer tempo e lugar e que pode envolver pessoas
das mais diferentes trajetórias, inclusive aquelas sem origem rural”. (Medeiros 2001)
Questões para aprofundar o entendimento acerca do significado das Comunas da
Terra
Esse novo espaço que surge, traz em si uma concepção de Reforma Agrária
potencialmente inovadora, pois pretende estabelecer um novo relacionamento com as
cidades, que também já não são mais as mesmas, e carregando o desafio de superar a
subordinação do campo à cidade.
“O padrão urbano-industrial consolidado no século 20 encontra-se em crise
planetária. E pede para ser reinventado. O divórcio entre o espaço construído e o espaço
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natural foi um dos pilares desse modelo que ora patina em fase crepuscular [...] O resultado,
quase que invariavelmente, é a subordinação absoluta do território à lógica predatória dos
mercados”. (Cerri 2001)
É preciso compreender o processo de constituição desses novos assentamentos a
partir da leitura da produção do espaço enquanto negócio, que considera a produção da
cidade enquanto um setor produtivo da economia que envolve a captura de valor através da
renda da terra. Os conflitos pela terra, tão próximos às grandes cidades, devem ser
analisados associados à dinâmica de acumulação de capital, pois é ela que gera a
configuração espacial de uma cidade e os diferentes graus de inclusão e exclusão. Isto é, o
urbano se produz de forma vinculada à propriedade privada, que se materializa na
segregação espacial.
O espaço urbano se reproduz na contínua instituição da propriedade privada da terra
como forma de reprodução do capital, ou melhor, como forma de realização do circuito de
acumulação do capital. Nesse sentido, a constituição das Comunas da Terra pode se
apresentar como um bloqueio a esse processo, visto que seus espaços não se realizariam
como propriedades privadas, passíveis, portanto, de serem vendidas, mas enquanto posses
ou concessões de uso. Nesse sentido, esta proposta é uma alternativa para um segmento
da população pobre urbana ao processo formador das nossas periferias, caracterizado pela
instituição-destituição-reinstituição da propriedade da terra que é o que possibilita a
acumulação do capital, ao reproduzir a mercadoria terra em ciclos de concentração e
fragmentação e nova concentração. (Goldfarb 2002) A possibilidade do assentamento surge
como fim para a continua ameaça de expropriação espacial a que está sujeita boa parte da
população periférica da cidade de São Paulo.
Diante dessa nova proposta, devemos refletir sobre qual o significado da entrada do
MST nos grandes centros urbanos. O que significa esse redimensionamento de seu projeto
para além do campo? Trata-se, portanto, de compreender essa nova estratégia do
Movimento, sabendo inclusive que ela não surge como um consenso dentro dele.
Com o acompanhamento do planejamento desses novos assentamentos, através de
entrevistas e participação em atividades de formação junto ao setor de produção, tem sido
analisado como esse projeto está sendo apresentado e recebido nos acampamentos e no
que ele difere de fato dos modelos anteriores. Isto é, até que ponto ele propõe algo de novo
para a organização desses assentamentos. Será que ele representará uma alternativa aos
problemas enfrentados pelos outros modelos? Para se responder a estas perguntas, a
pesquisa percorreu, e continua percorrendo, o caminho de buscar compreender uma série
de questões sobre os temas que seguem:
Sobre novas estratégias exigidas pelas Comunas da Terra
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Diante desse novo projeto, foi preciso buscar compreender em que sentido as
ocupações e acampamentos podem constituir uma opção para as classes subalternas. Não
se trata da última e nem da única saída que a maioria dessas pessoas encontraram para
conquistar um futuro melhor. A ida para um acampamento surge no horizonte das
possibilidades, visto que os acampamentos possuem, na maioria dos casos, mas não em
todos, um forte vínculo com a cidade, dada sua proximidade (As distâncias dos
acampamentos e assentamentos acompanhados variam de 15 à 50 quilômetros e há um
caso em que o acampamento fica dentro da cidade, como é o caso do Irmã Alberta em
Cajamar). São sem-terras “urbanos”, mas não necessariamente sem-tetos. Muitos ainda
mantêm um local de moradia na cidade, mesmo que seja na casa de um familiar. Outros
mantêm algum tipo de trabalho na cidade. Tudo isto significa que a ida para o acampamento
foi uma opção, uma aposta em um projeto e não a única alternativa aparente. É preciso
compreender essa nova realidade como estratégia do MST. O próprio movimento se depara
com essa questão, visto que ela traz novos desafios.
Segundo avalia o MST, um primeiro desafio é o tipo de trabalho de base que passa a
ser feito. O movimento já tem clara a necessidade de trabalhar com a formação de seus
militantes para a maior compreensão dos processos e suas lógicas que envolvem a
produção da cidade. Existe por exemplo a demanda por um curso sobre a metrópole para
toda a militância do Estado de São Paulo. Parece começar a surgir dentro do Movimento, a
idéia de que entender como se dá a reprodução de um espaço de forma espoliativa e
expropriante pode ser interessante para um militante que queira trabalhar com a consciência
das populações que se encontram nas periferias dos grandes centros urbanos, pois lhes
fornece o entendimento das causas que levam essas pessoas às condições em que se
encontram.
Um segundo desafio levantado pelo Movimento está nos grandes números de
evasão dos acampamentos. A hipótese que ele se coloca é de que a proximidade com as
cidades possibilita essa evasão, pois se o acampamento surge como uma alternativa entre
outras, a resistência que exige permanecer acampado pode ser vencida quando surgem
novas possibilidades na cidade. Não são poucos os acampados que retornam à cidade ao
conseguirem algum “bico” ou mesmo algum emprego e é preciso considerar que muitas
famílias ainda conservam residência, seja própria ou de algum membro da família, nas
cidades. Foi constatado de fato que muitos deles vêm sofrendo a perda de grande número
de famílias, no entanto, seria necessário verificar o que ocorre em acampamentos que não
são tão próximos às cidades para saber se é uma problemática específica da Comuna da
Terra.
Além disso, os acampamentos têm sofrido sucessivos despejos, não conseguindo
manter-se numa área por mais de alguns meses. Isso impede os setores de produção e
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mesmo os de infra-estrutura de planejarem ações de médio e longo prazo e, portanto,
impede as famílias de produzirem alimentos tendo que depender de cestas básicas por
largos períodos. Qual o limite para a resistência no campo dessas pessoas que ainda
mantém vínculo com as cidades?
No projeto Comunas da Terra, o número de famílias que farão parte dos
assentamentos é menor, e na maioria dos casos não chega a cem. A militância dos
acampamentos têm levantado como um outro desafio a necessidade de criação de novos
mecanismos de pressão e resistência já que suas ocupações não se caracterizaram como
sendo de massa. O que vemos por hora é que a Regional Grande São Paulo* 2 , bem como
as demais regionais que compõem o eixo metropolitano (Campinas, Sorocaba e Vale do
Paraíba) têm organizado as ocupações com a colaboração de outros acampamentos,
também da Região Metropolitana, neste caso. Isto é, para criar maior pressão sobre uma
determinada área, famílias de outros acampamentos se unem às famílias que estão
ocupando pela primeira vez, e permanecem acampadas até que algum assentamento se
viabilize.
Embora a militância veja a questão do baixo número de famílias acampadas como
uma dificuldade para exercer pressão talvez a proximidade das cidades por si só, atue como
um mecanismo de pressão diante do governo.
Sobre a relação campo-cidade
Em levantamento preliminar realizado até o momento, parece ser que a maioria das
pessoas que compõem esses acampamentos tem em sua história uma ligação com o
campo. Em alguns casos os avós ou até os pais trabalhavam na roça e perderam o pouco
que tinham, mas o que se tem constatado é que a maioria trabalhou no campo, mas não de
forma integral. Isto é, não possuíam uma porção de terra na qual cultivavam algo, mas sim,
trabalhavam no corte da cana, na colheita da laranja, no abano do café. Muitos foram,
portanto, bóias-frias e acabaram indo para os grandes centros urbanos atrás de outras
formas de sobrevivência. Surpreende esse denominador comum que se mostra fundamental
para refletir sobre o processo de proletarização/ descampesinização/ recampesinização. Ou
seja, ele pode nos dar elementos para pensar outra face da cidade, como lugar de destino,
passagem de trabalhadores desterritorializados, que não estão enraizados de fato na
cidade, nem no campo, e, talvez por isso, passíveis de mobilidade em direções diversas.
Essa constatação, se correta, nos trás novas questões para pensar. Os projetos
anteriores de Reforma Agrária tinham como “público alvo” camponeses que haviam sido
A estrutura do MST é de grande complexidade, mas do ponto de vista geográfico, além de uma
direção nacional, ele se organiza a partir de núcleos estaduais que por sua vez possuem seus núcleos
regionais, como é o caso da Regional Grande São Paulo.
2
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expulsos de suas terras, pessoas que, portanto, tinham um passado recente ligado ao
campo.
O que vemos agora é que esse “público” se ampliou, chegando àqueles que têm
uma ligação com o campo na sua história familiar, mas não sua história recente.
Outro motivo que nos leva a querer revisitar a questão campo-cidade a partir desse
projeto de assentamento é o impacto social que a presença desses assentamentos causa
nas regiões onde se localizam. Sabemos que assentamentos modificam fortemente as
dinâmicas territoriais das cidades em que se instalam próximo por vários motivos:
transformam a cultura política local pela prática de participação e reivindicação; causam um
rearranjo no sistema produtivo, aumentam o movimento do comercio local; dinamizam a
liquidez financeira nas cidades, trazem novas formas de ocupação espacial, aumentam a
população dos seus municípios etc.
Hoje, ainda como acampamentos, já podemos notar como a sua presença politiza
as relações sociais nos espaço em que se fazem presentes. As pessoas das cidades
vizinhas são “obrigadas” a se posicionar com relação a essa presença estrangeira. Alguns
exemplos: as crianças dos acampamentos Camilo Torres, Irmã Alberta e Dom Pedro
Casaldáliga passaram a freqüentar a escola do município de Cajamar. Nessa escola,
ocorreram fatos interessantes com professores que demonstraram interesse em levar os
alunos para conhecer os acampamentos e ao mesmo tempo professores que não
compreendiam qual a relevância pedagógica que isso poderia ter. A presença das crianças
acampadas freqüentando a escola suscitou discussões que antes não estariam presentes.
Outro exemplo é o caso de um grupo de entidades ambientalistas de cidades da
região, Jundiaí e Cajamar, que se uniram para entrar com um processo contra o MST
acusando os acampados de estarem degradando a natureza numa área de Proteção
Ambiental, já que os acampamentos se localizam próximos à Serra do Japi. (Vale dizer que
essa acusação é falsa visto que os acampamentos se localizam em áreas onde
praticamente só há eucalipto, e não mata nativa.) O que interessa é que novamente surge a
necessidade de se falar sobre isso, sobre esse novo conteúdo nas relações sociais que se
faz presente nas cidades, pois os acampados vão aos pronto-socorros, vão às escolas,
freqüentam o comércio. Estão muito próximos e fazendo parte da vida dessas cidades.
A presença desses acampamentos em determinados espaços reaviva o seu aspecto
político, traz a necessidade de um posicionamento, levanta questões, incomoda, causa
estranhamento e causa solidariedade também. Enfim, aproxima o campo e a cidade de
forma intensa e coloca a necessidade de recriar essa relação.
Sobre o papel da agroecologia na viabilidade do projeto Comunas da Terra
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Existe grande ênfase nesse projeto, na produção agroecológica enquanto matriz de
produção para as Comunas da Terra. Diante disso, é necessário compreender como isso se
articula nesse projeto e o que isso representa para a produção em lotes pequenos, pois uma
das questões que se faz presente ao acompanhar o processo de formação dos
acampamentos é a viabilidade dos futuros assentamentos sendo que eles possuirão lotes
menores que o usual, dois a cinco hectares por família. Qual o papel da agroecologia nesse
sentido? Será o de possibilitar um sistema que produzirá produtos diferenciados, que
realizará um cultivo mais intensivo e que garantirá menor dependência com relação ao
capital.
Um desafio que se coloca é que se o manejo ecológico pressupõe um respeito ao
tempo da natureza, como se manterá a sustentabilidade desse sistema mesmo com a
pressão de demanda do mercado. Isto é, como os assentamentos irão administrar essa
contradição no sentido de manter a autonomia com relação ao mercado?
Se é o mercado que submete o produtor, podemos pensar que o diferencial de um
projeto como as Comunas da Terra, que pressupõem maior proximidade com as cidades e
uma relação mais independente com relação à circulação e comercialização, pode estar
contribuindo para a libertação do produtor dessa dependência, já que sabemos que é na
etapa da distribuição que o produtor mais perde dinheiro ao ter que deixar grande parte de
seus rendimentos nas mãos dos atravessadores.
Segundo Canavesi e Costa, as técnicas agroecológicas têm a vantagem de
aumentar a autonomia dos assentados em relação às técnicas convencionais, baixando
custos com insumos e melhorando as condições de comercialização dos produtos. Essa
afirmação se baseia na constatação de que o atual modelo é insustentável não apenas do
ponto de vista ambiental, mas também socioeconômico, cultural e político. Fica a clara idéia
de que uma reforma agrária agroecológica só será possível se os assentamentos
assumirem todas essas dimensões da sustentabilidade, principalmente a da autonomia, pois
os desafios estão justamente na possibilidade de concretizar esse projeto nos
assentamentos.
Um outro desafio está no fato de sabermos que a opção pela agroecologia é, pelo
menos num primeiro momento, apenas a opção por um nicho de mercado. Isso resulta num
vínculo frágil onde essa prática pode ser interrompida se o mercado não responder como o
esperado.
Segundo Altieri, “a verdadeira sustentabilidade se dará quando os camponeses
incrementarem seu acesso à terra, aos recursos e a uma tecnologia apropriada para
manejá-los adequadamente e se organizarem para assegurar o controle dos recursos, um
justo acesso aos insumos e produtos e rendimentos dignos derivados de suas colheitas”.
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Sabemos que não se pode falar numa “verdadeira sustentabilidade” numa sociedade de
mercado capitalista mas é preciso perceber qual o potencial emancipador existente nesse
projeto do Movimento para gerar a capacidade dos assentamentos se autogerirem
autonomamente no sentido de depender o menos possível de “produtos” (adubos,
fertilizantes, sementes, combustíveis e energia) obtidos através de um comércio externo à
comunidade.
A natureza é condição da reprodução do próprio homem e seu processo de
apropriação conduzirá a um determinado modo de reprodução da vida e do espaço. A forma
como as Comunas da Terra se apropriarão da natureza será, portanto, determinante para o
seu caráter de resistência frente ao processo de reprodução expropriante do espaço.
Breves considerações finais
O que é mais Interessante disso tudo é perceber que as Comunas surgem como
produto da reprodução da cidade enquanto negócio, visto que são resultado da
expropriação e segregação espacial. Isto é, surgem enquanto um novo elemento rural
dentro do urbano e fruto dele e, no entanto, parecem possuir o potencial de se contrapor a
esse processo uma vez que propõem uma outra lógica para a relação do homem com o
espaço.
Se papel da geografia é explicitar as contradições existentes no espaço para
superarmos a natureza desses processos de expropriação, estamos então diante de um
enorme e instigante desafio, o de compreender um determinado espaço, o das Comunas,
simultaneamente a sua formação.
ANEXOS
No Estado de São Paulo, há hoje, segundo Delwek Mateus, aproximadamente 750
famílias envolvendo homens, mulheres, jovens e crianças, que ocuparam áreas próximas à
Grande São Paulo, além de outras regiões do Estado como em Avaré, Campinas, São José
dos Campos e Andradina. Segue uma breve descrição do assentamento e acampamentos
onde está sendo realizado o estudo de campo desta pesquisa.
Assentamento Dom Tomás Balduino: Localizado no município de Franco da
Rocha. A ocupação ocorreu no dia 07 de setembro de 2001. São 180 famílias que ocupam
uma área de 850 hectares, pertencente ao governo do Estado de São Paulo. A maioria das
famílias é de trabalhadores que estavam desempregados na região da Grande São Paulo.
Acampamentos Irmã Alberta: A ocupação ocorreu no dia 20 de julho de 2002. São
300 famílias que ocupam uma área da Sabesp de 250 hectares de forma provisória. Essa
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Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo
área localiza-se no Município de Cajamar. A maioria das pessoas também veio das
periferias da Grande São Paulo
Acampamento Dom Pedro Casaldáguila: A ocupação data do dia 10 de abril 2003
com aproximadamente 200 famílias que hoje se encontram provisoriamente na mesma área
do Irmã Alberta.
Acampamento Camilo Torres: A ocupação ocorreu no dia oito de abril de 2004 com
aproximadamente 250 famílias. A área ocupada foi a Fazenda Mian, com mais de 900
hectares, localizada no limite do Município de Pirapora do Bom Jesus com o Município de
Cajamar. Hoje as famílias também se encontram na mesma área do Irmã Alberta.
REFERÊNCIAS
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Medeiros Leonilde Servolo de, Sem Terra, Assentados, Agricultores Familiares: considerações sobre os
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A questão que este trabalho pretende responder é de se é possível