SILVA, Eduardo; REIS, João J. . Negociação e Conflito: a Resistência Negra no Brasil Escravista. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.1 Arthur Rodrigues Fabrício2 Liliane Tereza Pessoa Cunha3 O personagem principal deste livro é o escravo. O enredo é a sua resistência permanente a ser um mero objeto nas malhas do sistema. É a história de homens e mulheres vivendo os seus limites. (SILVA, Eduardo; REIS, João J. , 2009: 7). Nessas primeiras linhas de Negociação e conflito, obra publicada em primeira impressão em 1989, o historiador e cientista social, João José Reis, e o igualmente historiador, Eduardo Silva, explicitam o eixo temático a ser trabalhado ao logo dos capítulos que se seguirão: o escravo é o personagem principal de sua própria história, tendo como enfoque sua resistência contínua a ser tratado apenas como um objeto da sociedade. Para a realização do trabalho foram usadas diversas fontes primárias, como cartas de senhores, ofícios do governo, documentos policiais, atas de câmaras e outras fontes relativas ao século XIX presentes em arquivos públicos. A obra encontra-se estruturada em seis capítulos – os três primeiros escritos por Silva e os três últimos por Reis – antecedidos por uma introdução e seguidos por um apêndice, em que documentos utilizados como base nas análises são apresentados na íntegra para a consulta do leitor. É importante salientar que os capítulos presentes no livro são na realidade artigos publicados pelos autores, cuja apresentação faremos abaixo, em revistas de difícil acesso ao grande público, tendo sido revistos e reformulados para atender ao objetivo temático que a obra proporciona: entender que havia espaços de conflitos e 1 Recebido em 10/10/2013. Aprovado em 16/11/2013. Licenciado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Graduando em História na modalidade Bacharelado pela UFRN. E-mail: [email protected] 3 Licenciada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Graduanda em História na modalidade Bacharelado pela UFRN. E-mail: [email protected] 2 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 524-533. Arthur Fabrício/Liliane Cunha negociações no sistema escravista, deixando de lado visões clássicas que entendiam o escravo como objeto de opressão contínua ou como heróis incontestáveis. Um dos autores de Negociação e Conflito, o historiador e cientista social João José Reis, mestre (1977) e doutor (1982) em História pela University of Minnesota, é atualmente Professor Titular do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia, onde desenvolve pesquisa nas áreas História Social, Antropologia e História Cultural da escravidão no Brasil, bem como sobre a resistência escrava e movimentos sociais no Brasil do século XIX. Participou em diversos momentos como membro do Comitê Assessor de História do CNPq, instituição federal da qual é Pesquisador de nível 1A. Em 2004 e 2010, foi homenageado com a Comenda do Mérito Científico do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Grã Cruz, respectivamente. É, ainda, Membro Honorário Estrangeiro Vitalício da American Historical Association, instituição americana que promove estudos históricos, bem como a coleção e preservação de documentos e artefatos, incentivando a pesquisa e servindo como espaço de debate privilegiado para seus membros. A morte é uma festa, seu livro lançado em 1991, uma das principais referências da historiografia brasileira atual, recebeu o Prêmio Jabuti de Melhor Obra na categoria Ensaio em 1992 e o Prêmio Haring da American Historical Association em 1997. É autor ainda de diversos artigos, capítulos de livros e obras completas, com destaque para Rebelião escrava no Brasil: a historia do levante dos malês (1986); Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX (2008); e seu livro mais recente, publicado em 2010 em parceria com Marcus de Carvalho e Flávio dos Santos Gomes, O alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico negro (c. 1823 - c. 1853). O outro autor da obra tratada, o historiador Eduardo Silva, é mestre (1979) em História pela Universidade Federal Fluminense e doutor (1992) em História pela University College London. É atualmente Sócio Titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), membro da Real Academia de la História (Espanha), da Academia Nacional de la Historia (Argentina), bem como de outras instituições nacionais e internacionais de renome. É pesquisador atuante desde 1976 da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, instituição que se constitui como 525 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 524-533. Resenha: Negociação e conflito importante espaço de trabalho com pesquisa, consulta de livros e documentos, tendo como proposta a preservação da memória nacional. Silva desenvolve pesquisa nas áreas de história política, social e cultural, tendo como ênfase maior o período que compreende a transição do Brasil Império para a República. Atua, ainda, em temas ligados a escravidão, cultura negra, classes populares e pósabolição. É autor de diversos livros, como Barões e escravidão (1984); As queixas do povo (1988); Prince of the People: the Life and Times of a Brazilian Free Man of Colour (1997) e seu mais recente, As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: uma investigação de história cultural (2003). Como tratado acima, na apresentação dos autores, ambos possuem como área principal de pesquisa a História Social. É nesse campo da História que Eduardo Silva e João José Reis constroem toda a obra, tendo em vista os objetos de estudo, autores e conceitos comumente utilizados por pesquisadores inseridos em tal campo. Pensando na atuação do próprio campo da História Social, o historiador José D’Assunção Barros, afirma que a academia brasileira, desde a década de 1970, deparando-se com necessidades burocráticas que obrigavam os programas de PósGraduação a explicitar suas áreas de concentração, optou pelo sentido mais abrangente do termo, entendendo que “toda a História que hoje se escreve é de algum modo uma História Social – mesmo que direcionada para as dimensões política, econômica ou cultural. (BARROS, 2004: 115-116). Reis e Silva, em Negociação e Conflito, visam compreender o escravo como agentes ativos de sua própria história. Nesse sentido, a historiadora especialista em escravidão, Hebe Castro, reafirma em Domínios da História (1997), em capítulo dedicado a História Social, que a problemática comum a trabalhos da área gira em torno da constituição de atores sociais enquanto sujeitos históricos, costumeiramente entendidos como construções de práticas discursivas. (CARDOSO; VAINFAS, 1997: 88-89). No que se refere aos debates desenvolvidos na obra em questão, João José Reis e Eduardo Silva dialogam, de forma primária, com uma ala da historiografia brasileira que enxerga o escravo a partir de uma tradição dicotômica a que a obra pretende se opor: o escravo como oprimido ou o escravo como herói. Nessa linha, os autores dialogam com nomes consagrados da academia, como Raimundo Nina Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 524-533. Arthur Fabrício/Liliane Cunha Rodrigues, em sua obra Os africanos no Brasil (1932); Gilberto Freyre, com o clássico, Casa-grande & Senzala (1933); e Jacob Gorender, com seu O escravismo colonial (1978). Nesse sentido, é importante realçar a posição do historiador norteamericano, Stuart Schwartz, que atuou como orientador tanto de mestrado, como de doutorado, de João José Reis, na University of Minnesota. De forma clara, a influência de Schwartz na formação acadêmica de Reis é evidenciada no debate que o último estabelece com seu orientador: na área, Schwartz publicou um capítulo no livro The hispanic american historical review (1977), intitulado “Resistance and Accomodation in 18th Century Brazil: the Slaves’ View of Slavery”. O capítulo estabelece paradigmas iniciais para que os autores discutam a importância de se pensar as resistências e acomodações dos escravos, partindo do ponto de vista dos próprios escravos, dos mesmos com sujeitos participantes e ativos de seus próprios destinos, capazes de modificar as próprias estruturas do sistema escravista, ao seu favor. De forma adicional, a partir de outro autor referenciado e utilizado consideravelmente, Robert Slenes, Reis e Silva trabalham com ideias relativas à existência de famílias escravas bem constituídas e mantidas no seio da sociedade escravocrata, bem como as estratégias de fugas desses escravos, que em muitos casos temiam pela vida e proteção dos seus entes queridos. A partir da proposta dos autores, que pensam os conceitos de negociação e conflito – que tanto aparecem juntos, vendo os conflitos abrirem portas para as negociações; como separados - como ponto de partida para a negação dos escravos como agentes ativos de sua própria história, Reis e Silva demonstram exemplificações de espaços de negociações que “funcionaram”, como, por exemplo, a Brecha Camponesa. Para tratar de conceitos como Brecha camponesa - cuja importância é debatida melhor no segundo capítulo da obra - que a historiografia brasileira não possui forte tradição, um dos autores utilizados na discussão é o historiador Ciro Flamarion S. Cardoso que, em sua obra, Escravo ou camponês? (1987), estimula o debate em nível de Brasil de um conceito que, para o mesmo, será caracterizado pelo acesso a terra, cedida pelo senhor, uma economia de subsistência baseada em trabalho predominantemente familiar, além de certo grau 527 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 524-533. Resenha: Negociação e conflito de autonomia que possibilitaria ao escravo, por exemplo, vender seus produtos, com certa freqüência, ao seu próprio senhor,gerando renda revertida em moeda ou benefícios. Apesar da riqueza conceitual que a obra contém, dois deles são fundamentais para entender a proposta do livro. O primeiro deles, o conceito de identidade étnica, é visto como o laço que “conseguiu unir escravos e libertos africanos no cotidiano e na rebelião.” (REIS; SILVA, 2009: 107). Ainda para Reis, “a identidade étnica foi em grande parte uma elaboração local de materiais culturais velhos e novos, materiais trazidos e materiais aqui encontrados, todos eles reinventados sob a experiência da escravidão.” (REIS; SILVA, 2009: 107). Dessa forma, se estabelece a própria existência do termo aplicado a realidade dos escravos apresentada na obra. O segundo conceito fundamental é o de classe, que será debatido no último capítulo, tendo em vista o diálogo conduzido por José Reis, a partir das ideias de Marx, Hobsbawn e Thompson. Ao tratar da opção metodológica utilizada pelos autores em seus capítulos, torna-se necessário salientar que, apesar da escravidão ser um dos temas mais dinâmicos da historiografia brasileira, a dificuldade de encontrar fontes relativas ao escravo como ator principal de sua história acaba por forçar os historiadores da área a trabalharem com as fontes que possuem, não com a que desejam. (REIS; SILVA, 2009: 107). Essa dificuldade reflete-se na metodologia primária empregada: por falta de quantidade, passa-se a utilizar como arma principal a análise qualitativa, que possui forma destacada nos capítulos através de estudos de caso, focado primariamente por Reis e Silva na Bahia e no Rio de Janeiro. Tendo em vista as considerações apresentadas anteriormente, é indispensável a retomada da ideia central da obra: os escravos não teriam sido vítimas e/ou heróis durante todo o tempo, como se fizeram acreditar diversos estudiosos da historiografia clássica, eles transitariam, com bastante frequência em zonas intermediárias de indefinição entre essas duas posições. Sendo assim, para os autores, ao lado das violências corriqueiras do sistema escravista, haviam espaços sociais construídos tanto de barganhas quanto de conflitos. (REIS; SILVA, 2009: 7). É com base nesta ideia que o primeiro capítulo da obra, “Entre Zumbi e Pai João, o escravo que negocia”, ser| construído. Para Eduardo Silva, que aponta Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 524-533. Arthur Fabrício/Liliane Cunha as já apresentadas dificuldades de pesquisa com a temática, a expressiva presença de escravos na população territorial do século XIX seria utilizada como arma principal nessas negociações e sabedorias políticas: “o temor da violência” da grande quantidade de escravos, em detrimento da quantidade de homens livres, gerava em muitos casos, esses espaços de diálogo entre o senhor e os negociantes. (REIS; SILVA, 2009: 14) Ainda para o autor, a liberdade podia ser alcançada fora da proposta da violência, das fugas e das insurreições, contando com casos em que elementos como a criatividade, a inteligência e o azar deram conta de satisfazer as condições necessárias à liberdade. Dessa forma, eram através de negociações que os escravos lutavam pelo seu direito a cultuar sua religião livremente, a obter folgas nos finais de semanas, e a ter o direito de possuir uma terra só sua, que ajudasse na sua subsistência e constituísse uma forma de renda. É partindo dessa situação de negociação entre senhores e escravos que se estabelece a chamada brecha camponesa, cuja função ideológica constitui o eixo central do segundo capítulo da obra. Para Silva, a existência desse espaço econômico próprio do escravo é tradicionalmente negligenciada pela historiografia brasileira, que apenas o interpreta como uma indicação da extensão da liberdade dos senhores - que consistiria, dentre tantas funções, num mecanismo de manutenção da ordem escravista - deixando de lado o valor que possui nesse contexto de negociações escravo-senhor. Para um dos autores trabalhados na obra, Antonio Barros de Castro, a prática da brecha camponesa teria surgido do choque entre senhores e escravos: os últimos buscando construir um espaço próprio, enquanto os primeiros tentavam resistir, cedendo ante as reivindicações ou aos próprios interesses econômicos. (REIS; SILVA, 2009: 29). Ainda sobre essa disputa, Eduardo Silva afirma que “o sistema escravista – como qualquer outro – não poderia, evidentemente, viabilizar-se apenas pela força.” (REIS; SILVA, 2009: 31). Apesar da função ideológica restritiva desse “pequeno direito de propriedade”, que visava manter o escravo na fazenda sob a ilusão de autonomia e relativa liberdade, cabia aos negociadores a manutenção e ampliação desse direito, como exemplificado por Silva no caso do engenho de Santana de Ilhéus, onde os escravos realizaram uma “greve”, exigindo como solução para a retomada dos trabalhos a ampliação da brecha camponesa. 529 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 524-533. Resenha: Negociação e conflito No terceiro capítulo, intitulado “Nas malhas do poder escravista: a invasão do candomblé do Accú”, Eduardo Silva expande os limites da negociação além do apresentado no capítulo anterior: a materialidade dá lugar à defesa por uma vida espiritual e lúdica autônoma (REIS; SILVA, 2009: 8). O capítulo se desenvolve a partir do ataque ao candomblé, como aquele realizado pela polícia em meados de 1829, na cidade da Bahia, mostrando que os negros não se intimidam. Pelo contrário, buscam vias legais de negociar com aquelas instituições repressivas, aliando-se com libertos, crioulos e brancos pobres livres. Para Silva, os negros buscavam a afirmação de seu direito de expressão – de tocar, dançar, cantar e brincar em homenagem a seus deuses – sem serem constantemente reprimidos. O autor demonstra como o candomblé ganha espaço nas negociações, constituindo uma instituição exemplar para a realização de um estudo de caso mais aprimorado. No quarto capítulo da obra, “Fugas, Revoltas e Quilombos: os limites da negociação”, João José Reis apresenta uma perspectiva de crescente interesse da historiografia nacional pela temática: novas questões são levantadas em relação às resistências físicas, diárias ou mesmo socioculturais. Nesse sentido, Reis entende que a unidade básica de resistência ao sistema escravista teria sido as fugas, sejam elas individuais ou coletivas, com destinos a quilombos ou não. Para o autor, mesmo os suicídios seriam considerados, a despeito dos exageros comuns, um “meio de libertação”. No entanto, José Reis afirma que, na realidade, poucos escravos conseguiram efetivamente “escapar”, tendo em seus feitos, contudo, causado prejuízos e estabelecendo uma afronta à posição hegemônica dos senhores. Para o autor, então: A fuga, como insurgência, não pode ser banalizada: é um ato extremo e sua simples possibilidade marca os limites da dominação, mesmo para o mais acomodado dos escravos e o mais terrível dos senhores, garantindo-lhes espaço para negociação no conflito. (REIS; SILVA, 2009: 63) Tendo em vista esses espaços criados para a negociação, o autor distingue em seu texto dois tipos de fugas: fugas-reivindicatórias e fugas-rompimento. A Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 524-533. Arthur Fabrício/Liliane Cunha primeira consistiria, não pretendendo um rompimento radical com o sistema, em espécies de “greves” por melhores condições, ou por outras questões relativas à sobrevivência dentro do complexo negociação/resistência. (REIS; SILVA, 2009: 63). O segundo tipo de fuga teria clara intenção de rompimento total com o sistema escravista, abandonando aquele espaço opressor e visando novas alternativas de subsistência. No entanto, o sistema escravista fazia parte da totalidade da ordem dessa sociedade, no século XIX, o que Reis denomina de “paradigma ideológico”. Ainda para João José Reis, tais fugas podiam acontecer como reflexo de quebras de acordo, que ameaçavam os pequenos direitos conquistados pelos escravos, ou quebras de costumes, que provocavam fortes reações coletivas. Ambas resultariam na abertura de novos processos de negociações e conflitos dentro do sistema. Os últimos dois capítulos da obra constituem os principais estudos de caso do livro, apresentados por João José Reis. O capítulo cinco, intitulado “O jogo duro do Dois de Julho: o ‘Partido Negro’ na independência da Bahia”, tem como enfoque as lutas pela Independência na Bahia, chegando até o momento do Dois de Julho de 1823. O desenrolar do texto se detém na análise das atitudes de negros, pardos, homens livres e escravos diante dos acontecimentos, discutindo as reações e os medos de uma elite branca à existência de um terceiro partido – além do partido dos brasileiros e do partido dos portugueses - presente naquela situação. O autor enxerga a elaboração desse terceiro partido, “O Partido Negro”, como reflexo de construções ideológicas da elite, que temiam que os negros, os homens-livres pobres, os libertos e as camadas mais baixas da população se revoltassem quanto a sua condição, tomando as rédeas de seu destino e passando a agir com consciência de grupo. O medo dessa elite, como Reis aponta, não é apenas imaginário: esses grupos, cada qual a sua maneira, teriam negociado participação no movimento de Independência, ou buscado a subversão da ordem escravista, durante o próprio conflito. (REIS; SILVA, 2009: 63). O outro estudo de caso, presente no capítulo seis, “Levante dos Malês: uma interpretação política”, tem como objetivo demonstrar o escravo como agente político, a despeito da construção da época que entendia que as classes mais baixas não teriam direito a felicidade ou liberdade, pois a última estaria submetida à necessidade de ter propriedades físicas e, sendo assim, por não possuírem liberdade, tornavam-se propriedades de outros, que possuiriam direitos e dignidade. (MATTOS, 2004: 128). Dessa forma, Reis afirma seu objetivo 531 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 524-533. Resenha: Negociação e conflito como sendo às políticas do conflito, deixando um pouco de lado as negociações, e entendendo que na rebelião de 1835 houve lutas de classe, lutas religiosas e lutas étnicas, discutindo as relações entre esses elementos – classe, religião e etnia – neste contexto. À guisa de conclusão, a obra Negociação e Conflito, apresenta de forma clara e bastante didática, uma nova perspectiva, que vai de encontro à clássica visão dual do escravo como heroi e/ou oprimido, tão veiculada por grandes nomes da historiografia brasileira de vanguarda, como Nina Rodrigues, Gilberto Freyre e Jacob Gorender. Para João José Reis e Eduardo Silva, o escravo, em seu dia-a-dia, conseguia romper barreiras sociais aparentemente intransponíveis, abrindo espaços para negociar sua condição, buscando uma vida melhor para si e sua família. Os conflitos levados à frente pelos escravos, em grande medida, eram a porta de entrada para que essa negociação ocorresse, gerando medos, ou ao menos, receios nas classes superiores que temiam os negros, em grande quantidade. A partir de tais considerações, a obra, que reúne discussões valiosas sobre tal temática tão pouco explorada na academia brasileira, teve em sua época de lançamento, grande repercussão. Apesar disso, livros didáticos e professores do ensino básico continuam repassando para o grande público os mesmos valores e significados agregados {s definições “cl|ssicas”. É preciso, que as discussões presentes em Negociação e Conflito ultrapassem as fronteiras do núcleo acadêmico a que a obra acabou restrita, trazendo ao debate, novos e importantes elementos ao estudo da escravidão na História do Brasil imperial. Referências BARROS, José D’Assunção. O Campo da História – Especialidades e Abordagens, Petrópolis: Vozes, 2004. BURKE, Peter. História e teoria social. 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