1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE FACULDADE DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE E SOCIEDADE MESTRADO ACADÊMICO EM SAÚDE E SOCIEDADE NÍVEL DE DOR E QUALIDADE DE VIDA DAS PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS JOELMA GOMES DA SILVA Mossoró – RN 2015 2 JOELMA GOMES DA SILVA NÍVEL DE DOR E QUALIDADE DE VIDA DAS PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Saúde e Sociedade, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, como requisito final para obtenção do grau de Mestre em Saúde e Sociedade. Orientadora: Profª. Drª Maria Irany Knackfuss Mossoró-RN 2015 Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Silva, Joelma Gomes da Nível de dor e qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/AIDS. / Joelma Gomes da Silva. – Mossoró, RN, 2015. 108 p. Orientador: Profª. Drª Maria Irany Knackfuss Dissertação (Mestrado em Saúde e Sociedade). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Faculdade de Enfermagem. Programa de Pós-Graduação em Saúde e Sociedade. 1. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. 2. HIV - Qualidade de vida. 3. Dor - HIV/AIDS. I. Knackfuss, Maria Irany II.Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III. Título. UERN/BC CDD 616.9792 Bibliotecária: Jocelania Marinho Maia de Oliveira – CRB 15 319 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE FACULDADE DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE E SOCIEDADE MESTRADO ACADÊMICO EM SAÚDE E SOCIEDADE A COMISSÃO ABAIXA ASSINADA APROVA A DISSERTAÇÃO INTITULADA NÍVEL DE DOR E QUALIDADE DE VIDA DAS PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS Elaborada por JOELMA GOMES DA SILVA COMO REQUISITO FINAL PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM SAÚDE E SOCIEDADE BANCA EXAMINADORA: Profª Drª Maria Irany Knackfuss (Orientadora)- UERN/RN Prof Drª Eveline Pipolo Milan UFRN/RN Prof Drª Themis Cristina Mesquita Soares UERN/RN Mossoró - RN 2015 4 DEDICATÓRIA Ao mais lindo dos imortais, meu grandioso Deus; pois sem Ele nada do que foi realizado e conquistado em minha vida teria se concretizado de forma tão terna, tão profunda e tão significante. Aos meus pais, Antônia Margarida Gomes da Silva e Josué Gomes da Silva, que me ensinaram grande parte do que sei hoje e que sempre estava com as mãos estendidas para me levantar de uma queda e me encorajar para continuar. Ter o apoio de vocês e todos os valores passados até hoje, me faz ser quem eu sou. Ao meu esposo, David Rocha. A concretização desse sonho não teria sido possível sem você que viveu tão intensamente cada momento comigo. Passar por esse turbilhão de emoção e saber que tinha você ao meu lado para me apoiar foi o que me deu forças para prosseguir. Seus abraços e beijos, ou até mesmo seu silêncio nos momentos impacientes foram peça fundamental para eu concluir esse trabalho. Te amarei eternamente meu príncipe! 5 AGRADECIMENTOS Não tenho palavras para agradecer tua bondade e fidelidade em minha vida, Deus. Tu és o meu sustento, meu braço forte, meu socorro bem presente na angústia e sempre quando pensei que ia chegar o fim, o Senhor estendia sua mão de amor e me mostrava uma solução. Por isso, e por tantas outras coisas, serei eternamente grata a Ti. Obrigada meu Pai pela concretização de algo que eu achava ser impossível em minha vida, pelo teu cuidado que me rodeia e tua graça que me abastece. Chegar aqui, é a prova da tua infinita misericórdia, pois mesmo não merecendo, a tua mão abençoadora me ajuda na caminhada e me protege contra aqueles que tentam frustrar meus sonhos. Nunca saberei ao certo como te agradecer por tudo! Agradeço também a minha família, em especial aos meus pais, Antônia Margarida Gomes da Silva e Josué Gomes da Silva, e meus irmãos Jonas Gomes da Silva e Josué Gomes da Silva Júnior. Obrigada por acreditarem em mim, por estarem ao meu lado nos momentos que mais precisei e por me mostrar que tenho amigos para todas as horas, que me apoiam, me protegem e me encorajam a seguir em frente. Não escolhemos a família que vamos nascer, mas querem saber? Se tivesse tido a oportunidade de escolher, teria escolhido vocês mesmo. Vocês são minha realização e meu orgulho e esse amor forte que nos une, por meio de Deus, que é o pilar, nos mantém mesmo quando a tempestade chega. Vossas orações me sustentam. Amo vocês, com toda intensidade possível. Estendo esse agradecimento a minha cunhada Rebeca Ingrid, você tem sido uma irmã nessa caminhada. Quero agradecer a minha mãe de forma especial. Desde criança que ela é um exemplo de fortaleza para mim. Sempre que trago a memória sua lembrança é de uma mulher forte, guerreira, destemida e batalhadora. Tudo que sou devo a ti, minha amada mãe. Cada letra desse trabalho só foi possível ser escrita porque a senhora foi minha professora não só na vida, mas na escola também; então seria injusto da minha parte não dedicar cada parte desse trabalho, de forma milimétrica, ao seu esforço. Conseguimos vencer mais uma etapa mãe! E nunca quero deixar que todo seu investimento se perca. Obrigada por ser tão dedicada a mim, por abnegar da sua vida para que eu chegasse nesse patamar que estou hoje, por 6 cuidar e me proteger do jeitinho que só a senhora sabe, por me dar um referencial de vida em meio a uma sociedade com conceitos tão distorcidos. Tenha certeza que só sou quem sou hoje, porque te tive ao meu lado desde meus primeiros dias de vida. Ao meu esposo, David Darlan Rocha. Amor, conseguimos vencer. Como foi difícil, mas conseguimos. Obrigada pelo incentivo desde o primeiro momento, essa conquista devo a ti também. Obrigada pela enorme paciência comigo, nos momentos que nem mesmo eu tinha; obrigada pela enorme compreensão das noites que precisei ficar em claro e não te dei atenção, das tarefas da nossa casa que deixei de fazer e você não se importou; obrigada por escutar e compartilhar todos os momentos do meu trabalho, sendo até capaz de dizer qual foi a conclusão sem nem ler este arquivo. Obrigada por expressar de maneira tão prática e intensa o sentido da palavra companheirismo. Você é um presente lindo que o nosso Deus me deu e como Deus escreve certo por linhas certas, Ele sabia que era exatamente de você ao meu lado que eu precisava para compartilhar esse momento tão intenso da minha vida. Nada disso teria sido possível sem você por perto meu amor, o mérito também é todo seu e esse título, ofereço a você! Ao meu amigo Dimas Anaximandro da Rocha Morgan, um irmão que o mestrado me deu. Não achei que fosse possível encontrar um amigo com tanta afinidade como encontrei você. Nossa; vivemos essa “montanha russa” juntos e como sempre te digo, não teria sido a mesma coisa se você não estivesse na mesa ao lado. Sou grata a você meu amigo, que me permitiu perpassar dos limites acadêmicos e foi um grande apoio para mim em tudo que precisei. Sempre disponível, sempre atencioso, sempre com uma palavra para nos fazer dar boas gargalhadas, porque melhor era rir do que chorar. Você foi um dos presentes que o mestrado me deu que levarei para sempre comigo. Considero nossa amizade uma quebra de paradigmas, que aconteceu de forma tão natural e hoje te considero um irmão! Estendo meu agradecimento ao seu companheiro Ayrton Brito, você também foi muito importante nesse processo e levarei sua amizade para sempre. A minha orientadora Maria Irany Knackfuss que até acho estranho chamar assim. Não por não fazer jus a função, mas pelo forte laço que criamos nesse processo. Acho que mãe, amiga e companheira seriam adjetivos mais adequados, pois foi isso que você representou para mim neste período. Olho para você e me encontro em muitas coisas, e naquilo que não me encontro desejo um dia conseguir 7 incorporar na minha vida profissional, pois tu és um exemplo de educadora e multiplicadora de conhecimentos. Até me assusto por sermos tão parecidas, com tantas coisas em comum e tenho certeza que foi por isso que desde o primeiro momento nos demos tão bem. Em primeiro lugar obrigada por acreditar e confiar em mim, mesmo sem me conhecer e por ter me moldado tanto neste período. Os puxões de orelhas e a pressão que só você sabe como fazer foram essenciais; mas os abraços apertados e o sorriso espontâneo foram, sem dúvida alguma, o diferencial para que eu terminasse esse processo da forma que estou terminando. Essa realização tinha que ser exatamente com você e da forma que foi! Amo você com enorme amor de filha e serei eternamente grata por tudo. Ao professor Humberto Jefferson de Medeiros, sempre nos acalmando naqueles momentos de maior pressão e sempre me ensinando grandes lições que levarei para vida toda. Ter passado esse período com você por perto foi fundamental para meu processo de crescimento e amadurecimento. E não tem como falar de vocês dois apenas de maneira separada, então agradeço também ao casal Gringa e Beto, que todos os dias me proporcionava lições de convivência e me fazia sentir tão em casa. Considero vocês meus pais acadêmicos e quero manter esse laço por toda a vida. Nunca serei capaz de retribuir o que vocês fizeram por mim. Aos meus amigos, aqueles que posso chamar assim, da base de pesquisa: Dimas, Flávia, Isis, Kesley, Vitor, Gerian. Nosso grupo de amizade e todo esse sentimento de irmandade que perpetuou entre nós foram uma das molas propulsoras de todo esse processo. Obrigada pelas risadas, rodas de conversa, apoio quando precisei, ouvidos e olhares atentos, abraços sinceros e apertados, almoços, festas, confraternizações, enfim, obrigada por estarem por perto. Nossos cafés da manhã, da tarde e da noite e de qualquer hora (e aqui incluo Irany e Humberto), foram as melhores terapias que eu já poderia ter feito. Estendo meus agradecimentos aos meus queridos: Ubilina, Nailton, Epaminondas, Lorena e Ubaldo, que também foram fundamentais para mim nesse processo. A vocês: Flávia, que abdicou das férias para me ajudar no processo de coleta, Kesley, Isis e Joana Darc; obrigada pelo apoio durante a pesquisa. Esse trabalho também é mérito de vocês. A todos os funcionários e pacientes do Hospital Rafael Fernandes e do Laboratório; quero agradecer a disponibilidade e paciência comigo. 8 A secretária do PPGSS, Luzia Mendes, que acabou se tornando uma amiga durante esse processo. Sou sua fã, você sabe! Aos meus adolescentes da igreja, que mesmo sem entender a complexidade desse processo oraram muito por mim para que tudo desse certo. Amo vocês! Aos meus colegas de profissão e da estrada: Maria José, José Paulo, Claudielly, Washington, Kísia, Glênia e Thanúsia; que tanto me suportaram e me deram força nessa caminhada. Fazer mestrado é muito mais que viver um processo acadêmico e terminar com um título de Mestre. É saber lidar com dois intensos anos, com dias bons e dias ruins também e principalmente administrar toda a pressão imposta e esse turbilhão de emoções que só quem faz sabe explicar, mas sinceramente, sentirei saudades. 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 15 1.1 O Problema 15 1.2 Objetivos 18 1.2 Objetivo geral 18 1.2.1 Objetivo específico 18 1.3 Justificativa 19 2 REVISÃO DE LITERATURA 20 2.1 HIV/AIDS: aspectos históricos, fisiopatologia e enfrentamento 20 2.2 Dor e o HIV/AIDS 28 2.3 Dor e Qualidade de Vida em pessoas que vivem com HIV/AIDS 40 3 METODOLOGIA 52 3.1 Caracterização da pesquisa 52 3.2 População e Amostra 52 3.2.1 População 52 3.2.2 Amostra 52 3.3 Instrumentos para coleta dos dados 54 3.4 Procedimento da coleta de dados 54 4 RESULTADOS 59 5 CONCLUSÕES E SUGESTÕES 83 6 REFERÊNCIAS 84 ANEXOS 102 10 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Diagrama do vírus HIV 22 FIGURA 2 Ciclo de replicação do HIV 24 FIGURA 3 Principais locais de dor nas pessoas que vivem com HIV/AIDS 38 FIGURA 4 Escala Visual Analógica 55 11 LISTA DE TABELAS TABELA 1 Valores de freqüência (%) das variáveis sócio demográficas associadas ao nível de dor em pessoas vivendo com HIV/AIDS. 59 TABELA 2 Valores da freqüência (%) dos aspectos clínicos e nível de dor em pessoas vivendo com HIV/AIDS. 63 TABELA 3 Classificação da variável dor quanto ao local, característica e 68 tempo. TABELA 4 Modelo de regressão logística multinominal para as variáveis 71 sócio demográficas com relação a variável dor em pessoas que vivem com HIV/AIDS. TABELA 5 Valores freqüência (%) dos níveis de dor associados a 76 qualidade de vida em pessoas vivendo com HIV/AIDS. TABELA 6 Modelo de regressão logística multinominal para a qualidade de vida com relação a variável dor em pessoas que vivem com HIV/AIDS. 80 12 LISTA DE SIGLAS AIDS Acquired Immune Deficiency Syndrome AVD Atividade da Vida Diária DNA Desoxiribonucleic Acid DST Doenças Sexualmente Transmissíveis EUA Estados Unidos da América EVA Escala Visual Analógica HIV Human Immunodeficiency Vírus HPV Human Papiloma Vírus HRF Hospital Rafael Fernandes HTLV Human T-cell Lymphotropic Vírus IASP Internacional Association for the Study Pain LAV Lymphadenopathy Associated Vírus NIC Neoplasia Intra epitelial Cervical OMS Organização Mundial da Saúde OR Odds Ratio PVHA Pessoa que Vive com HIV/AIDS QV Qualidade de vida QVRS Qualidade de Vida Relacionada à Saúde QUALY Anos de Vida Ajustados pela Qualidade RNA Ribonucleic Acid SAE Serviço de Atendimento Especializado SINAN Sistema de Informações de Agravos e Notificações SPSS Statistical Package for the Social Sciences SUS Sistema Único de Saúde TARV Terapia Anti-Retroviral UNAIDS Joint United Nations Program on HIV/AIDS WHOQOL World Health Organization Quality of Life 13 RESUMO A dor é uma experiência vivenciada pela maioria das pessoas que vivem com HIV/AIDS, podendo influenciar negativamente na qualidade de vida das mesmas. Objetivou-se nesse estudo descritivo com corte transversal, correlacionar o nível de dor e a qualidade de vida de 261 pessoas que vivem com HIV/AIDS, na faixa etária de 20 a 64 anos, de ambos os sexos, atendidas no Hospital de referência Rafael Fernandes, na cidade de Mossoró-RN. Utilizou-se como instrumentos o WHOQOL – HIV Bref (qualidade de vida); a Escala Visual Analógica (EVA) (intensidade da dor) e uma entrevista semiestruturada (outras dimensões da dor). No que diz respeito à dor, 47,5% dos indivíduos referiram dor leve ou ausência de dor, 24,1% dor moderada e 28,4% dor intensa, correlacionando-se significativamente com o sexo (p=0,02), estado (p<0,001) e percepção da saúde (p<0,001), estágio da infecção (p=0,005). Quanto à regressão logística multinominal, o fato de ser do sexo feminino comportou-se como fator de risco para a presença de dor moderada (OR ajustado = 7,256, p<0,001) e intensa (OR ajustado = 5,329, p=0,004). O estado de saúde ruim, se apresentou como risco para a presença de dor moderada (OR ajustado = 8,13, p<0,038) e intensa (OR ajustado = 11,73, p=0,005). Em contrapartida, ser mais jovem apresentou-se como fator de proteção para o aparecimento significativo da dor moderada (21 a 30 anos= OR ajustado = 0,076, p=0,046; 41 a 50 anos = (OR ajustado = 0,068, p=0,023;51 a 60 anos = (OR ajustado = 0,063, p<0,030). Identificou-se médias baixas na qualidade de vida, mantendo uma correlação significativa com a presença de dor em todos os domínios avaliados(p<0,001), evidenciando-se como fatores de risco para o aparecimento da dor moderada, o domínio do nível de independência ruim (OR ajustado = 5,836, p=0,004), e para dor intensa, relações sociais comprometidas (OR ajustado = 3,585, p=0,029). O domínio psicológico se comportou como um fator de proteção para dor moderada (OR ajustado = 0,015, p=0,011), o mesmo ocorrendo para o domínio físico ruim para dor intensa (OR ajustado = 0,233, p=0,007). De maneira geral, podemos concluir que o nível de dor apresenta-se como um impacto negativo na qualidade de vida de pessoas com HIV/AIDS. Palavras-chave: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; HIV; Qualidade de vida, dor. 14 ABSTRACT Pain is experienced by most people living with HIV/AIDS, which may adversely influence their quality of life. The objective of this cross-sectional descriptive study was to correlate the level of pain and quality of life in 261 people living with HIV/AIDS, aged 20 to 64 years old, from both genders and assisted at the Rafael Fernandes Referral Hospital, in the city of Mossoró-RN. The WHOQOL-Bref HIV (quality of life), Visual Analogical Scale (VAS) (pain intensity), and a semi-structured interview (other dimensions of pain) were used as instruments in the study. In regards to pain, 47.5% of subjects reported mild or no pain, 24.1% moderate pain, and 28.4% intense pain, significantly correlating with gender (p = 0.02), state (p < 0.001) and health perception (p < 0.001), and stage of infection (p = 0.005). The multinomial logistic regression showed that being female represented a risk factor for the presence of moderate pain (adjusted OR = 7.256, p<0.001) and intense pain (adjusted OR = 5.329, p = 0.004). The poor state of health represented a risk factor for the presence of moderate pain (adjusted OR = 8.13, p<0.038) and intense pain (adjusted OR = 11.73, p = 0.005). Conversely, being young represented a protection factor for the significant appearance of moderate pain (21 to 30 years old = adjusted OR = 0.076, p = 0.046; 41 to 50 years old = (adjusted OR = 0.068, p = 0.023; 51 to 60 years old = (adjusted OR = 0.063, < p 0.030). The averages of low quality of life were identified maintaining a significant correlation with the presence of pain in all evaluated areas (p<0.001) showing the low level of control of independence as a risk factor for the onset of moderate pain (adjusted OR = 5.836, p = 0.004), and compromised social relations as a risk factor for severe pain (adjusted OR = 3.585, p = 0.029). Psychological control behaved as a protection factor for moderate pain (adjusted OR = 0.015, p = 0.011), the same occurring for poor physical control for severe pain (adjusted OR = 0.233, p = 0.007). In general, we can conclude that the level of pain represents a negative impact on the quality of life of people with HIV/AIDS. Keywords: Acquired Immunodeficiency Syndrome; HIV; Quality of life, Pain. 15 I. INTRODUÇÃO 1.1 O PROBLEMA O descobrimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) na década de 80 representou um marco para este período. Após esse acontecimento, a epidemia de HIV/AIDS foi tomando proporções até que se tornou o maior desafio na saúde global, contando com 34,2 milhões de pessoas infectadas pelo HIV em todo o mundo (UNAIDS, 2012). Os primeiros casos da doença foram identificados nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, porém o maior impacto da epidemia foi na África sub-saariana, onde podemos perceber uma maior transmissão entre heterossexuais (DE COCK; JAFFE; CURRAN, 2012). No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde (2013), no ano de 2012, foram notificados 39.185 casos de AIDS. A taxa de detecção nacional foi de 20,2 casos para cada 100.000 habitantes. A maior taxa foi observada na Região Sul, 30,9/100.000 habitantes, seguida pela Região Norte (21,0), Região Sudeste (20,1), Região Centro-Oeste (19,5), e Região Nordeste (14,8). Ainda segundo o boletim epidemiológico, no período de 2003 a 2012, dentre as cinco regiões do país, ocorreu uma diminuição de 18,6% na taxa de detecção na Região Sudeste e 0,3% na Sul, enquanto nas demais se observou um aumento, sendo de 92,7% na Região Norte, 62,6% na Nordeste e 6,0% na Centro-Oeste. Este fato ganha importância ao analisar que na época do seu descobrimento, esta doença estava vinculada a um grupo específico como homossexuais, usuários de drogas injetáveis, profissionais do sexo e Hemofílicos, o que serviu, de certo modo, como fator determinante para gerar preconceito da sociedade, postergando as ações de intervenção por parte do poder público. Contudo, houve a mudança de perfil epidemiológico, com uma caracterização pauperização e interiorização (VIDAL et al., 2012). voltada para feminização, 16 No que diz respeito à etiologia, já é do conhecimento de todos que se dá pela transmissão do vírus HIV, e que essa transmissão pode ocorrer principalmente pelas vias sexual, contato com sangue contaminado por transfusão, uso de drogas injetáveis ou via vertical (WESTERGAARD et al., 2013). Essas vias foram diagnosticadas, mesmo antes do real descobrimento, por meio de estudos epidemiológicos, porém foi com a mudança de perfil, que se viu a necessidade de tomar atitudes para combater a progressão dessa doença (VIDAL et al., 2012). Em alguns países da África Austral, representado por cerca de um terço das infecções globais, a triagem de HIV do sangue doado e Terapia Antirretroviral (TARV) das mulheres grávidas têm funcionado de forma eficaz na prevenção de transmissão perinatal. A esterilização de materiais também tem contribuído para uma maior prevenção da doença. Em contrapartida, a prevenção da transmissão por via sexual tem representado o maior desafio, com relação ao controle (DE COCK et al., 2012). Com relação ao Brasil, a instauração de Políticas Públicas culminou com uma das melhores políticas de enfrentamento da AIDS em todo mundo. Como exemplo, temos a produção de alguns medicamentos que combatem a síndrome, fabricados no país, além da distribuição gratuita. Esta introdução efetiva dos medicamentos garantiu um caráter crônico a AIDS, mas também trouxe consigo muitos efeitos colaterais, o que, de certo modo, interfere tanto na adesão ao tratamento, como na percepção de saúde desses indivíduos, além de exigir intervenções mais eficazes para um público que antes vivia na iminência de morte, e agora passou a vivenciar uma doença crônica (FERNANDES et al., 2009). Diante desses fatos, o manejo desses pacientes torna-se bastante complexo, pois não é apenas o HIV/AIDS em si que precisa ser tratado, mas todas as outras doenças oportunistas, seus sintomas, juntamente com tais efeitos colaterais do tratamento. 17 A dor, por exemplo, é um sintoma comum entre os pacientes que vivem com HIV / AIDS (NAMISANGO et al., 2012), podendo ocorrer um quadro álgico em todos os estágios da doença, de forma bem diferenciada, em até 90% dos casos (OLIVEIRA et al. 2013). A dor é uma experiência vivenciada por quase todos os seres humanos, pois constitui um elemento de proteção contra agentes nocivos (TEIXEIRA,2009). No caso dos pacientes que vivem com HIV/AIDS, essa dor pode se dá por três motivos principais: a) sintoma do HIV; b) outra doença ou infecção oportunista; c) efeito colateral da TARV ( OLIVEIRA et al., 2013). O tratamento da dor, bem como seu melhor acesso foi reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), quando incluiu tanto a morfina e a codeína em sua lista de medicamentos essenciais, e pelas Nações Unidas que considerou o uso de narcóticos médicos para o alívio da dor e sofrimento. No entanto, estimativas revelam que cerca de 80% da população mundial tem acesso inadequado ao tratamento da dor moderada e grave e que milhões de pessoas que vivem com HIV/AIDS sofrem de dor severa, não tratada (ROBBINS; CHAIKLANG; SUPPARATPINYO, 2013). Estes dados se tornam preocupantes, quando se observa que a dor diminui drasticamente o nível da Qualidade de Vida (QV) desses indivíduos interferindo em sua capacidade de desempenhar suas atividades diárias e laborais, afetando seu estado de humor e suas relações sociais (NAMISANGO et al., 2012). Quando nos remetemos ao conceito de QV proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ainda em 1995, como a percepção do indivíduo quanto a sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações, conseguimos, mesmo que de forma limitada, medir o impacto que uma adversidade pode causar na vida do mesmo (OLSEN et al., 2013). Apesar de não ser uma medida de fácil obtenção, é preciso atentar para a multiplicidade de questões envolvidas, bem como a subjetividade; indo desde 18 parâmetros sociais até de saúde ou econômicos. Por tamanha abrangência, esses indicadores podem passar por análise de diversas áreas do conhecimento, sendo criadas várias definições e concepções (ALMEIDA; GUTIERREZ; MARQUES, 2012). Mesmo diante dessa complexidade, a QV tornou-se uma medida de eficácia em estudos clínicos e por consenso, sabemos que se comporta de forma inversamente proporcional com relação à dor, sendo que esta possui um impacto fortemente negativo na primeira. Porém, poucos estudos têm sido desenvolvidos no sentido de investigar essa relação entre a vivência da dor e qualidade de vida em pacientes com diferentes experiências de vida. Partindo-se desse pressuposto, o presente estudo busca compreender qual a relação entre a dor e a qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV/AIDS? 1.2 OBJETIVOS 1.1.1 Objetivo Geral - Analisar a relação entre nível de dor e a Qualidade de Vida de pessoas que vivem com HIV/AIDS. 1.1.2 Objetivos Específicos - Verificar o nível de dor de pessoas que vivem com HIV/AIDS; - Classificar o nível de dor, com relação à localização, a característica e tempo; - Identificar o nível de Qualidade de Vida de pessoas que vivem com HIV/AIDS; - Comparar o nível da qualidade de vida de acordo com a intensidade da dor - Correlacionar a dor e a qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/AIDS 19 1.3 JUSTIFICATIVA Viver com uma doença crônica não se comporta numa relação inversamente proporcional com a qualidade de vida. Porém, vale lembrar que alguns fatores irão interferir de modo negativo nessa qualidade. Dentre estes fatores, receber o diagnóstico do HIV/AIDS gera um grande impacto em todo o meio familiar e social. A pessoa que vive com HIV/AIDS, carrega não apenas um diagnóstico de uma doença crônica, mas também o estigma que anda junto com a doença, o impacto na sua saúde com a presença de doenças oportunistas e muitas vezes a falta de oportunidades profissionais devido ao preconceito. Dentro desse contexto, a dor presente na maioria das pessoas que vivem com HIV/AIDS, interfere de forma negativa na qualidade de vida das mesmas. Investigar essas variáveis, correlacionando-as, poderá auxiliar profissionais de diferentes áreas a entender alguns desses fatores, bem como seus mecanismos. Assim, a presença de uma equipe multiprofissional que domine este conhecimento, poderá atuar de forma mais direcionada a fim de oferecer uma melhor qualidade para essas pessoas. O HIV/AIDS é uma doença que ainda não tem cura, então viver com esse diagnóstico pode se tornar uma tarefa mais simples, quando se proporciona uma melhor qualidade de vida para essas pessoas. Sendo assim, o presente trabalho justifica-se pela necessidade de investigação dos fatores que interferem diretamente na qualidade de vida, como a dor e sua fisiopatologia, permitindo a possibilidade de propor intervenções futuras que objetivem melhorar a vida desses indivíduos. 20 II REVISÃO DA LITERATURA 2.1 HIV/AIDS: aspectos históricos, fisiopatologia e enfrentamento Desde o seu surgimento, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), é considerada uma pandemia e um desafio para a comunidade médica e científica, causando medo e perplexidade frente ao desconhecido (BRASIL, 2000). Não se sabia ao certo porque ela ocorria, e a primeira impressão foi de que se tratava de uma peste que ocasionava falência múltipla dos sistemas orgânicos e extrema queda imunológica. Geralmente os casos eram muito graves, de instalação rápida, com quadro infeccioso e evoluindo para óbito em pouco tempo (BASÍLICO, 2004). Uma maior atenção a essa doença passou a ser dada com a notificação, nos EUA, entre Outubro de 1980 e Maio de 1981 de 26 casos de Sarcoma de Kaposi (um tipo de câncer). Dentre as características comuns entre esses pacientes, destacava-se a sua concentração em duas cidades, Los Angeles e Nova Iorque, e o fato de serem homossexuais. Suspeitou-se de início no surgimento de um novo tipo de câncer, o que não foi confirmado (GALVÃO; CARVALHO; PEREIRA, 1986). Desde então, observou-se a redução drástica no número de linfócitos e glóbulos brancos no sangue das pessoas afetadas, o que diminuía consideravelmente suas defesas e acabava dando espaço para o surgimento de doenças oportunistas causadas por microrganismos que em situações normais não afetaria a saúde dos indivíduos ou de alguns tipos de neoplasias malignas. Outro ponto a ser considerado, foi o fato de se ter percebido desde o início que não era uma doença hereditária, mas sim adquirida. Surge assim a sigla AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) nos EUA e SIDA na França, para fins de conotação e de notificação epidemiológica (GALVÃO; CARVALHO; PEREIRA, 1986). A partir desse contexto, dois pesquisadores, Robert Gallo, nos EUA e Luc Montaigner na França, passaram a investir na busca do agente etiológico. 21 A equipe francesa resolveu investir no paciente na fase inicial da doença, homossexual e que não apresentava sintomas de desenvolvimento da AIDS, mas era portador de adenomegalias persistentes. Assim, em 1983, conseguiram identificar a enzima transcriptase reversa, característica dos retrovírus. Em seguida, visualizaram em microscópio eletrônico a estrutura do então conhecido vírus da imunodeficiência humana, dando - lhe a denominação de LAV (Lymphadenopathy associated vírus). Este fato escreveu um novo capítulo na história da AIDS (BARRÉSINOUSSI et al., 1983; FARTHING; SIMONE; RICHARD, 1989; JEFFRIES, 1986). Os pesquisadores americanos por sua vez, discordaram dessas descobertas e continuaram a investigação, partindo da possível relação com um vírus variante do HTLV (Human T-cell lymphotropic vírus). Assim, em 1984 revelaram seus resultados descrevendo como agente etiológico o HTLV- III (GALLO et al., 1984). Em meio a essa disputa, em 1986, o comitê internacional de taxionomia dos vírus criou uma nomenclatura unificante e o agente etiológico da AIDS recebeu a denominação de HIV (Human Immunodeficiency Vírus). A equipe francesa acabou ficando com o crédito de tal descobrimento (BASÍLICO, 2004; LACAZ, 1990). Vale ressaltar que, em 1982 surgiram novos casos nas regiões dos EUA, Haiti, Europa Ocidental e África Equatorial; e foi nesse mesmo ano que a primeira ocorrência foi registrada no Brasil; tendo 70% dos casos concentrados em São Paulo, que juntamente com o estado do Rio de Janeiro contabilizavam 90% dos casos de todo país (GALVÃO; CARVALHO; PEREIRA, 1986). Mediante todo esse alvoroço que se configurou frente à doença, foi graças a esses extensivos estudos, desenvolvidos nos EUA e França, que temos o conhecimento hoje de que o HIV é um membro do gênero Lentivirus da família Retroviridae, caracterizado por um longo período de incubação, tendo como principal característica sua grande capacidade de mutação, adaptação e elevada variabilidade genética (PLANTIER et al., 2009). Estruturalmente, o HIV é diferente de outros retrovírus (Figura 1). É composto por duas cópias de RNA positivo de cadeia única envoltas em um envelope 22 fosfolipídico, onde estão inseridas proteínas virais e da célula hospedeira. As principais glicoproteínas são a gp120 e gp41. Há também a presença de enzimas, fundamentais em seu processo de replicação, em especial a transcriptase reversa e a protease (KLASE et al., 2009). Figura 1 – Diagrama do HIV Fonte: US NATIONAL INSTITUTE OF HEALTH (2005). Dessa forma, o vírus apresenta todo o material necessário para iniciar de forma independente um novo ciclo de reprodução, o que representa o alto poder deletério que tem sobre o organismo. Este vírus pode ser encontrado nos tipos HIV-1 e HIV-2. O primeiro é o mais infeccioso, sendo responsável pela maioria das infeções mundiais. Já o segundo tipo, apresenta menor poder de infecção indicando que a cada exposição, o risco de contágio é menor, estando mais restrito à África Ocidental (SALVADOR, 2011; SOUSA, 2012). 23 É importante ressaltar também, o alto poder de mutação que o HIV possui, mudando constantemente as proteínas que recobrem sua superfície como forma de driblar o sistema imunológico, o que representa uma enorme diversificação genética, e um alto índice de reprodutibilidade em um único indivíduo por dia. Este fator, atrelado ao alto poder de replicação, se constitui um grande desafio para o controle da doença (SOUSA, 2012). No que diz respeito à transmissão, desde muito cedo, sabe-se que pode ocorrer por meio de relações sexuais, contato com sangue contaminado, uso de seringas ou transfusão, e por exposição perinatal. Após o contato por meio dessas vias, o HIV necessita ligar-se a receptores e co-receptores presentes nas membranas das células do sistema imune, tidas como células-alvo para ocorrer a infecção (WESTERGAARD et al., 2013). A partir do momento que o indivíduo tem contato com o vírus, começa o processo de replicação viral (Figura 2). Por sua grande afinidade com os linfócitos T CD4, ao entrar no organismo humano, através de suas glicoproteínas de superfície, adere à célula hospedeira e introduz seu material genético no citoplasma da célula. Logo após, a transcriptase reversa transforma a dupla fita de RNA viral em DNA próviral, ocorrendo uma migração para núcleo da célula hospedeira aderindo-se ao seu material genético. A próxima etapa é o processo de transcrição, pelo qual se formam novas moléculas de RNA viral, que migram até o citoplasma e, por ação da protease se unem aos demais componentes virais, havendo a formação de um novo HIV. Dessa forma, o vírus vai sofrendo inúmeras replicações dentro do organismo humano e provocando a gradativa destruição dos linfócitos (WESTERGAARD et al., 2013). As infecções causadas pelo HIV podem apresentar-se desde formas assintomáticas até um conjunto de manifestações clínicas que caracterizam a AIDS propriamente dita. Os pacientes podem permanecer nesta fase assintomática por um período variável entre 3 a 20 anos e alguns nunca chegam a desenvolver a doença relacionada ao HIV. Este fato está diretamente ligado a quantidade e qualidade dos receptores de superfície dos linfócitos e outras células do sistema 24 imune que funcionam como fechaduras permitindo a entrada do vírus no interior das células. Sendo assim, quanto maior a quantidade e afinidade dos receptores com o vírus, mais facilmente irá ocorrer a penetração nas células e consequente replicação viral, sendo maior também a velocidade de progressão da doença. Além disto, fatores genéticos, hábitos e qualidade de vida também influenciam nessa progressão (KLASE et al., 2009; PLANTIER et al., 2009). Figura 2: Ciclo de replicação do HIV Fonte: BEYER (2008). É frequente observar nesses indivíduos, no que diz respeito à AIDS, o comprometimento do sistema imunológico e de outros órgãos, com o aparecimento 25 de múltiplos agentes, desencadeando as conhecidas doenças oportunistas, fato atribuído a depleção do sistema imunológico e aumento da carga viral, caracterizando o aparecimento da síndrome propriamente dita (DOUEK; ROEDERER; KOUP, 2009; WESTERGAARD et al., 2013). Esta síndrome veio se constituindo no decorrer da história em um quadro bastante debilitante associado ao óbito iminente. Porém, com inúmeros avanços ocorridos, como por exemplo, o surgimento da terapia antirretroviral (TARV); essa doença sofreu uma importante transição; saindo da associação com a iminência de morte, para assumir caráter de doença crônica. Estudos recentes evidenciaram que este tratamento não só é eficaz para o controle da doença e melhoria da qualidade de vida, mas também para a diminuição da transmissão do vírus (COHEN et al., 2011; NUNN et al., 2009). Dentro dessa perspectiva, podemos dividir esses momentos da doença em fases bem distintas que começam com seu descobrimento até sua proliferação. O primeiro momento, considerado agudo, constituído pelo descobrimento da doença, trouxe consigo inúmeros estigmas e dúvidas, passando pela pesquisa e surgimento do medicamento. A partir do surgimento de uma terapia eficiente para o tratamento, surge o período de latência, que serve de transposição para a fase crônica, a partir de então, a doença não mais é encarada como algo tão aterrorizante e diretamente ligada à morte, sendo passível de tratamento (GALVÃO et al., 2011). Nesse contexto, o Brasil se apresenta como um país promissor no combate a esta epidemia com uma das políticas de enfrentamento à AIDS mais moderna do mundo, tendo uma forte organização social para sua formulação, com acesso aos antirretrovirais, a mobilização da comunidade internacional e o movimento de reforma sanitária culminando com a instauração de políticas públicas específicas para esse público que proporcionou o acesso universal a TARV, por meio do Decreto Presidencial de 13/11/96; a criação de serviços específicos como o Hospital Dia, Serviços de Assistência Especializada, Centros de Testagem e Aconselhamento e Atendimento Domiciliar Terapêutico; os instrumentos legais de proteção aos direitos das pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA’s), tais como a Lei nº 9.313/ 96; um melhor controle da transmissão por transfusão de sangue e 26 hemoderivados; e a parceria com estados, municípios e sociedade civil (DE MENDONÇA; ALVES; CAMPOS, 2010; GRANGEIRO; LAURINDO-SILVA; TEIXEIRA, 2009; NUNN et al., 2009). Apesar de tamanhas conquistas, a luta para o reconhecimento do HIV/AIDS como problema de saúde pública não foi tão fácil. Declarações do Ministério da Saúde, ainda na década de 80; colocando – a como “Doença de uma minoria rica” (os homossexuais masculinos), propunha que não havia necessidade da disposição de setores governamentais para intervir no problema. Afirmações propondo a desnutrição ou outras doenças infectocontagiosas como de maior interesse, defendiam que ações dentro da área da AIDS só iriam desviar a atenção de problemas maiores (BARROS; GUIMARÃES; DE SOUSA BORGES, 2012). Porém, o comportamento da AIDS no Brasil sofreu modificações no decorrer da história, com uma mudança de perfil voltada para a feminização, pauperização, heterosexualização e interiorização. Este fato, levou a elaboração e implementação de políticas públicas que atendessem a realidade, já que estamos falando de grupos específicos que tem seus direitos restringidos (SOUZA et al., 2010). Dessa forma, o advento inerente ao HIV/AIDS levou a uma renovação do pensamento e construção no âmbito das políticas públicas no Brasil, nos direcionando para uma trajetória que aponta para um paradigma da doença crônica e suas interfaces. Podemos perceber que a evolução destas políticas passou por fases distintas como a evolução dos conhecimentos científicos com relação à doença, a participação de extratos sociais e institucionais na formação das respostas à epidemia e as articulações que permearam o espaço de organização dessas ações oficiais (GRANGEIRO; LAURINDO-SILVA; TEIXEIRA., 2009; NUNN et al., 2009). Este fator é bastante relevante quando levamos em consideração que uma forte característica da epidemia da AIDS foi que além da dimensão que ela trouxe para todo o mundo devido sua gravidade, ocorreu também, intensa mobilização social, principalmente dos grupos afetados a partir do surgimento dos primeiros casos (GALVÃO, 2000). 27 Atualmente, os esforços brasileiros estão pondo em foco o diagnóstico precoce da infecção e tratamento das PVHA’s, bem como a implementação de intervenções de prevenção combinada e o investimento na melhoria do cuidado contínuo desses indivíduos, buscando também uma melhor adesão ao tratamento e baseado em três pilares fundamentais: vigilância epidemiológica, prevenção e assistência (MONTANER, 2012; VIDAL et al., 2012). Dessa maneira, hoje já contamos com uma cobertura de quase 40% com relação ao teste de HIV na população sexualmente ativa (PASCOM et al., 2010). Além do melhor acesso ao tratamento daqueles indivíduos infectados virgens que passou de 28,9% em 2003 para quase 37% em 2012. No entanto, apesar de se observar uma tendência de diminuição desde 2008, aproximadamente 29% dos indivíduos infectados pelo HIV ainda chegam ao serviço de saúde com TCD4 bem inferior ao recomendado (BRASIL, 2013). Estes dados configuram os principais desafios na política de enfrentamento do HIV/AIDS. Pois, mesmo com todos esses avanços, a adesão ao tratamento ainda é um fator bastante limitante no manejo desses pacientes. Além da transmissão sexual e a falta de esclarecimento que alguns extratos sociais vivenciam no nível promocional, no preventivo e no tratamento (DO LAGO; DO ROSÁRIO COSTA, 2010; RESENDE et al., 2013). É preciso que se busque uma melhor integração de ações e articulação intersetorial que extrapole o setor saúde e percorra todos os demais atores envolvidos nesse processo, seja ele na área governamental e/ou não governamental. Quando conseguirmos atingir esse ápice em sua totalidade, poderemos contar com uma maior sustentabilidade e fortalecimento das ações e programas voltados tanto para prevenção, como para atender às necessidades vividas e manifestadas pelo conjunto da sociedade envolvido nesse processo (DE MENDONÇA et al., 2010). 28 2.2. DOR E O HIV/AIDS Compreender o processo da dor é buscar descrever um fenômeno multidimensional, subjetivo e cheio de significados. Ela não se constitui da doença em si, mas sim do sintoma que acaba sendo comum a várias patologias. Esse fenômeno doloroso veio sofrendo modificações em seu conceito no decorrer do tempo. Com isso, o que antes era considerado um fenômeno cósmico, cujo tratamento era possível recorrendo-se à magia, ou um castigo divino para purificação da alma, sofre uma evolução a partir de Hipócrates, quando afirma que a dor é um sinal para diagnosticar uma doença, sendo necessário entender sua origem. Depois dessa ressignificação do conceito, Descartes trouxe grande evolução quando definiu a dor como um estímulo nervoso (SANTORO; BELLINGHIERI; SAVICA, 2011). A partir desse momento, muitas outras tentativas para ampliar esse conceito surgiram; no entanto, foi a Associação Internacional para o estudo da Dor – IASP (1994) que apresentou a definição mais aceita atualmente no meio científico; considerando - a como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a uma real ou potencial lesão do tecido ou descrita em termos desta lesão. Desse modo, a dor é vista como uma experiência física e psíquica complexa, de caráter multidimensional, sendo desencadeada por algum estímulo primário, sofrendo influência do contexto sociocultural, familiar e do gênero. Assim, um mesmo estímulo, pode despertar respostas dolorosas totalmente distintas em cada indivíduo (GRÜNENTHAL, 2003). Toda essa problemática, perpassa pelas tentativas de conceituação e recai sobre as estatísticas apontando que 30% da população mundial sofre com dor crônica. No Brasil, esse número chega a quase 60 milhões de pessoas (SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA DOR – SBED, 2014). Como já foi citado anteriormente, a forma de sentir dor pode ser a mais variada possível, porém algumas classificações bem específicas podem ser assim 29 atribuídas: segundo seus mecanismos de ação (dor nociceptiva, neuropática e psicogênica); quanto sua duração (aguda e crônica), quanto à região afetada e quanto a sua qualidade (OLIVEIRA et al., 2012; VARANDAS, 2013). No que diz respeito ao mecanismo de ação, ou fisiopatologia, a dor nociceptiva está relacionada a ativação fisiológica dos receptores ou da via dolorosa, associando - se a lesões dos tecidos do sistema musculoesquelético, como também de vísceras (GRÜNENTHAL, 2003; SCHESTATSKY, 2008). No que se refere a dor neuropática, essa surge de uma lesão ou disfunção do sistema nervoso, seja central ou periférico. Essa dor pode ser despertada a partir de lesões traumáticas, neuropatias, doença de Parkinson, epilepsia, dentre outras causas. Vale lembrar que essa dor pode também estar associada à nociceptiva, o que dificulta bastante seu diagnóstico e abordagem (COSTA, 2009). Com relação a dor psicogênica sabemos que é considerada uma dor funcional e ocorre quando não há lesão envolvida ou quando há uma permanência da dor, mesmo após a resolução. É atribuída, em grande parte a distúrbios emocionais e de personalidade (SEIXAS et al., 2009). Quanto ao tempo de duração, a literatura já aponta que tanto a dor aguda, como a crônica, podem se iniciar de forma súbita ou lenta e variar sua intensidade de leve a intensa. O que diferencia uma da outra é justamente seu tempo de duração. A dor aguda pode durar até seis meses e é autolimitada, enquanto que a crônica não tem previsão de término, persistindo por mais de seis meses, o que acarreta diversas perturbações de caráter físico, comportamental e psicológico (ASSOCIATION; DA NANDA, 2010; MIRCHANDANI; SALEEB; SINATRA, 2011). A dor aguda, por sua vez, pode ser gerada por um estímulo de dor aos nociceptores, que transmitem até a medula espinal. Percorrendo o caminho, esse estímulo doloroso pode ser desviado para um neurônio motor, que desencadeia uma resposta, como por exemplo, a retirada de um membro. Em seguida, a dor é transmitida para as estruturas supramedulares envolvidas no processamento da dor 30 e chega até ao cérebro, onde é traduzida como dor, ocorrendo ativação da freqüência cardíaca, respiratória e liberação de hormônios (GRÜNENTHAL, 2003). Já a dor crônica é influenciada muito mais pelo ambiente do que por um dano tecidual, e se caracteriza por ser de caráter multifatorial. Este tipo de dor persiste no tempo, podendo se manifestar de forma espontânea ou surgir devido a estímulos externos, pela interação complexa da dor nociceptiva, neuropática ou mecanismos patogênicos mistos. É bastante debilitante em alguns pacientes por restringir suas atividades diárias e laborais (CASTRO-LOPES et al., 2011; D'ARCY; D'ARCY, 2011; VELLUCCI, 2012). Quando nos referimos à região afetada, devemos levar em consideração o tipo de avaliação que o paciente é submetido, seja na coluna, no abdômen, nos membros inferiores ou superiores, na cabeça ou em qualquer outra região do corpo, podendo ser fator decisivo no momento do diagnóstico. A qualidade da dor também se torna fator importante tendo em vista que esse conhecimento norteia os fatores de melhora e piora, sendo indispensável para estabelecer metas de intervenção desse paciente. Esta irá depender do fator principal que está desencadeando, como também da resposta do organismo com relação a esse estímulo. Mesmo sendo subjetiva, a sua aferição é importante e deve incluir, além da intensidade, frequência, duração e o local. Dentro dessa classificação encontramos a dor em queimação, em pontada, irradiante, dentre outras (FONSECA; BRITTO, 2009; OLIVEIRA et al., 2012). Quando tratamos do sintoma doloroso, é importante lembrar ainda que este não pode ser visto apenas como um sintoma físico, mas sim como uma “dor total” que abrange além da sensação nociceptiva do tecido lesado, respostas emocionais, sociais e espirituais que de forma indissociada influencia no modo de sentir dor (PIMENTA; KASL, 2006). Qualquer um desses tipos de dor pode ocorrer por causas diversas. No âmbito das doenças infecciosas, tem sido comumente relacionada às pessoas que vivem com HIV/AIDS que experimentam dois ou três tipos de dor em qualquer momento, podendo estar presente em todas as partes do corpo, estando também 31 bastante associada a um sofrimento psiquico (AOUIZERAT et al., 2010; NKHOMA; SEYMOUR; ARTHUR, 2013) Assim, a dor é um sintoma clinicamente significativo e comum nesses pacientes, podendo sua prevalência, características e mecanismos, serem comparados a pessoas com câncer, podendo-se utilizar metodologia semelhante para determinar e tratar a dor, em ambos os casos (OLIVEIRA, 2010; OLIVEIRA et al., 2012). Apesar da proximidade entre as duas doenças e da utilização do guia para o tratamento da dor no câncer da OMS ser também utilizada para as pessoas que vivem com HIV/AIDS, algumas características da dor nesta população precisam ser levadas em consideração, já que a doença tem características bem específicas. Como por exemplo, a AIDS é caracterizada como uma doença multissistêmica, podendo desencadear inúmeras situações dolorosas e complicações infecciosas. Além disso, o grande número de comorbidades psiquiátricas e demenciais tornam mais difíceis a avaliação e o tratamento da dor; como também as doenças oportunistas que acabam por criar multi-esquemas e interações medicamentosas, gerando maior suscetibilidade dos pacientes aos seus efeitos sem contar que muitos deles são usuários de drogas ilícitas, tornando difícil o uso regular e apropriado de opióides. Todas essas dificuldades esbarram em algo bem maior que é a falta de especialistas no manejo da dor, que promovem o cuidado a esses pacientes (AIRES; BAMMANN, 2005). Apesar dessas limitações, esse guia tem sido relatado com sucesso em alguns estudos relacionados ao HIV/AIDS, principalmente quando é referido o uso de opióides no tratamento da dor intensa ou severa, como também, os antidepressivos, que vêm sendo utilizados de forma efetiva para o tratamento da dor neuropática (LARUE; FONTAINE; COLLEAU, 1997). Nesse contexto, a dor pode acontecer devido à infecção pelo HIV e da própria imunossupressão, infecções oportunistas relacionadas, como também o tratamento antirretroviral e sintomas relacionados, tais como deficiências nutricionais ou outras condições não relacionadas ao HIV, podendo ser de origem idiopática. Desse modo, 32 o predomínio da dor pode variar dependendo do estágio da doença, dos cuidados e da forma de tratamento. Vale lembrar que também existe uma forte associação com a melhoria do acesso aos medicamentos prolongando a expectativa de vida dessas pessoas que acabam consequentemente, sentindo dor por um longo período (INTERNATIONAL HIV & AIDS CHARITY, 2013; JOHNSON, 2012, MIASKOWSKI, 2011). Os tipos e níveis de dor variam de indivíduo para indivíduo, como também depende da fase da infecção. Nos estágios iniciais, cerca de 30% das pessoas com uma contagem de CD4 de > 500 células mm3 experimentam dor clinicamente significativa, e até 75% das pessoas com uma contagem de CD4 < 200 células mm 3 sofrendo de dor. Vale ressaltar que quase todas as pessoas em estágios muito avançados da infecção passam pela experiência da dor. Sendo assim, quanto mais a doença progride, maior a incidência e intensidade da dor (AOUIZERAT, et al; 2010; INTERNATIONAL HIV& AIDS CHARITY, 2013; OLIVEIRA, 2012). Este fato pode ser explicado pelo mecanismo de ação do HIV; pois à medida que este altera o sistema imune, ocorre o aumento da ocorrência de infecções e malignidades. Como consequência dessa imunossupressão, um dos sintomas mais comuns é a dor (OLIVEIRA, 2010). Este fato foi comprovado também por Bravim (2009) quando encontrou em seu estudo prospectivo, 38% dos pacientes ambulatoriais com HIV relatando dor significante, contra 50% dos pacientes com AIDS com o mesmo quadro; enquanto somente 25% daqueles nos primeiros estágios da infecção tiveram dor. Essa problemática torna-se bastante complexa, quando é levado em consideração o subtratamento, subdiagnóstico e a complexidade de manuseio, incluindo complexos regimes antirretrovirais, riscos mais elevados de efeitos colaterais e taxas mais altas de comorbidades, quando relacionamos as doenças oportunistas concorrentes (KRASHIN; MERRILL; TRESCOT, 2012; STEIN; JELSMA, 2014). PARKER; 33 Um fator interveniente é a participação direta da família ou cuidador desses pacientes. Nkhoma et al. (2013), em seu estudo, afirmam que a educação no controle e manejo da dor é um aspecto importante na gestão desse sintoma em pacientes com HIV / AIDS, tendo o envolvimento da família como fator fundamental para o sucesso desse tratamento; pois há uma necessidade de proporcionar intervenções eficazes para aliviar e controlar essa dor. Desde muito tempo, o subtratamento e prevalência da dor neste contexto vêm sendo discutidos (BREITBART; ROSENFELD; et al., 1996). Desse modo, a IASP formou uma força-tarefa em Dor e AIDS, diante da necessidade de divulgar informações com foco na gestão e manejo dessas pessoas (PARKER et al., 2014). Contudo, essa lacuna prevalece até os dias atuais, onde estudos recentes ainda constatam prevalência de condições desfavoráveis neste manejo, com ênfase no tratamento farmacológico, inexistência de atendimento específico para dor, insuficiência de profissionais experientes, demanda elevada e falhas no sistema de referência e contra referência (OLIVEIRA et al., 2012). Estima-se que um milhão de pacientes em estágio final de HIV sofrem de dor por falta de tratamento em países onde há acesso insuficiente ou inexistente para o alívio da dor em intensidades moderada e grave (INTERNATIONAL HIV & AIDS CHARITY, 2013), apesar do maior conhecimento que se tem hoje. Isto acaba colocando a dor crônica como um fator agravante no caso de pessoas que vivem com AIDS, pois a interação do tratamento anterretroviral com o analgésico pode desencadear mais efeitos colaterias, piorando o quadro (NETO, 2009). Estes fatores, associados ao próprio contexto da doença, são contributivos para a presença significativa de dor nesses indivíduos, sendo este, um sintoma prevalente nesta população. Harding et al. (2010), encontraram dentre os demais sintomas um total de 53, 2% dos participantes referindo dor. Em outro estudo, anos mais tarde sobre a carga dos sintomas derivados do HIV/AIDS, os sintomas mais comumente relatados foram: a dor na dimensão física, correspondendo a 82,6% e a preocupação na dimensão psicológica, com um total de 75,4% (HARDING et al., 2012). 34 Aouizerat et al. (2010) em um estudo com 317 pessoas vivendo com HIV/AIDS, encontraram um total de 55% da sua amostra referindo dor, onde 67% relataram que essa dor ocorria frequentemente ou quase sempre e a maioria (82%) classificou como grave ou muito grave. Este achado sugere que a dor não aliviada é um problema significativo para essa população, estando associada com o estado imune, raça e distúrbios do sono, e não tendo associação com idade, sexo, ou sintomas de fadiga, depressão, ou ansiedade. Miaskowski et al. (2011), em concordância descreveram em seu estudo, com uma coorte de base comunitária a ocorrência e características da dor de 296 indigentes que vivem com HIV/AIDS. Do total de participantes que relataram dor ou o uso de uma medicação para dor na semana anterior a pesquisa; 8,2% tinham dor leve, 38,1% tiveram dor moderada e 53,7% tinham dor severa. O sexo e menor escolaridade foram associados com dor mais intensa. Ainda com relação a dor, Namisango et al. (2012), com o objetivo de determinar a prevalência, intensidade, fatores associados e efeito da dor de 302 pacientes que estavam no ambulatório de HIV / AIDS na Uganda, encontraram que 47% desses pacientes, relataram dor nos sete dias anteriores à pesquisa e dor era um sintoma no momento do diagnóstico para 68%. Na escala numérica de 0 a 10, 53% relataram dor leve, 20% relataram dor moderada, enquanto 27% referiram dor intensa. Vale ressaltar também que a doença avançada, a angústia e número de comorbidades foram significativamente associados com a intensidade da dor. Concordando com estes resultados, Wahab; Salami (2011) em seu estudo com 79 participantes (40,5% homens e 59,5% mulheres) com idade média geral de 37,1 ± 8,6 anos, encontraram um total 5% dos entrevistados sem dor, 70% com dor classificando-a como de intensidade leve, 10% moderada e 15% com dor intensa. A única variável que se correlacionou foi a presença de dor como um dos sintomas iniciais do paciente. A frequência não diferiu significativamente entre ambos os sexos, e a correlação foi fraca e negativa entre a presença de dor e estágio da doença, não sendo estatisticamente significativo. 35 Parker; Stein e Jelsma (2014), em uma revisão sistemática sobre dor em pessoas que vivem com HIV/AIDS concluíram que a prevalência de dor variou de 54% a 83%, sendo relatada como moderada e grave, em um a dois anos e meio em diferentes partes do corpo,e interferindo de forma moderada na funcionalidade. Por meio deste estudo, os autores ainda concluiram que os fatores que contribuem para esse quadro doloroso são diversos e se comportam de maneira complexa. Ainda com relação a intensidade da dor, um outro estudo avaliou 156 indivíduos com idade média de 47,5 anos, tempo médio de 11 anos desde o diagnóstico do HIV, desses, 48,7% relataram dor, dos quais 51,3% tinham dor moderada a grave e 57,3% relataram interferência dessa dor em suas vidas. Nesse estudo, a dor foi fortemente associada à doença psiquiátrica e uso de drogas (MERLIN; WESTFALL; et al., 2012). Breitbart e Mcdonald et al. (1996), estudando as características e impacto da dor em 438 pacientes de HIV/AIDS ambulatoriais, encontraram dor frequente ou persistente em mais de 60% dos pacientes. Com relação a intensidade da dor, segundo a avaliação da escala numérica, 19% referiram dor leve, 64% relataram dor moderada e 17% relataram dor intensa. As variáveis demográficas não foram associados com a presença de dor, em contrapartida, o número de sintomas relacionados com o HIV, o tratamento para infecções e a ausência de medicamentos foram significativamente associados com a presença de dor. Ainda foi possível encontrar uma associação significativa entre o sexo feminino, raça e número de sintomas físicos relacionados com a intensidade da dor. Merlin e Cen et al. (2012), em outro estudo com 1521 participantes com HIV/AIDS, com média de idade de 44 anos, predominantemente do sexo masculino, encontraram 509 (34%) pessoas relatando dor. Desses, 376 pacientes relataram dor moderada ou intensa. Concordando com esses resultados, Robbins et al., (2013), em sua investigação na Tailândia com 254 pacientes encontraram um relato de dor frequente nas duas últimas semanas anteriores ao estudo em 27,2% da amostra e 22%, afirmando que essa dor persistiu por mais de três meses. Vale ressaltar ainda que onze pacientes foram diagnosticados com dor neuropática. A dor foi 36 significativamente associada com o menor nível de escolaridade, estado de depressão e os anos de TARV. Contrariando a relação entre a presença de dor e a TARV, Jeevanjee et al. (2014), em seu estudo com um coorte de base comunitária de 281 adultos carentes vivendo com HIV/AIDS encontraram um total de 82,5% referindo dor intensa ou moderada, e 52,4% que receberam prescrição de opióides. Sendo que 71,9% relataram 90% de adesão ao tratamento, não sendo possível encontrar associação significativa entre a dor, a prescrição de analgésicos opióides e a aderência a TARV. Isto pode ser confirmado em outros estudos que de igual modo não encontraram associação entre a TARV e a presença de dor (CERVIA; MCGOWAN; WESELEY, 2010; LUCEY et al., 2011). No que se refere a localização dessa dor, podemos encontrar como locais mais comuns a dor de cabeça, a neuropatia sensorial periférica dolorosa, a dor devido ao Sarcoma de Kaposi prolongado, dores na faringe, abdominal, dores nas articulações e nos músculos, e algumas condições dermatológicas que podem desencadear a dor (BRAVIM, 2009). Vale lembrar ainda, que devido ao quadro em que se encontram, problemas reumatológicos, podem ser encontrados com mais frequência em pessoas que vivem com o HIV/AIDS do que na população de maneira geral, sendo outro fator preponderante para o aparecimento de dor nessa população (ROESSLER, 2007). Gray e Berger (2007), em seu estudo sobre a dor em mulheres relatam que a dor no HIV/AIDS pode estar diretamente relacionada com o sexo. Os autores mostram-nos as condições de risco que as mulheres positivas para o HIV estão expostas com relação àquelas negativas e até mesmo ao sexo oposto nas mesmas condições, a começar pelas doenças ginecológicas tais como: infecção cervical pelo papiloma vírus humano (HPV), neoplasia intra epitelial cervical (NIC), candidíase vaginal e doença inflamatória pélvica. Quando grávidas, os riscos de aborto espontâneo, retardo no crescimento fetal, baixo peso ao nascer, são outros fatores de riscos consideráveis. Ademais, na menopausa, podem apresentar menor contagem de CD4 e maior risco de desenvolverem osteopenia. Os autores colocam 37 todos esses fatores associados como predisponentes para a mulher que vive com o HIV/AIDS, a qual está mais propensa a sentir dor, principalmente aquelas de baixa renda e de raça negra. Com relação à topografia, segue uma ilustração dos principais locais de dor que podem ser encontrados em pessoas que vivem com HIV/AIDS (Figura 3). Figura 3: Principais locais de dor nas pessoas que vivem com HIV/AIDS Fonte: McCollum, Pittman, 2010 adaptado por OLIVEIRA, 2010) Concordando com esses dados, Dibonaventura et al. (2012), em seu estudo descreveram a situação de 953 pacientes. Destes, 52,36% relataram dor nas articulações e 50,37% dor abdominal. Estes efeitos tiveram associação direta com a auto avaliação da saúde e queda na vida produtiva. Na mesma linha de pensamento, Wahab e Salami (2011) encontraram um total de 40,9% que tiveram dor nos membros inferiores, 44,4% dores neuropáticas 38 que afetam os pés, 31,8% dor abdominal, 31,8% cabeça e pescoço, enquanto apenas 4,5% apresentaram dor generalizada. Em outro estudo, com 140 pacientes com idade entre 31 - 40 anos, sendo 59% homens e 41% mulheres, com 87% alfabetizados e 78% empregados; a dor foi significativamente comum nos pacientes. Quase 79% que se queixou estavam no estágio mais avançados da doença. As três maiores causas/locais de dor foram: cabeça (28,75%,) planta do pé/pernas (25%) e costas (19,23%). Os autores dividiram essas dores referidas em neuropática (32%) e nociceptiva (68%) (NAIR et al., 2009). Ebirim, Otokwala (2013) com o objetivo de estimar a prevalência de dor, determinar o tipo, localização, intensidade e adequação do tratamento da dor em 157 pacientes ambulatoriais com HIV / AIDS em vários estágios de infecção, encontraram um total de 83,7% queixando-se de dores. Desses, 61,24% com dor nociceptiva, 38,76% com dor neuropática. No que se refere a localização, a dor no peito foi o local mais relatado, seguido de dor de cabeça. Em outro estudo com 78 pacientes com AIDS, com idade variando entre 21 a 66 anos e uma amostra predominantemente masculina (78%), a dor foi referida principalmente no trato digestivo ou na boca (33%), dor do tipo muscular (32%) e nas articulações ou ossos (20%). Dor do sistema nervoso central foi relatada por 19% pacientes e neuropatias periféricas dolorosas por 13% (LARUE et al., 1997). Hewitt et al. (1997), encontraram em seu estudo como diagnósticos mais comuns: dor de cabeça (46% dos pacientes), dores articulares (31% dos pacientes), dor devido a polineuropatia (28% dos pacientes), e dor muscular (27% dos pacientes). Foi relatada ainda, a fisiopatologia desses tipos de dores, com exceção da dor de cabeça. Desse modo, 45% das síndromes de dor apresentaram uma natureza somática, 15% visceral, 19% neuropática, e 4% eram desconhecidos, psicogênica ou idiopática; 17% das dores foram classificadas como dores de cabeça, portanto, a fisiopatologia não pôde ser determinada. 39 Quanto à etiologia, a dor resultou de efeitos relacionados a própria doença, e terapias para o HIV / AIDS e doenças relacionadas (4%), que são as conhecidas doenças oportunistas. Foi possível encontrar uma forte associação entre o sexo feminino e a dor de cabeça e radiculopatia (HEWITT et al., 1997). Em concordância, Norval (2004), em seu estudo com 103 pacientes adultos, média de idade de 35,4 anos, com a maioria do sexo feminino (62,6%), encontraram entre os sintomas investigados a prevalência de dor de 98%, sendo considerado o sintoma mais severo entre os pacientes. As mulheres relataram mais dor que os homens. Quanto ao local, a dor em membros inferiores foi a mais prevalente (66%), seguido de dor na boca (50,5%), cefaleia (42,3%), dor de garganta (39,8%) e dor torácica (17,5%). Com relação à diferença entre gêneros na percepção da dor, Calvetti et al. (2012), em seu estudo com 354 participantes cubanos (73 mulheres, 281 homens), mostraram que a dor interferiu significativamente mais em mulheres do que em homens. Todo esse contexto perpassa pelo árduo papel que é conviver com a dor, que apesar de algumas vezes se caracterizar como um sinal de alerta, acaba se configurando e evoluindo para um quadro debilitante e com impacto negativo em todos os campos da vida do indivíduo, seja psicológico, espiritual ou físico. Quando associamos o sintoma de dor a uma convivência direta com uma doença de grande impacto como HIV/ AIDS, que ao longo dos anos assumiu um caráter crônico, porém não perdeu todo o estigma social e preconceituoso que ronda a doença, acabamos por nos deparar com um indivíduo que muitas vezes não sabe como ou nega-se a enfrentar essa situação complexa e multifatorial. Sendo assim, este ciclo da dor relacionado ao HIV/AIDS acaba por se tornar uma barreira no tratamento desses pacientes. A falta de profissionais treinados para identificar e realizar uma intervenção adequada, a necessidade dessas pessoas de não se expor que essas pessoas possuem e o quadro debilitante causado pela dor e pela doença em si, formam um tripé que sustenta essa problemática da síndrome 40 dolorosa, que apesar de já estar sendo discutida em alguns dos seus aspectos, ainda procura soluções plausíveis e eficazes no manejo desses pacientes. 2.3 Dor e Qualidade de vida em pessoas que vivem com HIV/AIDS Discussões acerca da Qualidade de Vida (QV) têm sido ampliadas, por ser considerada uma medida confiável e reprodutível, possuindo um caráter dinâmico, multifatorial, multidimensional e polissêmico (LANDEIRO et al., 2011). Pigou (1924) iniciou a discussão sobre o tema em seu livro sobre Economia e Bem-Estar, colocando a situação de pessoas com renda menos favorecida e o impacto disto em suas vidas. Porém, o termo só ganhou impacto quando foi citado pelo presidente dos Estados Unidos Lyndon Johnson em 1964 (BRITO; SZWARCWALD; CASTILHO, 2006; FLECK et al., 1999; LANDEIRO et al., 2011). No Brasil, este termo passou a ser utilizado em 1970, atrelado aos serviços de saúde, voltado inicialmente aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) (GEOCZE et al., 2010; LANDEIRO et al., 2011). Contudo, apesar dos intensivos estudos dentro dessa área, o conceito da QV ainda gera muitos debates, e o que antes estava atrelado apenas ao poder econômico, com o passar do tempo passa por um processo de ampliação, englobando as esferas cultural, social e pessoal (NAHAS, 2006; PASCHOAL, 2000). Para o senso comum, esse termo está relacionado com a felicidade, o bem estar e a satisfação com a vida. Porém, esta visão limita a amplitude da palavra, já que um indivíduo pode estar satisfeito apenas em alguns aspectos da sua vida, enquanto os demais se apresentam comprometidos (REIS et al., 2011). Partindo dessa problemática, podemos perceber a complexidade de conceituar a QV de modo que abranja todas as suas dimensões e significados. Porém, o Grupo The World Health Organization instrument to evaluate quality of life (WHOQOL), ligado a OMS consegue chegar a um consenso e acaba por definir a QV como sendo “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no 41 contexto de sua cultura e no sistema de valores em que vive em relação as suas expectativas, seus padrões e suas preocupações”. Desse modo, esse grupo se baseou no aspecto multidimensional e subjetivo, levando em consideração os domínios da saúde física, psicológica, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e espiritualidade (GROUP, 1995). Este é o conceito mais aceito atualmente, mesmo com toda divergência existente, devido a sua amplitude, que consegue abranger várias condições influenciadoras com relação a forma como o indivíduo percebe o seu funcionamento diário, podendo afetar seus sentimentos e comportamentos, não se limitando apenas à sua condição de saúde física. Este fato representa um marco, pois acaba por mudar o foco dos estudos, da cura e medicalização, para viver com qualidade mesmo diante de doenças crônicas (MEDEIROS; DA SILVA; SALDANHA, 2013). Vale ressaltar que essa conceituação ainda está atrelada ao fator tempo, a localidade, aspecto pessoal, contexto cultural e áreas de aplicação. Isto é, em uma mesma sociedade pode ocorrer variação no parâmetro de QV em épocas diferentes; ou essa mutabilidade pode ocorrer de indivíduo para indivíduo, em diferentes culturas ou diferentes extratos sociais, dependendo das necessidades e da visão de cada povo (REIS et al., 2011). Apesar de ser a conceituação mais aceita nos dias atuais, ainda é posta em questão e como isso muitos novos conceitos surgem, a partir desse, ou tomando uma linha de raciocínio bem divergente. Sendo assim, a noção de QV transita em um campo semântico polissêmico, estando relacionada ao modo, condições e estilo de vida; como também as ideias de desenvolvimento sustentável e ecologia humana, não esquecendo o campo da democracia, do desenvolvimento e dos direitos humanos e sociais e na saúde (MINAYO; HARTZ; BUSS, 2000). Diante de toda essa discussão, duas ideias estão sendo delineadas na literatura a respeito da QV; aquela com conceito mais genérico, já definido a priori, e a outra relacionada às doenças ou intervenções em saúde, também conhecida como Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS). Esta foi definida como valor atribuído à duração da vida quando modificada por uma doença ou outros agravos 42 que podem levar a uma nova percepção sobre limitações físicas, psicológicas, funções sociais e oportunidades do cotidiano, expressando o modo de quantificar cientificamente o impacto que tal doença ou tratamento trouxe sob a percepção do paciente (FLECK et al., 1999; SOARES et al., 2011; SOUZA et al., 2010). Nesta linha de pensamento, muitas áreas de estudo relacionadas à saúde têm se voltado para estudar a QV no âmbito de algumas doenças, dentre estas, aquelas de caráter crônico tem estado em foco, pois as formas de tratamento para esses indivíduos e o maior tempo de vida convivendo com alguns transtornos acabam por ter um impacto negativo na QV dos mesmos (REIS et al., 2011). Nessa perspectiva, surge o estudo da QV no campo do HIV/AIDS, que tem ganhado cada vez mais espaço, principalmente pós TARV, devido ao aumento da sobrevida desses pacientes que por sua vez estão mais expostos a sintomas físicos e psicológicos, em função da peculiaridade da doença em si. Sendo assim, a categoria de exposição, o estado imune, a adesão e os efeitos colaterais ao tratamento, e a estigmatização da doença, podem influenciar diretamente na QV desses pacientes. Todos esses fatores são dependentes do diagnóstico precoce, para que o paciente tenha a oportunidade de canalizar suas energias e lidar melhor com o diagnóstico (SILVA, 2009). Essa afirmação recai no fato que a QV das PVHA’s pode variar de acordo com o estágio da doença, decorrente da própria sintomatologia clínica, problemas sociais ou dos efeitos colaterais, culminando com a negação ao tratamento (CANAVARRO; PEREIRA, 2011). Os primeiros estudos abordando a QV no HIV/AIDS surgiram ainda antes da era da terapia, ou seja, em um momento que a doença estava associada à iminência de morte, com o aparecimento e agravamento dos sintomas, que acabavam por deteriorar a QV dessas pessoas. É tanto que estes estudos estavam na maioria das vezes focados nos sintomas físicos, como a dor e a fadiga (LUBECK; FRIES, 1992; ROSENFELD et al., 1996; WU; GRAY; BROOKMEYER, 1999). Entretanto, com o advento da TARV combinada, e a transição para um caráter crônico, outras abordagens surgiram, com a caracterização de um momento 43 de transição que antes focava nas taxas de mortalidade, passando a haver maior interesse no estudo sobre o estado de saúde que englobam aspectos psicossociais, fatores demográficos, o enfrentamento da doença, suporte social, sintomas de depressão, maior tempo no período assintomático frente à expectativa de maior sobrevida, e a religiosidade. Portando, a QV no campo do HIV/AIDS não está relacionada somente ao prolongamento da vida, mas principalmente ao maior tempo de enfrentamento da doença (BAJUNIRWE et al., 2009; BARBOSA, 2013; LEE et al., 2009; NEWMAN et al., 2010; TAVERA, 2010). Diante disto, hoje já sabemos que viver com o HIV/AIDS traz sérias consequências para a qualidade de vida do paciente, e perpassa por todos os campos da vida tais como ansiedade, depressão, estresse, alteração no sono, ruptura das relações sociais e afetivas, dificuldade quanto à sexualidade; além da influência que o ambiente pode exercer nessa dinâmica. Assim, o enfrentamento em locais com diferentes níveis sociais, políticos e econômicos, também podem ser fatores para definir o nível de QV dessas pessoas (SAFREN et al., 2012; YADAV, 2010). Na linha da QVRS das PVHA’s, vale lembrar que esta abrange a capacidade de realização das atividades da vida diária (AVD’s), bem como aspectos físicos e psicológicos. Estes aspectos incluem dentre outros; a dor, o impacto social, deficiências físicas, de mobilidade, o acesso aos serviços de saúde, o uso da terapia medicamentosa, a situação socioeconômica, o enfrentamento e bem-estar espiritual (VAN AS et al., 2009). Alguns desses fatores foram comprovados no estudo de Reis et al. (2011), quando avaliou em seu estudo a QV e sua relação com fatores sociodemográficos e referentes à sexualidade de 228 participantes positivos para o HIV, com idade média de 39 anos. Os autores encontraram associação de piores escores de QV com o fato de ser analfabeto, ter menor escolaridade e não ter renda ou vínculo empregatício. No que diz respeito à sexualidade, não ter vida sexual ativa e ter parceiro com HIV/AIDS também influenciou negativamente a QV dos participantes. Lopes et al. (2011) realizaram um estudo objetivando avaliar a QV da população idosa que vive com o HIV/AIDS. Dessa forma, a amostra foi composta por 44 86 pacientes com mais de 50 anos, com baixos índices de renda e de escolaridade. Verificou-se maiores preocupações quanto aos aspectos financeiros, ao sigilo, à saúde e à atividade sexual, com altos índices de confiabilidade no médico. Ainda com relação aos fatores sociodemográficos, Calvetti et al. (2012), em seu estudo com 354 participantes com HIV/AIDS (73 mulheres, 281 homens) encontraram diferenças significativas na QV com relação ao sexo e tempo de diagnóstico. Associações demográficas e comportamentais com a QV de 3.778 PVHA’s foram analisadas em outro estudo, os fatores associados com um menor nível de QV incluíram idade avançada, ser do sexo feminino, raça, ser usuário de drogas injetáveis, ter baixa escolaridade e renda, não ter seguro de saúde privado, e menor contagem de CD4. Desse modo, a percepção de uma má QV esteve associada mais fortemente com a menor contagem de células CD4 (CAMPSMITH; NAKASHIMA; DAVIDSON, 2003). Apesar de todos esses fatores envolvidos, nem sempre viver com uma doença crônica e incurável aplaca totalmente a percepção de qualidade de vida dessas pessoas. Meirelles et al. (2012) faz essa demonstração quando divide por categorias a percepção de 14 indivíduos vivendo com HIV/AIDS alocando a fé, alimentação saudável, atividade física, trabalho, saúde, satisfação consigo mesmo, bom atendimento em saúde, sentir-se saudável e bem nos seus relacionamentos como fatores contributivos para uma boa QV nesses indivíduos. Ainda comprovando este fato, Silva et al. (2013), avaliaram a percepção de QV de PVHA’s comparando-a com a de pessoas sem o diagnóstico para o HIV. O estudo foi composto por 561 pessoas positivas para o diagnóstico e 286 pessoas sem o diagnóstico. Com relação à percepção e avaliação da QV, esta teve uma avaliação positiva por 59% das PVHA’s, sendo que as dimensões espiritualidade e perspectiva de futuro foram as mais pontuadas. Já aqueles sem o diagnóstico para o HIV, um total de 61% também fez uma avaliação positiva, contando agora com as dimensões melhores pontuadas a de espiritualidade e nível de independência. No entanto, vale ressaltar que ocorreu uma avaliação negativa do grupo com HIV/AIDS nos domínios ambiental e independência em comparação ao grupo sem diagnóstico. 45 Porém, mesmo com esse dado e contrariando os estudos apresentados acima, o fato de viver com o HIV/AIDS, neste estudo não representou impacto na percepção da QV dos indivíduos. Contrariando os resultados acima, um estudo comparando níveis de QVRS de PVHA’s com a população em geral, com um total de 820 adultos HIV-positivos e negativos, sendo que entre as 400 pessoas HIV-positivas, 52,3% tinham um histórico de uso de drogas injetáveis, e 56,3% já estavam com AIDS e sob TARV. Com relação à dor, aqueles pacientes em uso de TARV, apresentaram números significativamente maiores em comparação aos que não estavam usando o medicamento. Os usuários de drogas injetáveis que estavam sob TARV, tiveram menor pontuação na QVRS quando comparados aos não usuários. Ainda houve uma associação do desemprego e da inacessibilidade aos serviços de saúde com menor QVRS. Foi possível perceber, de maneira geral, menores índices de QVRS das PVHA’s, quando comparadas com a população em geral (Tran et al.. 2011). Porém, não podemos perder de vista que o suporte emocional é essencial para auxiliar o indivíduo a enfrentar a doença, atuando como fator de melhora na QV desses pacientes. He et al. (2012), comprovaram isto em um estudo na cidade de Kunming, com 247 PVHA’s, com o objetivo de investigar a QV dessas pessoas e os fatores associados, concluindo que essa população tem pontuações relativamente mais baixas de QV, fator que está atrelado ao grande número de sintomas durante a infecção, a idade avançada e a percepção de falta de apoio social. Isto se torna evidente quando nos deparamos com resultados de um estudo de coorte com 1457 PVHA’s, relatando que o estigma social teve um impacto negativo e significativo na QV dos pacientes envolvidos. Desse modo, a falta de intervenções eficazes para reduzir essa estigmatização, contribuiu para redução da satisfação com a vida, ruptura da interatividade social e diminuição da percepção do estado de saúde (GREEFF et al., 2010). Ainda com relação a fatores relacionados com a QV, Medeiros e Saldanha (2012) em uma investigação sobre a religiosidade e QV de 90 PVHA’ s, encontraram 46 uma relação entre essas duas variáveis, ressaltando-se associação com os domínios psicológico, social e ambiental e confirmando que a religiosidade também desempenha um papel fundamental no enfrentamento de doenças. Com relação aos domínios envolvidos na determinação desta qualidade de vida, um outro estudo demonstrou melhorias para aqueles participantes que relataram estar satisfeitos com os serviços de saúde oferecidos pelo hospital, tendo como principais determinantes a dimensão psicológica, contagens de CD4 e a dimensão ambiental (MEDEIROS et al., 2013). Ferreira; Oliveira e Paniago (2012), por meio da aplicação do WHOQOL HIV (versão completa), com 205 PVHA’s, com idade média de 40,59 anos, CD4 médio de 397,9 e com média de 5,23 anos de diagnóstico, verificaram uma pontuação satisfatória para os domínios: psicológico, relações sociais, físico, de independência, crenças pessoais e meio ambiente. Por meio destes resultados, os autores concluíram que os participantes deste estudo se mantiveram com uma QV intermediária, e esta variável se correlacionou com os níveis de CD4, carga viral, e tempo de diagnóstico. Em outro estudo, desta feita apenas com mulheres vivendo com HIV/AIDS, contabilizou-se um total de 106 participantes dentre as quais, 99,1% eram heterossexuais, sendo que 92,4% foram infectadas por via sexual. Com relação aos domínios de QV presentes no WHOQOL, o que obteve maior escore foi o da espiritualidade, seguido pelo físico, psicológico e relações sociais. Já os menores escores foram encontrados nos domínios nível de independência e meio ambiente. Foi encontrada associação com os diferentes domínios com o baixo nível socioeconômico e educacional (GASPAR et al., 2011). A relação entre dor e QV também foi relatada em outros estudos que associaram o aumento da intensidade da dor em PVHA’s, bem como a inadequada analgesia, como efeito debilitante na QV (NAIR et al., 2009; NAMISANGO et al., 2012; ROBBINS et al., 2013). Ming et al. (2012), com o objetivo de explorar os fatores que influenciam a QV de 20 PVHA’s em uso de TARV na China rural, identificaram que a terapia 47 medicamentosa afeta a saúde física, incluindo a experiência da dor, efeitos colaterais e infecções oportunistas com impacto negativo na QV. Dibonaventura et al. (2012) com o objetivo de avaliar a associação entre os efeitos dos medicamentos, com o estado de saúde auto avaliado; a produtividade do trabalho e comprometimento da atividade; e a utilização de recursos de saúde, em 953 PVHA’s que estavam fazendo uso do medicamento; encontram como efeitos mais frequentes a fadiga (70,72%), diarreia (62,96%), insônia (58,97%), tonturas (52,78%), neuropatia (52,68%), dor nas articulações (52,36%), náuseas (51,63% ) e dor abdominal (50,37%). Sendo que a presença desses efeitos foi associada com um comprometimento da auto avaliação da saúde, maior improdutividade e aumento dos recursos de saúde. Associações entre a gravidade da dor e uma piora significativa da QV também foi realizada no estudo de Ebirim, Otokwala (2013) em Port Harcourt com pacientes ambulatoriais com HIV / AIDS, estando comprometidos também devido à analgesia inadequada. Um outro estudo, alocando a presença da dor como sintoma influenciador para determinação da QV com 267 pacientes com HIV e 598 participantes sem o HIV no Malawi concluíram que aqueles pacientes com HIV em tratamento tem uma QV significativamente inferior, tanto mentalmente, como fisicamente; podendo variar de acordo com o estágio de infecção (Fan et al., 2011). Contrariando o estudo anterior, Zuniga et al. (2011) avaliaram os comportamentos de 239 pessoas que vivem com HIV/AIDS que procuram cuidados de saúde em quatro domínios de QVRS (bem-estar emocional, o funcionamento cognitivo, capacidade física, e dor). Os autores encontraram indicadores positivos de QVRS. Porém o diagnóstico de AIDS esteve associado a uma menor QV quando reportado o comprometimento cognitivo, físico e a presença de dor. Fernandez et al. (2010) procuraram estimar QV, bem como os anos de vida ajustados pela qualidade (QUALY) em uma amostra total de 3.815 PVHA’s, encontrando transtornos do humor, dor e ansiedade, como as principais causas 48 relacionadas às perdas da QUALY; sendo que como principal sintoma foi alocado a dor relacionada a condições médicas crônicas. Dentro desse processo da doença e aparecimento de sintomas, Selman et al. (2013) procuraram descrever e comparar a QV em pacientes com HIV e com câncer. Dos 285 pacientes participantes, a idade média foi de 40,1, sendo que deste total 69,1% eram do sexo feminino. Vale ressaltar que o diagnóstico primário foi o HIV em 80,7% dos casos, o de câncer se deu em 17,9% e de outras condições 1,4%. As PVHA’s que corresponderam um total de 115 tiveram uma QV significativamente pior do que os pacientes com câncer. Vale ressaltar que a dor não representa um fator debilitante apenas para quem vive com o HIV/AIDS. Mas sim para todas as pessoas que passam pela experiência desse sintoma. Entre os estudos, com diferentes populações que têm buscado a relação entre dor e sua interferência na QV das pessoas envolvidas, Willman et al. (2013) objetivando descrever e investigar a dor e a QV de 225 idosos com 80 ou mais anos de idade; encontraram uma duração média da dor de 9 anos, sendo mais significativa nas mulheres, e no grupo com 80-85 anos de idade. Aqueles participantes que experimentaram dor significativamente mais grave foram associados com uma pior qualidade, com essa dor interferindo no controle das suas vidas. Quando estudamos essa relação entre a dor e QV em grupos que estão enfrentando alguma enfermidade, é notório como este sintoma, bem como toda a carga emocional que envolve a doença, afetam diretamente a QV dessas pessoas. Esse fato pode ser comprovado no estudo de Kelemen et al. (2012) que realizaram uma investigação em 73 adultos com Fibrose Cística (FC) durante um período de estabilidade clínica, com 33 desses repetindo as medições durante fase aguda. A dor leve foi relatada por 89% dos participantes estáveis e 79% daqueles com alguma complicação aguda. A gravidade da doença não afetou a prevalência ou intensidade da dor. Sendo que esta dor afetou de forma negativa a funcionalidade destes 49 pacientes, e seu agravo foi relacionado principalmente com uma resposta emocional negativa do paciente, o que prejudicou significativamente QVRS. Do mesmo modo, Lohnberg e Altmaier (2014) investigando a presença e influência de pensamento intrusivos em pacientes diagnosticados com a síndrome da dor regional complexa encontraram uma relação significativa entre a presença desses pensamentos e uma QVRS mais baixa. Ling, Lui e So (2012) em uma revisão dos efeitos de intervenções educativas sobre qualidade de vida, a intensidade da dor e interferência da dor em pacientes com câncer, afirmam a relação inversamente proporcional existente entre a intensidade da dor e o nível de QV nesta referida população. Da mesma forma, a dor no peito, fadiga e dispneia, estudadas como fatores influenciadores da QV de 134 pessoas com angina crônica e estável, foram alocados como fatores responsáveis por um comprometimento da QV desses pacientes (Kimble et al., 2011). Bradbury e Price (2011) estudaram o efeito da úlcera no pé diabético por meio de uma pesquisa qualitativa. Quatro temas emergiram da análise tais como: a experiência da dor; efeitos físicos da dor; enfrentamento, apoio e impacto social; e o impacto psicológico. Estes resultados apontaram para a dor afetando esses pacientes especialmente com relação ao sono, mobilidade e interação social, produzindo um impacto negativo na QV através de domínios físicos e psicossociais. Com relação a duração da dor, a literatura aponta que a presença da dor crônica ou aguda interfere de maneira diferente na resposta quanto a QV do indivíduo. Desta maneira, muitos estudos têm procurado investigar a QV dos indivíduos nestas diferentes situações. Yi Jia Ong et al. (2014) analisaram os níveis de QV, intensidade da dor, bem-estar psicológico e estado funcional de 103 pacientes adultos com dor lombar crônica, com média de idade de 54,1 anos sendo 50,5% dos participantes do sexo masculino, 70,9% eram casados e 39,8% trabalhavam. Os participantes relataram níveis moderados de dor e uma má QV, sendo que estas variáveis estabeleceram entre si uma correlação moderada. 50 Ainda nesse mesmo estudo, os autores relataram que entre aqueles que não eram casados e viviam sozinhos, bem como possuíam um baixo rendimento mensal, que não estavam empregados, e que tinham uma idade mais avançada; o nível de QV, assim como o bem-estar psicológico foram mais baixos em comparação aos demais participantes. Além do mais, aqueles participantes com maior número de comorbidades físicas e apresentando dor severa, também apresentaram pior nível de QV (YI JIA ONG et al., 2014). Ainda com relação à dor crônica, Klemenc Ketiš (2011) com o objetivo de determinar o grau de incapacidade e a QVRS de 187 pacientes com dor lombar crônica, encontraram uma interferência negativa da dor, na QV dos participantes sendo que quanto mais intensa a dor, maior foi essa interferência. Tse, Wan e Wong (2013), identificaram a prevalência de dor em 173 idosos com uma idade média de 73,2, residentes na comunidade. Com relação a intensidade média da dor foi alcançado um valor 3,97. Quando foi feita uma comparação entre os participantes livres de dor crônica com aqueles com dor, estes últimos apresentaram menores níveis de felicidade, de mobilidade e QV. Além do que a intensidade da dor estabeleceu uma correlação negativa com a QV. Diante de toda essa discussão é possível afirmar ainda com mais veracidade o caráter subjetivo tanto da QV, como da QVRS. Essa variabilidade de tais variáveis e a dependência do contexto, do ambiente e do indivíduo, muitas vezes vista como uma dificuldade de mensuração, pode ser tomada como uma aliada, pois nos permite uma avaliação do momento e sensações vividas por aquele indivíduo, bem como seu enfrentamento junto à vida. Falar em Qualidade de Vida no contexto HIV/AIDS pode até parecer controverso, mas não é, pois a forma como o indivíduo escolhe enfrentar a doença, seus estigmas sociais, preconceitos e comorbidades pode ser um fator decisivo em uma melhor percepção da vida, sendo muitas vezes o momento do diagnóstico um divisor para um melhor cuidado de sua saúde e uma renovação na forma de valorização da vida. 51 É certo que nem sempre esse fato acontece. A realidade é que na maioria das vezes o paciente resolve se entregar a toda essa teia que o envolve, não conseguindo encarar a situação. A partir disto surge o descompromisso com sua saúde, o aparecimento das comorbidades, com consequente impacto negativo na qualidade de vida do mesmo; daí o apontamento da maioria dos estudos para uma pobre QV das PVHA’s. 52 III METODOLOGIA 3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA Esta pesquisa descritiva possui um caráter transversal, objetivando descrever o nível de dor e a qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/AIDS. 3.2 POPULAÇÃO E AMOSTRA 3.2.1 População A população deste estudo foi composta pelas pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA’s), cobertas pelo Serviço de Atendimento Especializado (SAE), do Hospital Rafael Fernandes (HRF) da cidade de Mossoró/RN. Durante o período de realização do estudo (outubro/2013 a Maio/2014), o SAE atendeu cerca de 560 pessoas (331 homens e 229 mulheres) com AIDS e 149 (70 homens e 79 mulheres) portadores do HIV. O Hospital Rafael Fernandes está situado na cidade de Mossoró/RN e é parte integrante do Sistema Único de Saúde (SUS), especializado no atendimento de doenças infectocontagiosas, tendo como clientela; crianças, adolescentes e adultos, tanto de Mossoró, como das regiões circunvizinhas. Oferece serviços de: Ambulatório, Cardiologia, Dermatologia, Pediatria, Ginecologia, Tisiologia, infectologia, Odontologia, Psicologia, Psiquiatria, Serviço Social, Enfermagem, Farmácia, Nutrição, Esterilização e Comissão de Infecção Hospitalar. 3.2.2 Amostra Para o grupo amostral, foram selecionados de forma probabilística e aleatória, sujeitos que compareceram ao serviço para fazer acompanhamento médico e aceitaram participar do estudo voluntariamente. 53 Foram incluídas no estudo, pessoas que vivem com HIV/AIDS com um tempo mínimo de diagnóstico de seis (06) meses; com idade variando entre 20 e 64 anos; de ambos os sexos residentes em Mossoró e cidades circunvizinhas, sendo excluídos todos os indivíduos que não apresentaram uma boa cognição e/ou foram incapazes de responder aos questionamentos. Para determinar o tamanho necessário de indivíduos com HIV/AIDS, o cálculo do tamanho da amostra para populações finitas, foi realizado utilizando a seguinte fórmula: Onde: N = Tamanho da População, no caso deste estudo a população é composta de 709 elementos. Z = Nível de confiança escolhido a 95% igual a 1,96. p = proporção com a qual o fenômeno se verifica. Foi utilizado um valor p = 0,50. Segundo Mattar (2005) se não há estimativas prévias para p admite-se 0,50 obtendo assim o maior tamanho de amostra possível. q = (1-p) é a proporção da não ocorrência do fenômeno. e = erro amostral expresso na unidade variável. O erro amostral é a máxima diferença que o investigador admite suportar entre a verdadeira média populacional. Nesta pesquisa foi admitido um erro máximo de 0,05. Transcrevendo os valores descritos para a fórmula, tem-se o seguinte cálculo de amostra: 54 Sendo assim, chegamos a um total de 249 questionários para considerar a amostra significativa. 3.3 INSTRUMENTO DE COLETA DOS DADOS 3.3.1 Escala Analógica Visual da Dor (EVA) Desenvolvida há mais ou menos setenta anos, a Escala Analógica Visual da Dor (EVA) é a escala mais usada como instrumento de avaliação da dor. Foi utilizada, nos seus primeiros anos, para medição de fenômenos subjetivos, por Clarke e Spear (1964) e Huskisson (1974) e somente mais tarde passou a ser aplicada na avaliação da dor, sendo desde então utilizada pelos pesquisadores Jensen et al. (2003) (RUBBO, 2010). Esta escala permite uma medição simples e eficiente, sendo de fácil aplicação. Desse modo podem ser administradas rapidamente, limitando as respostas rápidas para pessoas ocupadas ou doentes, e são mais fáceis de compreender (FINKEL; SCHLEGEL, 2003). É amplamente recomendada para ambientes hospitalares, clínica e laboratórios de investigação quando se necessita ter um índice rápido da dor (FINKEL; SCHLEGEL, 2003; JENSEN; CHEN; BRUGGER, 2003; MARTINEZ; GRASSI; MARQUES, 2011). Caracterizada por ser uma linha reta, medindo 10 cm, que representa o contínuo dor, onde são usados os termos: sem dor (escore “0”) e pior dor (escore “10”), ou descritores equivalentes. Partindo disto, solicita-se que o indivíduo marque na linha onde está representada a intensidade da dor sentida. 55 O observador deve medir, em centímetros, a distância entre a extremidade sem dor e a marca colocada pelo paciente, esta medida corresponderá à intensidade de sua dor. É considerada um instrumento unidimensional, por avaliar apenas um aspecto da dor, que é a intensidade, porém o faz de forma minimamente intrusiva. Deste modo, ela classifica a dor em leve (1-2), moderada (3-7) e intensa (8-10) (figura 4). Isto se apresenta como desvantagem, já que a dor possui caráter multidimensional, além do que sua aplicação é inviável em pacientes que apresentem dificuldade em se comunicar (crianças, deficientes auditivos, visuais e em pacientes com deficiência cognitiva), necessitando de muita concentração, para uma resposta fidedigna (FINKEL; SCHLEGEL, 2003). Mesmo diante dessas limitações, Huskisson (1983), defendeu o uso dessa escala; considerando-a útil para medição da dor. Price et al. (1983), realizaram um estudo onde compararam intensidades de diferentes temperaturas em pacientes saudáveis e em pacientes com dor crônica; permitindo a validação da EVA, tanto para medidas clínicas, como para estudos experimentais de dor. Figura 4 – Escala Visual Analógica Fonte: AGNE (2004) Como forma de complementar a investigação da dor a partir da EVA, foi elaborada uma entrevista semi – estruturada buscando avaliar as demais dimensões da dor, com os seguintes questionamentos: 56 Perguntas Onde é a sua dor? Objetivo Para identificar e classificar a dor quanto sua localização Há quanto tempo você sente essa dor? Para classificar essa dor em crônica ou aguda Como é/ ou Como se comporta essa dor? Para identificar a característica da dor sentida pelo entrevistado. 3.3.2- WHOQOL- HIV bref Com relação a qualidade de vida, foi utilizado o WHOQOL – HIV, instrumento de avaliação da qualidade de vida direcionado para pessoas que vivem com HIV/AIDS. Este é um módulo complementar do WHOQOL 100, instrumento construído pelo Grupo de Qualidade de Vida da OMS (1995). O WHOQOL-HIV, tal qual o WHOQOL-100, também foi traduzido e validado para outros idiomas em muitos estudos, entre os quais estão inseridos os de Starace et al. (2002), Saddki et al. (2009), Canavarro et al.(2011), Mweemba et al. (2011) e Hsiung et al.(2011). No Brasil este instrumento foi validado por Zimpel, Fleck, (2007). Desta forma, esse instrumento se tornou uma medida aplicável e válida para uso em diversas culturas. Para uma melhor aplicabilidade, decidimos por utilizar o WHOQOL – HIV bref (Anexo 1), que se constitui em uma versão abreviada do anterior. Este questionário é composto por 31 questões sendo, duas mais gerais (avaliando a qualidade de vida geral e a percepção geral de saúde) e 29 representando as questões mais específicas. Essas questões são chamadas de facetas, que representam a descrição de um comportamento, estado, capacidade ou uma percepção do individuo que por sua vez se dividem em seis domínios especificados: Físico, Psicológico, Nível de independência, Relações sociais, Meio 57 Ambiente, Aspectos espirituais/Religião/Crenças pessoais (CANAVARRO et al., 2010; PEDROSO et al.,2012). Esses mesmos autores apontam como facetas adicionais do WHOQOL-HIV as que seguem abaixo: - Sintomas de pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHAs): problemas físicos que PVHAs podem vir a apresentar; - Inclusão social: aceitação do indivíduo pela sociedade em que está inserido; - Perdão e culpa: sentimento de culpa que o indivíduo possui a respeito da sua infecção pelo HIV; - Preocupações sobre o futuro: medo e preocupações sobre as mudanças no curso da vida do indivíduo após a infecção pelo HIV; - Morte e morrer: preocupações com a morte, tal qual o local, o motivo e o sofrimento antes de morrer. Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), sob o parecer nº 421.293. 3.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA Os dados foram analisados através dos softwares estatísticos SPSS 21.0 (Statistical Package for the Social Sciences) e STATA 13.0, sendo expressos média ± desvio padrão, valores mínimos, máximos bem como frequência simples e porcentagem. Para verificar a relação entre fatores sóciodemográficos bem como qualidade de vida com os níveis de dor em pacientes HIV/AIDS, tomou-se uso de odds ratio (OR), intervalos de confiança de 95%, e significância determinada através do teste do Qui-Quadrado ( X2) e exato de Fisher. Este último, por sua vez, foi utilizado sempre que se verificou valores com frequência esperada inferior a 5. 58 Modelo de regressão logística foi elaborado para estudar os múltiplos efeitos que podem estar envolvidos na dor. Quando necessário, variáveis foram transformadas em tipo dummy. Por último, diferença estatística dos escores de qualidade de vida quando considerado os níveis de dor (leve, moderado e intenso) foram obtidos, após verificação dos pressupostos paramétricos, por Análise de Variância (One Way ANOVA) seguida por Tukey. Nessa etapa, quando rompida distribuição gaussiana, os dados sofreram transformação logarítmica. Valores de p<0,05 foram considerados significativos. 59 IV RESULTADOS A tabela 01 traz os resultados obtidos pelos indicadores sócio- demográficos avaliados, mostrando a associação entre as variáveis estudadas, com relação ao desfecho do nosso estudo: a dor. TABELA 01 - Valores de frequência (%) das variáveis sócio demográficas associadas ao nível de dor dos níveis em pessoas vivendo com HIV/AIDS .VARIÁVEIS TOTAL n=261 NENHUMA DOR/ LEVE n=124 (47,5%) MODERADA n= 63 (24,1%) INTENSA n=74 (28,4%) STATISTICAL TEST P-VALUES CHI-SQUARE FOR CATEGORICAL VARIABLES AND KRUSKAL-WALLIS FOR CONTINUOUS VARIABLES 130 (49,8) 131 (50,2) 76 (58,5) 26 (20,0) 28 (21,5) 12,61, P = 0,02* 48 (36,6) 37 ( 28,2) 46 ( 35,1) 32 (12,3) 85 (32,6) 91 (34,9) 45 ( 17,2) 08 ( 3,1) 19 (59,4) 08 (25,0) 05 (15,6) 40 (47,1) 21 ( 24,7) 24 (28,2) 41 (45,1) 23 ( 25,3) 27 (29,7) 22 (48,9) 07 (15,6) 16 ( 35,6) 02 (25,0) 04 (50,0) 02 (25,0) 67 (25,7) 128 (49,0) 54 (20,7) 12 (4,6) 25 (37,3) 16 (23,9) 26 (38,8) 69 (53,9) 27 (21,1) 32 (25,0) 24 (44,4) 16 (29,6) 14 (25,9) 06 (50,0) 04 (33,3) 02 (16,7) 42 (43,8) 20 (20,8) 34 (35,4) 19 (50,0) 07 (18,4) 12 (31,6) 38 (54,3) 18 (25,7) 14 (20,0) Separado 96 (36,8) 38 (14,6) 70 (26,8) 24 (9,2) 09 (37,5) 07 (29,2) 08 (33,3) Divorciado 12 (4,6) 05 (41,7) 06 (50,0) 01 (8,3) Viúvo 21 ( 8,0) 11 (52,4) 05 (23,8) 05 (23,8) Sexo Masculino Feminino Idade 21 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a 60 > 60 2,369 P=0,124 Ŧ Instrução Nenhum 1 Grau 2 Grau 3 Grau 8,059, P= 0,234 Estado Civil Solteiro Casado União estável Ŧ 11,918, P= 0,291 * Significância estatística (P<0,05); Qui-quadrado para tendência; τ Valores perdidos. 60 No que diz respeito ao nível de dor (Tabela 1), encontramos um total 47,5% indivíduos (n= 124) referindo dor leve ou não referindo dor, 24,1% indivíduos (n= 63) com dor moderada e 28,4% (n= 74) com dor intensa. Associamos esse fato do maior número de pessoas estar concentrado no grupo de sem dor/dor leve, por serem aquelas que procuram regularmente os serviços de saúde, fazem uso da terapia de maneira regular, tendo um melhor cuidado com sua condição de saúde. Nossos achados estão de acordo com os estudos de Bravim (2009) e Merlin et al. (2012), quando relatam que a dor pode ser comumente encontrada nas pessoas que vivem com HIV/AIDS, podendo aparecer em qualquer estágio da infecção. Da mesma forma, Parker, Stein e Jelsma (2014), em uma revisão sistemática sobre dor em pessoas que vivem com HIV/AIDS também concluíram que a prevalência de dor variou de 54% a 83%, sendo relatada como moderada e grave. Corroborando com nossos resultados, Namisango et al. (2012), após avaliar 302 pacientes com HIV / AIDS ambulatoriais na Uganda, encontraram, um total de 53% de indivíduos que relataram dor leve, 20% dor moderada e 27% dor intensa. Wahab et al (2011), por sua vez, em seu estudo com 79 participantes encontraram um total 5% dos entrevistados sem dor, 70% com dor classificando-a como de intensidade leve, 10% moderada e 15% intensa. Discordando dos nossos resultados, mesmo tendo encontrado uma alta prevalência de dor nessa população, alguns estudos encontraram a maioria referindo dor moderada a grave, tendo esse percentual variando de 64% para dor moderada e 82% no caso da dor grave ou muito grave (AOUIZERAT, et al, 2010; BREITBART, 1996; MIASKOWSKI et al., 2011). Divergindo ainda dos nossos resultados, que encontraram a maioria das pessoas no grupo de sem dor ou dor leve, um estudo avaliou 156 indivíduos dos quais, 48,7% relataram dor, sendo que 51,3% tinham dor moderada a grave (MERLIN et al., 2012). Este mesmo autor, em outro momento com 1521 61 participantes encontraram 34% (n=509) pessoas relatando dor. Desses, 376 pacientes relataram dor moderada ou intensa (MERLIN et al; 2012). Com relação a quantidade de homens e mulheres, foi possível perceber uma população bem equilibrada, sendo composta por 130 homens e 131 mulheres, caracterizando o fenômeno conhecido como feminização, descrito por Lucena (2010), quando retrata o período de transição da história da AIDS no Brasil, juntamente com o quadro de heterossexualização, pauperização e interiorização. Este fato difere dos estudos de Merlin et al. (2012) e Larue, Fontaine, Colleau, (1997), que apresentaram em seus estudos amostras predominantemente masculinas. Com relação a idade, encontramos uma concentração de casos entre pessoas com 41 a 50 anos, estando bem próximo também o número do grupo entre 31 e 40 anos. O nível de instrução predominou entre aquelas pessoas com o primeiro grau completo; o estado civil com maior número de pessoas foi o de solteiro, seguido por aquelas pessoas que vivem como casados e o estágio de infecção da maioria das pessoas participantes do estudo foi AIDS. Quando feita a correlação entre a dor e as variáveis sócio demográficas envolvidas no nosso estudo, foi possível, encontrar uma relação significativa apenas entre a dor e o sexo (p= 0,02). Esta correlação entre o nível de dor e o sexo já é relatado por diversos autores na literatura, sendo o sexo feminino apontado como tendo uma maior prevalência de sintomas dolorosos, estando esse fato associado às características anatomofuncionais da mulher, bem como a modulação de alguns impulsos do sistema nervoso, problemas de ordem hormonal e psicológica (SARLANI; GREENSPAN, 2002; QUITON ;GREENSPAN, 2007), o que concorda com nossos estudos. Sendo assim, nossos resultados apontam para um maior número de mulheres sentindo dor moderada (28,2%) e intensa (35,1%), em contrapartida a maioria dos homens que se localizaram na classe dos sem dor ou dor leve (58,5%). Na mesma 62 linha de pensamento, Vall; Almeida e Cipriano (2011); encontraram forte associação entre a presença de dor e o sexo feminino. Confirmando ainda com nossos achados, Calvetti et al. (2012), em seu estudo com 354 participantes cubanos (73 mulheres, 281 homens), mostraram que a dor interferiu significativamente mais em mulheres do que em homens. Miaskowski et al. (2011) encontraram uma associação entre a presença de dor mais intensa e o sexo. Da mesma forma, outros estudos com PVHA´s, encontraram uma forte associação entre a presença de dor e o sexo feminino (BREITBART, 1996; HEWITT et al., 1997). Este fato também esteve fortemente presente no estudo de Norval (2004) com 103 pacientes adultos com HIV/AIDS, onde foi possível detectar uma alta prevalência de dor, sendo que as mulheres referiram mais dor em relação aos homens, o que fortalece ainda mais os nossos resultados. Porém, discordando dos nossos resultados, outros estudos com populações vivendo com HIV/AIDS, não encontraram diferenças significativa com relação ao sexo (AOUIZERAT, et al, 2010; WAHAB et al, 2011; NAMISANGO, 2012). Com relação à escolaridade, nossos resultados estão de acordo com os de Namisango et al. (2012), que também não encontraram associação entre o nível de escolaridade e a presença de dor. Porém, muitos estudos têm feito essa associação significativa (ROBBINS et al., 2013; WIJNHOVEN; DE VET e PICAVET, 2006), tanto com relação a presença da dor, como com a intensidade, estando o menor nível de escolaridade associada a dor mais intensa (MIASKOWSKI et al., 2011). No caso dos nossos resultados, isto pode ser explicado pelo fato de a maioria da nossa amostra (49%), encontrar-se apenas com o primeiro grau, ou sem nenhum grau (25,7%), não sendo possível obter diferenças significativas quando comparado com um menor número de sujeitos com o terceiro grau (4,6%). Porém, mesmo não havendo diferença significativa, observando a tabela 1 é possível perceber que o grupo que mais se concentrou referindo dor intensa foi aquele com um grau de instrução baixo. 63 No que diz respeito ao estado civil, não foi possível estabelecer uma relação estatisticamente significativa entre a presença de dor e esta variável. A literatura a respeito desses dados é escassa, e os poucos estudos que existem encontraram uma fraca relação, entre fatores sociodemográficos, de maneira geral, e a presença de dor em pacientes vivendo diferentes experiências (COSTA; RIBEIRO e CABRAL, 2012; GOREN et al., 2012; MAGGIRIAS; LOCKER, 2002; VASSEND, 1993). A tabela 2 nos traz resultados com relação aos aspectos clínicos, sendo encontradas associações significativas entre o nível de dor e o estado de saúde (p= 0,001), percepção da saúde, quanto a se sentir doente ou não (p= 0,001) e o estágio da infecção (p= 0,005). No que diz respeito ao estado de saúde, a classificação é feita como sendo bom ou ruim e a percepção quanto a se considerar doente ou não. Portanto, estas duas variáveis estão intrinsecamente ligadas, já que correspondem à percepção que o indivíduo tem da sua saúde de acordo com WHOQOL – HIV bref. Alguns estudos têm feito essa relação entre a percepção de saúde e a presença de dor, encontrando uma relação inversamente proporcional entre essas duas variáveis (SIQUEIRA, 2005, 2008), o que corrobora com nossos resultados. No nosso estudo, aqueles que avaliaram sua saúde como ruim 61,5% referiram dor intensa, contra 28,8% referindo dor moderada e 9,6% referindo dor leve ou nenhuma dor. Em contrapartida, a maioria daqueles que classificaram sua saúde como boa se concentrou no grupo dos sem dor ou com dor leve (66,7%), tendo 17,5% referindo dor moderada e 15,9% referindo dor intensa. Com relação ao fato de se considerar doente ou não, aqueles que responderam sim, corresponderam a 45% dos que referiram dor intensa, 27,9% dor moderada e 27% dor leve ou sem dor. A percepção da saúde está diretamente relacionada ao estado de espírito do indivíduo, como ele se posiciona frente a uma doença de caráter crônico, permanente e cheio de estigmas, recaindo na forma como o mesmo resolve encarar os potenciais desafios frente a doença e de que maneira irá conviver com o 64 tratamento. Dibonaventura et al. (2012), afirmaram que a presença de dor está diretamente relacionada com a auto avaliação da saúde, quando encontraram uma relação significativa entre a presença de dor e auto avaliação do estado de saúde com uma amostra de 953 pessoas vivendo com HIV/AIDS. TABELA 02 – Valores frequência (%) aspectos clínicos e nível de dor em pessoas vivendo com HIV/AIDS VARIÁVEIS Estado de Saúde τ Ruim Bom Doente Sim Não Estágio da infecção Assintomático Sintomático AIDS Ano do 1 teste τ 1988 a 1997 1998 a 2007 2008 a 2013 Ano da Infecçãoτ 1973 a 1982 1983 a 1992 1993 a 2002 2003 a 2012 Modo de Infecção Sexo com homem Sexo com mulher Injetando drogas Derivados de sangue Outras TOTAL n=261 NENHUMA DOR/ LEVE n=124 (47,5%) MODERADA n= 63 (24,1%) INTENSA n=74 (28,4%) Statistical test P-values Chi-square for Categorical variables and kruskal-wallis for continuous variables 52 (29,2) 126 (70,8) 05 (9,6) 84 (66,7) 15 (28,8) 22 (17,5) 32 (61,5) 20 (15,9) 52,532, P<0,001* 111 (42,5) 150 (261) 30 (27,0) 94 (62,7) 31 (27,9) 32 (21,3) 50 (45,0) 24 (16,0) 37,186, P < 0,001* 23 (8,8) 11 (4,2) 227 (87,0) 14 (60,9) 10 (90,9) 100 (44,1) 01 (4,3) 01 (9,1) 61 (26,9) 08 (34,8) 0 (0,0) 66 (29,1) 14,759, p= 0,005* 20 (8,0) 94 (37,5) 137 (54,6) 06 (30,0) 46 (48,9) 67 (48,9 ) 07 (35,0) 19 (20,2) 33 (24,1) 07 (35,0) 29 (30,9) 37 (27,0) 1,214, p = 0,271 Ŧ 03 (2,2) 26 (19,1) 51 (37,5) 56 (41,2) 02 (66,7) 07 (26,9) 20 (39,2) 24 (42,9) 0 (0,0) 10 (38,5) 14 (27,5) 17 (30,4) 01 (33,3) 09 (34,6) 17 (33,3) 15 (26,8) 0,796, P = 0,372Ŧ 161 (61,7) 62 (38,5) 41 (25,5) 58 (36,0) 29,371, P < 0,001* 70 (26,8) 48 (68,6) 14 (20,0) 08 (11,4) 11 (4,2) 04 (36,4) 02 (18,2) 05 (45,5) 10 (3,8) 04 (40,0) 04 (40,0) 02 (20,0) 01 (0,4) 0 (0,0) 0 (0,0) 01 (100) Não Sabe 08 (3,1) 06 (75,0) 02 (25,0) 0 (0,0) Ŧ τ * Significância estatística (p<0,05); Qui-quadrado para tendência; Valores perdidos 65 Sendo assim, nossos resultados concordam com o estudo de Berber; Kupek e Berber (2005), que em uma análise multivariada, controlando-se para idade, tempo de dor e diagnóstico de pacientes com fibromialgia, frente a sua percepção da mudança na saúde encontraram diferenças significativas entre essas variáveis. Nosso estudo está de acordo com o que diz a literatura no que diz respeito ao estágio da infecção, pois a presença de dor e a relação com essa variável, já é comprovada, e já se sabe que o predomínio da dor, pode variar dependendo do estágio da doença, dos cuidados e da forma de tratamento. Desse modo, nos estágios iniciais, cerca de 30% das pessoas com uma contagem de CD4 > 500 células mm3 experimentam dor clinicamente significativa, com até 75% das pessoas com uma contagem de CD4 < 200 células mm 3 ou seja, diagnosticado com AIDS sofrendo de dor . Vale ressaltar que quase todas as pessoas em estágios muito avançados da infecção passam pela experiência da dor; sendo assim quanto mais a doença progride, maior a incidência e intensidade da dor (AOUIZERAT, et al; 2010; INTERNATIONAL HIV& AIDS CHARITY, 2013; JOHNSON, 2012; MIASKOWSKI, 2011; OLIVEIRA, 2012). Este fato também foi comprovado por Bravin (2009) que encontrou em seu estudo prospectivo, 38% dos pacientes ambulatoriais com HIV relatando dor significante, contra 50% dos pacientes com AIDS com o mesmo quadro; enquanto somente 25% daqueles nos primeiros estágios da infecção reveleram uma maior percepção de dor. Ainda em concordância com nossos achados, diversos estudos encontraram uma relação significativa entre a presença de dor; o estado imune, o quadro avançado da doença, o estágio avançado da infecção e o aparecimento do maior número de sintomas e de cormobidades; relatando a dor como um sintoma significativamente comum entre PVHA’s (AOUIZERAT, et al., 2010, BREITBART, 1996; KRASHIN; PARKER; STEIN et al. 2014; MERRILL e TRESCOT, 2012; NAIR et al. 2009; NAMISANGO et al., 2012). 66 Porém, em contrapartida aos nossos resultado, Wahab et al (2011) em seu estudo com 79 PVHA’s, apesar de ter encontrado a dor como um sintoma inicial, encontrou uma fraca e negativa correlação entre a presença de dor e estágio da doença, não sendo estatisticamente significativo. No que se refere ao modo de infecção, o nosso estudo aponta para uma correlação significativa com a presença de dor, tendo uma maior concentração entre aquelas pessoas que adquiram o HIV/AIDS por meio de sexo com homem. Esse fato pode ser explicado devido à maioria das pessoas deste grupo ser mulher, e como já vimos, há uma forte correlação entre o sexo e a presença de dor. Com relação às demais variáveis onde não foram encontradas diferenças significativas como o ano de infecção e o ano do primeiro teste (diagnóstico), de acordo com o WHOQOL - HIV bref, por exemplo, isso se deu provavelmente pela imprecisão dos dados com relação a informação repassada pelos participantes do estudo, que em sua maioria referiu que não sabia e não se mostrou interessado em buscar esse dado. Isso recai na questão de negação e pelo fato de muitas vezes o paciente com HIV/AIDS não querer retomar parte da história da sua infecção. Ainda analisando o sintoma da dor e por ser esta uma variável multidimensional, podemos atribuí-la mais de uma classificação. No nosso estudo, além da intensidade, classificamo-la quanto à característica, local e o tempo de duração (Tabela 3). Quanto ao local, foi possível encontrar uma associação significativa (p < 0,001) com relação à intensidade segundo a classificação de leve, moderada e intensa. Do total de participantes, 18% referiram sentir dor de cabeça, sendo que deste total 44,7% referiram dor intensa. Logo em seguida tivemos a dor generalizada, onde foram classificados aqueles indivíduos que afirmaram sentir a dor no corpo todo, representando 15,3% do total e com maior concentração no grupo da dor intensa (60%). Ainda foram relatadas dores musculares (2,7%), visceral (11,9%), que incluíram todos aqueles que referiram dores no estômago, intestino, rins, dentre outras vísceras; nos membros superiores e ombro (1,9%), 67 membros inferiores e joelho (6,5%) e coluna (6,1%). Vale ressaltar que, esses grupos foram designados a partir das respostas dos participantes. Concordando com os nossos resultados, outros estudos também encontraram como principal local apontado pelos pacientes com presença de dor a cabeça (AOUIZERAT et al., 2010; BRAVIM, 2009; NAIR et al., 2009;). Da mesma forma Hewitt et al. (1997), encontraram em seu estudo como diagnósticos mais comuns: dor de cabeça (46%), além de dores articulares (31%) e dor muscular (27% dos pacientes). Ainda corroborando com nossos resultados, Wahab e Salami (2011) encontraram um total de 40,9% que tiveram dor nos membros inferiores, 44,4% dores neuropáticas que afetam os pés, 31,8% dor abdominal, 31,8% cabeça e pescoço, enquanto apenas 4,5% apresentaram dor generalizada. Diferente dos nossos achados, em um estudo desenvolvido por Larue et al. (1997) a dor foi referida principalmente no trato digestivo ou na boca (33%), seguida da dor muscular (32%), nas articulações ou ossos (20%). Já Norval (2004), encontrou maior presença de dor em membros inferiores (66%), seguido de dor na boca (50,5%), cefaleia (42,3%), dor de garganta (39,8%) e dor torácica (17,5%). Dibonaventura et al. (2012), em seu estudo com 953 pacientes, encontraram um total de 52,36% relatando dor nas articulações e 50,37% abdominal. Por sua vez, Ebirim e Otokwala (2013), encontraram a dor no peito como principal local no seu estudo com 157 participantes, seguido da dor de cabeça. No entanto, mesmo ocorrendo variações quanto à prevalência do local da dor nos pacientes, nossos resultados de maneira geral, estão de acordo com a literatura com relação aos principais locais de dor apresentados nas pessoas que vivem com HIV/AIDS. É importante ressaltar que o local da dor pode estar associado a problemas reumatológicos, que são bastantes presentes nas pessoas que vivem com HIV/AIDS; como efeito colateral da terapia antirretroviral e também devido a doenças 68 oportunistas que apresentam suas manifestações no paciente (HEWITT et al., 1997; WAHAB e SALAMI, 2011). Dessa forma, a associação do local com a intensidade pode ser explicada pelo estágio da infecção que o indivíduo se encontra, estando associada a presença de comorbidades e o uso dos antirretrovirais (KRASHIN; MERRILL; TRESCOT, 2012; PARKER; STEIN; JELSMA, 2014). TABELA 03 – Classificação da variável dor quanto ao local, característica e tempo. VARIÁVEIS Local Cabeça Dor generalizada Dor muscular Dor visceral Memb. Sup. e ombros Memb. Inf. e joelho Coluna Nenhum local Característica Lancinante Perfurante Queimação Nenhuma Classificação (tempo)a Sem dor Aguda Crônica STATISTICAL TEST P-VALUES CHI-SQUARE TOTAL n=261 NENHUMA DOR/ LEVE n=124 (47,5%) MODERADA n= 63 (24,1%) INTENSA n=74 (28,4%) 47 (18,0) 40 (15,3) 07 ( 2,7) 31 (11,9) 05 (1,9) 17 (6,5) 16 (6,1) 98 (37,5) 14 (29,8) 04 (10,0) 04 (57,1) 04 (12,9) 0 (0,0) 02 (11,8) 03 (18,8) 93 (94,9) 12 (25,5) 12 (30,0) 03 (42,9) 15 (48,4) 04 (80,0) 09 (52,9) 06 (37,5) 02 (2,0) 21 (44,7) 24 (60,0) 0 (0,0) 12 (38,7) 01 (20,0) 06 (35,3) 07 (43,8) 03 (3,1) 167,016, P<0,001* 69 (26,4) 55 (21,1) 41 (15,7) 96 (36,8) 11 (15,9) 09 (16,4) 10 (24,4) 94 (97,9) 27 (39,1) 22 (40,0) 12 (29,3) 02 (2,1) 31 (44,9) 24 (43,6) 19 (46,3) 0 (0,0) 156,723, P<0,001* 98 (37,5) 40 (15,3) 96 (98,0) 06 (15,0) 02 (2,0) 20 (50,0) 0 (0,0) 14 (35,0) 123 (47,1) 22 (17,9) 41 (33,3) 60 (48,8) 95,164, P < 0,001* * Significância estatística (P<0,05); Qui-quadrado para tendência. Com relação a característica, foi possível encontrar também uma associação significativa com relação a intensidade da dor (p< 0,001), sendo caracterizada principalmente como lacinante (69%), perfurante (55%) e em queimação (41%). Nossos dados concordam com Fonseca; Brito (2009); Oliveira et al. (2012) que também estabeleceu essa classificação. De acordo com Oliveira (2010) o conhecimento da qualidade é indispensável para que sejam estabelecidas algumas metas para o cuidado desse paciente. Em 69 seu estudo, feito em prontuários de um hospital de referência foi possível classificar a dor principalmente do tipo que irradia (33,3%), pulsátil (20,0%), em queimação (6,7%), em pontada (6,7%), em aperto (6,7%), alodínia, (6,7%) tipo cólica (6,7%) e generalizada (6,7%). Com relação ao tempo, também houve uma associação significativa (p< 0,001), onde encontramos um total de 15,3% apresentando dor aguda e 47,1% crônica. Esse fato ganha bastante importância quando observamos o quantitativo de pessoas que sentiram dor crônica intensa (48,8%), já que essa dor está associada a um caráter multifatorial, como também pode estar relacionada a associação de mecanismos patogênicos mistos (CASTRO-LOPES et al., 2011; D'ARCY; D'ARCY, 2011; VELLUCCI, 2012). No caso das pessoas que vivem com HIV/AIDS, esse fato pode estar diretamente ligado ao estágio da doença, bem como ao estado imune. Bravim (2009) em seu estudo encontrou apenas 25% dos pacientes nos primeiros estágios da infecção referindo dor, 38% dos pacientes ambulatoriais com HIV referindo dor, contra 50% daqueles que já tinham o quadro de AIDS. Estes dados podem ser confirmados pela International HIV & AIDS Charity (2013) que estima em torno de um milhão de pacientes em estágio final sofrendo com dor por falta de tratamento, sendo esta, classificada na maioria das vezes como crônica (NETO, 2009; OLIVEIRA et al., 2013). Em concordância com nossos resultados, Robbins et al. (2013), encontraram um relato de dor frequente nas duas últimas semanas anteriores ao seu estudo em 27, 2% da amostra, sendo que 22% afirmaram que essa dor persistiu por mais de três meses, sendo então classificada como crônica. Diferentemente dos nossos resultados, Wahab; Salami (2011) encontraram uma correlação da dor como sintoma inicial da doença, sendo que esta foi fraca e negativa com relação ao estágio, não sendo estatisticamente significativo. 70 A tabela 4 nos traz o modelo logístico de regressão multinominal, onde entraram para esse modelo as variáveis que apresentaram valor de p<0,2. Neste momento identificamos o risco do evento dor moderada e intensa acontecer, tomando como referência o grupo de nenhuma dor/dor leve. TABELA 04 – Modelo de regressão logística multinominal para as variáveis sócio demográficas e aspectos clínicos com relação a variável dor em pessoas que vivem com HIV/AIDS. Variáveis OR IC95% PValor OR (Ajustado)a IC95% p-Valor Dor moderada Sexo Feminino 2,253 7,256 1,21-4,18 0,012* 2,267-23,224 <0,001* Masculino 1,0 1,0 Idade 21 a 30 0,211 0,032-1,39 0,159 0,073 0,005-0,958 0,046* 31 a 40 0,263 0,044-1,55 0,186 0,125 0,012-1,314 0,083 41 a 50 0,280 0,048-1,65 0,196 0,068 0,006-0,685 0,023* 51 a 60 0,159 0,024-1,06 0,063 0,063 0,005-0,765 0,030* > 60 1,0 1,0 Estado de Saúde Ruim 11,45 <0,001 8,13 3,75-34,95 1,128-58,617 0,038* Boa 1,0 * 1,0 Doente Sim 3,03 1,352 1,59-5,77 0,001 0,243-7,4971 0,730 Não 1,0 1 Estágio da infecção AIDS 8,54 1,09-66,57 0,015* 5,04 1,0 Sintomático 1,4 0,078-25,1 1,0 1,759 1,0 Assintomático 1,0 1,0 Dor Intensa Sexo Feminino 2,601 <0,001 5,329 1,438-1,470 1,728 – 16,433 0,004* Masculino 1,0 * 1,0 Idade 21 a 30 0,263 0,029 – 2,360 0,253 0,1384 0,007 – 2,612 0,187 31 a 40 0,60 0,07 – 4,544 0,975 0,261 0,0188 – 3,624 0,317 41 a 50 0,658 0,087 – 4,963 0,907 0,390 0,031- 4,899 0,466 51 a 60 0,727 0,09 – 5,726 0,819 0,582 0,040 – 8,399 0,691 > 60 1,0 1,0 Estado de Saúde τ Ruim 26,88 <0,000 11,73 9,299- 77,70 2,095- 65,708 0,005* Boa 1,0 1* 1,0 Doente Sim 6,528 <0,000 3,251 3,452 – 12,35 0,698 – 15,145 0,133 Não 1,0 1* 1,0 Estágio da infecção AIDS 1,155 0,459 – 2,906 0,940 1,181 0,19711- 7,078 0,855 Sintomático 0,008 0,004-1,570 0,07 0,000 0,992 Assintomático 1,0 1,0 a OR (IC95%): odds ratio e intervalo de confiança de 95% ajustado por todas as variáveis listadas na tabela 2 e 3 mediante regressão logística multinomial; a classe de referência foi “Nenhuma dor/dor leve”. 71 No que diz respeito ao sexo, o fato de ser mulher, representou um risco de 7,256 (p<0,001) para a dor moderada e de 5,329 (p<0,004) para dor intensa. Esses dados fortalecem as discussões anteriores com relação a associação entre o sexo feminino e a presença de dor. Corroborando com nossos achados, Gray e Berger (2007) afirmaram em seu estudo que a dor no HIV/AIDS pode estar diretamente relacionada com o sexo. Os autores mostram-nos as condições de risco que as mulheres positivas para o HIV estão expostas com relação àquelas negativas e até mesmo ao sexo oposto nas mesmas condições, a começar pelas doenças ginecológicas tais como: a infecção cervical pelo papiloma vírus humano (HPV), neoplasia intra epitelial cervical (NIC), candidíase vaginal e doença inflamatória pélvica. Quando grávidas, os riscos de aborto espontâneo, retardo no crescimento fetal, baixo peso ao nascer, são outros fatores de riscos consideráveis. Ademais, na menopausa, podem apresentar menor contagem de CD4 e maior risco de desenvolverem osteopenia e osteoporose, tornando-as mais fragilizadas para o sintoma da dor. Concordando com esses fatos, alguns estudos têm mostrado o grau de fragilidade da mulher com HIV/AIDS para apresentar dor, seja devido ao próprio peso da doença que é considerado maior para as mulheres, a disparidades culturais, econômicas e nível de escolaridade, como também a própria fisiologia, estado emocional, psicológico e os quadros ginecológicos. Esses fatores confluem para o fato de ser mulher, apresentar-se como risco para presença de dor persistente, generalizada e mais grave. Dentre os quadros mais apontados entre o sexo feminino, temos as radiculopatias e a dor de cabeça (PEPFAR, 2005; BREITBART; PASSIK; REDDY, 2006; IASP, 2007). Porém, alguns estudos discordam desse risco quando, a partir da medição do risco relativo, não encontraram associação entre ser do sexo feminino e a presença de dor (AOUIZERAT et al., 2010; CERVIA, MCGOWAN E WESELEY, 2010; NAMISANGO et al., 2012). Com relação a idade, foi possível perceber as faixas etárias de 21 a 30 anos (0,073; p<0,046), 41 a 50 anos (0,068; p<0,023) e 51 a 60 anos (0,063; p<0,030), apresentaram-se como fator de proteção para a presença de dor moderada 72 utilizando como referência aquela maior de 60 anos. Dessa forma, podemos inferir que, quanto mais jovem, menor a chance desse indivíduo sentir dor. Isto pode ser explicado, em partes, pela síndrome da fragilidade que atinge cada vez mais idosos, comprometendo suas funções de maneira geral e sendo responsável pela presença de muitas afecções que podem levar a dor (FHON, 2012). Alguns estudos ao concordar com nossos resultados relatam sobre a dificuldade em diagnosticar a AIDS na terceira idade, devido principalmente ao diagnóstico diferencial, já que esse grupo é acometido por muitas afecções, bem como devido a questão cultural, social e familiar, onde essas pessoas acabam se escondendo durante muito tempo com medo de represálias. Dessa maneira, o diagnóstico é feito de forma tardia, quando já está instalado um quadro de AIDS, caracterizado por baixa imunidade, com a presença de doenças oportunistas que podem levar a dor de maneira grave (AZAMBUJA, 2010; SERRA et al. 2013). De modo geral, alguns estudos defendem a teoria de gestão dos sintomas, apoiando o fato de que as características do indivíduo, dentre elas a idade, pode ser um fator de risco, interagindo com um problema de saúde (HUMPHREYS et al., 2008; KATHRYN et al., 2009). Ainda de acordo com essa teoria, Aouizerat et al. (2010), após realizarem análise de regressão em seu estudo, encontraram a variável idade se apresentando como um risco de 1.03 (p<0,016) para a presença de dor. Os autores consideraram a idade de maneira geral, não dividindo por faixas etárias, como no caso do nosso estudo. Entretanto, discordando dos nossos resultados, Zigmond et al (2003), descobriram que adultos mais jovens estão mais propensos a apresentarem alguns sintomas relacionados ao HIV/AIDS, mais especificamente a dor de cabeça. Porém, esses mesmo autores concluíram que os efeitos que foram relacionados à idade como fator de risco, podem ser confundidos com aqueles ligados a raça. Ainda diferentemente do nosso estudo, Kathryn et al. (2009), por meio de uma análise não encontraram uma relação de risco entre a idade e o aparecimento de sintomas como a dor. 73 Com relação ao estado de saúde, esta variável apresentou-se como fator de risco para a presença de dor moderada (8,13; p<0,038) e intensa (11,73; p<0,005). Como esta classificação em bom e ruim foi dada pelo próprio indivíduo e diz respeito a percepção do mesmo com relação a sua saúde, este fato está diretamente ligado a carga de sintomas e a percepção frente a todo esse quadro. Namisango et al. (2012), relataram em seu estudo que o número de sintomas apresentou-se como risco de 1.30 (p<0,03) para a presença de dor severa. Este fato corrobora diretamente com o nosso estudo. Da mesma forma, outros estudos afirmam que a auto avaliação da saúde é considerada como um fator de risco para a presença de dor (BERBER; KUPEK e BERBER, 2005; DIBONAVENTURA et al., 2012). Diante dos nossos resultados, é possível perceber como a dor está presente na vida das pessoas que vivem com HIV/AIDS. Sendo assim, torna-se propicia a discussão a respeito da qualidade de vida nesse contexto e de que forma esta dor interfere nesta variável, principalmente por estarmos falando de pessoas que convivem com uma doença crônica e incurável. A tabela 5 nos traz as médias relacionadas a qualidade de vida, bem como as associações dentro dos três níveis de dor estudados (leve, moderado e intenso). Com relação ao nível de qualidade de vida, as médias encontradas no nosso estudo variaram de 13,98 (+/- 2,81) no domínio psicológico, até 9,97 (+/-3,50) nos aspectos espirituais/Religião/Crenças. Pode-se perceber que as médias de maneira geral, foram baixas, concordando com outros estudos que concluíram que as pessoas que vivem com HIV/AIDS têm pontuações relativamente mais baixas de qualidade de vida (FAN et al., 2011; HE et al., 2012; SELMAN et al., 2013). Ainda corroborando com nossos resultados, Ferreira, Oliveira, Paniago (2012), buscando avaliar a qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV/AIDS encontraram valores onde a média variou de 14,8 (+/-2,7) no domínio psicológico até 12,6 (+/-2,4) nos aspectos espirituais/Religião/Crenças. 74 TABELA 05- Valores frequência (%) dos níveis de dor associados a Qualidade de Vida em pessoas vivendo com HIV/AIDS. VARIÁVEIS Dom. Físico Média ± desvio padrão Mediana Min-Max Dom. Psicológico Média ± desvio padrão Mediana Min-Max Dom. Nível de independência Média ± desvio padrão Mediana Min-Max Dom. Relações sociais Média ± desvio padrão Mediana Min-Max Dom. Meio ambiente Média ± desvio padrão Mediana Min-Max Dom. Religião Média ± desvio padrão Mediana Min-Max Dom. Auto avaliação QV Média ± desvio padrão Mediana Min-Max TOTAL n=261 NENHUMA DOR/ LEVE n=124 (47,5%) 11,23 ± 2,56 11,0 4,0 – 18,0 10,37 ± 2,1 10,0 5,0 – 18,0 13,98 ± 2,81 15,0 4,0 – 20,0 14,78 ± 2,5 16,0 5,0 – 20,0 13,69 ± 2,62 14,0 4,0 – 19,0 14,64 ± 2,2 15,0 8,0 – 19,0 13,10 ± 3,55 14,0 4,0 – 20,0 14,27 ± 3,0 15,0 5,0 – 20,0 12,26 ± 2,50 12,50 5,5 – 18,5 13,07 ± 2,2 13,50 5,5 – 18,5 9,0 4,0 – 20,0 9,16 ± 3,26 8,0 4,0 – 19,0 13,18 ± 3,81 14,0 4,0 – 20,0 14,58 ± 3,2 16,0 4,0-20,0 9,97 ± 3,50 MODERADA n= 63 (24,1%) 11,84 ± 2,64 12,0 5,0 – 17,0 13,89 ± 2,37 14,0 8,0 - 18,0 12,94 ± 2,64 13,0 8,0 – 19,0 12,9 ± 3,49 13,0 6,0 – 20,0 11,97 ± 2,25 12,0 6,5- 16,5 10,29 ± 3,48 10,0 4,0 – 20,0 12,35 ± 3,63 12,0 4,0-20,0 INTENSA n=74 (28,4%) STATISTICAL TEST P-VALUES CHI-SQUARE FOR CATEGORICAL VARIABLES AND KRUSKAL-WALLIS FOR CONTINUOUS VARIABLES 12,15 ± 2,6 12,0 4,0 – 18,0 12,73 ± 3,0 13,0 4,0-19,0 12,76 ± 2,6 13,0 6,0 – 18,0 30,39, P < 0,001* 28,13, P < 0,001* 31,63, P < 0,001* 11,31 ± 3,2 11,0 4,0 – 18,0 30,58, P < 0,001* 11,14 ± 2,6 11,0 5,5- 16,0 26,25, P < 0,001* 11,08 ± 3,6 10,0 5,0 – 19,0 19,47, P < 0,001* 11,54 ± 4,0 12,0 4,0- 20,0 32,14, P < 0,001* * Significância estatística (P<0,05); Ŧ Qui-quadrado para tendência; τ Valores perdidos. 75 Calvetti et al. (2012) encontraram médias parecidas com a do nosso estudo, sendo de 14,8 no domínio físico, 13,8 no psicológico, 13,6 no domínio nível de independência a, 14,2 nas relações sociais, 13,7 meio ambiente e 14,5 nos aspectos espiritualidade/religião e crença, havendo uma diferença mais acentuada neste último. Desse modo, comparando nossos resultados, com outros, pode-se perceber que os indivíduos participantes do nosso estudo apresentaram médias de qualidade de vida muito inferior àquelas encontradas (CANAVARRO, PEREIRA, 2011; MEDEIROS, SALDANHA, 2012; MEDEIROS, SILVA e SALDANHA; 2013;). Nos aspectos espirituais/religião/crenças, nossos resultados discordam da literatura que aborda este campo como sendo um dos mais fortes para o enfrentamento das pessoas em uma situação de saúde comprometida, havendo uma correlação positiva entre os aspectos citados e a qualidade de vida de maneira geral (CASTANHA et al., 2007; FLECK et al., 2003; MEDEIROS E SALDANHA, 2012; WHO, 2006;). Estes achados podem explicar o fato dos níveis de qualidade de vida do nosso estudo estarem abaixo do encontrado na literatura. Em um estudo apenas com mulheres vivendo com HIV/AIDS, o domínio com maior escore foi o da espiritualidade (65,7), sendo o menor obtido no domínio meio ambiente (54,5). Ainda corroborando com esses achados, Gaspar et al. (2011), encontrou um maior escore no domínio espiritualidade, seguido pelo físico, psicológico e relações sociais; os menores escores por sua vez, foram encontrados nos domínios de independência e meio ambiente. Ainda discordando dos nossos resultados, Silva et al. (2013), afirmaram ter encontrado uma avaliação positiva por 59% das pessoas que vivem com HIV/AIDS, sendo que as dimensões espiritualidade e perspectivas de futuro foram as mais pontuadas. Desse modo, após fazer uma comparação da qualidade de vida de indivíduos considerados saudáveis, os autores concluíram que o fato de viver com HIV/AIDS não representou impacto na percepção da qualidade de vida dos indivíduos. 76 Gomes, Silva e Oliveira (2011) concluíram que as pessoas com HIV/AIDS estão mais otimistas devido aos tratamentos que surgiram para controle da doença. Concordando com esse dado, Kabore et al (2010), afirmam que aqueles pacientes que tiveram tratamentos mais disponíveis, apresentaram níveis de qualidade de vida melhores. Partindo da discussão de qualidade de vida, e correlacionando esta variável com a presença de dor, muitos estudos têm demonstrado que aquelas pessoas que sentem dor possuem maior tendência a ter uma pior qualidade de vida (KLIMBE et al., 2011; MING et al., 2012; NAIR et al., 2009; NAMISANGO et al. 2012; ROBBINS et al., 2013), como também o agravamento dessa dor, provoca uma piora significativa nesta qualidade (EBIRIM, OTOKWALA, 2013). Diante disto, nossos resultados apontam para uma correlação significativa entre os três níveis de dor estudados e a qualidade de vida, com redução das médias com relação a dor intensa no domínio psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente, religião e na auto avaliação da qualidade de vida. Com relação ao domínio físico, encontramos uma menor média quando relacionado a dor moderada. Dessa forma, podemos concluir que, nestes domínios, quanto mais forte foi a dor referida pelo indivíduo, pior foi a sua qualidade de vida. Nossos dados corroboram com os de Willman et al. (2013), que em seu estudo com 225 idosos, concluíram que aqueles que referiram dor significativamente mais grave, foram associados com uma pior qualidade de vida. Este fato também pode ser constatado em pessoas que estão enfrentando alguma enfermidade. Como é o caso dos pacientes com HIV/AIDS, onde alguns estudos têm relacionado a gravidade da dor com um maior déficit na qualidade de vida dessas pessoas (EBIRIM e OTOKWALA, 2013; FERNANDEZ et al. 2010; NAMISANGO et al., 2012, ZUNIGA et al., 2009). Merlin et al. (2012), em seu estudo com pessoas vivendo com HIV/AIDS, relatam 48,7% dessas pessoas referindo dor, moderada e intensa, sofrendo uma interferência direta em suas vidas. 77 Pacientes em outros contextos de enfermidades também têm sido estudados estabelecendo essa relação entre a gravidade da dor e a qualidade de vida. Ling, Lui e So (2012), relataram uma relação inversamente proporcional entre a intensidade da dor e a qualidade de vida em populações com câncer. Do mesmo modo, Kelemen et al. (2012) em uma investigação com 73 adultos com fibrose cística e com dor, encontraram uma relação entre o agravo desse sintoma e um prejuízo significativo na qualidade de vida. Em outro estudo foi possível encontrar um impacto negativo com relação a dor na qualidade de vida, destacando o domínio psicossocial, o que corrobora com nossos resultados (BRADBURY, PRICE, 2011). Yi Jia Ong et al. (2014), investigando pacientes com dor lombar crônica encontraram uma correlação moderada entre o nível de dor e uma má qualidade de vida. Discordando dos nossos resultados, Aouizerat et al. (2010), não encontraram associação entre o agravo da dor e fatores psicológicos relacionados. Ajustando a variável qualidade de vida por meio da análise de regressão multinominal, de acordo com cada domínio é possível estabelecer uma relação significativa para dor moderada com o domínio psicológico e o nível de independência e para dor intensa com o domínio físico e o domínio das relações sociais, tendo como referência o grupo de sem dor/dor leve, como está descrito na tabela 6. Concordando com nossos achados, Namisango et al. (2012) encontraram um maior risco relativo entre uma qualidade de vida ruim e o fato de sentir dor severa, sendo agravado pelo transcorrer da doença. Com relação ao domínio psicológico, quando considerado ruim, o mesmo se comportou como um fator de proteção para dor moderada (0,1728; p<0,011), sendo avaliados nesse domínio, sentimentos positivos, pensar, aprender, memória e concentração, autoestima, imagem corporal e aparência, presença de sentimentos negativos (PEDROSO et al., 2012). 78 TABELA 06 – Modelo de regressão logística multinominal para a Qualidade de Vida com relação a variável dor em pessoas que vivem com HIV/AIDS. Variáveis Dor Moderada Dom. Físico Ruim Melhor Dom. Psicológico Ruim Melhor Nível independência Ruim Melhor Relações sociais Ruim Melhor Meio ambiente Ruim Melhor Religião Ruim Melhor Dor Severa Dom. Físico Ruim Melhor Dom. Psicológico Ruim Melhor Nível independência Ruim Melhor Relações sociais Ruim Melhor Meio ambiente Ruim Melhor Religião Ruim Freq.(%) Sem dor/ dor leve OR IC95% PValor OR(Ajustado)b IC95% PValor 28 (44,4) 35 (55,6) 95 29 0,244 1 0,1280,467 < 0,001 0,556 1,0 0,1931,59 0,277 34 (54,0) 29 (46,0) 44 80 2,132 1 1,153,951 0,015 0,1728 1,0 0,0440,666 0,011* 45 (71,4) 18 (28,6) 45 79 4,389 1 2,2738,473 <0,001 5,836 1,0 1,74219,54 0,004* 34 (54,0) 29 (46,0) 41 83 2,373 1 1,2764,416 0,006 2,564 1,0 0,7728,521 0,124 34 (54,0) 29 (46,0) 39 85 2,555 1 1,3694,768 0,003 2,512 1 0,8117,77 0,110 35 (55,6) 28 (44,4) 93 31 0,417 1 0,2190,792 0,007 3,03 1,0 0,8881,0333 0,077 26 (35,1) 48 64,9) 95 29 0,165 1 0,0880,311 <0,001 0,233 1,0 0,08170,665 0,007* 51 (68,9) 23 (31,1) 44 80 4,032 1 2,1817,454 <0,001 0,368 1,0 0,10581,280 0,116 54 (73,0) 20 (27,0) 45 79 4,740 1 2,5248,902 <0,001 2,024 1,0 0,6446,364 0,227 53 (71,6) 21 (28,4) 41 83 5,109 1 2,7249,581 <0,001 3,585 1,0 1,14111,25 0,029* 45 (60,8) 29 (39,2) 39 85 3,382 1 1,8546,170 <0,001 0,978 1,0 0,3163,029 0,970 39 (52,7) 93 0,371 0,2020,684 <0,001 1,210 0,39250,740 3,73 1,0 Melhor 35 ( 47,3) 31 1 a Escores do Whoqol-bref acima e abaixo da média de cada domínio foram categorizados em melhor e ruim qualidade de vida respectivamente; bOR (IC95%): odds ratio e intervalo de confiança de 95% ajustado por todas as variáveis listadas na tabela 2 e 3 mediante regressão logística multinomial; a classe de referência é “Nenhuma dor/dor leve”. 79 Por meio destas facetas, este fato pode ser explicado pelos sentimentos de descrédito, indiferença e negação não só da dor, mas de todos os sintomas que envolvem as pessoas que vivem com HIV/AIDS devido aos estigmas impostos pela sociedade de maneira geral. Mesmo diante da presença de um sintoma debilitante e da convivência com uma doença carregada de preconceitos, o indivíduo acaba optando por aproveitar sua vida e se aceitar como de fato o é, já que a maioria da sociedade se recusa a aceita-lo (FIGUEIRÊDO et al., 2014; SERRA et al., 2013;). Outro fator que deve ser levado em consideração é que esse grupo está sob uma grande vulnerabilidade, envolvendo questões de ordem cognitiva (informação, consciência do problema e das formas de enfrentá-lo), comportamentais (interesse e habilidade para transformar atitudes e ações a partir daqueles elementos cognitivos) e sociais (acesso a recursos e poder para adotar comportamentos protetores), e vale ressaltar ainda que cada um responde de maneira diferenciada a essa situação, podendo ser esse mais um fator explicativo para tal ocorrência (AYRES et al., 2010). Dessa maneira, pode-se afirmar que a AIDS tem ‘duas dores’: a dor da própria enfermidade, que aquela explicada fisiologicamente, e a dor dos olhos dos outros. Assim, o medo da rejeição e o sofrimento causado pelo preconceito e pela possibilidade de discriminação afetam esses indivíduos e uma parte deles, resolve ignorar os sintomas em que estão envolvidos (SERRA et al., 2013). Porém, discordando dos nossos resultados, alguns estudos têm encontrado um risco entre pior estado psicológico com pior intensidade de dor nas pessoas que vivem com HIV/AIDS (HOLZEMER et al., 2001; NAMISANGO et al., 2012). Alguns estudos também têm relatado que sentimentos de culpa, ansiedade, depressão, estão diretamente relacionados a um maior risco e impacto negativo na vida dessas pessoas (FREITAS, GIR e RODRIGUES, 2000; LOHNBERG e ALTMAIER, 2014; SANTOS et al., 2002). Com relação ao domínio nível de independência, a piora do mesmo apresenta-se como um fator de risco de 5,836 vezes (p<0,004) para apresentar dor moderada. Este domínio refere-se à mobilidade, atividades da vida cotidiana, 80 dependência de medicação ou de tratamentos e capacidade de trabalho (PEDROSO et al., 2012). Torna-se evidente a presença de risco com relação a dor se comportando como fator limitante para algumas dessas atividades ou dependência. Este fato representa a necessidade do ser humano de ser proativo e não depender de terceiros para levar sua vida adiante. Nossos dados corroboram com os de Namisango et al. (2012) que encontraram um maior risco entre a presença da dor com uma maior interferência média na funcionalidade dos indivíduos vivendo com HIV/AIDS, quando comparados ao grupo daqueles sem dor/dor leve. Alguns estudos relataram um forte comprometimento da qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/AIDS, no que se refere à atividade geral, o humor, sono e capacidade de trabalho, afirmando que a dor é um fator de risco significante para diminuição da produtividade desses pacientes (DIBONAVENTURA et al., 2012; EBIRIM, OTOKWALA, 2013; NAIR et al., 2009; TRAN et al., 2011). Ainda concordando com os nossos resultados, Klemenc (2011), encontrou uma interferência significativa no grau de incapacidade de pacientes com dor lombar crônica, que também interferiu de maneira negativa na qualidade de vida desses indivíduos. Em outro estudo, desta feita com idosos, quando comparado o grupo de participantes livre de dor com aqueles com dor, encontraram um comprometimento na mobilidade e uma correlação negativa entre o nível de dor e a qualidade de vida (TSE, WAN e WONG, 2013). Fato este também comprovado no estudo de Kelemen et al. (2012), que relataram diminuição na funcionalidade associada ao nível de dor em pacientes com fibrose cística. Com relação à dor severa, o domínio físico ruim se comportou como um fator de proteção para o aparecimento desta variável, com um risco relativo de 0,233 (p<0,007). Neste domínio encontramos fatores como a dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso. Este fato pode ser explicado, em partes, pela maioria dessas pessoas relatarem que viviam sozinhas e apresentarem um baixo nível 81 socioeconômico. Desse modo, a necessidade de ir à luta pela sobrevivência, de cuidar da sua saúde, realizar seus afazeres domésticos, muitas vezes superou a presença da dor, mesmo que severa. Este resultado contradiz o que a maioria dos estudos relata, com relação ao estado físico do paciente e a intensidade da dor referida pelo mesmo apontando um pior estado físico como um fator de risco para o aparecimento da dor intensa em pessoas que vivem com HIV/AIDS ou com outro tipo de enfermidade (BRADBURY e PRICE, 2011; EBIRIM e OTOKWALA, 2013; HUGGINS et al., 2012; KATHRYN et al., 2009; MERLIN et al., 2012; MING et al., 2012; NAMISANGO et al., 2012; YI JIA ONG, 2014). Por último, tivemos o domínio das relações sociais comportando-se com um fator de risco de 3,585 (p<0,029) para o aparecimento da dor severa. Este domínio abrange relações pessoais, suporte (apoio) social e atividade sexual (PEDROSO et al., 2012). As relações sociais de maneira geral são afetadas após o diagnóstico do HIV/AIDS, quando não ocorre o rompimento dessas relações de maneira brusca, há uma ressignificação das mesmas. Alguns estudos relatam esses processos, tanto das relações sociais como afetivas, incluindo dificuldades quanto a sexualidade, a percepção de falta de apoio social e o isolamento que alguns indivíduos sofrem (HE et al., 2012, SAFREN et al. 2012; YADAV, 2010). Santos et al. (2002), abordam a sexualidade entre 148 mulheres soropositivas e afirmam que menos da metade mantiveram a vida sexual ativa após o diagnóstico, devido ao sentimento de medo de transmissão ao parceiro, influenciando diretamente na perda do apetite sexual. A discriminação e o preconceito relatado em alguns estudos tornam-se fatores intervenientes nas relações sociais desses pacientes, que acabam sofrendo com o isolamento ou ocultamento da doença como estratégia de sobrevivência social. Estigma imposto pela sociedade e a falta de informação que acompanham a AIDS desde seu surgimento, acabam por apontar um sentimento de culpa e 82 vergonha naquelas pessoas que não conseguiram deter os impulsos do seu corpo e seus comportamentos de risco, interferindo diretamente na autoestima das mesmas (GOMES, SILVA e OLIVEIRA, 2011; MEIRELLES et al. 2010; REIS et al. 2011). Toda essa carga imposta a esses indivíduos acaba por se comportar como fator de risco para o aparecimento da dor, sendo que esta possui um caráter mais psicossocial. Porém, vale ressaltar que esse comportamento errôneo da sociedade, de maneira geral, esbarra na representação social do indivíduo com HIV/AIDS, seja pela falta de informação da população em geral, como a discriminação por questões culturais e de educação familiar. Porém, são barreiras que precisam ser derrubadas ao passo que a informação começa a ser difundida para a sociedade, proporcionando melhores relações sociais e afetivas para as PVHA’s de forma que não comprometa sua qualidade de vida e não seja um fator de risco para o aparecimento de sintomas tão debilitantes como a dor. Nossos resultados, de maneira geral, apontam para a subjetividade das variáveis estudadas, sabendo que tanto a dor como a qualidade de vida comportamse de maneira a serem influenciadas pelo contexto, cultura, aspecto pessoal e social. Sendo assim, destacam-se algumas peculiaridades encontradas durante o nosso estudo, que foram totalmente moldadas pela população estudada. 83 V CONCLUSÕES E SUGESTÕES O estudo realizado verificando o nível de dor e a qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/AIDS contribuiu para compreendermos a relação entre estas variáveis e sua influencia na vida dessas pessoas. A partir dos nossos resultados foi possível verificar que a população estudada apresentou nível significativo de dor, com maior presença de dor de cabeça e generalizada, sendo classificada principalmente como lancinante e de caráter crônico. Foi observado ainda um nível de qualidade de vida ruim, com médias muito baixas nos domínios avaliados, principalmente nos aspectos espirituais/Religião/Crenças, sendo a dor um fator interveniente de maneira negativa nesta qualidade de vida, apresentando, nos domínios: psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e na auto avaliação da qualidade de vida geral, uma piora à medida que a dor se agravou. Dessa forma, podemos concluir que o nível de dor apresenta-se como um impacto negativo na qualidade de vida de pessoas com HIV/AIDS, pois no nosso estudo, essas duas variáveis apresentaram um comportamento inversamente proporcional. Sugerimos outros estudos que abordem a etiologia da dor de maneira mais detalhada, controlando a terapia medicamentosa desses pacientes, bem como o nível socioeconômico, além da presença de doenças oportunistas ou câncer associado. Ainda deixamos como sugestão, que seja feito um acompanhamento longitudinal de maneira que venha melhorar a compreensão sobre o processo tanto da dor como da qualidade de vida dessas pessoas. 84 VI- REFERÊNCIAS AGNE, J.E. Eletrotermoterapia – teoria e prática. Santa Maria: Orium, 2004. AIRES, E.M.; BAMMANN, R.H. Pain in hospitalized HIV-positive patients: clinical and therapeutical issues. Brazilian Journal of Infectious Diseases, v. 9, n. 3, p. 201208, 2005. AYRES J.R. et al. AIDS, Vulnerabilidade e Prevenção. Disponível em: <http://www.aidscongress.net/7 congresso>. Acesso em: 19 mar. 2010. ALMEIDA, M.A.B.D.; GUTIERREZ, G.L.; MARQUES, R. Qualidade de vida: definição, conceitos e interfaces com outras áreas, de pesquisa. 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