Fernando Dias Agudo EVOCAÇÃO DE ANTÓNIO ALMEIDA COSTA NO CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO FICHA TÉCNICA TITULO EVOCAÇÃO DE ANTÓNIO ALMEIDA COSTA NO CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO AUTOR FERNANDO DIAS AGUDO EDITOR ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA CONCEPÇÃO GRÁFICA: JOÃO MÉNDEZ FERNANDES SUSANA MARQUES ISBN 978-972-623-146-2 ORGANIZAÇÃO Academia das Ciências de Lisboa R. Academia das Ciências, 19 1249-122 LISBOA Telefone: 213219730 Correio Electrónico: [email protected] Internet: www.acad-ciencias.pt Copyright © Academia das Ciências de Lisboa (ACL), 2013. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização do Editor EVOCAÇÃO DE ANTÓNIO ALMEIDA COSTA NO CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO Fernando Dias Agudo Em 22 de Maio de 1980, faz hoje precisamente 23 anos, apresentei, nesta mesma sala, uma comunicação intitulada “A Matemática no Mundo Contemporâneo”, que dediquei à memória dos dois confrades que me haviam precedido na cadeira número 18 que ocupo nesta Academia – os professores José Sebastião e Silva e António Almeida Costa – porque, uma data próxima, a ambos estava ligada. Com efeito, o primeiro falecera em Lisboa em 25 de Maio de 1972, o segundo nascera em Celorico da Beira em 25 de Maio de 1903. Três anos depois, ao fazer o elogio histórico de Almeida Costa, novamente nas proximidades daquela data, mais precisamente, no dia seguinte àquele em que, se fosse vivo, ele celebraria o seu octogésimo aniversário, tive a oportunidade de enaltecer a sua carreira académica, pautada por uma inexcedível dedicação à causa da Ciência, em particular aos assuntos que o apaixonaram como professor ilustre que foi das Faculdades de Ciências do Porto e de Lisboa e do Instituto Superior Técnico; director do Seminário de Matemática e do Centro de Matemáticas Aplicadas ao Estudo da Energia Nuclear criados na Faculdade de Ciências de Lisboa pelo Instituto de Alta Cultura; membro da Junta Nacional de Educação, do Conselho de Investigação do Instituto de Alta Cultura e do Conselho de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian; sócio da Sociedade Portuguesa de Matemática, da Sociedade de Matemática Americana e honorário da Real Sociedade Matemática Espanhola; director da Faculdade de Ciências de Lisboa nos últimos anos da sua carreira e, por fim, presidente desta Academia das Ciências. E também fora eu, mas então por incumbência de terceiros, que proferira algumas palavras de saudação por ocasião da sua última lição na Faculdade de Ciências de Lisboa em 25 de Maio de 1973. Tudo isto leva a que me sinta agora dispensado de voltar a debruçar-me com pormenor sobre a sua carreira. Mas não queria deixar passar a data do centenário do seu nascimento sem recordar, uma vez mais, as suas qualidades e sem acrescentar outros aspectos que vieram a lume ou de que tive conhecimento depois do elogio académico que aqui proferi há vinte anos. No livro Faculdade de Ciências da Universidade do Porto – os primeiros 75 anos (1911-1986), publicado por esta Faculdade no último ano do século 20, escreve António Andrade Guimarãis, ao referir-se à Matemática Pura naquela escola superior: “As Universidades fazem-se com pessoas, não com regulamentos. […] Quando se quiser criar uma nova Universidade, é indispensável ter já na mão um conjunto de idóneos professores em número suficiente.”— requisito básico que, em sua opinião, estaria preenchido ao criar, em 1911, a Universidade do Porto. Pelo que respeita à Matemática, a figura dominante do respectivo corpo docente era então o Professor Francisco Gomes Teixeira, sócio que foi da nossa Academia desde os 25 anos de idade e um nome consagrado nacional e internacionalmente. No ano do seu falecimento, em 1933, realizaram-se concursos para 4 vagas de professor catedrático (2 de Matemática Pura e 2 de Matemática Aplicada) com 3 candidatos para cada grupo. Ficaram todos aprovados em mérito absoluto, ficando professores auxiliares os não aprovados em mérito relativo, e foi dessa promoção de professores que, volvidos menos de 10 anos, veio a resultar uma radical reviravolta no ensino da Matemática naquela Universidade, bem como na atitude perante a investigação científica neste domínio. Segundo o mesmo Andrade Guimarãis, “o primeiro caso que se impõe abordar neste contexto é o do Professor António Almeida Costa – o professor da Faculdade de Ciências do Porto que, por volta de 1940, introduziu em Portugal, de modo sistemático, o ensino da Álgebra Abstracta”. Tendo começado pela docência em Astronomia e Mecânica Celeste, no Grupo da Matemática Aplicada, ele veio a entusiasmar-se pelos assuntos que constituíam a então chamada álgebra moderna, onde atingiu grande apuro, após uma bolsa de estudo em Berlim e em condições que Andrade Guimarãis evoca, transcrevendo, com referências muito amáveis, a trajectória que eu próprio aqui descrevi no elogio histórico de 1983. E Andrade Guimarãis continua, referindo-se a António Almeida Costa: “Aqui temos um dos homens que, cerca de 1940, participaram numa organizada empresa de actualização do labor matemático na Faculdade de Ciências do Porto; foram os outros Ruy Luís Gomes, professor de Física Matemática e António Aniceto Monteiro, que, concluído o seu doutoramento de Estado em Paris em 1936, voltara a Portugal sem nunca ser integrado em qualquer Universidade portuguesa como docente.” Na Faculdade de Ciências do Porto houve, pois, dois professores com acção decisiva na actualização do ensino da Matemática em Portugal. Ambos professores de Matemática Aplicada (Almeida Costa, de Mecânica Celeste e Ruy Luís Gomes, de Física Matemática), não hesitaram em passar a ensinar, um, Álgebra Moderna e outro, Teoria das Funções, assuntos de matemática pura que julgaram indispensáveis para bem ensinarem as matérias de matemática aplicada de que estavam incumbidos. E foi também da sua acção, juntamente com Aniceto Monteiro, que resultou a criação do Centro de Estudos Matemáticos do Porto, no âmbito do Instituto de Alta Cultura, para concretizar aquela actualização através de seminários, conferências, publicações. Depois de acção tão relevante na Faculdade de Ciências do Porto e quando já era professor catedrático, Almeida Costa aceitou, em 1952, um convite da Faculdade de Ciências de Lisboa para ocupar o lugar de Professor Catedrático de Álgebra, disciplina mais conforme à opção que tomara na década anterior e que lhe deu azo a continuar a notável acção renovadora no ensino destas matérias – como referi desenvolvidamente no elogio que dele proferi em 1983 e que por isso me dispenso de repetir. Destaco apenas que nessa alocução procurei mostrar as suas qualidades de intrépido lutador pelas causas que o apaixonavam; por que, tendo vivido inicialmente no mundo das matemáticas aplicadas, passou a viver num mundo científico diferente a partir da década de 1940; por que se transferiu para o campo dos que se interessavam pela matemática, estudo de estruturas arbitrárias construídas sobre sistemas de axiomas aos quais se exige apenas que sejam coerentes (embora muitas delas com aplicações importantes ao mundo físico). Tive o gosto de oferecer então uma separata dessa minha alocução ao Professor Francisco de Paula Leite Pinto, que fora companheiro de estudo de Almeida Costa no 1º ano da Faculdade de Ciências de Lisboa e, na carta de agradecimento, ele aponta ao seu antigo colega algumas características interessantes: ”Homem superiormente dotado, impressionava pelas suas invulgares qualidades de trabalho metódico e pela sua estrutura moral. Era muito fechado sobre a sua vida privada. Sempre o encontrava já a estudar. Não admitia uma crítica a um mestre e muito menos a minha irreverência, que ficou célebre na Faculdade. O António era uns meses mais novo do que eu e dava-me conselhos paternais. Afirmava que o meu feitio de “brincalhotão” era devido a ter andado num liceu da capital, pois na Guarda a disciplina era outra! Não gostava nada que eu afirmasse que em qualquer dos quatro liceus de Lisboa o ensino era melhor que naquela cidade! Ficava escandalizado! Na Guarda? Onde eram professores sicrano e beltrano! O Almeida Costa tinha estofo de investigador! E foi um homem sério, compenetrado do seu dever social: ser bom professor”. António Almeida Costa pertenceu àquela geração de cientistas que se dedicou à construção de novas estruturas que, apesar de abstractas, tão utilizadas vieram a ser pelas ciências físicas – a ele se devendo os grandes avanços que, entre nós, se verificaram no estudo dos grupos, anéis, semianéis e outras estruturas algébricas. Conforme escreveram os seus mais próximos discípulos, Mª Luísa Galvão, Margarita Ramalho e João Furtado Coelho, deu contribuições importantes para a teoria dos anéis de endomorfismos, introduziu o conceito de anel-µ, que uma das suas colaboradoras estendeu a semianéis e ocupou-se ainda dos semianéis reticulados, contribuindo para o esclarecimento da sua estrutura no tocante a radicais, ideais mínimos, semianéis de divisão, etc. Participou em numerosos congressos científicos em Lisboa, Porto, Coimbra, Aveiro, Málaga, Madrid, Sevilha, Budapeste, Edimburgo e Estocolmo e no Simpósio da Teoria dos Anéis organizado pela Sociedade Matemática da República Federal Alemã em Oberwolfach, em 1962; fez conferências no Instituto Poincaré, de Paris, onde também tomou parte nas Jornadas de Álgebra realizadas no Seminário Dubreil-Pisot e foi o organizador das Primeiras Jornadas Matemáticas Luso-Espanholas, em 1972. Em 1973 foi agraciado com a Comenda de Santiago da Espada. Faleceu em Lisboa em 24 de Agosto de 1978. A sua viúva, Dona Maria Cândida Ramos, que sempre vi na sua companhia em todas as reuniões científicas em que eu próprio tive o ensejo de beneficiar do seu convívio, não se esqueceu da nossa Academia no testamento que deixou aquando do seu falecimento, em 9 de Fevereiro de 1989 e, de acordo com a sua vontade expressa, a Academia foi a grande beneficiária dos seus bens. Ela própria decidiu instituir o prémio Almeida Costa para trabalho sobre Álgebra, a conceder pela Academia, embora em condições que dificultaram a sua execução imediata, pelo que só recentemente pôde ser posto a concurso. E assim o nome deste grande algebrista, o maior paladino, entre nós, dos assuntos que no seu tempo constituíam a chamada álgebra moderna, ficará para sempre como exemplo de quem acredita na importância da Ciência como valor cultural de um povo e factor do seu progresso. BIBLIOGRAFIA: A Matemática no Mundo Contemporâneo, Mem. Cl. Ciências Ac. Ci. Lx, XXIII, 1980 Elogio Histórico do Prof. António Almeida Costa, Idem, XXV, 1983 Faculdade de Ciências da Universidade do Porto – os primeiros 75 anos (1911-1986) Memórias de Professores Cientistas, Fac. Ci. Lx., 2001 (Comunicação apresentada à Classe de Ciências na sessão de 22 de Maio de 2003)