Novela negra con argentinos* Fragmentos Luiza Valenzuela Tradução: Rossely S. M. Peres 6. ábado de tarde e Roberta já não tem energia para o galope. Gostaria, agora, de terminar sua novela num trotezinho apenas, mansamente, e sente que a tal novela já a abandonou. A inspiração, a musa ou o que quer que seja já não está do seu lado. Tampouco Agustin está ali para alentá-la, embora quem sempre demande ânimo seja ele e isso, também, a preocupa. Agustin demanda e escapole, como quem atira a pedra e esconde a mão. A escrita parece estar perdendo vida própria. Aquilo que foi puro vôo e excitação tornou-se pesado e arrasta Roberta em sua queda. Melhor parar de escrever por agora e deixar-se vagabundear por essas ruas do demônio, não se deixar cair na dupla armadilha da espera, esperando Agustin e a novela. Ir ao encontro de alguém, quem quer que seja, a pessoa mais ao alcance da mão. A dita Ava Taurel pergunta aos homens que a procuram: - Soft bondage? Hard bondage? Ataduras apertadas ou frouxas? Cordas? Correntes? - Gosta de usar roupa íntima de mulher? Saltos altos? Prefere muita dor, pouca dor? Látego? Asfixia? Vai explicando isso a Roberta que chegou de visita. Roberta escuta desprendida de si, desligada. Roberta convertida em orelha. E Ava Taurel, tornada boca, prossegue: - Eu busco a alma humana por trás da dor, quero saber até onde agüenta o corpo e então ir um pouquinho mais, empurrar os limites. Os limites me interessam. Me dizem até aqui e com uma volta mais de torniquete chego até aqui, para ver o que acontece. S * 200 Editorial SudamericanaSA., Buenos Aires 1991. LETRA FREUDIANA - Ano XI - n* 10/11/12 Novel» negra con argentinos Limites e abismos, qualquer coisa. Há um tempo atrás Roberta havia estado falando disso com Agustin, mas eram outros limites; não os da dor física, mas a aterradora, infranqueável possibilidade de conhecimento mútuo. (Sinto que há uma parede que quero empurrar quando estamos juntos. Carregas uma parede tremendamente empurrável e este é teu maior atrativo. Quero ver-te do outro lado dessa parede, embora isso nos machuque). A dor física, ao contrário, parece a 'Roberta tão banal, tão sem imaginação, mesmo que a boca queira demonstrar-lhe o contrário. Houve um diálogo inicial e, no começo, a qüe depois seria a orelha (já começava a sê-lo) chegou a identificar-se com a boca. A identificação rompeu-se na quarta ou quinta frase, mas deixou algo pendente entre ambas. Foi em um rigoroso book-party que a boca iniciou seu trabalho de boca, rompendo o gelo, ao perguntar a Roberta como era sua vida afetiva. Nos encontramos varias vezes, disse Ava Taurel à Roberta, e a única coisa que sei de ti é que és escritora. Conta-me algo mais. De início, Roberta não pode entender que nesse conta-me, nesse aparente pedido de querer saber e querer escutar, havia só a necessidade de abrir um caminho para o dizer. Roberta não era orelha ainda, erespondeu -Minha vida afetiva? Confusa -quase menciona Agustin Palant, quando a outra retomou seu fio e acrescentou - A minha, também, os homens me vêem assim, tão loura e grandalhona e pensam que sou uma Walkirià, têm medo de mim. Como escapar então à armadilha identificatória? Embora não sendo nem grandalhona nem loura, muito pelo contrário, vibrou o tímpano, o martelo golpeou sobre a bigorna, o estribo ressoou e a orelha se fez à espera de palavras, que haveriam de traçar-lhe seu próprio retrato. Mas a boca se consagrou a seu ofício e não despertou mais ressonâncias afins. Despertou o inconfessável. Tenho dois amantes e um escravo, contaria a boca. Dividir para reinar, diria a boca. Um quê? Perguntaria a orelha apenas deixando transparecer um pouco da contida surpresa. Um escravo, um escravo desses que se pisoteia e humilha, reclama e injuria, um escravo. Poderia ser mais de um, mas para ser um verdadeiro escravo há que merecê-lo, há que estar à altura, altura que seria a de alcançar a sola de meus pés, adorando-a. Aos domingos trabalho em uma câmara de tortura, não sabias? Lá tenho que por em prática todos meus conhecimentos e também meus estudos de sociologia, pois são torturas de toda índole, que requerem técnica e sobretudo imaginação, verdadeira criatividade que eu possuo, sem dúvida. (e a orelha passa a ser essa luz em seu cérebro, que se ilumina para assinalar a outra recôndita cena de tortura, em que foram apanhados seus amigos, irmãos, compatriotas, sem tê-la buscado, sem possibilidade alguma de gozo, tão somente de dor). A boca fala do gozo. - E não é prostituição, não acredites, nada disso, somos dominadores, somos profissionais conscientes, oferecemos um serviço social muito positivo. Imagina todos esses soltos pelo mundo, sem alguém que lhes ponha em ato suas fantasias. Altos executivos solicitam nosso serviço, é um trabalho delicado, homens cansados de ser sempre patrões querem que alguém os domine e mande. LETRA FREUDIANA -Ano XI ^ n s 10/11/12 201 Novel* negra con argentinos (Existem os tortutadores e os torturados, pensou a orelha, existem os que não querem sê-lo em absoluto e são submetidos e dominados). Há que relaxar tensões, conclui a boca. Relaxa-se como se pode. Ganchos nos mamilos? Leves? Pesados? Martírio genital? Leve? Pesado? As duas estão agora no quarto da boca, atulhado de livros, cassetes, discos, tapetes, rcwpas. A parafernália do rito não está visível, embora presente em cada objeto. A gorda já lhe tinha notificado em outra oportunidade: -Trabalho em um lugar que tem um cenário para as apresentações mais ou menos públicas, e cubículos aonde cada dominadora pratica sua especialidade e guarda seus implementos. Tenho também, mkiha clientela privada. A boca havia convidado a orelha para visitar seu lugar de trabalho. Como és novelista isso vai te interessar, havia dito. A orelha não quis ir tão longe, e não falava de quadras, mas em busca de uma certa forma da verdade havia ido encontrar-se com a boca em seu refugio., A boca vestia, um macacão cor de língua, de um rosado forte e repiçava como se toda ela falasse. Muito mais tarde a orelha voltará para casa perguntando-se porque escutou tudo isso e mais também, porque olhou as revistas do louro e aceitou folhear a Correspondência secreta de Ava Taurel. Tudo isso não lhe serve nem para enriquecer sua novela, nem para atrair Agustin quando Agustin não aparece. E no entanto, talvez. De todos modos, ele saberá apreciar a fina ironia desta história quando contar-lhe, se chegar a fazê-lo. No caminho compra o New York Post para ver o programa de televisão, mas na secretária eletrônica não há nenhuma mensagem que valha a pena e então é melhor nem abrir o jornal, nem ligar a televisão. Tratar de dormir, e só, e com meias de lã. 7. Em sua casa, em sua cama. Agustin só pode ficar encerrado na própria crisálida, empapado. Poderia pedir ajuda mas sabe que para ele não há ajuda possível. O que andou buscando pelas ruas, desde que saiu do metrô até chegar a seu apartamento, foi outra coisa. Quiçá o castigo. Andou deambulando por horas, crê que houve paradas em alguns bares perdidos, crê que tomou chuva, mas já não sabe se está empapado de chuva ou suor. Arranca a roupa, nem quer saber, preferiria,que fosse chuva, e só fica a culpa, o espanto. Duas noites parecem ter transcorrido e não sabe quando sonha ou quando vive a angústia, aonde se encontra o horror, se deste ou do outro lado da vigília. Carregada de vigilância a vigília, à espera de que, em algum momento, batam na porta e venham buscá-lo. Que o joguem porta abaixo, como lhe disseram que costumavam fazer em sua pátria, quando ele a deixou. Submerso no dorme-vela do medo. Porque sonhou que estava atado? Será que sonhou? Atado por pés e mãos, estendido no chão, com os braços em cruz e as pernas inteiramente abertas como uma mulher no 202 LETIU FREUDIANA-Aro XI-n e IQ/ll/12 Novela negra con argeatinos parto, corno acreditava que seria uma mulher no parto, sentindo-se como uma mulher ao parto, pronto, não para um ali viamento, mas para ser esquartejado. Só faltávamos quatro cavalos para arrancar-lhe os membros, mas não se tratava de quatro cavalos, nem de quatro ginetes, e sim de uma única mulher enorme, dominando a cena. Mulher aterradora, bruxa primordial, ele de início nu e depois não mais, usando longas meias rendadas de mulher, cinta-ligaseumaventalzinho branco de criada em volta da cintura, aventelzinho cheio de rendas. A mulher poderia ser Roberta, mas não inteiramente, era outra Roberta que lhe acariciava o peito peludo com uma expressão nada carinhosa. -Essa Roberta arrancou-lhe o aventalzinho com asco e ele ficou com um minúsculo calção de couro preto do qual aparecia o pinto e Roberta, que não era mais Roberta, tinha o peito à mostra com enormes mamilos túrgidos e ria, ria sacudindo o ventre apenas coberto por um coração vermelho cheio de espetos. Coração ardendo onde o coração não está, rubras botas de saltos finíssimos que agora se cravam sobre ele, sobre o coração, onde está sim, seu coração que bate desesperadamente. Trata-se, na realidade, da campainha do telefone que não consegue arrancar Agustin, completamente, desse pesadelo aquém do sonho. Então é de dia, pensa, então alguém sabe ou alguém me procura e, nesse instante, volta a aparecer a mulher das rubras botas e ele está, de novo, estaqueado no chão. Agora as cordas estão muito mais tensas, são correntes, vão esquartejá-lo, a mulher já não ri, lágrimas ferventes caem sobre seu peito e mais embaixo, na fímbria do calçãozinho de couro, por onde emerge o pinto, inchado. Já sem pernas nem braços, o único membro que lhe resta é este, o verdadeiro, muito protuberante e as lágrimas da mulher o estão queimando. Não são lágrimas, é a cera de uma vela que a mulher segura, cada vez mais perto, derramando gota por gota a cera quente sobre o pênis que não perde sua ereção, pelo contrário, incha mais e a dobra do calção de couro crava nele. Agustin se retorce de desespero e dor sob as correntes, já está todo acorrentado, a cabeça presa num cepo, se retorce, a mulher o pisoteia com seus saltos finíssimos e grita: - Diga obrigado minha ama. Diga. - Obrigado, apenas pode murmurar e já outra pisada do salto finíssimo corta-lhe o lábio. Obrigado minha ama. A mulher lhe mete um de seus imensos mamilos na boca. Mama, lhe ordena, e o que mana desse peito é como lava. E ele chupa, chupa, enquanto a cera quente segue arruinando-lhe o pinto. Agora arde por fora e arde por dentro, até o terrível espasmo, quando a mulher apaga a vela na glande. Ele fica extinguindo-se nesse inferno. A mulher o ameaça. - Olha, olha, tirei-lhe o molde. Abra os olhos, diga, obrigado ama. Diga, obrigado ama. Fiz o molde de cera e ficou perfeito. Olha. E quando está abrindo os olhos, a mulher adquire o doce sorriso de Edwina, nos segundos prévios ao desastre. Fará escapar do pesadelo pulou da cama e arrastou-se até o banheiro. Abriu as duas torneiras, meteu-se de quatro na ducha, primeiro gelada e logo fervendo. Ao princípio sem sensação de temperatura, rígido, foi pouco a pouco afrouxando o corpo sob a água, agora morna, deixando-o descarregar-se ali na banheira. Dele manou um odor pestilento e ficou como morto, mas já aliviado, submerso em sua própria merda, urina e LETRA FREUDIANA-.An©»-*'' 10/11/12 203 Novela negra con argentinos sêmen; imerso nisso que o coner da água ia limpando, revivendo-o. Teve sede, soube que lhe voltavam as exigências do corpo, abriu bem a boca, cara para o alto, de modo que a água da ducha também lhe lavasse as entranhas. III Basta. Seguir. Tocar a campainha, falar com a gorda gordíssima com cara de bebê empoado, que sentada por trás de sua escrivaninha de secretária modelo - gorda - não quer deixá-lo entrar sem pagamento adiantado. "Mas eu não sou um cliente, só vim buscar algo que me pertence". Não os chamamos clientes e todos vêm aqui buscar algo que lhes pertence, algo que perderam, a cor de seus fantasmas, vêm buscar o que lhes falta, com o que sonham e choram. A gorda não diz nada disso, a gorda só lhe sorri, beatífica, um sorriso no meio dessa pele tão estirada, tão doce e um pouquinho transparente. A gorda sabe que ao final todos se animam e se entregam, apesar de que, no início, venham reticentes. Se não, ninguém toca essa campainha. Agustin insiste. "Chame Ava Taurel", diz. "Ava está com um escravo dando-lhe o que merece ", contesta a gorda com a mais doce das vozes. "Mas Ava guardou meus manuscritos, ela sabe, disseram-me que podia vir buscálos". "O senhor é escritor? Muito bem, aqui vão lhe surgir muitas idéias, as idéias, às vezes, necessitam uma boa surra, às vezes as idéias só afloram com o látego ou com vara de marmelo. Ava lhe soltará as idéias com prazer e com sangue também, se quiser", repisa a gorda sem perder sua aura. "Ê cantora de blues", dirá depois Ava, "parece um anjo". Efetivamente, um anjo que continua enaltecendo os benefícios do tratamento. "Deixe-se levar por suas fantasias homem, atue-as, depois as fantasias lhe agradecem e vêm visitá-lo quando delas necessitar. Não mais páginas em branco, salpique-as com seu próprio sangue. Ou talvez prefira um enema? Ava é uma excelente enfermeira. Por-se-á um avental, examinará seus ouvidos, boca e olhos, todos os orifícios, lhe aplicará um enema com toda imaginação e esmero". "Não quero uma lavagem, quero meus manuscritos, a senhora pode pensar, no entanto, que são uma só coisa ". "Eu não penso, o senhor é que tem que pensar aqui. Gosta de roupa íntima feminina ? Talvez prefira que o encerrem numa jaulapara feras selvagens e o deixem ali, suspenso no ar, balancando-se sozinho até não agüentar mais e as dqmadoras, então, venham quebrá-lo". Com a palavra jaula Agustin estremeceu. A gorda, notando o eriçar que lhe foi crescendo dos pés à cabeça, mostrou a pontinha da língua bem rosada e passou-a pelos lábios. Depois, com a pontinha da língua, mostrou os dentes perfeitos, pequeninos e afiados. "Vem", disse por fim, "vou te levar numa visita guiada do local, de repente encontrarás algo que te agrade. De repente até encontrarás teus papéis, mas tens que buscá-los tu mesmo. Vou mostrar-te o cepo onde os penduramos, a roda de torturas, o cubículo de Ava, tudo". 204 LETRA FREUDIANA -Ano XI - n» 10/11/12 Novela negra con argentinos Levou-o por um longo corredor para onde dava uma quantidade de portas fechadas. - Fique atento, podemos encontrar algumas das domadoras em pleno exercício de sua profissão, algo instrutivo de se ver. Agustin sentiu-se arrastado. A gorda abriu a primeira porta, enquanto lhe dizia, como quem não quer nada: - Meu nome é Janet mas me chamam Baby Jane. Afastou-se para deixá-lo passar. Mas na realidade empurrou-o dentro do que parecia um salãozinho de tocador, algo fim-de-século e nostálgico. - Este é o boudoir (evidently, se disse Agustin), as gavetas estão cheias de roupa última feminina, corpetes, anáguas cinta-ligas, espartilhos, espartilhos com barbatanas como os de antigamente. Sabe, muitos gostam de usá-los, às vezes, tenho que vir ajustá-los muito, mas muito apertado. Pedem mais forte, até que não lhes resta sopro, nem para pedir mais. Agustin se deu conta de que não podia prosseguir. Afastou de um só golpe as peles de raposa, desmoronou sobre o diva e disse à gorda, agora Baby Jane. - Não posso mais. - Como não, querido, apenas começamos. Terás visto coisas muito piores. -Precisamente. -Bem, podemos ficar aqui enquanto não toquem a campainha. Ninguém chega de surpresa nesta casa. —Nem mesmo a polícia? - A polícia ainda menos, ela respeita. (São colegas, pensou Agustin). Olha que uma vez houve uma denúncia, diziam que aqui se estrangulava homens. Mas vem, chega mais pertinho. Assim. Disseram que estrangulávamos homens e então apareceu a polícia e tivemos que lhes permitir inspecionar os cubículos. Abriam cada porta e perguntavam aos homens que estavam se fazendo atender. "O senhor está OK"7 "Sim ", diziam os homens como podiam, eles então pediam desculpas e voltavam a fechar a porta. Este é um país livre, só atendemos adultos que consentem, ninguém pode objetar nada, aqui não obrigamos ninguém a fazer o que não quer. Então a polícia teve que calar a boca e retirar-se. - Não pediam documentos? - Não, o que pensas? Somos cidadãos livres, conhecemos nossos direitos. Não podem abusar de nós e pronto. Agora, na verdade, importunaram muito, vieram vários dias seguidos, as garotas perdiam a concentração e não se pode trabalhardessa maneira. Este é um ofício que requer nossa atenção. Depois a polícia se convenceu: ninguém ia morrer aqui e os enforcadinhos estavam felizes. - Então era certa a denúncia. - Que queres que te diga? Muitos gostam disso e as dominadoras sabem até onde apertar. - Como os outros. - Que outros, meu bem? - Não importa. - Te vejo muito tenso. Põe esse espartilho, põe essas calcinhas. - Estás louca, Baby Jane. LETRAFREUDIANA-AnoXI-n»10/ll/12 205 Novela negra con argentinos - Vais relaxar, verás. Submete-te, solta-te, entrega-te e aí as preocupações se vão. Muitos executivos vêm aqui, homens de negócio, dizem que estão fartos das responsabilidades, de ter que dar ordens todo tempo. Aqui os aliviamos, lhes damos a oportunidade de baixar a guarda. Tornam-se crianças, doentes, mulheres, cachorros, o que quiserem. As meninas os castigam porque se portam mal, os premiam quando obedecem. Põe uma dessas lindezas, Ava está ocupada, mas posso te enviar a portorriquenha que é uma mulher com imaginação e com os maiores bicos de seios quejá viste em tua vida. -Etu? - Sou só a recepcionista. Às vezes dou conselhos. Às vezes tenho que consolá-los na saída. Eles gostam de consolo. Eu também, por isso canto blues, canções que doem e acariciam ao mesmo tempo. Não doem de dor, doem de tristeza. Os tristes como tu me agradam muita Se quiseres ponho eu um espartilho, se quiseres podes bater-me, embora preferisse que não. A mim agrada a vida suave, mãos suaves, os veludos, coisas mórbidas, o carinho. - Como tu. - Ou como teu suéter. Deixe-me tocá-lo, é tão suave, tão cá lido. Também tu deves ser suave e cálido quando tiras os espinhos; contigo há que fazer o amor como faz o porco-espinho: com muito cuidado. Estás cheio de espinhos que terei que ir toando um a um. Tens até a barba meio crescida, não me roces a face que vais deixá-la irritada, mas podes roçar-me em outras partes, se quiseres. Agustin afundou nas carnes de Baby Jane e enquanto a explorava e a beijava e tratava de desaparecer nela, entre os peites enormes e essas coxas tão sedosas, pensava que teria que pô-lo em palavras, palavras mais inspiradas, assim como de polpa, como a tibieza do sol. Palavras mórbidas, mas também isso resultava banal, a delícia começava a ser outra, urrtuosa e quentinha, um sambayon da alma, esses gostos cafonas, de antes, gostos esquecidos que retornam desde o mais fundo da nostalgia. Tatos e odores de infância sem exigência alguma. 206 LETRA FREUDIANA - ABO JO - rf> 10/11/12