PESQUISAS SOBRE A IMIGRAÇÃO ESPANHOLA NO RIO GRANDE DO SUL Drª Regina Weber∗ Daiane Souza∗∗ Renata K. Veleda∗∗ Vagner M. Corrêa∗∗ Aluisio Lessa∗∗ Os espanhóis chegaram ao Rio Grande do Sul, o estado mais meridional do Brasil, em diferentes momentos: por incursão no território nos séculos XVI e XVII, nos primórdios do povoamento; imigração em massa no final do século XIX, quando são criadas entidades mutualistas em Porto Alegre, a capital, e em cidades de fronteira com Argentina e Uruguai; nas décadas 1940 e 1950 vêm os deslocados pela Guerra Civil ou os que recusam o regime franquista. Imigrações individuais, como sempre ocorrem onde já há comunidades emigradas instaladas, continuaram a reforçar a presença dos imigrantes espanhóis no sul do Brasil. Justamente o fato de serem antigos ocupantes do território e de sentirem-se, portanto, à vontade, na sociedade regional, fez com que espanhóis, assim como os portugueses, tivessem menos necessidade de criar instituições para defender seus interesses (o número de entidades e associações criadas por descendentes de imigrantes italianos e alemães no Rio Grande do Sul é bem maior). E, por terem se incorporado à população, os espanhóis e seus descendentes também não constituíram comunidades relativamente fechadas ou “colônias”. Um outro aspecto a considerar é que a presença de imigrantes da América espanhola no Brasil, que se identificam pelo país de origem, principalmente Argentina e Uruguai, torna mais difícil aos brasileiros, devido à semelhança lingüística, distinguir os imigrantes espanhóis dos americanos hispânicos. Também precisamos considerar que, desde o início do século XX, a proporção dos espanhóis no conjunto da população estrangeira no Rio Grande do Sul foi se tornando expressivamente menor, dado a afluxo de diversos grupos de imigrantes, ocupando eles Docente do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ∗∗ Estudantes de história na UFRGS. ∗ a oitava posição, após italianos, portugueses, alemães, poloneses, argentinos, uruguaios e russos, segundo os dados dos Censos Demográficos. Mas, mesmo considerando todos esses fatores, os espanhóis e seus descendentes no sul do Brasil constituíram comunidades que acabaram por atrair a atenção dos historiadores. Um ensaio pioneiro no estudo desta corrente imigratória foi desenvolvido pelo médico Gómez del Arroyo para o volume "Imigração" da Enciclopédia Riograndense, publicada nos anos 1950. Duas décadas depois, em 1979, apareceram as primeiras pesquisas acadêmicas, desenvolvidos na Pontífice Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), as dissertações de mestrado de Iolanda Vargas, sobre a Sociedade de Socorros Mútuos, e a de Wilma Kreling, sobre a Casa de Espanha. Estes estudos foram desenvolvidos num contexto de busca de agregação da comunidade espanhola portoalegrense, cindida pelo conflito na Espanha de meados do século. Portanto, entre os emigrados espanhóis também havia franquistas e republicanos. Tendo a mais antiga entidade de espanhóis em Porto Alegre, a Sociedad Española de Socorros Mútuos, fundada no final do século XIX, tomado posição favoravelmente aos republicanos, aqueles que não se identificavam com tal alinhamento deixaram de freqüentá-la, aderindo posteriormente a Casa d’España, fundada em 1953. A unificação das entidades efetivamente só veio a ocorrer na década de 1990, dando origem ao Centro Español, em 1994. Na cerimônia de unificação esteve presente o embaixador da Espanha. Foi no Centro Español, com a colaboração da presidência e de outros membros, que nossa equipe localizou material para a pesquisa e estabeleceu contatos para entrevistas. Outros pesquisadores, vinculados a diferentes instituições, também receberam apoio do Centro para suas pesquisas. Portanto, passados mais de vinte anos das pesquisas da década de setenta, novamente existem estudiosos interessados na imigração espanhola para o Rio Grande do Sul, como Roshangela Bastani (2006), que estuda a figura da mulher imigrante, e, Lucas Neves Prochnow (2009), que recentemente concluiu dissertação de mestrado sobre o tema. Nossa pesquisa, desenvolvida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tem procurado compreender o perfil desta imigração e as formas de adaptação dos imigrantes após sua instalação no Brasil. Considerando a escassez de documentos, optamos por utilizar a história oral e, através de entrevistas, procuramos conhecer de onde vieram e o que faziam os imigrantes das décadas 1930 a 1960. Enfocamos, portanto, uma imigração que saiu da Espanha em momentos de crise política e crise econômica. Assim como para outros lugares do Brasil e da América Latina, a imigração espanhola para o sul do país provém principalmente da Galícia. Nas entrevistas com galegos, duas imagens são predominantes. Primeiro, a da região de origem como um lugar de pequenos povoados, ocupada por pequenos proprietários, de propriedades que diminuíam pela contínua partilha entre descendentes, sem pobreza, mas sem muitas alternativas profissionais ou econômicas: A terra muito dividida em aldeias. Aldeias de doze, quinze, vinte casas. E as terras: tinha um pedaço de terra aqui, um pedaço de terra ali. E viviam da cultura desses pedacinhos de terra e de gado. Todo mundo tinham suas vacas. Duas, três, quatro, cinco vacas. Os que tinham cinco vacas já podia se falar que eram pessoas bem de vida, uma família bem de vida. Mas, no mínimo duas ou três vacas para leite, e uma parelha de bois, isso era sagrado também, porque era tudo feito na mão. E, por outro lado, a visão da América como um lugar onde se poderia enriquecer. Aqueles que possuíam um ofício especializado realizavam esse ideal com mais facilidade, como nos conta um de nossos entrevistados mais velhos, que veio ao Brasil em 1931, com 15 anos: “E meu pai já veio ao Brasil quatro vezes. Porque naquela época se costumava vir para as Américas. Porque o serviço lá era muito pouco, então eles vinham para as Américas arrumar um dinheirinho. O meu pai, porque era uma pessoa que tinha uma profissão: era um canteiro especializado”. É recorrente a imagem dos emigrantes que retornavam à Espanha e que, com seus automóveis, que simbolizavam seu enriquecimento do outro lado do Atlântico, alimentavam o sonho de jovens que se tornavam os novos emigrantes: “eu vi um emigrante bem arrumado e de carro. ‘Eu tenho que arrumar algo por aí também’”, disse um senhor que era agricultor e trabalhava com entalhe em pedra, fazendo lápides, na Galícia e que emigrou aos 18 anos, em 1961. O fato de possuir uma “profissão” teria facilitado a emigração, garantindo a instalação na cidade, mas a oferta de trabalho no Brasil também auxiliava a inserção dos adventícios, mesmo em atividades que não fossem a sua especialidade: “Naquele tempo, onde se quisesse trabalhar... tinha trabalho em tudo quanto é canto”. Alguns vinham ao Brasil já destinados a exercer uma atividade específica, como os membros de uma família da cidade portuária de Vigo, que vieram ao Brasil para construir navios (Weber, 2007). Instalaram-se primeiramente na cidade portuária de Itajaí, no estado de Santa Catarina, depois um dos homens da família, que permanece no Brasil, transfere-se para Porto Alegre e depois para Rio Grande, onde se dedicam tanto à construção de embarcações de navios pesqueiros como à atividade da pesca em alto-mar. A foto abaixo foi obtida com um dos entrevistados por nossa pesquisa. Na foto, dois irmãos da família Iglesias, que se dedicavam ao ramo da pesca na cidade de Rio Grande, no estado do Rio Grande do Sul. Observe-se o registro de 1955 no verso da fotografia: España em Brasil Pesqueros Caldelos y Salvatierra Os entrevistados também indicam que haveria um caráter aventureiro nos espanhóis que imigravam naqueles anos. Um dos entrevistados, que chegou ao Rio de Janeiro em 1961, conta que estava indo em direção ao Uruguai alguns anos depois, mas durante a parada que o ônibus fez em Porto Alegre, saiu para tomar um cafezinho e deparou-se com a Casa de España, na qual entrou, perdendo o horário do ônibus. Ia retomar seu rumo no dia seguinte, mas acabou ficando no Brasil. Além dos jovens que emigravam em busca de novas oportunidades e daqueles que vinham como profissionais qualificados para exercer atividades específicas, havia também os que saíram da España para evitar perseguições em função da posição que tomaram na Guerra Civil. Um senhor de Madrid nos contou que esteve primeiro na França, nos anos 1940, onde, por intermédio da Organización Internacional de Refugiados, aprendeu o ofício de alfaiate, ramo ao qual se dedicou quando chegou ao Brasil em 1952. A pesquisa, tem resgatado ricas experiências de vida, possibilitando uma melhor compreensão das populações de imigrantes que em diferentes momentos históricos passaram a fazer parte do sul do Brasil. Tem também permitido diálogos com pesquisas sobre imigração espanhola para outros estados do país, particularmente São Paulo (Klein, 1996; Peres, 2004) e Rio de Janeiro (Silva, 2006), e para países da América do Sul (Silberstein, 2000). Referências bibliográficas BASTANI, Roshangela de Freitas. A imigração espanhola no Rio Grande do Sul através do olhar da mulher. In: PAIVA, Sergio Rosa de (org.). Mulheres do Rio Grande do Sul - Diversidade. Porto Alegre: SFERASRP Editora de Artes, 2006, p. 87-144. GÓMEZ DEL ARROYO, Angel Antonio. Os espanhóis na formação e povoamento do R. G. S. In: BECKER, Klaus (org.) Enciclopédia Rio-grandense. v. 5 (Imigração). Canoas: Regional, 1958. p. 208-252. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Biblioteca do IBGE na internet (portal). Disponível em http://biblioteca.ibge.gov.br/. Acesso em 12/03/2009. KLEIN, Herbert S. A imigração espanhola no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré, FAPESP, 1994. KRELING, Wilma Ferreira. História da Casa de Espanha de Porto Alegre. Porto Alegre, 1979. Dissertação de Mestrado em História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS, 1979. PERES, E. P. 2003. A inexistência da terra firme: a imigraçã galega em São Paulo, 1946-1964. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/FAPESP/Imprensa Oficial do Estado. PROCHNOW, Lucas Neves. Memórias, narrativas e história: a imigração espanhola recente em Porto Alegre. Porto Alegre: PUC/RS, 2009. Dissertação de Mestrado em História. SILBERSTEIN, Carina Frid de. A imigração espanhola na Argentina (1880-1930). In: FAUSTO, Boris (org.). Fazer a América: a imigração em massa para a América Latina. 2 ed. São Paulo: EDUSP, 2000. p. 93-126. SILVA, Érica Sarmiento. Galegos no Rio de Janeiro (1850-1970). Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela. Facultade de Xeografía E Historia. 2006. Tese Doutoral. VARGAS, Iolanda Guimarães. História da Sociedade Espanha de Socorros Mútuos de Porto Alegre. Porto Alegre, 1979. Dissertação de Mestrado em História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS, 1979. WEBER, Regina. Emigrantes Espanhóis no Século XX: trajetórias individuais e história contemporânea. História Oral. Revista da Associação Brasileira de História Oral. v. 10, n. 2. jul.-dez. 2007. p. 77-90.