III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 TRILHAS URBANAS: ROTEIRO CULTURAL E paisagem e no ambiente construído desse ITACOLOMI E A QUALIDADE PERCEPTIVA Paulo. ARQUITETÔNICO MACKENZIE – TRILHA DO LUGAR Eunice Helena Sguizzardi Abascal Θ fragmento do bairro de Higienópolis, São A análise deverá ser rebatida no objeto, a trilha Itacolomi, cujo registro foi realizado durante a pesquisa, através de levantamento fotográfico realizado pelos Resumo: Análise e fundamentação crítica (histórico-analítica) dos conceitos de espaço, lugar, paisagem e qualidade arquitetônica e valor do antigo. Aplicação desta fundamentação ao objeto recortado, a Trilha Urbana denominada Percurso Itacolomi, levantada e registrada oportunamente no decorrer da Pesquisa. Palavras-chave: Trilha Urbanas – Percurso Itacolomi – Espaço- Lugar- Paisagem – Qualidade arquitetural – Valor de Antigüidade. Professores Eunice Abascal e Célio Pimenta em 24 de abril de 2006. Partindo de fundamentação históricocrítica sobre os conceitos de espaço, lugar, paisagem e valor e qualidade da arquitetura de um tecido urbano revelador da passagem do tempo e de seu acúmulo, revela-se a metodologia que faz da análise perceptiva e do percurso as bases da formação de juízos estéticos e qualitativos, os quais devem ser fundamentados pela análise crítica de um fundamento teórico selecionado. O trabalho se divide em dois momentos, o primeiro abordando histórica e teoricamente os conceitos-chave e o Introdução Este trabalho é parte da pesquisa “Trilhas Urbanas: roteiro cultural e arquitetônico segundo, de aplicação, e fundamentação de uma série de juízos de valor capazes de enunciado a partir do compromisso do observador com o objeto percebido. Mackenzie”, e desenvolve uma reflexão crítica a respeito dos conceitos de espaço, lugar paisagem e qualidade arquitetural do que é ‘antigo’, isto é, dotado de uma história. O objeto de estudo a que se relaciona esta análise é um recorte das assim denominadas “Trilhas Urbanas”, o percurso Itacolomi, descortinado pelo olhar de um caminhante imerso na Espaço, lugar, paisagem e a qualidade do que é antigo Em que se fundamenta uma possível análise histórico-crítica dos lugares? Lugares concretamente definidos e dotados de qualidades arquitetônicas e urbanísticas peculiares, reveladoras da Θ Professora de História e Teoria da Arquitetura da FAU Mackenzie. Professora colaboradora do programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UPM pátina da passagem do tempo e revestidas de atualidade? 1 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 O que caracteriza cada fragmento urbano como um lugar específico e não somente espaço genérico e abstração possível? O que deve fundamentar a ação arquitetônica de intervenção e transformação de um lugar, entendido como paisagem e ambiente construído característico? A fim de emendar resposta a tais indagações, se faz necessário fundamentar os conceitos empregados, determinar-lhes uma consistência que os torne passíveis de aplicação e desvendamento do objeto do percurso Itacolomi. fragmentações ou das continuidades e permanências urbanas. É interessante frisar que para o arquiteto e crítico de arquitetura mencionado, a percepção de que a obra se encontra imersa numa estrutura superior (a paisagem ou o ambiente construído) informa que a arquitetura não se permite auto-suficiência, produzindo-se “(...) en el texto inacabado que es la ciudad” (2). O problema que se coloca é o do reconhecimento dessa estrutura superior, o que implica que o arquiteto se conscientize dos valores estruturais que determinam como se produz a arquitetura, e como esta se desenvolve no tempo. Espaço e lugar, o valor e a qualidade do que define o ambiente construído Na atualidade, arquitetos contextualistas como Moneo (1) definem a Arquitetura como uma resposta capaz de esclarecer uma determinada situação, conferir sentido a um lugar ao satisfazer um programa estabelecido. Mais do que enfatizar arquitetos é necessário ter presente a obra, trabalhar para que esta permaneça, garantir sua solidez e durabilidade, cuidando de sua inserção no contexto arquitetônico, considerado fator decisivo. Embora o projeto não tenha o único objetivo de completar ou dar continuidade ao que está presente, segue necessário decidir sobre o tipo de relação vai manter com o exterior. A relação dialética que se estabelece entre a estrutura formal da cidade e a mesma estrutura arquitetônica se converte em baliza de interesse, sendo preciso conhecer e revelar a trama na qual se produz determinada obra. A vontade dos arquitetos se vê então premida pela força condicionadora dos alinhamentos, das formas de uso do solo. A estrutura urbana antecipa a iconografia da arquitetura, e essa estrutura define uma densidade e apropriação específica das condições determinantes. A arquitetura é capaz de preparar o usuário para o entendimento do meio, e esta condição define o desempenho do arquiteto hoje, muito mais como alguém apto a discernir a partir da observação do meio físico e histórico, compreendendo como se construiu e como se deve construir. Tais relações podem se estabelecer a partir da compreensão do movimento na paisagem, da condição morfológica do tecido urbano presente, das Lugar e percepção, um olhar históricocrítico: o bairro de Higienópolis 2 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 A transformação de um espaço genérico e abstrato pela via da arquitetura se dá com a intervenção arquitetônica. A modificação de um padrão estrutural e morfológico da cidade se condiciona pela contingente formação de novos centros e lugares de interesse para o desenvolvimento urbano, em que os arquitetos passam a intervir. Em São Paulo, a partir dos anos 30, o bairro de Higienópolis funciona então como novo centro, permitindo a expansão verticalizada da cidade que se iniciou na década de 20, na região do Centro Histórico. Essa nova morfologia e estrutura urbana constituem a partir de então o material histórico a partir do qual os arquitetos realizam intervenções arquitetônicas, intervenções que de um ponto de vista geral podem atuar em contraste ou analogia ao contexto. Ambas as formas de intervenções guardam uma fonte comum, a de optar por uma estratégia relativa às pré-condições em que operam. Em Higienópolis, as pré-condições projetivas se modificam, passando, conforme Silvio Soares de Macedo (3) de uma estrutura colonial a outra, alimentada pela forma de ocupação preconizada pela arquitetura e urbanismo modernos. A ilustração seguinte revela esta nova distribuição das massas e respectiva relação com os espaços criados e ocupação de solo: Início do século XX: arborização das vias públicas • Irradia-se este padrão, iniciado com a Av. Paulista, aos bairros de elite de São Paulo, como Higienópolis • Altera-se a morfologia dos espaços urbanos: lote-rua-lote passa a Edifício-jardim-calçada-leito carroçável Como assinala Macedo (4) “O loteamento de Higienópolis segue, preferencialmente, as curvas de nível; Santa Cecília aproveita e continua os traçados das ruas de Vila Buarque, ligando-as a Higienópolis.” Podem ser identificados três momentos na história do bairro, a saber, o primeiro revelador das chácaras (antes de1898), os loteamentos e os palacetes (entre 1898 e 1933) e, a partir de então, a verticalização. O momento de verticalização que se intensifica a partir da década de 40 coincide com a disseminação dos ideais modernos e a prática de padrões arquitetônicos que se não abertamente modernos, antecipam e abrem caminho à modernidade via o processo de modernização da cidade em curso. É inegável que a doutrina modernista enfatizou as operações de contraste, quer entre a cidade tradicional e a novidade representada pela revolução modernista, ou ainda entre volumes e formas que construiriam uma espacialidade urbana renovada, através da verticalização. Entretanto, a diferença mais sutil a enfatizar não recai no contraste entre formas, figura e fundo ou texturas, mas na percepção da diferença flagrante entre espaços vazios e espaço construído, o que 3 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 no bairro de Higienópolis se depreende pela implantação distintiva anteriormente apresentada. Tal disposição dos volumes soltos com generosos recuos determina a espacialidade que marca a percepção da arquitetura. Contrastes cedem lugar a graus de operação, indo do apagamento da intervenção à sua valorização, determinando o lugar. totalidade para quem caminha pelas ruas, Se a arquitetura é capaz de esclarecer o um espaço que se insinua como público, apreendido na percepção, e a arquitetura contradigam esse juízo. ambiente construído. Eis então porque a Essa qualidade perceptiva dos lugares não pode não coincidir com a exemplaridade marcando para o observador e pedestre significado de um lugar, este pode ser embora hoje grades e fechamentos é propriamente o objeto desta no foi ignorada durante os anos de formação do ideário moderno. Desta forma, o modernismo definiu uma forma de ação para o relacionamento da cidade e da história, e o fez através do contraste. No entanto, já em 1903 Alois Riegl (5) definiu uma diferença conceitual entre o valor do monumental e a qualidade do antigo: questionou o valor da arquitetura baseado unicamente no critério de exemplaridade, mas incluiu o valor derivado da situação factual documentada (ou percebida). Riegl empreende uma interpretação da percepção urbana pelo cidadão moderno, assinalando uma nova sensibilidade deste para a relação entre o valor de novidade e a antiguidade como qualidade do que é vivido e percebido arquitetônica. A recíproca é falsa, pois um edifício exemplar de valor reconhecido e arquiteto consagrado pode não se encontrar historicamente valorizado e exposto à condição de significativo para o lugar. Edifícios não exemplares podem ter qualidades para a ambiência e outros exemplares podem não tê-lo por razões assinaláveis. Da mesma forma, edifícios não comunicam mensagens cifradas e que não se deixam dialetizar com o tempo, e mensagens desaparecem e dão lugar à presença do edifício e sua percepção: o edifício a paisagem começa a ser ele mesmo. valor. Em outras palavras, o ambiente Embora toda obra esteja condicionada por movimento no espaço e do que se marcada pelo tempo, o que constitui uma figura do flaneur que vaga livre por uma significado na relação específica com a imagem poética do início do século XX edifício que constitui as Trilhas Urbanas construído e percebido depende do uma estrutura maior e a uma expressão depreende a partir deste, lembrando a similaridade, cada obra adquire seu pleno cidade aberta e moderna, resgatando a paisagem e a percepção. Assim, cada expressa por Baudelaire. só pode ter seu valor de história Para uma perspectiva contemporânea de análise crítica, um modo dialético de exprimir a sincronia entre similaridade e diferença se encaixa nesta sutil sensibilidade de trabalhar o lugar, sua interpretação e a novidade e irrupção da reconhecido a partir do percurso. Para aplica a conceituação desenvolvida, analisa-se o percurso denominado “Trilha Itacolomi”. 4 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 Trilha Itacolomi Edifícios reconhecidamente de valor histórico: Victor Reif (1963) Edifício Itacolomi R. Itacolomi, 465 Edifício Diana (1958) Rua Itacolomi, 95 Fábio Penteado (1951) Edifício Residencial Rua Itacolomi “O primeiro prédio de concreto aparente é aquele da rua Piauí, esquina com a Itacolomi.” (Marc Rubin, em entrevista em http:www.arcoweb.com.br/entrevista/entr evista85.asp). David Libeskind (1958) Centro Médico Itacolomi Rua Itacolomi, 601 (1962) Edifício Alomy Rua Itacolomi, 334 Miguel Badra Jr. Edifício Marcia Monica Rua Itacolomi, 573 Victor Reif (1958-61) Edifício Diana Rua Itacolomi, Edifício Marcia Monica Rua Itacolomi, 573 http://www.iabsp.org.br/boletim-52.pdf Fábio Penteado (1951) Edifício Residencial Rua Itacolomi, esquina Rua Piauí 5 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 de reconhecer, por observação direta, a relevância e o significado na paisagem do patrimônio construído, bem como a qualidade de sua inserção na ambiência urbana. Trata-se de constatar a qualidade do que está consolidado na paisagem (edifícios, mobiliário urbano e elementos paisagísticos característicos de vegetação), que marquem presença, quer tenham ou não um valor acadêmico, devido à autoria consagrada ou tombamento, ou ainda despertem interesse acadêmico por qualquer outro motivo. O objetivo específico fundamental é o de dar continuidade à elaboração de recortes ou percursos, denominados trilhas, com a finalidade de realizar a leitura da paisagem urbana, entendendo-a como o conjunto formado pelo ambiente natural e construído. A denominação relativa ao Campus Mackenzie é resultado de o mesmo se constituir no referencial e no ponto de partida desses percursos. O perímetroMiguel Badra Jr. (1960) Edifício Marcia Monica Rua Itacolomi, 573 limite vem sendo reajustado no decorrer da pesquisa, em função do trabalho de campo, em que são observadas importantes ambiências e visuais que passam a nortear seu recorte, o que Trilha Percurso Itacolomi Roteiro realizado a partir de percurso em 24 de abril de 2006. O objetivo do Projeto Trilhas Urbanas: roteiro cultural e arquitetônico Mackenzie é organizar um conjunto de informações capaz de divulgar o interesse histórico, arquitetônico e cultural do ambiente construído estudado, com o intuito de divulgar o conhecimento da cidade como um bem comum. A elaboração de percursos cumpre o papel metodológico significa que toda e qualquer definição de gabinete e apriorística vem sendo afastada. O Projeto de pesquisa que assinala as diversas trilhas identificadas delimitou de forma genérica um contexto significativo de ruas fundamentais à investigação, entre elas, a Rua Maria Antonia, a Rua da Consolação, Rua Piauí, Rua Itambé, Rua Maranhão, Rua Dr. Vila Nova, a Praça Rotary e a Rua Major Sertório e a Rua Itacolomi. Este conjunto não representa uma ou mais trilhas em si mesmo, mas 6 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 tão somente um universo de interesse, elaborado a posteriori, uma vez que os percursos são definidos. O conceito de trilha urbana vem se expandindo e evidenciarem jogos de recortes, volumes, materiais de revestimentos e cores seletamente escolhidas. refinando, embora permaneça nos limites Iniciando a trilha a partir da referência Pesquisa. esquina das Ruas Maranhão e Itacolomi, A Rua Itacolomi está situada no interior entrar na Rua Itacolomi nos deparamos das definições propostas pelo Projeto de desse limite geral, e foi assinalada como relevante a partir da observação empírica e de sua pertinência, uma vez que apresenta relações de interesse entre o ambiente urbano e o patrimônio ambiental e edificado. Campus Mackenzie, o percurso iniciou na no sentido das Ruas Piauí e Alagoas. Ao com o Edifício Icaraí, em que o desenho do acesso que conduz ao portal apresenta degraus cuja proporção entre espelho e passo favorece o último, valorizando o caminho e estabelecendo relação dinâmica entre o espaço público e o privado. A espacialidade que convida é afirmada A trilha Itacolomi De forma geral, a arquitetura presente nessa trilha pode se denominar moderna, em sua maioria edificada no período entre os anos 50 e 80. Observa-se uma quantidade inferior de edificações das duas décadas finais do recorte mencionado. A data de projeto e obra é determinante para compreender as formas específicas de implantação e relação dos edifícios com a paisagem urbana. Trata-se de concepções que privilegiam os térreos, de maneira a expressá-los como espaços generosos, utilizando como instrumentais a escolha refinada de materiais, o desenho cuidado de pisos e o trabalho paisagístico indissociável da qualidade da ambiência alcançada. Quanto aos edifícios, evidenciam cuidados de elaboração funcional, que em muitos casos são visíveis do exterior (diferenças de ocupação dos andares, expressos em distintas formas nas elevações), e expressão arquitetônica refinada, ao pelo tratamento paisagístico que estabelece uma continuidade visual entre o edifício e a rua (ao utilizar espécies de pequeno porte a arbustivas), permitindo que visuais livres se estabeleçam. Note-se ainda que a amplitude proporcionada pelo recuo frontal marcante, assim como a não-ocupação da totalidade do lote favorece as visuais francas assinaladas, estabelecendo um parâmetro comparativo com os resultados observados na trilha Percurso Maranhão, ao sugerir um padrão de ambiência para o bairro de Higienópolis marcado por sua específica feição, o que constituiria um de seus diferenciais. O percurso realizado no sentido que encontra as Ruas Piauí e Alagoas como transversais se caracteriza pela existência de um agradável micro-clima proporcionado pela massa arbórea presente e pelo tratamento paisagístico que os edifícios conferem às calçadas. Esse tratamento cumpre duas funções antagônicas, a primeira delas a de demarcar os espaços privativos dos edifícios conferindo-lhes distinção, e 7 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 estabelecendo barreiras sutis entre os espaços público e privado. Diga-se barreiras sutis, pois se observa o uso de espécies vegetais de porte médio, com discreta projeção sobre os passeios públicos, no entanto conferindo à extensão murada um tratamento homogêneo capaz de demarcar o perímetro de lote e distinguir no conjunto da rua a presença de um edifício. Edifício Icaraí Fonte: Foto da autora Do lado direito de quem segue a trilha, na esquina das Ruas Itacolomi e Maranhão, encontra-se uma residência de natureza arquitetônica eclética, ocupada pela Instituição da TFP (Tradição, Família e Propriedade). Trata-se de um lote amplo, estando essa casa implantada em um Fonte: foto da autora Os pisos utilizados nos calçamentos são também uma forma de homogeneizar e distinguir propriedades. Observe-se que o percurso foi realizado em dia e horário de platô elevado em relação às mencionadas ruas. Este recurso, otimizado pela distribuição harmoniosa de massa construída e de vazios, que recebem tratamento paisagístico cuidadoso, fazem a residência distinguir-se na paisagem. intensa insolação (11.04.06, às 13 hs), e é possível perceber o agradável sombreamento existente nos passeios públicos à esquerda de quem caminha. Mesmo nos casos de edifícios que estão resguardados por muros, o tratamento diferenciado de sua extensão por espécies selecionadas não impede que a edificação seja vista e ao mesmo tempo, a amenização da extensão murada pelo tratamento paisagístico sugere ao caminhante que os edifícios são Residência TFP Fonte: fotos da autora espaço público. Os interstícios que separam as massas acolhedores e estão relacionados ao edificadas permitem visuais capazes de amplificar os espaços de percepção do ambiente construído. Embora bastante verticalizada, a Rua Itacolomi se apresenta 8 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 como conjunto harmonioso formado pela massa edificada e por vazios, o que proporciona sensação de espacialidade franca. A presença dessa mencionada residência é um dos elementos de permeabilidade visual desse local, possibilitando que edifícios da própria Itacolomi assim como da Rua Maranhão possam ser percebidos pelo caminhante. O trecho analisado constitui um ambiente de destacada beleza e amplitude, marcando a sensação de generosidade espacial para a rua. O edifício que se encontram ao lado da residência TFP, à direita de quem caminha no sentido assinalado (Edifício Amaralina) se destaca, pela implantação que proporcionou recuos laterais e um amplo recuo frontal. Outro ponto a assinalar é a presença de escadaria, que o eleva em relação à cota da rua. Encontra-se elevado sobre colunas, o que vaza o térreo de forma significativa, permitindo visuais que invadem o espaço privado e o trazem ao nível da percepção coletiva e pública. As cores branco e azul intenso conferem destaque, salientando a alternância de volumes e massas que compõe as elevações. A presença dessa edificação é marcante, definindo a esquina com a Rua Piauí à direita de quem dela se aproxima, assinalando a verticalidade e a presença de aberturas dadas pelos recuos e térreos, contribuindo para com a percepção do conjunto da Rua Itacolomi. Edifício Amaralina Fonte: fotos da autora Em frente, à esquerda de quem caminha, muros e grades são ao mesmo tempo amenizados e demarcados por espécies que são barreira e marcos, pois determinam, junto com os elementos arquitetônicos (pilares, aberturas, revestimentos e esquadrias) os ritmos de percepção. Essa demarcação rítmica traz a massa edificada ao nível da percepção, funcionando também como instrumentação para a ambiência. Espécies vegetais que primam pela natureza longilínea e porte médio demarcam os ritmos verticais, assinalam a presença de gradis e colunas. 9 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 Fonte: fotos da autora Essa sensação de receptividade é Olhando na direção do eixo visual da Rua interrompida pela presença da banca de mesma permeabilidade visual e funcionando como barreira física e público e privado pode ser sentida. Ainda é muito acentuada, ocultando as fachadas quem caminha, a ausência de gradis e o natural e de percepção do micro-clima. Ao sobre o térreo, fazendo-o destacar-se, Itacolomi se encontra residência ocupada ao espaço público. interesse histórico), oculta pela massa Piauí, da esquina com Rua Itacolomi, a jornal que pode ser observada, generosidade de espaços que imbricam o perceptiva. Nesse ponto, a massa arbórea na esquina Itacolomi e Piauí, à direita de e acentuando os elementos da paisagem trabalho que projeta a massa edificada atravessar a Rua Piauí, na esquina da Rua constrói uma vez mais o voltar do edifício atualmente pela Polícia Federal (edifício de arbórea presente nos limites do lote em que se encontra essa edificação, que se projeta em direção do passeio público. A ambiência então se modifica, com outro padrão de passeio público que exibe um cimentado bastante descuidado e danificado. Ao continuar o passeio pela Itacolomi, acompanhando os limites da mencionada residência, evidencia-se uma permeabilidade visual possibilitada pelo gradil, permanecendo este lado da rua bastante sombreado pela presença da massa arbórea que se projeta na calçada. 10 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 separação, proporcionando um ambiente de integração reforçado pela rampa de acesso ao portal principal, pelo uso de cor ocre nos elementos que acompanham e definem a base do edifício e seu acesso, pelo recuo do térreo em relação ao corpo da edificação. O Edifício Itagoas marca e induz à existência de total permeabilidade entre as dimensões pública e privada, uma vez que ocupa duas frentes de rua. Essa demarcação prepara o caminhante para perceber a Rua Alagoas dessa forma, embora os demais edifícios não apresentem as mesmas características. A mesma ambiência é evocada, mas não se cumpre. Fotos da autora Quem caminha por essa calçada que margeia a residência da Polícia Federal percebe com nitidez os edifícios que estão do outro lado da rua, graças à reiterada preocupação que demonstram com recuos e jogos de cheios e de vazios nos térreos, permitindo assim a impressão de Fonte: fotos da autora generosa espacialidade. A atenção se fixa nessa permeabilidade visual do outro lado da rua até mesmo porque a presença de um muro fechando parte da residência analisada induz a procurar o vazio. Fazendo o percurso de volta, ao encontrarmos a Rua Alagoas deparamonos com interessante situação desencadeada pela presença do Edifício Itagoas (esquina Ruas Itacolomi e Alagoas, n. 212). Este não apresenta gradis de Fonte: foto da autora 11 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 Observando-se o outro lado da Alagoas, a demonstrar que marcam presença exploração de passarelas e passeios no pertencem ao rol daqueles outros de valor partir da referência do Itagoas, a espaço privado dos edifícios conversa com o espaço público. significativa no ambiente construído e não consagrado. O objetivo foi o de ressaltar que na análise percetiva do espaço urbano, o conjunto das características que formam a ambiência é crucial e necessário. REFERÊNCIAS 1 MONEO, Rafael. Rafael Moneo 1967 2004. Fonte: foto da autora Imperative anthology. Madrid, El Croquis Editorial, 2005. 2 Conclusões MONEO, Rafael. Id. ibid., pp.: 23. A paisagem urbana percebida se forma a 3 características são proporcionadas pela MACEDO, Silvio Soares de. São Paulo. partir de um conjunto, característico. Estas estrutura morfológica urbana, a vialidade, a forma específica acumulada historicamente de implantação das Paisagem e habitação (Tese de doutorado). São Paulo, FAUUSP, 1988. edificações, o mobiliário e equipamentos 4 muitos revelam densidade histórica MACEDO, Silvio Soares de. ibid., pp.: 60. acadêmico que despertam, uma vez 5 Este trabalho tratou de identificar, na Riegl e sua posição relativa à qualidade do edifícios reconhecidamente de interesse. Ignasi, apud NESBITT, Kate (org.). Uma fotograficamente estes edifícios de antologia teórica (1965-1995). São Paulo, urbanos e os edifícios. Dentre os últimos, agregada pela autoria, pelo interesse identificados e devidamente registrados. trilha Itacolomi, alguns destes elementos e antigo é mencionada em Solà-Morales, Tratou também de analisar nova agenda para a Arquitetura - interesse e sua presença na paisagem. Cosac Naify, 2006. Entretanto, o trabalho enfocou também a análise de outros edifícios, que não detêm este reconhecimento ou valor intrínseco. Caso dos edifícios Icaraí e Amaralina, destacados pela análise, a fim de BERMAN, MArshal. Tudo o que é sólido desmancha no ar. A aventura da 12 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 modernidade. São Paulo, Cia. das Letras, 1997. 13