TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PIAUÍ PODER JUDICIARIO DA UNIÃO TERESINA J. ESPECIAL DA FAZENDA PUBLICA RODOVIA BR - 316, KM 06, 06, Conjunto Bela Vista I - TERESINA SENTENÇA Processo nº 0017227-37.2014.818.0001 Vistos, etc.. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ajuizada por JOSE MIRANDA DOS SANTOS em face de ESTADO DO PIAUI, objetivando declaração de nulidade de ato administrativo que efetivou descontos nos vencimentos do autor. Aduz o autor que em janeiro de 2014 entregou o cargo que exercia de Chefe de Cartório do 6º.Distrito Policial e solicitou sua lotação no 11º Distrito Policial ou em outro distrito policial da zona leste, todavia, no contracheque relativo ao mês de abril de 2014 o autor teve descontada a quantia de R$1.624,00 (mil seiscentos e vinte e quatro reais) em razão de faltas. Segundo o autor o desconto das faltas se deve à informação prestada pela Delegada do 6º Distrito Policial, por meio do Ofício nº001/GAB/6ºDP/2013, que atestava que o autor faltou nos dias 26 e 27 de dezembro de 2013, além de 02,03,06,08,09,10,13,14,16,17,20,21, 22,23 e 24 de janeiro de 2014. Em sua contestação o Estado do Piauí sustenta a legalidade dos descontos efetuados ao tempo em que aduz que o autor não se desincumbiu do ônus da prova. Em audiência de instrução foram ouvidas testemunhas da parte autora, tendo sido conferido prazo de 05 (cinco) dias para apresentação de memoriais finais. É o relatório. Decido. O autor afirma que os descontos são indevidos, pois estava presente nos dias em que o Estado aponta que houve falta injustificada, para comprovar tal alegação apresenta duas testemunhas. A primeira testemunha, de nome James Moreira da Silva, afirma que conhece os fatos por ser vizinho da delegacia e que nas vezes em que ia ao mercado, que fica frente à delegacia, sempre via o autor dentro da delegacia, todavia não especifica quais dias seriam esses. A segunda testemunha, também agente de polícia, afirmou que nos dias em que estava de plantão sempre encontrava o autor na delegacia, mas também não sabe precisar quais dias seriam esses. O autor comprova (evento 01) que requereu exoneração da função de Chefe de Cartório do 6º Distrito Policial em 08 de janeiro de 2014, sendo que a maior parte das faltas imputadas diz respeito a datas posteriores a 08/01/2014. Consta nos autos (evento 01) também Portaria nº014-GDG/NA que dispõe: Determinar a todos os Delegados de Polícia Civil do Estado do Piauí que antes de fazerem a apresentação de policial civil comuniquem previamente e por escrito ao servidor apresentado, exigindo ainda o ciente do mesmo, devendo tal comunicação ser anexada ao Ofício de apresentação do servidor? A previsão acima transcrita é consoante previsão constitucional que assegura a todos, mesmo no âmbito administrativo, a observância do contraditório e da ampla defesa. É noção cediça que a aplicação de penalidade ao servidor deve ser precedida do devido processo administrativo, com observância do contraditório e da ampla defesa. O autor foi verossímil ao apresentar seu requerimento de exoneração da função de Chefe de Cartório do 6º.Distrito Policial, datado de 08/01/2014. O autor apresentou testemunhas que mesmo sem precisar exatamente os dias indicaram que sempre viam o autor na delegacia, tendo inclusive a segunda testemunha afirmado que no mês de janeiro/2014 o autor estava na delegacia. Já o Estado não apresentou nenhuma documentação que indique que o autor foi previamente comunicado nos termos da Portaria nº014-GDG/NA, ou que houve o devido processo administrativo que culminou nos descontos pelas faltas. Para que seja observado o contraditório e ampla defesa no processo administrativo é necessário que o servidor seja notificado para apresentar resposta, o direito de defesa deve ser efetivamente oportunizado. Vejamos lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] sobre tais princípios: O princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-se-lhe oportunidade de resposta. Ele supõe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de reação. Exige: 1notificação dos atos processuais à parte interessada; 2- possibilidade de exame das provas constantes do processo; 3- direito de assistir à inquirição de testemunhas; 4- direito de apresentar defesa escrita" Nas palavras do ministro Gilmar Mendes: o contraditório e a ampla defesa não se constituem em meras manifestações das partes em processos judiciais e administrativos, mas, e principalmente uma pretensão à tutela jurídica. Insere-se nesta tutela, assim como visto na doutrina alemã a pretensão à tutela jurídica (Anspruch auf rechtliches Gehör), os direitos de informação, de manifestação e o direito em ver seus argumentos devidamente apreciados. (...)Sob a Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento de que os princípios do contraditório e da ampla defesa são assegurados nos processos administrativos, tanto em tema de punições disciplinares como de restrição de direitos em geral.[2] Ressalte-se mais uma vez que o Estado não apresentou nenhum documento. A lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública dispõe sobre o dever de da entidade ré trazer aos autos toda documentação de que disponha para o esclarecimento da causa, vejamos: ?a entidade ré deverá fornecer ao Juizado a documentação de que disponha para o esclarecimento da causa, apresentando-a até a instalação da audiência de conciliação?. Sobre o dispositivo legal Alexandre Freitas Câmara nos faz alguns esclarecimentos: ?A entidade pública ré terá de apresentar, até a abertura da audiência de conciliação todos os documentos de que disponha e que sirva para esclarecer a verdade sobre os fatos da causa. Alguns desses documentos, é certo, trarão ao juízo informações favoráveis à própria Fazenda Pública e, nesse caso, juntá-los aos autos é algo que se integra, sem qualquer problema, na teoria do ônus da prova. Documentos haverá, porém, que trarão ao Juizado informações do interesse do demandante e, nesse caso, a entidade pública tem o dever de juntá-los aos autos. Pode parecer estranho que a lei imponha a uma das partes o dever de produzir prova contra si mesmo. Isso seria inaceitável para qualquer parte, menos para Fazenda Pública. O Direito Processual brasileiro sempre tratou a Fazenda Pública em juízo, quanto às suas posições processuais passivas, como se fosse uma parte como outra qualquer, deu-lhe o ônus de contestar, o dever de lealdade processual, o ônus de recorrer etc. Por outro lado, várias prerrogativas processuais foram criadas, como o reexame necessário e o benefício de prazo, entre outros. Pela primeira vez, porém, o direito brasileiro se dá conta de que a Fazenda Pública merece, em alguma medida, tratamento diferenciado, não só para favorecê-la mas também para favorecer o administrado. Como sabido, a atuação do Estado se dá sempre com base em alguns princípios, estabelecidos no art.37 da Constituição (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). Desses princípios, dois estão diretamente ligados ao dever de produzir prova:o da legalidade e o da moralidade. Sendo a atuação do Estado regida pelo princípio da legalidade, toda a função administrativa deve ser realizada de forma a que se cumpra o direito objetivo. Ora se o Estado tem de atuar com base na legalidade, não pode ele, tendo os documentos que demonstram que a vontade da lei é favorável ao administrado, deixar de apresentar tais documentos em juízo sob o argumento de que o ônus da prova é da parte contrária, agindo assim o Estado acaba por buscar um resultado processual que não está de acordo com a vontade do Direito, e por conta disso viola-se o princípio da legalidade. Além disso, o princípio da moralidade impõe que o Estado só saia vencedor de um processo quando verdadeiramente tiver razão, sendo imoral a atuação da Fazenda Pública que se baseia em mentiras ou numa visão distorcida dos fatos. Por essa razão a lei 12.153/09 impõe às entidades públicas demandadas o dever de juntar aos autos todos os documentos que tenham consigo e que digam respeito aos fatos da causa, ainda que tais documentos tenham um conteúdo favorável a outra parte. Questão complexa, porém, é a determinação da sanção por esse descumprimento ao dever de produzir prova,parece-me que se deve aplicar aqui a sanção que se impõe a parte que não exibe documentos em ação de exibição de documento ou coisa, o juiz deverá considerar provada a veracidade das alegações que o demandante fez, e que pretendia ver provada com os documentos que a entidade pública não juntou.?[3] Vejamos entendimento jurisprudencial sobre a matéria: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. ARTIGO 16, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI Nº 12.016/2009. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL A QUO. SERVIDOR PÚBLICO. DESCONTOS SEM PRÉVIO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1.Conforme o parágrafo único da Lei nº 12.016/2009, "Nos casos de competência originária dos tribunais, caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão do julgamento. Parágrafo único. Da decisão do relator que conceder ou denegar a medida liminar caberá agravo ao órgão competente do tribunal que integre." 2.A jurisprudência pacífica desta Corte e do eg. Superior Tribunal de Justiça assentou que é necessário prévio processo administrativo, com os recursos à ele inerentes, para autorizar descontos nas folhas de pagamento dos servidores. 3.Agravo regimental desprovido.(TRF-1 - AGAMS: 18863 GO 001886363.2005.4.01.0000, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL NEUZA MARIA ALVES DA SILVA, Data de Julgamento: 07/06/2011, PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: e-DJF1 p.39 de 28/06/2011) O autor comprova que no contracheque referente a abril/2014 teve descontada a quantia de R$1.624,00 (mil seiscentos e vinte e quatro reais) por conta das alegadas faltas, além de trazer testemunha que indica a presença doa autor na delegacia durante o mês de janeiro/2014 e comprovar requerimento datado de 08/01/2014 solicitando exoneração da função de Chefe de Cartório do 6º.Distrito Policial. O Estado do Piauí, por sua vez, não comprova que o ato de desconto é resultado de um devido processo administrativo, não comprova sequer que foi observada a Portaria nº014-GDG/NA., configurando, portando a conduta ilícita apta ensejar o ressarcimento da quantia indevidamente descontada do servidor. Imperioso reconhecer ainda que o ato de descontar sem oportunizar ao servidor o contraditório causa abalo à direito fundamental do autor que se viu privado de parte significativa de verba que tem caráter alimentar, portanto, resta configurado o dano moral, que arbitro no montante de R$3.000,00 (Três mil reais). Em decorrência do exposto, por ter o autor trazido aos autos documentos que atestam a verossimilhança de suas alegações e por reconhecer que a totalidade dos documentos exigidos somente a Fazenda Pública poderia trazer aos autos e não o fez, tendo em vista que não comprovou a notificação do autor e a oportunização de contraditório e ampla defesa, julgo PROCEDENTE a presente ação e declaro a nulidade do ato administrativo que descontou do contracheque do autor referente a abril/2014 a quantia de R$1.624,00 (mil seiscentos e vinte e quatro reais), determino ainda a consequente devolução da quantia indevidamente descontada. Condeno ainda o Estado do Piauí a indenizar o autor pelo dano moral sofrido no valor de R$3.000,00 ( Três mil reais), com juros e atualização monetária na forma da lei. Sem Custas e honorários advocatícios, a teor do art. 55 da Lei nº 9.099/95. P.R.I. Teresina-PI, 18 de novembro de 2015. Dra. MARIA CÉLIA LIMA LÚCIO JUÍZA DE DIREITO