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São Paulo, quinta-feira, 10 de setembro de 2015
Especial
Fotos: Divulgação
Realidade de times
femininos vai
de atletas sem
chuteiras a clubes
bem equipados
Vinte times de futebol feminino, de 14 estados,
iniciaram a disputa pelo título de campeão brasileiro no
dia 7 de setembro
Salézio Kindermann explica que o time não tem muitos
patrocinadores e que ele mesmo investe, anualmente,
de R$ 150 mil a R$ 180 mil. “Considero que seja um
trabalho social. É como a gente pode contribuir para
o esporte. É uma paixão que a gente tem”, declarou o
presidente, dono de um hotel na cidade com o mesmo
nome do time.
As jogadoras também não recebem ajuda de custo
ou salário. “Fico muito triste com isso. Tem umas que
trabalham e outras não, porque estudam. As meninas
mais novas, que têm entre 16 e 18 anos, moram com os
pais ainda. Os treinos são à
noite justamente por isso”,
explicou.
Rafael Ribeiro/Divulgação CBF
No Maranhão, o Esporte Clube Viana tem dificuldades
para conseguir campo para treinar e as jogadoras não
têm chuteiras. Já o Kindermann, de Santa Catarina, tem
estrutura própria, como campo e alojamento, que garante
divisão dos times em série, o que diminuiu o tamanho dos
campeonatos locais. O Kindermann é um dos favoritos
do Brasileirão deste ano. O time feminino de futebol de
campo, que existe desde 2008, é heptacampeão catarinense, atual vice-campeão brasileiro e campeão da Copa
do Brasil. Da equipe, duas jogadoras foram convidadas
para a seleção: Andressinha e Gabi Zanotti.
treino do time. Para o aluguel do campo de futebol, ele
precisava de R$ 150 (para duas horas). Para custeio da
passagem das jogadoras, mais R$ 120, a cada treino. “A
gente faz das tripas coração para fazer o futebol feminino.
É uma dificuldade danada. A gente tira do bolso mesmo
para poder fazer”, lamentou. Diante das dificuldades,
não há uma regularidade nos treinos. “A gente treina
um dia e passa quatro sem”, relatou.
Viturino conta que o
Viana, que é originário do
município de mesmo nome,
a 230 km de São Luís, precisou mudar sua sede para
a capital para viabilizar a
participação das jogadoras.
“Estamos em São Luís mesmo, porque as meninas são
daqui. Em 2011, tivemos
apoio [da prefeitura de
Viana] e contratamos até
jogadoras de outros estados”, lembrou.
Rafael Ribeiro/Divulgação CBF
A capitã e zagueira do São
José Esporte Clube, Daiane
Rodrigues, ou Bagé, como
foi batizada por causa da
São Paulo é o estado com o maior número de times na competição.
cidade em que nasceu no
Serão seis na disputa pelo título.
Rio Grande do Sul, conhece
bem as dificuldades de mua preparação das jogadoras. Nos dois casos, os times são lheres que decidem apostar no futebol. “Minha história é
de muita luta. Meu tio emprestava a chuteira. Eu calçava
os únicos a representar seus estados na competição.
36 e ele, 38. Tinha que pôr dois meiões e duas palmilhas.
A atacante do Viana, Alessandra Moreira, 20 anos, Estou contando minha história, mas a grande maioria
terminou o ensino médio no ano passado e conta com o das meninas passam [por isso]. Meus professores faziam
apoio da mãe para continuar a jogar. “A gente tem que se vaquinha para eu poder viajar”, disse.
virar, porque aqui ninguém ajuda. Eu penso em investir
Desde o início da carreira, Bagé treina em times paulistas
na carreira, mas se depender de São Luís, vai ser difícil”,
relatou a jogadora criticando a falta de incentivo do Poder e conseguiu se manter como profissional do futebol, mas
fez questão de concluir a graduação em Educação Física.
Público e de interesse de patrocinadores.
Aos 32 anos, com vitórias pela seleção brasileira e com
A jovem batalha por um convite para jogar em times carreira reconhecida no futebol feminino, ela lamenta
mais estruturados do Sul e do Sudeste e sonha com que a falta de apoio ainda seja uma realidade para muiuma convocação para a Seleção Feminina Permanente. tas jogadoras. “Vários estados não têm estrutura para o
Os planos encontram obstáculos, entretanto, na falta esporte. Muitas meninas estão fazendo porque amam o
de itens básicos para os treinos. “Às vezes, tem campo, que fazem. Olhar para a companheira do lado e ver que
mas não tem chuteira. Tem que pedir emprestado. É ela não tem condições corta o coração dentro do campo,
difícil imaginar, mas não é impossível, não é?”, declarou. mesmo ela sendo sua adversária”, disse.
A menos de duas semanas do campeonato, essa era a
No São José, Bagé recebe uma ajuda de custo, que é
situação do time maranhense que completou duas dépaga com apoio da prefeitura de São José dos Campos.
cadas este ano.
O clube permite o uso do escudo, mas não oferece infraViturino Santos, presidente do clube, conta que tem estrutura à equipe feminina. O time da cidade mantém
dificuldades para conseguir recursos para viabilizar o apenas a masculina. A condição é diferente para as
jogadoras do Kindermann,
de Santa Catarina. O clube
tem a própria estrutura de
treino, as atletas recebem
ajuda de custo (entre R$
500 e R$ 3,8 mil), contam
com alojamentos com clínica de fisioterapia, além de
receber bolsa integral de
estudos em razão da parceria com a Universidade
Alto Vale do Rio do Peixe
(Uniarp).
Durante dois meses, vinte times de futebol feminino, de 14 estados,
vão participar do campeonato brasileiro.
Os megaeventos esportivos no Brasil, a retomada do
Campeonato Brasileiro Feminino, os investimentos do
governo federal e a formação da Seleção Feminina Permanente são fatores que contribuíram para a situação de
maior visibilidade do futebol de mulheres hoje. Professora
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
e especialista na temática mulher e esporte, Silvana
Goellner acrescenta um fator à lista: a persistência e a
dedicação das atletas.
O clube, que existe há 40
anos no município catarinense de Caçador, deixou
de lado o futebol masculino e, desde 2004, aposta
apenas na modalidade
feminina. De acordo com o
presidente Salézio Kindermann, a decisão de investir
nas mulheres veio depois da
“Podemos atribuir [essas conquistas] também à persistência dessas mulheres que, com um cenário tão
adverso, continuaram investindo no futebol. Apesar de
entender o futebol de mulheres como ocupação, e não
como profissão, pois muitas delas precisam ter outras
formas de subsistência”, destacou a pesquisadora. Ela
lembrou da jogadora Bagé (Daiane Rodrigues) que hoje
está no time paulista São José e que, além do futebol,
Rafael Ribeiro/Divulgação CBF
D
urante dois meses, as equipes vão participar do
campeonato que ocorre anualmente desde 2013
e é organizado pela Confederação Brasileira de
Futebol (CBF). Pela primeira vez, os jogos poderão ser
assistidos em TV aberta. A transmissão pela TV Brasil
começou ontem (9) com a partida entre Santos e Pinheirense. Entre os times, condições bem diferentes
de preparação.
Persistência de jogadoras contribuiu para
crescimento do futebol feminino.
mantém uma pastelaria com uma colega ex-jogadora do
time, Priscila Rossetti (Priscilinha). “Faço essa atividade na parte da noite, porque durante o dia é o futebol”,
explicou Bagé, que vai disputar o Campeonato Brasileiro
Feminino pelo clube.
Silvana diz que o futebol masculino no Brasil é uma
exceção a todos os esportes e discorda de comparações
entre a modalidade feminina e a masculina. “[O futebol
masculino no Brasil] não pode ser comparado nem ao feminino nem a outra modalidade esportiva, seja em termos
de investimento, visibilidade, condições de infraestrutura
ou calendário de campeonato”, afirmou.
Os times que disputam o Campeonato Brasileiro Feminino estão divididos em quatro grupos com cinco equipes
cada, que se enfrentam na primeira fase da competição.
Os dois melhores de cada grupo seguem para as etapas
seguintes: segunda fase (oito clubes distribuídos em dois
grupos), semifinal (quatro clubes distribuídos em dois
grupos) e final (um grupo de dois clubes). Uma novidade nesta edição é que, na segunda fase da competição,
os times poderão contar com o reforço de jogadoras da
seleção permanente. Os critérios do sistema de seleção,
conhecido como draft, ainda serão divulgados.
São Paulo é o estado com o maior número de times na
competição. Serão seis na disputa pelo título: Adeco,
Ferroviária, Portuguesa, Rio Preto, Santos e São José.
Em seguida, está o Rio de Janeiro com dois clubes: Duque
de Caxias e Flamengo. Os demais estados participantes
têm apenas um clube: Iranduba (AM), São Francisco
(BA), Caucaia (CE), Viana (MA), Mixto (MT), América
(MG), Pinheirense (PA), Botafogo (PB), Foz Cataratas
(PR), Vitória (PE), Tiradentes (PI) e Kindermann (SC)
(ABr).
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