CADEIA PRODUTIVA E PROSPECÇÃO TECNOLÓGICA COMO
FERRAMENTAS PARA A GESTÃO DA COMPETITIVIDADE
Antônio Maria Gomes de Castro1
1. INTRODUÇÃO
Os estudos prospectivos são importante ferramenta para a gestão, de
competitividade de negócios e de C&T, entre outros. Entre muitos possíveis usos,
a prospecção tecnológica pode indicar oportunidades e ameaças ao
desenvolvimento tecnológico, setorial e regional, apontando gargalos, limitações,
oportunidades e demandas por tecnologias. Todavia, a questão deve ser enfocada
em termos de desempenhos de sistemas sociais e econômicos, onde a tecnologia,
ou outros fatores de desenvolvimento vão operar, o que implica na necessidade
de se adotar a visão holística, para apoiar prospecção tecnológica.
O conceito de cadeia produtiva foi desenvolvido como instrumento de visão
sistêmica. Parte da premissa que a produção de bens pode ser representada
como um sistema, onde os diversos atores estão interconectados por fluxos de
materiais, de capital e de informação, objetivando suprir um mercado consumidor
final com os produtos do sistema.
Embora na sua gênese o conceito tenha sido inicialmente desenvolvido tendo a
produção agropecuária e florestal como foco, tem se verificado que o mesmo
possui grande potencial de extrapolação, para outras áreas produtivas além da
agricultura. Esta extrapolação tornaria o conceito universal e permitiria utilizar as
suas capacidades e ferramentas analíticas, para a formulação de estratégias e
políticas de desenvolvimento em uma ampla gama de processos produtivos.
A análise prospectiva em geral se apóia na premissa da complexidade e na
necessidade de explorar e entender esta teia de relações complexas, para se
estabelecer possíveis alternativas de futuro. Ocorre que, em muitos casos, as
técnicas empregadas em geral não distinguem graus de hierarquias entre as
variáveis, setores e eventos, ou seja, não consideram o caráter sistêmico das
relações entre esses elementos, tornando difícil a criação de um marco lógico
sobre o passado e o presente, que possa apoiar a formulação de hipóteses de
futuros plausíveis.
Neste trabalho, propõe-se que a adoção do enfoque sistêmico, traduzido no
conceito de cadeias produtivas, pode constituir-se em um marco lógico importante,
para complementar as técnicas prospectivas mais comumente empregadas.
1
Eng. Agrônomo, MSc, PhD em Systems Analysis and Simulation, The University of Reading, England.
E.mail: [email protected]
Juntos, o enfoque sistêmico e as técnicas prospectivas são uma importante
ferramenta auxiliar para a gestão de negócios e formulação de estratégias de
competitividade. Os produtos de estudos sistêmicos e prospectivos são a base de
informação para a formação de inteligência de negócios e competitividade, com
possíveis aplicações na iniciativa privada e no ambiente governamental.
Os objetivos deste trabalho são:
• descrever os marcos conceituais e metodológicos, de cadeias produtivas e
análise prospectiva, como instrumentos para a gestão de negócios e de
tecnologia;
• apresentar e discutir as vantagens da adoção destes marcos conceituais,
como facilitador de estudos prospectivos, tomando-se como exemplo
trabalhos desenvolvidos pelos autores;
• apontar e discutir as técnicas analíticas associadas ao conceito de cadeias
produtivas;
• indicar como estas podem auxiliar e facilitar a realização de estudos
prospectivos, suas vantagens e desvantagens;
• apresentar alguns possíveis usos desses marcos conceituais na gestão.
2. CONCEITO DE CADEIA PRODUTIVA COMO INSTRUMENTO DE VISÃO SISTÊMICA
2.1 Enfoque sistêmico como ferramenta para a compreensão da complexidade
Muito se fala sobre enfoque sistêmico, teoria de sistemas, holismo, enfoque
holístico, nos mais variados campos do conhecimento e de atividades sociais. Tais
abordagens, entretanto, nem sempre carregam um significado preciso, claro e de
utilidade. Para esclarecer esta questão, é preciso se reportar às duas grandes
escolas do método científico, Estas escolas são a reducionista ou reducionismo e
a holística ou holismo, cada uma delas com os seus procedimentos, conceitos e
instrumentos específicos, mas ambas com um mesmo objetivo, o avanço do
conhecimento (CASTRO et al., 1998).
Como o reducionismo e o holismo possuem finalidades semelhantes, a
compreensão dos fenômenos interativos da natureza e do homem, por princípio
estas escolas são complementares. Tal proposição é evidente, embora possa
parecer que haja competição entre holistas e reducionistas e seus processos de
aquisição de conhecimento. Em princípio, o objetivo do método científico seria a
compreensão da complexidade.
O reducionismo não é suficiente para explicar todos os fenômenos, notadamente
aqueles que envolvem a atuação concomitante de mais de uma causa, que são
explicáveis pela atuação conjunta de variáveis. A existência de interações entre
múltiplos fatores causais tem sido uma das dificuldades enfrentadas pela escola
reducionista na busca do conhecimento dos fenômenos. Tal situação impede que
determinados fenômenos mais abrangentes, como os que envolvem
conhecimentos interativos de ciências humanas, biológicas e exatas, possam ser
compreendidos na sua plenitude.
Foi dessa insatisfação com as limitações do reducionismo que nasceu a
motivação para o enfoque sistêmico, a aplicação do conceito de sistemas e das
suas ferramentas analíticas na ciência. As leis mecanicistas do reducionismo não
eram consideradas adequadas para explicar as relações entre as entidades
econômicas, ou as complicadas interações de variáveis biológicas ocorrendo
dentro dos seres vivos. Começaram a surgir novas leis, que complementavam
aquelas já postas pelo reducionismo, ajudando no entendimento das complexas
relações e interações da natureza.
Foi o biólogo alemão Ludwig von Bertalanffy, quem inicialmente estabeleceu a
Teoria Geral dos Sistemas (BERTALANFFY, 1951, 1968, 1977) e posteriormente,
em diversos artigos e foros científicos, ajudou a consolidar esta nova metodologia
científica. A motivação principal era a busca de novas leis, que fossem mais
aplicáveis ao estudo dos seres vivos, menos contaminadas pela rigidez das leis da
física clássica newtoniana e, portanto, mais favoráveis ao conhecimento da suas
complexas relações e interações.
De início, notou-se a existência de interfaces entre as ciências sociais, a física e a
biologia, que não eram consideradas pelo reducionismo. Por outro lado, os
campos não-físicos do conhecimento não estavam suficientemente cobertos pelos
conceitos e ferramentas do reducionismo. Notou-se que havia entidades cujo
comportamento geral não era um simples somatório das suas partes
componentes, mas o resultado de complexas interações de um todo indivisível.
Esta última constatação deu origem ao conceito de sistema, um conjunto de
partes inter-relacionadas.
Os pressupostos básicos da Teoria Geral dos Sistemas são:
• existe uma tendência para a integração das varias ciências naturais e sociais;
• esta integração orienta-se em direção à teoria dos sistemas;
• esta teoria dos sistemas pode ser uma maneira mais abrangente de estudar
os campos não físicos do conhecimento científico, especialmente as ciências
sociais;
• ao desenvolver princípios unificadores que perpassam os universos
particulares das diversas ciências, a teoria dos sistemas aproxima-se dos
objetivos da unidade da ciência (BERTALANFFY, 1951).
Pela teoria dos sistemas, o todo (ou o sistema) é o produto de partes interativas,
cujo conhecimento e estudo deve acontecer sempre relacionando o
funcionamento dessas partes em relação ao todo. Pode-se esboçar uma definição
para o que seja um sistema:
“Um sistema é um conjunto de partes (ou componentes) interativos, no qual o
investigador está interessado” (MILSUN, apud JONES, 1970).
Um colorário dessa definição é a noção de limite de sistema, ou seja, uma
abstração que é aplicada pelos estudiosos para separar um determinado sistema
de seu particular interesse, de todos os demais que compõem o universo. Como a
natureza é em geral um enorme complexo de componentes interativos, e esta
abrangência nem sempre é de interesse de um determinado estudioso, a idéia de
estabelecer limites permite a apreciação de conjuntos menores de componentes
interativos, facilitando o entendimento do seu funcionamento.
Do conceito de limite deriva-se um outro muito importante para o estudo dos
sistemas, o de hierarquia. Enquanto o conceito de limite está relacionado com os
objetivos a alcançar, o conceito de hierarquia decorre do fato de existirem na
natureza sistemas dentro de sistemas, numa ordem decrescente, onde um
determinado sistema passa a ser componente, um subsistema numa escala
hierárquica mais alta e contém outro subsistema numa escala mais baixa. Em
termos didáticos, poder-se-ia imaginar sistemas em camadas hierárquicas, conforme
expressa a Figura1.
Figura 1
O conceito de hierarquia de sistemas
C o m u n id a d e
P o p u la ç ã o
O r g a n is m o
T e c id o
C é lu la
A noção de hierarquia tem aplicação na análise de sistemas. Em geral, a explicação
do funcionamento do sistema é encontrada a um ou dois níveis hierárquicos
inferiores (ou superiores, no caso das ciências sociais). A análise de sistemas
apresenta neste ponto interface com o reducionismo, caracterizando a
complementaridade dos dois enfoques.
A representação de um sistema em qualquer outra forma que não a da própria
entidade é denominada de modelo. Os modelos podem assumir diversas formas,
desde os modelos físicos e os diagramas, até aos modelos conceituais, dos quais os
modelos matemáticos (ou quantitativos) são a expressão mais útil para o cientista.
O conceito de modelo é comum a toda a metodologia científica. De fato, em
qualquer enfoque aplicado, é através de modelos que a ciência tem se expressado
para compreender a natureza dos fenômenos. Os modelos matemáticos, portanto,
têm cumprido com a função de universalizar o conhecimento, de forma inequívoca.
Não é por acaso que o enfoque sistêmico tem se apoiado principalmente nestes
tipos de modelos. A complexidade dos sistemas é simplificada nos modelos que os
representam, como forma de facilitar o entendimento do seu funcionamento. Embora
se possa elaborar modelos sem a concepção sistêmica, os modelos de sistemas são
os mais efetivos para aumentar a compreensão dos fenômenos. Assim, o enfoque
sistêmico pode ser aplicado na metodologia de pesquisa de muitas formas, algumas
delas descritas a seguir.
Os conceitos de sistema, limite, hierarquia e modelo são os que podem oferecer
melhores oportunidades de aplicação, como base conceitual para os estudos
prospectivos. O conceito de cadeia produtiva é uma derivação dessa base conceitual
e será examinado nas próximas seções.
2.2 O conceito de cadeias produtivas e sua evolução
O enfoque sistêmico foi utilizado no processo de planejamento estratégico da
Embrapa no início da década de 90, quando se buscava um marco conceitual capaz
de lidar com a análise do ambiente externo e a determinação de estratégias que
pudessem orientar a mudança institucional. Buscava-se alinhar a instituição com o
seu ambiente externo relevante, em processo de mudança acelerada,
conseqüentemente de alta turbulência (JOHNSON et al., 1992).
A idéia central é que a visão de cliente da Empresa deveria ser revista, para incluir
novos e importantes atores que participavam do desenvolvimento da agricultura e
tinham relevância para a instituição. De início, estes atores foram caracterizados
como os atores fora-da-porteira da fazenda (antes e depois da porteira): os
fornecedores de insumos, as agroindústrias, as estruturas de comercialização, os
consumidores finais e as estruturas de apoio à produção.
Durante o processo, recuperou-se o trabalho onde se apresentava uma visão
sistêmica da agricultura, proposta nos anos 50 pelos professores Davis e Goldberg
(1957), quando desenvolveram o conceito de agribusiness. Este conceito foi, nos
anos seguintes, introduzido no Brasil com a denominação de complexo
agroindustrial, negócio agrícola ou agronegócio e é definido, não apenas em
relação ao que ocorre dentro dos limites das propriedades rurais, mas a todos os
processos interligados que propiciam a oferta dos produtos da agricultura aos
seus consumidores (ZYLBERSZTAJN, 1994).
O conceito de agronegócio é muito amplo e nem sempre adequado para a
formulação de estratégias setoriais, principalmente quando se trata de promover a
gestão tecnológica ou de P&D. Por isso, o conceito foi desenvolvido
adicionalmente, para criar modelos de sistemas dedicados a produção, que
incorporassem os atores antes e depois da porteira. Daí nasceu o conceito de
cadeia produtiva, como subsistema (ou sistemas dentro de sistemas) do
agronegócio (Figura 2). Este é composto por muitas cadeias produtivas, ou
subsistemas do agronegócio. As cadeias produtivas, por sua vez, possuem entre
os seus componentes ou subsistemas os diversos sistemas produtivos
agropecuários e agroflorestais, nos quais ocorre a produção agrícola (CASTRO;
LIMA; HOEFLICH, 2000).
Os primeiros trabalhos aplicando este conceito surgiram na década de 80, tendo
sido amplamente expandidos na década de 90. Contribuiu para esta expansão o
desenvolvimento de ferramentas analíticas consistentes (CASTRO; COBBE;
GOEDERT, 1995; CASTRO et al., 1998; ZYLBERSZTAJN, 1994; BATALHA,
1995). Estas contribuições ampliaram o uso do enfoque sistêmico e de cadeias
produtivas em estudos e projetos de desenvolvimento, para ampliar a
compreensão, a intervenção e a gestão no desempenho da agricultura.
O enfoque de cadeia produtiva provou sua utilidade, para organizar a análise e
aumentar a compreensão dos complexos macroprocessos de produção e para se
examinar desempenho desses sistemas, determinar gargalos ao desempenho,
oportunidades não exploradas, processos produtivos, gerenciais e tecnológicos.
Ao incorporar na metodologia alternativas para análise de diferentes dimensões
de desempenho das cadeias produtivas ou de seus componentes individualmente,
como a eficiência, qualidade, competitividade, sustentabilidade e a eqüidade, esta
tornou-se capaz de abranger campos sociais, econômicos, biológicos, gerenciais,
tecnológicos, o que ampliou possíveis aplicações desse enfoque para um grande
número profissionais e de instituições. Entre estas aplicações, aquelas
relacionadas com a prospecção tecnológica e não tecnológica.
Figura 2
Representação do agronegócio e suas cadeias produtivas componentes.
A M B IE N T E O R G A N IZ A C IO N A L
CP1
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CP3
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Pode-se mencionar aplicações na gestão das cadeias produtivas (gestão de
negócios), no desenvolvimento setorial, na formulação de políticas publicas e na
gestão de tecnologia e de P&D. São exemplos dessas aplicações as seguintes:
• Gestão da eficiência (produtividade e custos) – estas são as aplicações
mais usuais do conceito. A partir do exame de entradas e saídas do
sistema ou das organizações componentes, e de seus processos
produtivos, determinam-se fatores limitantes à produtividade e aos custos,
gerando-se a informação pertinente para a melhoria do desempenho da
cadeia produtiva.
• Gestão tecnológica e de P&D – ao determinar gargalos e demandas
tecnológicas, a análise cria a informação necessária para que as
instituições de P&D possam gerenciar seus programas de geração e
difusão de P&D, ajustando suas ofertas de inovações às demandas do
mercado de tecnologia.
• Gestão da qualidade (diferenciação) – os requisitos de qualidade dos
produtos e processos dos clientes intermediários e finais de uma cadeia
produtiva podem ser determinados, a importância e nível de cumprimento
desses requisitos objetivamente avaliados e a partir desses produtos, é
possível se definir políticas para a gestão da qualidade e da diferenciação
de produtos de uma cadeia produtiva.
•
•
•
•
•
•
•
•
Gestão da sustentabilidade ambiental – a análise dos processos produtivos
da cadeia produtiva (segmentos agrícola e industrial) e de suas interfaces
com o meio ambiente podem ser avaliadas, estimando-se possíveis
impactos sobre a sustentabilidade ambiental.
Gestão dos mercados e oportunidades (foco) – ao analisar o
comportamento de consumidores intermediários e finais de produtos e subprodutos da cadeia, os estudos prospectivos geram informação para a
decisão sobre ênfases de produtos e mercados consumidores.
Gestão de contratos – os estudos dos contratos formais e informais de
transações ao longo da cadeia produtiva podem revelar fatores limitantes
desses contratos e a influência destes no desempenho dos atores e na
competitividade dos produtos da cadeia produtiva.
Gestão da comunicação e da informação – cadeias produtivas são
compostas de agrupamentos sociais com funções distintas e
geograficamente dispersos. Para desempenhar suas funções, necessitam
informação tecnológica, gerencial e de mercados de fatores e de produtos,
geradas interna e externamente à cadeia produtiva. A forma como a
informação é produzida, flui e é apropriada pelos diversos componentes da
cadeia produtiva é um fator preponderante no seu desempenho. Este
conhecimento é essencial para desenvolver estratégias de gestão de
informação na cadeia.
Conscientização de lideranças – o desempenho de cadeias produtivas é
dependente de coordenação, da forma como os elos e seus componentes
se organizam para elaborar e entregar aos consumidores finais produtos de
qualidade e custos baixos. Lideranças formais e informais, reconhecidas
pelos diversos componentes, são importantes para essa coordenação. Os
resultados sistêmicos, produzidos pelos estudos prospectivos de
desempenho das cadeias, podem ser um fator de criação e conscientização
dessas lideranças, para exercer com competência este papel.
Melhoria da base de informações (bibliografia, sites, bases de dados) –
boas decisões demandam informação de qualidade. Os estudos
prospectivos de cadeias geram informação dessa natureza, que pode ser
democratizada em processos alternativos de gestão de informação,
accessível aos diversos extratos sociais componentes da cadeia produtiva.
Melhoria da imagem e sustentabilidade institucional – estudos de
desempenho de cadeias produtivas, por órgãos governamentais e não
governamentais, geram uma importante contribuição aos atores da cadeia,
contribuindo para realçar a imagem institucional positiva das organizações
patrocinadoras desses estudos, perante a sua clientela.
Geração de novas políticas públicas (fábrica do agricultor, defesa sanitária,
capacitação, apoio à agroindústria, desenvolvimento regional) – ao revelar
com maior precisão a natureza dos gargalos tecnológicos e não
tecnológicos, e as oportunidades e ameaças futuras ao desempenho da
cadeia produtiva, os estudos prospectivos contribuem para orientar a
formulação de novas políticas publicas de apoio ao desempenho da cadeia.
•
Estas políticas podem ter maior eficácia, por serem propostas com
orientação mais precisa.
Fóruns e câmaras de negociação entre elos das cadeias produtivas –
cadeias produtivas são palco de eclosão de conflitos entre seus atores. O
desempenho, todavia, necessita ação coordenada e cooperativa.
Conseqüentemente, a melhoria de desempenho de uma cadeia produtiva
passa por processos de negociação de conflitos internos entre seus atores.
Os estudos prospectivos podem gerar a base lógica e racional para orientar
o trabalho de fóruns e câmaras de negociação, que funcionem em
modalidades negociação tipo ganha-ganha.
2.3 A especificidade e a universalidade do conceito: do agronegócio para a
atividade industrial e de serviços.
Como visto anteriormente, o conceito de cadeia produtiva originou-se no setor
agrícola, a partir da necessidade de ampliação da visão de dentro da porteira para
antes e depois da porteira da fazenda. Nesta concepção, uma cadeia produtiva
agropecuária seria composta por elos que englobariam as organizações
supridoras de insumos básicos para a produção agrícola ou agroindustrial, as
fazendas e agroindústrias com seus processos produtivos, as unidades de
comercialização atacadista e varejista e os consumidores finais, todo conectados
por fluxos de capital, materiais e de informação. Na Figura 3, o modelo geral de
uma cadeia produtiva é apresentado.
Figura 3
Modelo geral de uma cadeia produtiva
A M B IE N T E O R G A N I Z A C IO N A L
P R O P R IE DADE
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F lu x o d e c a p ita l
F lu x o d e in fo rm a ç ã o
E lo s
Examinando-se o modelo geral da cadeia produtiva, identificam-se alguns elementos
que são característicos de sistemas, como os componentes interconectados, neste
caso organizações dedicadas a alguma função produtiva direta ou a processo
conexo à produção, como a comercialização; os fluxos de materiais (setas brancas)
de capital (setas negras) ou de informação (setas ponteadas). Os componentes que
determinam a especificidade da cadeia produtiva para a agricultura são a
propriedade agrícola e a agroindústria. Nestes, os produtos que serão
comercializados e consumidos são especificados (por exemplo, soja em grãos, café
em pó, carne enlatada).
Todavia, a aplicação do conceito, e o conseqüente desenvolvimento conceitual e
metodológico no tema (CASTRO; COBBE; GOEDERT, 1995; CASTRO et al.,
1998), revelaram que este modelo pode ser aplicado para atividades produtivas de
outra natureza que não a agrícola, como a produção de produtos industriais.
Tomando-se como referência o modelo geral da Figura 3, para representar a
atividade produtiva de produtos oriundos da indústria, sem relação direta com a
agricultura, basta eliminar o elo propriedade agrícola. Os demais componentes da
cadeia produtiva serão de mesma natureza que os de uma cadeia produtiva
agrícola, ou seja, fornecedores de insumos para a indústria, comercialização
atacadista e varejista, consumidores finais. Também se identificam nesse caso um
fluxo de materiais, capital e informação, transações na cadeia, processos produtivos
e fatores de desempenho, como eficiência produtiva, qualidade de produtos e
processos, competitividade, eqüidade como expressão de apropriação de benefícios
ao longo da cadeia produtiva.
As semelhanças apontadas não ocorrem por acaso, uma vez que estes elementos
são comuns ao enfoque sistêmico. Apenas reforçam a idéia central da teoria geral de
sistemas, de que os fenômenos sociais, econômicos, físicos, biológicos são
sistêmicos e que o enfoque sistêmico é uma das boas ferramentas disponíveis no
método científico, para aumentar a compreensão isolada e interativa desses
fenômenos.
Talvez por esta compreensão ampliada que a visão sistêmica oferece aos seus
praticantes, o que iniciou como uma abordagem setorial, o enfoque de cadeias
produtivas agrícolas, passou a ser adotado por outros setores da economia, como o
setor industrial, gerando o enfoque em cadeias produtivas industriais. Esta evolução
aponta na direção da universalização do conceito, para representar e compreender,
orientar a intervenção e realizar a gestão de macroprocessos produtivos. Na
seqüência, serão apresentados exemplos dessa nova função.
Esta generalidade do enfoque permite que se possa referir, de uma maneira geral, a
um enfoque sistêmico em cadeias produtivas.
3. APLICAÇÃO DO ENFOQUE SISTÊMICO EM CADEIAS PRODUTIVAS NOS ESTUDOS
PROSPECTIVOS
O conceito de futuro tem relação com algumas dimensões fundamentais
(MARINHO; QUIRINO, 1995): a primeira delas é o tempo, cuja percepção e
medida estão, em algumas sociedades, relacionadas com os ciclos da natureza.
Esta percepção do tempo (e de seus indicadores) como ligada a fenômenos
naturais que se repetem, leva a um conceito de futuro como uma seqüência
natural do passado e do presente. Outra dimensão importante diz respeito ao
progresso tecnológico: esta dimensão traz uma perspectiva de evolução e
mudança, para as sociedades industriais, o que rompe com a idéia anterior de
futuro como continuação do passado. Implica em um ambiente turbulento, em
constante mutação, no qual os estudos de futuro se tornam, ao mesmo tempo,
mais difíceis e necessários.
As noções de incerteza e de ambiente turbulento se combinam para originar o
conceito de futuro adotado neste texto. Por este conceito, o futuro é visto como o
resultado da interação entre tendências históricas e a ocorrência de eventos
hipotéticos (CASTRO et al., 1998, apud JOHNSON, B.B.). Este conceito de futuro
está fortemente vinculado a chamada “visão prospectiva”, em estudos de futuro.
Por outro lado, incorpora também elementos da escola americana de estudos de
futuro (forecasting ou estudos tendenciais) ao considerar as tendências históricas
para desenvolver sua análise.
As duas abordagens de estudos de futuro – a clássica e a prospectiva (ou
foresigth) – não são excludentes, e na verdade apresentam complementaridade.
Quer utilizem princípios do estudo tendencial clássico ou de prospecção, os
estudos do futuro não podem prescindir de:
• identificar padrões no comportamento das variáveis presentes no sistema
sob estudo;
• identificar relações entre estas variáveis.
Diversas abordagens metodológicas estão disponíveis nas duas escolas. Na
escola prospectiva, estes métodos e técnicas foram descritos por Castro (2001).
As mais utilizadas internacionalmente são as técnicas de elaboração de cenários e
a técnica Delphi. Todavia, nenhuma dessas técnicas oferece ferramentas simples
e poderosas para organizar a complexidade inerente aos diversos ambientes
internos e externos dos temas dos estudos, e os seus diversos contextos (social,
econômico, tecnológico, gerencial, biológico, ambiental) que podem se interrelacionar para compor diferentes possibilidades de futuro.
Neste ponto reside um fator crítico de qualidade dos estudos prospectivos. Sem
um bom mapeamento das forças e eventos importantes que determinaram o
passado e moldam o presente, é impossível traçar boas visões de futuros
plausíveis, com robustez suficiente para orientar a formulação de estratégias.
Visão de futuro sem conhecimento das ocorrências e decorrências passadas e
presentes é exercício de adivinhação e ficção, é conhecimento mágico. Pode até
se confirmar, mas a forma de se chegar a esta visão dificilmente poderá ser
incorporada na metodologia científica e gerencial.
O enfoque sistêmico pode agregar as ferramentas necessárias para solucionar
esta dificuldade metodológica. Quando se trata de produção de bens de consumo,
as cadeias produtivas são o tipo adequado de enfoque sistêmico a adotar. Na
Figura 4, ilustra-se a complexidade inerente a este processo de análise e como o
enfoque sistêmico pode ser utilizado como ferramenta analítica.
Utilizando os princípios da análise de sistemas e cadeias produtivas, propõe-se
(CASTRO; COBBE; GOEDERT, 1995; CASTRO; LIMA; HOEFLICH, 2000) que um
sistema pode ser caracterizado por seu desempenho, ou sua capacidade de
transformar insumos em produtos. Este desempenho pode ser representado por
fatores críticos de desempenho, conforme representado pelas setas na Figura 4.
Por sua vez, estes podem ser afetados pelas forças propulsoras e restritivas. Uma
força propulsora ou restritiva é qualquer variável (ou grupo de variáveis, ou
estrutura) que afeta fortemente o desempenho de um sistema, de um modo
positivo ou negativo. As forças propulsoras, portanto, mantêm uma correlação
positiva com o fator crítico, enquanto as forças restritivas apresentam uma
correlação negativa com aquele fator.
Figura 4
Aplicação do enfoque sistêmico à análise prospectiva
CONTEXTO NACIONAL E INTERNACIONAL)
FORÇAS
RESTRITIVAS
CENÁRIOS DO AGRONEGÓCIO
FORÇAS
RESTRITIVAS
FATOR
CRITICO
SN
CP
FATOR
CRITICO
SP
DESEMPENHO
FUTURO
DO
SISTEMA
FORÇAS
PROPULSORAS
FORÇAS
PROPULSORAS
SN=SISTEMA NATURAL CP=CADEIA PRODUTIVA
SP=SISTEMA PRODUTIVO
PRODUTIVO
Ao utilizar a abordagem descrita na Figura 4, se estará aplicando uma das
ferramentas mais poderosas do enfoque sistêmico, a análise de sistemas. Um
sistema está analisado quando se definem os seus objetivos, razão pela qual ele
opera; os seus insumos, elementos entrando no sistema; os seus produtos,
elementos saindo do sistema; os seus limites; os seus componentes, elementos
internos que transformam insumos em produtos; os fluxos, movimento de elementos
entre os seus componentes, definindo as variáveis de estado e as taxas de fluxo,
que podem ser utilizadas para se medir o comportamento dinâmico e o desempenho
do sistema (SARAVIA, 1986).
Além destes elementos, se estará decompondo a complexidade do sistema
estudado em hierarquias, com limites bem definidos e utilizando-se as técnicas de
modelagem de sistemas. Estas ferramentas ajudam na identificação e descrição das
relações entre fatores críticos e suas forças propulsoras e restritivas, na
construção de uma rede de relações de causa e efeito que terá um impacto sobre
o desempenho do sistema que está sob análise. Determinar esta rede é um passo
essencial para a análise diagnóstica de um sistema, mas especialmente, para sua
análise prospectiva.
4. METODOLOGIA DE ANÁLISE PROSPECTIVA DE CADEIAS PRODUTIVAS
4.1 Metodologias existentes
Este trabalho apresenta uma proposta metodológica desenvolvida para a
prospecção de demandas de P&D, desenvolvida pelo autor e colaboradores
(CASTRO; COBBE; GOEDERT, 1995). Existem, entretanto, outras metodologias,
utilizando base conceitual semelhante, por exemplo, o conceito de cadeias
produtivas, porém com finalidades diversas.
Assim, cita-se a abordagem do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema
Agroindustrial (PENSA) da Universidade de São Paulo, com estudos e projetos
voltados ao agribusiness. Essa abordagem objetiva a realização de estudos e
projetos relacionados à formação de capacidade gerencial e acadêmica aplicados
ao negócio agrícola. Seus fundamentos se baseiam no conceito de economia de
transações e visão sistêmica do negócio agrícola. Realiza estudos de casos de
cadeias produtivas para a melhoria de seu desempenho, geralmente sob a ótica
da competitividade (ZILBERSZTAJN, 1994; FARINA; ZYLBERSZTAJN, 1994).
Também aplicada ao estudo de cadeias produtivas, foi desenvolvida uma
metodologia sob auspícios do Instituto Interamericano de Cooperação para a
Agricultura (IICA, 1994). Adota enfoque sistêmico, pressupõe o envolvimento
participativo dos atores da cadeia para garantir a implementação das decisões
tomadas. Entretanto, não são enfatizados nos estudos os aspectos prospectivos
de mais longo prazo, nem a questão de segmentação de mercado.
O enfoque analítico desenvolvido por Busch (1990) é mais direcionado a aspectos
sociológicos associados à denominada cadeia do conhecimento. As perguntas
básicas que esses autores colocam é a de saber como a tecnologia afeta e é
afetada pela sociedade? E como são escolhidos os problemas de pesquisa?
Estabelecem um modelo onde se assume que os problemas de pesquisa são
escolhidos através da negociação, persuasão e coerção, envolvendo todos os
atores - clientela (demanda) e os pesquisadores (oferta).
A proposta metodológica elaborada por Pessoa e Leite (1998), propõem onze
etapas para identificação de demandas de P&D dos componentes da cadeia
produtiva. Concentram-se em aspectos de coordenação e competitividade da
cadeia nos moldes adotados pelo PENSA. Tem sua utilidade mais direcionada à
prospecção de demandas de cadeias produtivas, não enfocando outros sistemas
pertinentes.
Souza Neto e Bellinetti (1995), propõem a metodologia para a identificação de
oportunidades de tecnologias e serviços - MIOTS. Elaborada para a prospecção
de demandas de P&D industrial, utiliza o conceito de cliente da tecnologia, de
cadeia produtiva e suas transações. A visão prospectiva, conceitos e instrumentos
não estão explicitados nesta metodologia.
4.2 Metodologia para a análise prospectiva de demandas
4.2.1 Etapas da metodologia
A metodologia para análise prospectiva de cadeias produtivas vem sendo
sistematicamente desenvolvida, inicialmente com a finalidade principal de levantar
e caracterizar demandas tecnológicas e posteriormente para a análise de
competitividade de cadeias produtivas. Este produto é utilizado para orientar a
formulação de programas e projetos de pesquisa de centros de P&D. A
prospecção foi desenvolvida em etapas, às quais são associados os conceitos,
métodos e técnicas para executar a prospecção. Algumas técnicas indicadas
estão contidas no trabalho de Castro; Cobbe e Goedert (1995) e Castro; Lima e
Hoeflich (2000). São também oferecidos alguns instrumentos de análise e de
síntese, como auxiliar para a coleta de informações, na maioria das etapas.
As principais etapas para análise de cadeia produtiva estão contidas, de forma
resumida, na Tabela 1. A análise se inicia pela caracterização dos consumidores
da cadeia produtiva e pela definição das necessidades e aspirações desse
mercado consumidor em relação ao(s) produto(s) da cadeia produtiva (CP). A
posição relativa da cadeia produtiva no negócio agrícola é examinada, e os limites
e relações com o ambiente externo da cadeia são definidos.
Tabela 1
Principais etapas (resumo) para a prospecção de cadeias produtivas
Etapas
Cadeia Produtiva
Sistema Produtivo
Diagnóstico
Definição de objetivos
Definição de objetivos
Hierarquia e relações com o Hierarquia e relações com a
agronegócio
cadeia produtiva
Modelagem, limites e
Limites e segmentação
segmentação.
(tipologia)
Análise quantitativa do processo
Análise quantitativa dos
produtivo (eficiência, qualidade,
processos produtivos
competitividade,
(eficiência, qualidade,
competitividade, equidade). sustentabilidade).
Definição de fatores críticos Definição de fatores críticos
Prognóstico
Análise prospectiva
(cenários, técnica Delphi).
Demandas atuais, potenciais
e futuras.
Análise prospectiva (cenários,
técnica Delphi).
Demandas atuais, potenciais e
futuras.
As cadeias produtivas têm seu desempenho orientado por um conjunto de
objetivos de desempenho. Para se proceder à análise prospectiva de demandas, é
necessário explicitar esses objetivos de desempenho e se adotar formas de
aferição dos mesmos.
4.2.2 Critérios de desempenho
De uma forma geral, os principais objetivos de desempenho que podem ser
perseguidos pelas cadeias produtivas, ou pelos seus componentes
individualmente, são a eficiência, qualidade, competitividade, sustentabilidade e a
eqüidade. A metodologia de análise das cadeias produtivas, para efeito de
prospecção tecnológica, deve responder quais desses objetivos são mais
apropriados para a situação em análise, quais os padrões a atingir e respectivos
instrumentos e mecanismos de mensuração.
Na sua formulação mais geral, eficiência de um sistema é mensurada pela relação
entre insumos (I) necessários à formação do produto do sistema e este produto ou
output (O). Insumos e produtos devem ser mensurados num mesmo elemento de
fluxo (capital, energia, materiais, informações), sendo por isso a eficiência uma
medida sem dimensão (SPEDDING, 1975). Para a análise de uma cadeia
produtiva (ou de seus respectivos sistemas produtivos), o elemento de fluxo mais
apropriado para a mensuração é o de capital, traduzido em uma determinada
moeda (dólares americanos, reais etc.).
A sustentabilidade é a capacidade de um sistema produtivo (SP) agropecuário ou
agro-florestal, em manter-se produzindo com determinados padrões de eficiência
e de qualidade no tempo. A influência do homem (ou influência antrópica) no
ecossistema, quebrando o seu equilíbrio original em favor da exploração
econômica do mesmo, é neutralizada por tecnologias que evitam a degeneração
do ecossistema onde a produção ocorre.
Qualidade é a totalidade das propriedades e características de um produto,
serviço ou processo, que contribuem para satisfazer necessidades explícitas ou
implícitas dos clientes intermediários e finais de uma cadeia produtiva e de seus
componentes. Usualmente, qualidade é traduzida por um conjunto de normas e
padrões a serem atingidos por produtos e serviços, ofertados pelas cadeias e
sistemas produtivos. O conceito abrange, também, as entradas e saídas de
processos administrativos no contexto das cadeias produtivas.
Eqüidade é definida como relativo equilíbrio na apropriação dos benefícios
econômicos gerados ao longo da cadeia produtiva pelos seus componentes ou,
internamente, entre os indivíduos e organizações de um segmento da cadeia
produtiva. Pode ser analisada, avaliando-se o fluxo de capital, iniciando-se no
consumidor final e verificando-se a acumulação entre os demais componentes.
Historicamente, as organizações de comercialização têm acumulado a maior parte
dos capitais circulantes na cadeia, como foi demonstrado no trabalho de Pessoa e
Leite (1998), sobre a cadeia produtiva do caju.
Nos anos 80, foi desenvolvido um novo conceito para a competitividade das
empresas, o conceito de vantagem competitiva (PORTER, 1997). Por este
conceito, seriam duas as formas principais de as empresas se distinguirem de
suas concorrentes: a diferenciação ou os baixos custos. Uma terceira forma a ser
considerada, afetando a diferenciação ou os baixos custos é o escopo, ou seja, o
conjunto de segmentos de mercado visados pela empresa.
Juntamente com o conceito de competitividade industrial, Porter desenvolveu o
conceito de cadeia de valor na Empresa, um modelo de análise competitiva e um
conjunto de estratégias genéricas, capazes de orientar a formulação de
estratégias específicas de competitividade. Isto se constituiu numa base teórica
para o planejamento de competitividade industrial, tornando-se uma referência
para o planejamento da competitividade nos meios acadêmicos e empresariais
(MINTZBERG, 2000).
No caso de cadeias produtivas agropecuárias, o conceito de competitividade pode
ser derivado similar ao estabelecido por Porter, considerando os produtos ou
subprodutos da cadeia competindo no mercado consumidor de produtos
agropecuários. Há que se distinguir produtos com valor agregado ou diferenciados
por algum tipo de característica distintiva e produtos do tipo commodities. O
estabelecimento de vantagem competitiva será diferente em cada caso.
Em cadeias produtivas produtoras de commodities a competitividade é
principalmente estabelecida por baixos custos, que permite lucratividade para os
segmentos da cadeia produtiva, mesmo quando os preços dos produtos são
baixos. Isto significa uma eficiência produtiva maior, ao longo de toda a cadeia
produtiva. Notar que a análise da cadeia produtiva neste caso é comparativa,
abrangendo as cadeias produtivas concorrentes.
Uma outra situação específica de competitividade é a que envolve produtos com
valor agregado, ou produtos diferenciados, onde a vantagem competitiva será
estabelecida a partir de um desempenho maior em qualidade de produtos, ou seja,
no estabelecimento de uma imagem de diferenciação, produtos que são
reconhecidos pelos seus consumidores como possuindo características
diferenciadas. Esta diferenciação está relacionada com a emergência de
oportunidades e constitui-se num dos elementos importantes, para a formulação
de estratégias de gestão das cadeias produtivas.
4.2.3 Processo de análise
A partir do modelo geral, os componentes da cadeia produtiva são qualificados e
quantificados, bem como as suas relações, sob a forma de transações. Definemse os critérios de mensuração de desempenho da cadeia produtiva entre os de
eficiência produtiva, qualidade, competitividade, sustentabilidade ou eqüidade. O
desempenho será analisado em relação a um ou a múltiplos critérios. A análise é
conduzida considerando-se um fluxo de capital, que se inicia no consumidor final e
se desenvolve na direção do elo final da cadeia, os fornecedores de insumos. As
entradas e saídas de capital em cada componente são quantificadas, para estudo
individual da eficiência, qualidade e competitividade e da distribuição de benefícios
na cadeia.
Definido o desempenho dos componentes, o passo seguinte é explicar o seu
comportamento. O desempenho da cadeia produtiva será estudado, examinandose os processos produtivos de cada componente. Neste exame, identificam-se as
variáveis críticas, denominadas fatores críticos de desempenho, aquelas de maior
impacto no(s) critério(s) de desempenho eleito(s), e que explicam o funcionamento
atual e passado da cadeia. Identificadas tais variáveis procede-se à análise
prospectiva, construindo-se as projeções futuras de desempenho da cadeia
produtiva e sobre o comportamento das variáveis críticas, sob o ponto de vista da
eficiência, qualidade, competitividade e eqüidade.
Os sistemas produtivos agropecuários são, do ponto de vista da pesquisa
agropecuária, um dos elos mais importantes das cadeias produtivas. Por isso, a
análise deste componente merece maior atenção por parte do centro de P&D em
agropecuária e deve ser realizada de forma mais aprofundada, conforme expresso
na Tabela 1.
Uma vez classificados, a partir da segmentação baseada em características
tecnológicas, ambientais e sócio-econômicas, os sistemas produtivos são
analisados, considerando as operações de manejo efetuadas, as entradas (ou
custos) destas e a contribuição para formação das saídas do sistema (receitas). A
análise deve estimar qual a produtividade potencial e econômica daquele sistema
e quais as variáveis que se constituem em fatores críticos (atuais e futuros) para
se atingir tais parâmetros.
As demandas serão a síntese dos fatores críticos de maior impacto, atual e futuro,
sobre o desempenho do sistema produtivo, representado como eficiência,
qualidade, competitividade ou sustentabilidade.
Para facilitar a coleta de dados sobre desempenho das cadeias e sistemas
produtivos, foram desenvolvidos alguns instrumentos auxiliares para a busca de
informação. Há também um grande número de técnicas de pesquisa que podem
ser empregadas. Para uma visão mais aprofundada sobre a metodologia de
análise de cadeias produtivas e das técnicas a empregar, consultar Castro; Lima e
Hoeflich (2000).
5. DESCRIÇÃO RESUMIDA DE CASOS DE APLICAÇÃO DO ENFOQUE DE CADEIAS NA
ANÁLISE PROSPECTIVA
São muitos os casos de aplicação com resultados, do enfoque de cadeias
produtivas na agricultura, seja com finalidades diagnósticas, ou prospectivas.
Wrigth e Johnson (1992) aplicaram este enfoque para estudar a competitividade
atual e futura da cadeia produtiva do vinho no Brasil. Castro et al. (1998)
organizaram uma coletânea de 18 estudos, sobre desempenho de diversas
cadeias produtivas brasileiras. Mais recentemente, estas ferramentas sistêmicas
estão sendo empregadas em complemento às técnicas prospectivas (cenários,
técnica Delphi) para estudar o futuro do sistema nacional de produção de
cultivares e sementes (CASTRO, 2002).
Recentemente instituições de outros segmentos da economia, passaram a adotar
o enfoque sistêmico associado à prospectiva, para gerar base de informação para
a formulação de estratégias institucionais e de políticas setoriais. O Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) incluiu o enfoque de
cadeias produtivas como uma das ferramentas da sua ação institucional. A partir
daí, diversas ações foram implementadas, entre as quais o Programa Brasileiro de
Prospectiva Tecnológica Industrial, componente de um programa mais amplo, o
Technology Foresight for Latin America, patrocinado pela ONUDI (Organização
das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial).
Tomando-se como exemplo um dos estudos patrocinados pelo Programa, o da
construção civil, realizado pelo Departamento de Engenharia Civil da Escola
Politécnica da USP, o setor brasileiro de construção civil foi modelado como uma
cadeia produtiva de unidades habitacionais. O estudo foi desenvolvido com os
seguintes objetivos (ESCOLA POLITÉCNICA DA USP, 2002):
•
•
identificar demandas tecnológicas e como conseqüência, orientação para a
busca de inovações;
identificar demandas não tecnológicas, tais como oportunidades, ameaças
e ações possíveis na cadeia e no seu
ambiente institucional e
organizacional, visando à melhoria de seu desempenho para o futuro;
•
realizar a modelagem da cadeia enquanto sistema industrial, composto de
elos sucessivos e interligados e a segmentação de cada elo;
•
realizar a análise do ambiente institucional e organizacional que envolve a
cadeia produtiva;
•
identificar necessidades e aspirações, de cada segmento, e da cadeia
como um todo;
•
analisar o desempenho da cadeia produtiva e a identificação de fatores
críticos à melhoria do desempenho;
•
realizar o prognóstico do comportamento futuro dos fatores críticos e,
portanto, do desempenho futuro da cadeia.
A metodologia empregada utilizou, com muito sucesso, os conceitos de limite,
hierarquia, fluxo quantificado de capital, fluxo de informação, modelagem da
cadeia produtiva, análise processos produtivos e análise de desempenho
(eficiência e qualidade). Como produto, gerou fatores críticos de desempenho, que
serão a base para a realização do Painel Delphi.
Vale ressaltar que as equipes multidisciplinares formadas para a realização destes
estudos prospectivos foram capacitadas pelo Programa. O marco conceitual de
cadeias produtivas foi um bom instrumento para preparação dessas equipes. A
visão sistêmica, proporcionada pelo enfoque de cadeias produtivas, permitiu a
estas equipes um melhor tratamento da complexidade dos sistemas estudados,
graças à determinação de hierarquias, com limites bem definidos, e a utilização das
técnicas de modelagem de sistemas. O uso dessas ferramentas contribuiu no
estabelecimento das relações entre fatores críticos e suas forças propulsoras e
restritivas, e na melhor caracterização do desempenho dos sistemas analisados.
Na sua avaliação da execução do Programa, realizada por consultores
internacionais, a ONUDI ressaltou a importância do enfoque de cadeias, utilizado
nos estudos prospectivos do Programa Brasileiro, e decidiu utilizar este enfoque
nos demais programas nacionais de outros países, patrocinados pela entidade.
6. CONCLUSÃO
A prospecção tecnológica é uma importante ferramenta para a gestão. Todavia, o
seu uso tem sido restrito a umas poucas áreas de excelência no País, em função
das dificuldades conceituais e metodológicas enfrentadas pelas equipes executoras
de estudos prospectivos, em organizar e compreender a complexidade dos
sistemas.
O enfoque sistêmico e suas ferramentas analíticas oferecem uma importante
contribuição para a realização desses estudos. Ao decompor a complexidade do
sistema estudado em hierarquias, com limites bem definidos, utilizando-se as
técnicas de modelagem de sistemas, estas ferramentas ajudam na identificação e
descrição das relações entre fatores críticos e suas forças propulsoras e
restritivas, na construção de uma rede de relações de causa e efeito que terá um
impacto sobre o desempenho do sistema. Tal abordagem representa uma
vantagem, que pode contribuir para melhorar a capacidade analítica das equipes e
difundir a realização e o uso desses estudos.
O enfoque sistêmico, traduzido na abordagem de cadeias produtivas, é aplicável em
macroprocessos produtivos de qualquer natureza. Esta abordagem, inicialmente
mais difundida no setor agrícola e nas suas organizações de P&D, já foi utilizada,
com sucesso, em outros setores produtivos, como o setor industrial. Tal constatação
aponta para a emergência de um enfoque metodológico de grande capacidade de
extrapolação e de ampla aplicação.
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