Um novo modo de fazer política Telma Gimenez A aproximação da campanha eleitoral 2000 parece ser um bom momento para refletirmos como o modo como as questões públicas são tratadas pela política tradicional. Esta nos vê (eleitores) como consumidores que têm necessidades a serem satisfeitas. De acordo com essa tradição o papel do cidadão se restringe a eleger representantes na esperança de ver os problemas resolvidos. Nosso papel enquanto cidadãos parece terminar aí. Enquanto os problemas não são resolvidos, queixamo-nos de nossos políticos e ficamos desesperados, afastando-nos de qualquer incitativa que tenha ligações com a palavra “política”, cuja conotação passa a ser negativa. Nesse contexto sobressaem-se aqueles que procuram verdadeiramente o cumprir o mandato popular, reconhecendo a complexidade dos problemas e procurando envolver seus eleitores com as questões tratadas no âmbito de sua ação. Entretanto, parece-nos que são poucos o que assim entendem a responsabilidade que lhes é conferida pelo voto. Na maioria dos casos os políticos parecem “dar as costas” aos seus eleitores, raramente cumprindo promessas de campanha e quase nunca os envolvendo nas decisões sobre questões públicas. Pressentimos que há algo de errado com esse tipo de política e, no entanto, não conseguimos ver como superar esse modelo. A cada campanha eleitoral parecem nos restar poucas possibilidades: arriscar a chance de escolher o “certo” ou “dos males o menor”; votar nos candidatos que nos parecem mais adequados para resolver nossos problemas (embora nem sempre os “nossos” problemas sejam necessariamente de interesse coletivo); ou simplesmente anular o voto. Nenhuma dessas soluções parecem contribuir para o exercício de cidadania. A solução pode estar numa proposta que vem sido desenvolvida há alguns anos por diversas organizações em democracias recentes na América Latina e no Leste Europeu, reunidas sob o Consórcio Internacional da Sociedade Civil para Deliberação Pública, que tem como um dos principais parceiros a Fundação Kettering, nos EUA. A perspectiva apontada procura conceituar a política sob um novo ângulo. Os fundamentos desse trabalho, expostos a seguir, envolvem primeiramente o pressuposto de que a ação comunitária é parte importante da política, ou seja, para a resolução de problemas que afetam o público, não bastam os políticos. Em segundo lugar, a chave para se conseguir que as pessoas se envolvam é colocar os problemas em termos que elas entendam e que se relacionem com seus valores, com aquilo que acreditam. De acordo com essa visão, as pessoas não conseguem agir unidas para resolver seus problemas a menos que reconheçam e trabalhem os conflitos que surgem de suas diferentes preocupações, as quais podem levar a diferentes opções para solução desses problemas. Ou seja, o conflito em política não é somente entre interesses opostos, mas pode estar dentro das próprias pessoas que, mesmo dando valor às mesmas coisas (exemplo: segurança e justiça), são tensionadas em direções opostas, segundo aquilo que lhes é mais importante. Na proposta delineada, trabalhar os conflitos exige um modo especial de argumentação e diálogo - a deliberação, que acontece em fóruns públicos. A essência da deliberação é avaliar os custos e as conseqüências das opções disponíveis para a ação, levando-se em conta o que é mais valioso para as pessoas. Debate e discussão não resolvem. Embora natural na vida particular, a deliberação se torna difícil na arena pública porque requer que consideremos os pontos de vista dos outros. Assim, a deliberação não resulta em acordo, mas num entendimento que há entre o acordo e o desacordo. Este conhecimento público – conhecimento sobre o público produzido pelo público – dá margem a possibilidades de ação que antes poderiam não estar sendo visualizadas. Essas visões vêm não do fato de as pessoas mudarem de idéia, mas de mudarem sua opinião a respeito da opinião dos outros. A deliberação prepara o terreno para um grupo de pessoas agir coletivamente de modo completar, mutuamente reforçador e dá poder aos cidadãos. Reuniões posteriores aos fóruns deliberativos possibilitam identificar o entrelaçamento de interesses que permitirão às pessoas (que geralmente têm interesses diversos) se reunirem para agir publicamente. Nesse modo de se conceber a política, a ação governamental precisa ser complementada pela ação pública para ser eficaz. Para a integração das duas, as relações entre cidadãos e governos devem se tornar mais cooperativas. Esse relacionamento pode mudar se os cidadãos souberem: A) Quando as autoridades têm mais probabilidade de precisar de um público deliberativo; e B) Quais são as barreiras que as autoridades enfrentam ao participarem da deliberação pública. Os cidadãos que têm que criar as condições que permitirão às autoridades participarem de fóruns de deliberação pública. Para a mudança da política tradicional é necessário que os cidadãos definam seus problemas em termos de que lhes é mais valioso, trabalhem as opções conflitantes de modo deliberativo e produzam conhecimento público acerca de novas possibilidades de cooperação. Além disso, devem identificar a inter-relação de interesses que lhes permitem reunir de forma mutuamente reforçadora e reestruturar o relacionamento com o governo de modo que a ação pública possa fortalecer a ação oficial. Parece óbvio que esses conceitos precisam ser vinculados para serem apreendidos. As etapas que vão desde a colocação de problemas em termos públicos até a ação resultante dos fóruns deliberativos não são apenas técnicas para solução de problemas, são práticas que permitem às pessoas construírem, coletivamente, uma vida melhor, e assumirem responsabilidade por essa construção. FOLHA DE LONDRINA, 13 de Outubro de 1999