Adib Jatene: um especialista em simplicidade e princípios
Lenir Santos
Adib Jatene logo cedo conheceu a dor: perdeu o pai aos dois anos de idade. Sua mãe,
que marcará indelevelmente sua vida, criou quatro filhos pequenos, inicialmente em
Xapuri, no Acre e depois em Uberlândia para onde se mudou alguns anos depois e
conforme frase do próprio Jatene, “então minha mãe sozinha, abriu um pequeno
comércio, começou a pelejar e assim conseguiu criar seus filhos”. A lembrança
marcante que ele guardou da mãe, e conforme afirmava que “mais importante que a
presença é a imagem” era de uma mulher determinada, simples, que estava sempre
trabalhando. E esse gosto pelo trabalho e pelo seu lema “se vale a pena fazer alguma
coisa que ela seja benfeita” o levou a ser um homem de profundas análises do
cotidiano, observação do ser humano e um perfeccionista em tudo o que fazia e no
que mais gostava: estar num centro cirúrgico; sempre afirmava que nada resiste ao
trabalho.
Tive o privilégio de conviver algumas vezes com ele, em especial quando o convidei
para gravarmos a sua história de vida que ele sempre relutou; acabei convidando-o
para um livro que pudesse contar ao menos um pouco de sua historia. O primeiro, um
texto, num livro que organizei Saúde Pública, meu amor1, onde ele publicou um artigo
sobre a sua experiência com a saúde pública, intitulado “De uma viagem de sessenta
dias para a viagem da vida”, numa referência a viagem de sua família de Xapuri para
Santos. No segundo livro, um diálogo entre ele e o então Ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, 40 anos de medicina, o que mudou?2 mediado por mim e Odorico Monteiro.
O conhecia desde a Secretaria da Saúde em SP, na época do convenio SUDS (1987).
Ainda que algumas vezes com pontos de vistas divergentes, o que contava eram as
convergências e tivemos muitas agendas sanitárias.
Seu dom pela matemática, que o fez pensar em ser engenheiro, o que o levou a ser o
engenheiro do coração, com invenções e inovações de relevância para a cirurgia
cardíaca. Infatigável lutador pelo financiamento da saúde, disse numa reunião de
transição do primeiro governo Dilma, onde ela estava presente, que ele só acreditaria
que a saúde pública seria de fato uma prioridade para o governo, se o seu
financiamento fosse resolvido. Ele entendia que dependíamos de uma reforma
tributária. “Eu discuto sempre que a desigualdade só existe quando os que geram
renda se apropriam dela. Quer dizer, quem olha a av. Berrini ou para a Paulista diz:
1
2
Saberes Editora, 2012.
Idem, 2012.
‘Poxa, esse é um país opulento’. Mas, de repente, quilômetros adiante, há uma
população que tem dificuldades para um atendimento mínimo. Esse é o nosso desafio.
O desafio não é a saúde, o desafio é a área econômica do governo, que tem que
montar um esquema financeiro para atender as necessidades da população”.
O que sempre me chamava atenção era a sua qualidade de homem simples, que nunca
se deixou levar pelo canto da má política, da ostentação, do deslumbramento. Era um
homem de princípios e não se prendia a ideologias e sim as causas. Sentia-se livre para
dizer o que pensava e lutar por suas ideias sem medo dos patrulhamentos tão comuns
na nossa sociedade, diga-se, pouco inclusiva e respeitosa com a diversidade do
pensamento político.
Certa vez, na Unicamp, quando era procuradora, me disseram que o Dr. Adib Jatene,
Ministro da Saúde queria falar comigo. Ao pegar o telefone era ele quem estava na
linha e não sua secretaria. Tinha o hábito de ligar diretamente para as pessoas, sem
intermediação; em suas audiências e deslocamentos como Ministro, não gostava de se
ver cercado de assessores, jornalistas, fotógrafos, como é habitual. Ele mesmo dirigia o
seu carro, dispensando motorista particular até pouco tempo atrás.
Sua atuação quando Ministro para a implantação do programa saúde da família e
agente comunitário foi relevante e hoje é indispensável na atenção primária em saúde.
Também vale lembrar que ele idealizou e foi o primeiro presidente do Conass –
Conselho Nacional de Secretários de Saúde, hoje altamente relevante para o SUS.
Seu senso humanitário o fazia olhar a pessoa (e não o seu cargo ou qualquer atributo
externo numa sociedade que se refere às pessoas pelo cargo que ocupa). Achava que a
medicina não pode valorizar mais a técnica do que a pessoa. Dizia que o médico deve
olhar o paciente com a humildade de suas limitações e não com o poder de seu
conhecimento.
Perdemos um homem que mesmo sabendo de seu prestigio profissional e político
nunca o usou em beneficio próprio e sempre se manteve simples e discreto em suas
atuações sociais e profissionais. Vai deixar saudades e uma historia para contar.
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