Um diagnóstico socioeconômico do Estado de Alagoas a partir de uma leitura dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE (1992-2004) André Urani ([email protected]) Maceió, dezembro de 2005 Introdução Este estudo se baseia unicamente em dados resultantes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, de 1992 a 2004. Ele mostra que Alagoas é hoje o Estado mais pobre do Brasil. É o que possui a menor renda real média e a maior proporção de pobres. Boa parte deste fenômeno se deve à pífia performance econômica dos últimos anos. Mas não apenas: o Estado tem ficado para trás tanto em termos de capital humano quanto de infra-estrutura – o que compromete seriamente as chances de reversão deste quadro no futuro. Os indicadores educacionais são desastrosos e têm melhorado num ritmo muito mais lento que no resto do Brasil, não apenas para jovens e adultos, mas também para crianças. Praticamente o mesmo pode ser dito no que diz respeito às telecomunicações e ao saneamento básico. Seu mercado de trabalho, por fim, resulta ser extremamente desestruturado e vulnerável a choques de todos os tipos. A situação justifica a adoção de um plano emergencial, que deveria basear-se em: • Uma ampla aliança entre as diferentes forças políticas do Estado; • Uma profunda reforma administrativa; • O compromisso com a transparência e com a responsabilidade fiscal; • A adoção de metas sociais e a implementação de mecanismos de diagnóstico, monitoramento, avaliação e redesenho de todas as políticas públicas; e • Um aporte maciço de recursos por parte do Governo Federal e das entidades multilaterais, para o investimento tanto em infraestrutura quanto em programas sociais. 1 1. Educação Alagoas é o Estado brasileiro cuja população adulta possui a menor escolaridade média e a maior taxa de analfabetismo. Pior do que isto: o gráfico 1 abaixo mostra que o nível médio de escolaridade do Estado estacionou a partir de 1997, enquanto continuou crescendo significativamente tanto nos demais estados do Nordeste quanto no Brasil como um todo. Gráfico 1 Evolução do nível de escolaridade Número de anos de estudos completos (25 anos ou +) 7 6 Brasil 5 Nordeste Alagoas 4 3 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Ano Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. Já no gráfico 2, vê-se que a queda da taxa de analfabetismo de adultos em Alagoas iniciou-se mais tarde e se deu de forma muito mais lenta que no resto do Brasil, inclusive que na região Nordeste. 2 Gráfico 2 Evolução da taxa de analfabetismo (pessoas acima de 15 anos) 40 35 (%) 30 Brasil 25 Nordeste Alagoas 20 15 10 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Ano Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. Mas não é tudo: o mais desalentador é que não há perspectivas de que este quadro se reverta no médio prazo, visto que: • Os indicadores relativos à educação de crianças e adolescentes no Estado são igualmente desastrosos (gráfico 3): o Estado também se encontra na lanterna do país no que diz respeito à taxa de analfabetismo infantil, à defasagem escolar média e à porcentagem de crianças de 10 a 14 anos com mais de dois anos de atraso escolar; • As taxas brutas e líquidas de matrícula no ensino médio e no ensino superior são muito inferiores às registradas no conjunto do país e até na região Nordeste. No que diz respeito ao ensino médio, a taxa bruta (gráfico 4) já atinge mais de 90% no Brasil como um todo e mais de ¾ no Nordeste, mas ainda não chegou a 2/3 em Alagoas; quanto ao ensino superior, em Alagoas esta taxa é quase 4 vezes inferior à média nacional e menos da metade da nordestina. Em relação às taxas líquidas, tanto no caso do ensino médio quanto no do superior, os índices alagoanos não alcançam a metade dos nacionais. 3 Vale ressaltar que, mesmo aqui, o que chama a atenção não são apenas os níveis insatisfatórios registrados por estas variáveis atualmente, mas sua evolução muito mais lenta que no restante do país desde o início da década passada. Gráfico 3 Indicadores educacionais - 2004 30 20 10 0 Taxa de analfabetismo infantil Defasagem escolar média % de crianças de 10 a 14 anos com + de 2 anos de atraso escolar Alagoas 11,3 1,7 29,9 Nordeste 8,0 1,5 22,9 Brasil 3,6 1,0 12,8 Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. Gráfico 4 Taxas brutas de matrícula - 2004 100 80 60 (%) 40 20 0 Brasil Nordeste Alagoas Ensino médio 90,9 76,1 64,5 Ensino superior 26,3 15,3 7,0 Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. 4 Gráfico 5 Taxas líquidas de matrícula - 2004 50 45 40 35 30 (%) 25 20 15 10 5 0 Brasil Nordeste Alagoas Ensino médio 45,6 28,2 21,0 Ensino superior 11,0 5,6 4,3 Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. 2. Mercado de trabalho O mercado de trabalho alagoano parece ser particularmente vulnerável a choques. As oscilações (tanto para cima quanto para baixo) da taxa de desemprego e da renda real média do trabalho principal resultam, de fato, ser bastante superiores às registradas no país como um todo (vejam-se os gráficos 6 e 7 abaixo). Durante o período 1992-2004, o coeficiente de variação da taxa de desemprego foi de 0.21 (mínimo de menos de 8% em 1997, máximo de quase 14% em 1999), contra 0.18 no Brasil como um todo, ao passo que o da renda real média do trabalho principal foi de 0.20, contra 0.09 no conjunto do país. Tomando-se o período como um todo, porém, há de se registrar que houve um aumento da taxa de desemprego relativamente modesto para os padrões nacionais, o que pode ser atribuído à forte queda (mais de 42%) observada da renda média do trabalho principal. Em poucas palavras, trata-se de um mercado particularmente flexível, onde a variável de ajuste no médio 5 prazo é o salário mais do que o nível de emprego. Ou seja: é a precariedade do mercado de trabalho e a incipiência da rede de proteção social – e não a pujança da economia - que fazem com que a taxa de desemprego se mantenha em patamares relativamente baixos. Gráfico 6 Evolução da taxa de desemprego em Alagoas 14 13 12 (%) 11 Brasil 10 Nordeste 9 Alagoas 8 7 6 5 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Ano Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. Gráfico 7 Renda real média do trabalho principal 800 Reais de set. 2004 750 700 650 600 Brasil 550 Nordeste 500 Alagoas 450 400 350 300 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Ano Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. 6 No que diz respeito ao trabalho infantil, merece ser assinalado que a proporção de crianças alagoanas de 10 a 14 anos que trabalham caiu para menos da metade entre 1992 e 2004, de 6,8% para 3,3%. Esta queda, contudo, foi menos significativa que a observada no Brasil como um todo (de 5,3% para 1,9%) e mesmo na Região Nordeste (de 8,4% para 3,5%). 3. Renda real média, desigualdade e pobreza Segundo a PNAD-2004, Alagoas se tornou o Estado mais pobre do Brasil. Possui a menor renda mensal per capita (219 Reais, ou seja, 17,6% abaixo da média nordestina e 52,6% abaixo da brasileira). Gráfico 8 Evolução da renda real média Reais de setembro de 2004 500 450 400 Brasil Nordeste Alagoas 350 300 250 200 150 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Ano Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. Este resultado se deve, essencialmente, ao fraco desempenho econômico do estado desde o início da década de 90: seu crescimento foi praticamente nulo durante este período como um todo (gráfico 8). De 1998 para cá, houve uma queda ininterrupta da renda real média (28,5%); vale registrar que em 1998 a renda real média alagoana era 9,2% superior à média 7 nordestina e maior que as de Bahia, Pernambuco, Ceará, Piauí, Maranhão e Tocantins (gráfico 9). Alagoas encontra-se, portanto, em franca decadência. Gráfico 9 Evolução da renda real média entre 1997 e 2004 500 450 R$ de set. 2004 400 350 300 250 200 150 1997 100 2004 50 Pi au í No rte Se rg ipe do Gr an de Ri o Br as il No rd es te Al ag oa s Ba hia Ce ar á M ar an hã o Pa r a Pe íba rn am bu co 0 UF Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. Merece ser assinalado, porém, que a desigualdade de renda em Alagoas tem caído de forma consistente desde 1995. Durante este período, o índice de Gini do Estado passou de 0,65 para 0,58; a relação entre a fatia da renda apropriada pelos 20% mais ricos e a dos 20% mais pobres diminuiu de 26,8 para 21,8 e a participação do 1% mais rico na renda total de 17,1 para 15,1. Ainda assim, Alagoas continua sendo marcado por uma concentração de renda ainda maior que a do conjunto do país – qualquer que seja o indicador considerado. Apesar desta queda da desigualdade, a pífia performance econômica do Estado faz com que sua proporção de pobres seja hoje praticamente a mesma que em 1992, antes do Plano Real (62,5% em 2004 contra 63,4% em 1992). Neste mesmo período, ela diminuiu de 40,8% para 31,6% no Brasil como um todo, e de 65,7% para 55,3% no Nordeste. Vale assinalar que apenas Acre e 8 Roraima registraram resultados piores neste campo e que em Santa Catarina a proporção de pobres se reduziu para menos da metade durante este período. Gráfico 10 Proporção de pobres 80 70 60 50 (%) 40 30 20 10 0 Pi au í No rte Se rg ipe do Ri o Gr an de Br as No il rd es te Al ag oa s Ba hia Ce ar á M ar an hã o Pa r aíb Pe a rn am bu co 1992 2004 UF Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. A proporção de pobres em Alagoas é, desde 1999, a maior do Brasil: 62,5%. Isto representa cerca do dobro da registrada no país como um todo (31,7%) (gráfico 10). Cabe registrar que no início da década de 90, o único Estado Nordestino que tinha uma proporção de pobres menor que Alagoas era Sergipe. Alagoas ainda não é, contudo, o Estado com a maior proporção de indigentes: o Maranhão se encontra numa situação pior, pelo menos por enquanto. Mas, também neste caso, voltou-se, em Alagoas, à situação préPlano Real: cerca de 1/3 da população do Estado vive em situação de extrema pobreza. 9 4. Infra-estrutura e bens duráveis O Estado de Alagoas tem tido uma evolução aquém da registrada pelo conjunto do país também no que se refere à infra-estrutura; em muitos casos, ocupa a lanterna nacional. É o que acontece, por exemplo, no que se refere ao esgotamento sanitário e à água canalizada, como pode ser visualizado nos gráficos 11 e 12 abaixo. No tocante ao esgotamento sanitário, é simplesmente terrível observar que a porcentagem de domicílios com acesso a este serviço no Estado despencou para menos da metade no período 1999-2004, na contramão da tendência observada no resto do país. Em 2004, apenas 14% dos domicílios alagoanos tinham acesso ao esgotamento sanitário. Gráfico 11 Porcentagem de domicílios com acesso a esgotamento sanitário 80 70 60 (%) 50 Brasil 40 Nordeste Alagoas 30 20 10 0 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Ano Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. O quadro é desalentador também no tocante à água canalizada, onde mais uma vez, registra-se um estancamento a partir de 1999. Em 2004, 10 somente 70% dos domicílios alagoanos resultavam estar ligados a redes de água, cerca de 20 pontos percentuais a menos que a média nacional. Gráfico 12 Porcentagem de domicílios com acesso a água canalizada 100 90 (%) 80 Brasil Nordeste 70 Alagoas 60 50 40 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Ano Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. Alagoas também se encontra na lanterna nacional, por fim, no que se refere ao acesso às novas tecnologias da comunicação e da informação. Por um lado, como pode se perceber no gráfico 13, a proporção de domicílios que possuem telefones fixos no Estado tem diminuído – desde o início desta década - com uma velocidade mais rápida do que tem ocorrido no país como um todo, embora esta proporção seja duas vezes e meia menor que no conjunto do país. Por outro, como é mostrado no gráfico 14, o acesso à telefonia celular em Alagoas também tem crescido mais lentamente que no país como um todo – apesar da proporção de domicílios que possuem este acesso ser muito baixa para os padrões nacionais. O mesmo pode ser dito, finalmente, em relação aos computadores pessoais (gráfico 15). 11 Gráfico 13 Porcentagem de domicílios com acesso a telefone fixo 60 50 (%) 40 Brasil Nordeste 30 Alagoas 20 10 0 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Ano Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. Gráfico 14 Porcentagem de domicílios com acesso a telefone celular 50 45 40 (%) 35 Brasil 30 Nordeste Alagoas 25 20 15 10 2001 2002 2003 2004 Ano Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. 12 Gráfico 15 Porcentagem de domicílios com computador 18 16 14 (%) 12 Brasil 10 Nordeste 8 Alagoas 6 4 2 0 2001 2002 2003 2004 Ano Fonte: IETS, a partir de tabulações especiais da PNAD/IBGE. 5. Conclusões A evolução econômica e social de Alagoas ao longo da última década destoa da do resto do Brasil. O Estado ficou para trás na maior parte dos indicadores de qualidade de vida. O pior é que na origem desta longa derrapada está (ao que tudo indica) a irresponsabilidade fiscal dos governantes locais: 1 isto certamente atrapalha, de fato, a implementação da ajuda por parte da Federação como um todo que seria de se esperar para reverter o atual estado de coisas. É difícil imaginar como um Estado tão pobre sozinho poderia se tornar capaz de enfrentar esta tarefa. A situação justifica a adoção de um plano emergencial, que deveria basear-se em: • Uma ampla aliança entre as diferentes forças políticas do Estado; • Uma profunda reforma administrativa; 1 Segundo lideranças locais entrevistadas, há dois fenômenos na origem da crise atual: a renegociação da dívida dos usineiros por parte do então governador Fernando Collor de Mello no final dos anos 80 e o reajuste irresponsável dos salários dos servidores estaduais oferecido por Divaldo Suruagy em meados da década de 90, logo após o lançamento do Plano Real. 13 • O compromisso com a transparência e com a responsabilidade fiscal; • A adoção de metas sociais e a implementação de mecanismos de diagnóstico, monitoramento, avaliação e redesenho de todas as políticas públicas; e • Um aporte maciço de recursos por parte do Governo Federal e das entidades multilaterais, para o investimento tanto em infraestrutura quanto em programas sociais. 14