Colégios eclesiásticos
A capela do Pontifício Instituto São João Damasceno,
decorada com ícones pintados por padre Jacob Kooroth;
ao centro, um mosaico de Marko Ivan Rupnik
PONTIFÍCIO INSTITUTO SÃO JOÃO DAMASCENO
A Índia que fica no
coração de Roma
O Instituto foi criado por Pio XII e hoje hospeda quarenta sacerdotes de
rito siro-malabar e de rito siro-malancar. Nossa visita é uma oportunidade
para conhecer mais de perto esses dois ritos, que, ao lado do latino,
constituem a Igreja Católica indiana, uma das mais florescentes da
cristandade
por Pina Baglioni
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Acima, os estudantes do
espira-se um clima de grande letícia no Instituto Pontifício São João Damasceno,
a morada de quarenta sacerdotes
indianos que passam uma temporada em Roma para aperfeiçoar
seus estudos.
São os filhos da Igreja de São
Tomé, fundada, segundo a tradição, pelo apóstolo do Senhor no
extremo sul da Índia, o atual estado federal de Kerala: trinta e um
deles pertencem à Igreja Católica
siro-malabar. Os outros nove, à
Igreja Católica siro-malancar. Todos os quarenta têm entre trinta e
trinta e cinco anos, com vários
anos de sacerdócio.
Quem os guia é o padre Varghese Kurisuthara: é siro-malabar
e vem de Kerala. Dirige o São
João Damasceno há quatro
anos, depois de ter passado nove
como vice-reitor. Depois dos estudos e da ordenação sacerdotal
na Índia, obteve na Academia
Alfonsiana o doutorado em Teologia Moral, disciplina que hoje
leciona no Teresianum, a Faculdade Teológica do Colégio Internacional dos Carmelitas Descalços de Santa Teresa de Jesus e
de São João da Cruz.
Padre Varghese pertence à
província de Malabar da ordem
dos carmelitas descalços. “O papel dos carmelitas foi extremamente importante na história dos
cristãos de São Tomé”, explica o
reitor. “Foram enviados pelo papa Alexandre VII sob a jurisdição
da Congregação de Propaganda
R
Pontifício Instituto São João
Damasceno com o cardeal
Leonardo Sandri, prefeito da
Congregação para as Igrejas
Orientais, por ocasião da bênção
da iconostase, em 4 de outubro
de 2010
Abaixo, São Tomé num ícone
conservado no átrio do instituto
Fide, em meados do século XVII,
com a finalidade de reunir os fiéis
e levar a paz aos constantes conflitos entre os missionários portugueses e os cristãos de São Tomé.
Foram tão estimados pelos cristãos indianos, sobretudo em Kerala, que inspiraram até mesmo
congregações carmelitas locais”.
Entre os sacerdotes hóspedes
do São João Damasceno há estudantes da Congregação Missionária do Santíssimo Sacramento, da
Congregação Vicentina, da Congregação de Santa Teresa, da Sociedade dos Oblatos do Sagrado
Coração, da Ordem da Imitação
de Cristo e da Sociedade Missionária de São Tomé Apóstolo.
Todos os quarenta sacerdotes
chegaram a Roma graças às bolsas de estudo concedidas pela
Congregação para as Igrejas
Orientais. Alguns, para obter o
mestrado; a maior parte, para obter o doutorado: treze frequentam
os cursos de Direito Canônico e
de Liturgia Oriental no Pontifício
Instituto Oriental. Os outros estudam sobretudo teologia e filosofia
nas outras universidades pontifícias. “Este instituto, inaugurado
em 4 de dezembro de
1940, foi fortemente desejado pelo papa Pio XII,
quer para os sacerdotes
provenientes das Igrejas
orientais que não tinham
casas de formação próprias, quer para aqueles
que desejavam exercer
seu ministério sacerdotal
no Oriente. Na época,
não havia nenhum indiano”, conta padre Varghese. “O Papa quis dar-lhe
o título de João Damasceno pela afeição do santo ao papado e por sua
devoção particular à Mãe
de Deus”.
Naqueles anos, os seminaristas e os sacerdotes indianos se alojavam
numa ala do Pontifício
Colégio Russicum. Em
seguida, foram instalados
no Colégio Pio Romeno,
pois o regime comunista
proibia aos sacerdotes romenos ir a Roma. Depois, em 1993, o insti- ¬
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Colégios eclesiásticos de Roma
tuto foi transferido para a sede
atual, uma ex-clínica, incrustada
numa densa rede de ruas entre as
basílicas de São João de Latrão e
da Santa Cruz de Jerusalém, adquirida pela Congregação para as
Igrejas Orientais e completamente reformada.
O São João Damasceno responde diretamente ao prefeito da
Congregação para as Igrejas
Orientais, o cardeal Leonardo
Sandri. E, desde o ano acadêmico
1996-1997, é reservado exclusivamente aos alunos pertencentes
à Igreja Católica siro-malabar e à
Igreja Católica siro-malancar.
Um instituto
para duas Igrejas
A rotina do instituto, explica-nos
o reitor, começa com a missa da
manhã, às 6h30. É celebrada nos
dois ritos, nas respectivas capelas:
na maior, os malabares, no rito siro-malabar; na menor, os malancares, no rito siro-antioqueno.
“Depois celebram também a missa em rito latino, todos juntos.
Uma espécie de ‘exercício’ para
quando vão celebrar a missa, no
domingo, nas paróquias romanas, ou também no Natal e na
Páscoa. Ou ainda no verão, quando os sacerdotes indianos vão dar
uma ajuda em muitas paróquias
na Itália e na Alemanha”.
Além disso, por testemunho direto desta que escreve, é possível
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O reitor do Instituto,
padre Varghese Kurisuthara
Santa missa em rito siro-malabar
celebrada na igreja romana
de Santa Maria do Pórtico,
em Campitelli
dizer que no instituto se goza de
uma excelente arte culinária: duas
vezes por semana, os pratos são
de origem indiana; no outros dias,
italiana.
Perguntamos a padre Varghese o que farão esses sacerdotes,
quando voltarem à Índia. “Uma
parte deles vai lecionar nos seminários, outra será empregada na
cúria episcopal, na pastoral da juventude e na catequese diocesana. Outros serão párocos”.
Em Kerala, os siro-malabares e
os siro-malancares dirigem várias
escolas católicas, de toda ordem e
grau, onde desenvolvem os currículos normais definidos pelo Estado. “E as despesas ficam em grande parte a cargo das Igrejas. Além
dos católicos, essas escolas são
frequentadas também por um
grande número de estudantes hindus, pelo altíssimo nível de educação que é oferecido. Graças às escolas católicas, Kerala é o estado
mais instruído da Índia”. Na Índia,
os católicos – de rito latino, siromalabar e siro-malancar – são no
total 17 milhões: menos de 2% da
população indiana.
As três Igrejas, juntas, administram vinte e cinco mil escolas.
Sem contar milhares de casas para viúvas e órfãos, abrigos para leprosos e doentes de Aids, hospitais e casas de repouso. Em Kerala, onde os cristãos são 22% da
população, a educação, também
entre as mulheres, ostenta os níveis mais altos de toda a Índia. É
também o estado com os mais elevados índices de leitura. Desde
2008 é impressa em malayalam,
a língua local, uma edição semanal do L’Osservatore Romano,
administrada pelos car melitas
descalços da província de Malabar. Além disso, Kerala é o estado
em que se encontra a mais alta taxa de pluralismo religioso: enfim,
um exemplo vivo de convivência.
“Nas escolas católicas, abertas
a todos, são desenvolvidos os
programas escolares previstos
pelas leis do Estado. Há ainda
cursos específicos para os estudantes cristãos, que incluem doutrina, ética e moral”.
Qual é o motivo da grande vitalidade da Igreja siro-malabar, que,
com mais de quatro milhões de
À esquerda,
os estudantes do Instituto
no refeitório
Abaixo,
São João Damasceno
num ícone pintado
por Lauretta Viscardi,
conservado
no átrio do instituto
fiéis, representa a Igreja oriental
mais vigorosa e em rápido crescimento de toda a cristandade? Sozinha, é responsável por quase
70% das 120 mil vocações de toda a Índia católica. Nesse estado,
quase todas as dioceses têm um
seminário menor, e essa é uma
das poucas regiões capazes de
“exportar” sacerdotes e freiras.
“Tudo deriva das famílias, em
que o apego à oração do ângelus,
ao santo rosário e à santa missa é
fortíssimo, comovente”, revela o
reitor. “Os pais e as mães, mas
também os avós, ensinam às
crianças, desde bem pequenas, o
sinal da cruz e as primeiras orações. Enfim, elas aprendem tudo
isso com o leite materno. Consequentemente, a família é um ambiente que favorece o aparecimento de vocações sacerdotais,
que são tidas em grande consideração pelas famílias”.
A diocese de Adilabad:
uma Igreja florescente
Os sacerdotes católicos siro-malabares vivem uma situação paradoxal: sua Igreja está entre as
mais florescentes de toda a cristandade, mas fora de Kerala eles
se veem em terra de missão. “Para exercer melhor a nossa missão
e formar os fiéis segundo as nossas tradições, precisaríamos de
eparquias nossas. É por isso que
há muito tempo pedimos ao Santo Padre uma jurisdição maior,
fora de Kerala”, diz-nos padre
Prince Panengadan Devassy,
que está em Roma para obter o
mestrado em Teologia Bíblica na
Universidade Urbaniana.
Ele vem da cidade de Thrissur,
onde frequentou os ensinos fundamental e médio; depois, fez
dois anos de seminário em Bangalore, no estado de Karnataka,
para estudar filosofia. “Em seguida, fui em missão para a eparquia de Adilabad, no estado de
Andhra Pradesh, na Índia centrooriental”.
Adilabad é uma das mais jovens eparquias da Índia, criada
pelo papa João Paulo II em 23 de
junho de 1999. Antes disso, fazia
parte da diocese de Chanda, que
se estendia pelos estados de Maharashtra e Andhra Pradesh,
com duas línguas e duas culturas
diferentes.
Os primeiros sacerdotes siromalabares chegaram a Adilabad
em 1962. Lá, fundaram escolas
para promover o acesso das
crianças mais pobres à educação.
Nas aldeias, depois, os missionários trabalharam intensamente
para melhorar as condições sociais
do povo. Especialmente no âmbito
da saúde e da alimentação. E mui-
tas pessoas, atraídas pelo esplêndido testemunho dos missionários,
escolheram a vida cristã. Hoje, a
Igreja de Adilabad conta com 15
mil católicos, com sessenta sacerdotes todos indianos, vinte e quatro
dos quais diocesanos, e com sete
vocações locais.
Padre Prince é testemunha
ocular de tanta beleza. “Para poder-me comunicar com essa gente
tive de estudar a língua deles. Em
Kerala, falamos o malayalam. No
estado de Andhra Pradesh, o telugu. Até a escrita é completamente
diferente”, conta.
Depois dos anos que passou
em Adilabad, padre Prince teve ¬
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Colégios eclesiásticos em Roma
de ir para o norte, para Madhya
Pradesh, para estudar teologia
durante quatro anos. Depois foi
ordenado sacerdote e de novo
voltou a Adilabad por mais dois
anos. Perguntamos a ele, agora, o
que significa fazer missão em
meio a um oceano de hindus e a
um grande número de muçulma-
lhadas pelas grandes áreas rurais
habitadas por pequenos agricultores e criadores de gado. Não dizemos nada de Jesus e do Evangelho, mas assistimos os doentes e
ajudamos os mais pobres. Depois
perguntamos aos pais se querem
deixar seus filhos conosco para
que estudem gratuitamente. Qua-
se todos permitem. E então levamos as crianças para as nossas escolas, onde ensinamos as matérias
curriculares. É essa a primeira fase
da missão. Ou seja, aquela em que
buscamos construir uma relação
forte com as pessoas por meio de
ajuda a suas necessidades. Muitos
missionários não mediram esforços para levar eletricidade e água
para os vilarejos isolados”.
“Em seguida, só quando se estabeleceu uma relação de confiança mútua, procuramos tornáAcima, crianças na escola católica
de Champakulam, em Kerala,
durante o almoço; à direita, A Última ceia,
ícone pintado por padre Jacob Kooroth,
conservado no refeitório do Instituto
nos. “É a maravilha da nossa cultura indiana. A Índia deu origem a
diversas religiões e acolheu todas
as religiões do mundo. Os indianos são tolerantes, pacíficos e
acolhem a todos. Respeitar as outras religiões e acolher o bem de
braços abertos, de onde quer que
ele venha, é a característica da
cultura indiana. Cada um tem a liberdade de crer na religião que
prefere”, acrescenta o jovem sacerdote. “Para nós, fazer missão
significa em primeiro lugar ir simplesmente visitar as aldeias espa52
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À esquerda,
estudantes
do seminário menor
Saint Paul,
na diocese
de Irinjalakuda,
em Kerala
Abaixo,
o batismo na igreja
de Saint Alex,
em Calangute,
no estado de Goa
los conscientes da dignidade da
vida e dos direitos humanos. Às
vezes colaboramos para emancipá-los da exploração e da injustiça”, diz ainda padre Prince Panengadan Devassy. “Depois de
algum tempo de serviço nos vilarejos e nas escolas, acontece,
com muita frequência, que as
pessoas nos perguntam a respeito da nossa religião e do nosso
Deus. Nessa altura nós falamos
explicitamente de Jesus. Não
pregamos Jesus com a força e
não procuramos converter ninguém com
incentivos. Mas procuramos dar testemunho
de Jesus por meio da
nossa vida, amando todas as pessoas sem nenhuma distinção. Esse
nosso modo de viver
atrai as pessoas, que
são impelidas a nos
perguntar de onde
vem a nossa capacidade de acolher a todos,
ricos e pobres, quem é
realmente Jesus e o
que é o Evangelho. Para facilitar a compreensão da nossa fé,
às vezes projetamos filmes sobre a vida do
Senhor em alguma sala ou no espaço público do vilarejo, já que
quase ninguém possui
aparelho de televisão. A coisa
mais bonita é que muitas dessas
pessoas, sobretudo as crianças,
fazem experiência pessoal de Jesus. Porque, graças à oração e à
relação pessoal com Ele, veem
uma correspondência na sua vida, têm uma resposta às suas perguntas, como nunca lhes acontecera antes. É claro que muitos
não querem saber de Cristo. Mas
aqueles que dizem “sim” recebem
uma fé fortíssima. Enfim, nós não
convertemos ninguém, mas as
próprias pessoas se convertem
sob a ação da graça divina. É uma
escolha delas. E nesse contexto o
Estado garante a liberdade de
crer na religião escolhida por cada um. Essa é a terceira fase da
missão”, conclui padre Prince. “É
compreensível que todas as pessoas que servimos e ajudamos
não cheguem ao mesmo ponto.
Muitas ficam na primeira ou segunda fase. Apesar disso, não
deixamos de desenvolver o minis-
tério. Continuamos a servir essa
gente, pois as nossas atividades
não visam a conversão, que é
obra do Espírito Santo, mas a
proposta respeitosa e livre”.
Nesse meio-tempo, Benedict
Kurian, da Igreja Católica siromalancar, vem fazer parte da
conversa. Ele é originário da
eparquia de Mavelikara, sufragânea da arquieparquia de Trivandrum. Ordenado em 2002, foi
pároco por quatro anos em Amburi, no estado de Kerala. Em Roma desde 2007, está para obter o
doutorado em Direito Canônico
Oriental com uma tese sobre os
direitos e os deveres dos leigos.
“Gosto muito de Roma. Até porque na Índia, na escola, estudamos a história do Império Romano em profundidade”, conta.
Perguntamos a ele o
que têm de tão particular os católicos siro-malancares, que voltaram
à comunhão com Roma apenas em 1930.
“A diferença em relação aos nossos irmãos
malabares está apenas
na liturgia; a nossa é siro-antioquena. A da
Igreja siro-malabar provém da tradição caldeia. Uma das particularidades da nossa liturgia é o fato de
celebrarmos a missa com o sacerdote voltado sempre para o altar, e
os nossos fiéis são muito apegados
à nossa tradição litúrgica”, explica
padre Benedict.
“A reunificação com o sucessor de Pedro, o papa, foi realizada por cinco pessoas. Hoje somos 500 mil. E em nossa Igreja
nasceram também duas congregações femininas – denominadas
Sisters of the Imitation of
Christ e Daughters of Mary – e
uma congregação masculina, Order of Imitation of Christ. Nós,
siro-malancares, temos a mesma
tradição apostólica, a mesma origem dos siro-malabares. Somos
também herdeiros dos cristãos de
São Tomé. E nós também, como
os nossos irmãos malabares, pedimos à Santa Madre Igreja de
Roma que nos ajude, que estenda
a nossa jurisdição”.
q
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