4 | O Primeiro de Janeiro opinião Segunda-feira, 6 de Fevereiro de 2012 O LONGO CAMINHO DA REABILITAÇÃO URBANA DESTINO, OU COINCI No passado dia 16 de Janeiro, a Direção da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário foi recebida pelo Senhor Primeiro Ministro, a quem apresentou as suas preocupações com a degradação acelerada da situação económica das empresas da fileira que enfrentam uma enorme escassez de trabalho e um autêntico bloqueio no acesso ao crédito. Por ironia, no mesmo dia em que se celebrou um acordo histórico de concertação social, verificou-se que, ao contrário do que julgávamos, existe afinal uma José de Matos* profunda divergência entre o setor e o governo acerca do papel da reabilitação para a recuperação do crescimento económico e do emprego. Isto é, a reabilitação não é urgente nem é decisiva. Mais, na opinião do Governo, nem sequer será “tábua de salvação” para o setor porque não é rentável, já que é mais caro reabilitar que construir de raiz. Por isso, os apelos do setor para que se abreviasse o processo legislativo de revisão do regime legal do arrendamento urbano e se introduzisse imediatamente a aplicação da taxa liberatória em IRS aos rendimentos provenientes das rendas acabaram por não ter eco. O Primeiro Ministro admitiu mesmo que uma “eventual” alteração do quadro fiscal nunca ocorrerá antes de Janeiro de 2013. Mas não é só a reabilitação urbana que deixou de ser prioridade, a reabilitação das escolas, dos tribunais, etc., também são questões adiadas. E, se nos casos em que é preciso pôr dinheiro público se entende o compasso de espera, já não se compreende que, no que apenas concerne aos mercados, o Governo não se preocupe em garantir as condições legais e fiscais para o seu funcionamento regular. Esta “desistência” da reabilitação urbana, pelo que ela pode representar para a melhoria das condições de habitabilidade das famílias, para a modernização e competitividade das nossas cidades, para a melhoria da eficiência energética dos edifícios, para o aumento da mobilidade, para salvaguarda dos valores arquitetónicos e culturais, para valorização do património imobiliário e, também para a recuperação da economia, baseada em recursos maioritariamente nacionais, é, à primeira vista, surpreendente, mas encerra outras leituras em termos da estratégia que lhe estará subjacente e importantes consequências. Para o Governo, o setor da construção cresceu demasiado e terá forçosamente que reduzir a sua dimensão. As falências e o desemprego serão uma consequência desagradável mas necessária. A recusa de uma política que dinamize a atividade da construção explica-se ainda porque este setor mobiliza uma enorme fatia do crédito disponível para a economia (cerca de um terço do crédito total às empresas), tornando-se necessário libertar esses recursos, reconhecidamente escassos, para as empresas produtoras de bens transacionáveis. Nesta perspetiva, a atividade da construção é relegada para um ugar secundário e a reabilitação pode continuar a esperar… Depois de tantos erros acumulados, depois de anos de desprezo da reabilitação e do mercado de arrendamento, circunstâncias que conduziram à ruína dos centros históricos das nossas cidades e a uma “bolha imobiliária” que tem vindo a esvaziar desde 2002, só faltava que as dificuldades da situação do país conduzissem a atitudes precipitadas e, naturalmente, erradas. A reabilitação urbana não é só consumo de recursos e de crédito, é uma atividade que cria valor para as famílias e para a economia, que sustenta emprego, que mantém fábricas a trabalhar e a exportar, que permitirá pagar as dívidas do setor à banca, que confere atratividade turística e que gera enorme receita para o Estado. Nas condições atuais, a reabilitação é uma oportunidade para a construção e para o País. Nem a reabilitação é adiável, nem o setor da construção é descartável. O setor vive uma situação perfeitamente dramática e se não lhe for dada uma oportunidade arrisca-se a uma “crise descontrolada” suscetível de fazer perigar o cumprimento do acordo com a troika e a estabilidade do sistema bancário. Vamos todos perceber isso muito rapidamente. Mas será a tempo? *Secretário-geral da APCMC 4 | O Primeiro de Janeiro opinião Segunda-feira, 6 de Fevereiro de 2012 O LONGO CAMINHO DA REABILITAÇÃO URBANA DESTINO, OU COINCI No passado dia 16 de Janeiro, a Direção da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário foi recebida pelo Senhor Primeiro Ministro, a quem apresentou as suas preocupações com a degradação acelerada da situação económica das empresas da fileira que enfrentam uma enorme escassez de trabalho e um autêntico bloqueio no acesso ao crédito. Por ironia, no mesmo dia em que se celebrou um acordo histórico de concertação social, verificou-se que, ao contrário do que julgávamos, existe afinal uma José de Matos* profunda divergência entre o setor e o governo acerca do papel da reabilitação para a recuperação do crescimento económico e do emprego. Isto é, a reabilitação não é urgente nem é decisiva. Mais, na opinião do Governo, nem sequer será “tábua de salvação” para o setor porque não é rentável, já que é mais caro reabilitar que construir de raiz. Por isso, os apelos do setor para que se abreviasse o processo legislativo de revisão do regime legal do arrendamento urbano e se introduzisse imediatamente a aplicação da taxa liberatória em IRS aos rendimentos provenientes das rendas acabaram por não ter eco. O Primeiro Ministro admitiu mesmo que uma “eventual” alteração do quadro fiscal nunca ocorrerá antes de Janeiro de 2013. Mas não é só a reabilitação urbana que deixou de ser prioridade, a reabilitação das escolas, dos tribunais, etc., também são questões adiadas. E, se nos casos em que é preciso pôr dinheiro público se entende o compasso de espera, já não se compreende que, no que apenas concerne aos mercados, o Governo não se preocupe em garantir as condições legais e fiscais para o seu funcionamento regular. Esta “desistência” da reabilitação urbana, pelo que ela pode representar para a melhoria das condições de habitabilidade das famílias, para a modernização e competitividade das nossas cidades, para a melhoria da eficiência energética dos edifícios, para o aumento da mobilidade, para salvaguarda dos valores arquitetónicos e culturais, para valorização do património imobiliário e, também para a recuperação da economia, baseada em recursos maioritariamente nacionais, é, à primeira vista, surpreendente, mas encerra outras leituras em termos da estratégia que lhe estará subjacente e importantes consequências. Para o Governo, o setor da construção cresceu demasiado e terá forçosamente que reduzir a sua dimensão. As falências e o desemprego serão uma consequência desagradável mas necessária. A recusa de uma política que dinamize a atividade da construção explica-se ainda porque este setor mobiliza uma enorme fatia do crédito disponível para a economia (cerca de um terço do crédito total às empresas), tornando-se necessário libertar esses recursos, reconhecidamente escassos, para as empresas produtoras de bens transacionáveis. Nesta perspetiva, a atividade da construção é relegada para um ugar secundário e a reabilitação pode continuar a esperar… Depois de tantos erros acumulados, depois de anos de desprezo da reabilitação e do mercado de arrendamento, circunstâncias que conduziram à ruína dos centros históricos das nossas cidades e a uma “bolha imobiliária” que tem vindo a esvaziar desde 2002, só faltava que as dificuldades da situação do país conduzissem a atitudes precipitadas e, naturalmente, erradas. A reabilitação urbana não é só consumo de recursos e de crédito, é uma atividade que cria valor para as famílias e para a economia, que sustenta emprego, que mantém fábricas a trabalhar e a exportar, que permitirá pagar as dívidas do setor à banca, que confere atratividade turística e que gera enorme receita para o Estado. Nas condições atuais, a reabilitação é uma oportunidade para a construção e para o País. Nem a reabilitação é adiável, nem o setor da construção é descartável. O setor vive uma situação perfeitamente dramática e se não lhe for dada uma oportunidade arrisca-se a uma “crise descontrolada” suscetível de fazer perigar o cumprimento do acordo com a troika e a estabilidade do sistema bancário. Vamos todos perceber isso muito rapidamente. Mas será a tempo? *Secretário-geral da APCMC