Irmãos Martins e Vaz Guedes aliam-se no negócio do solar
Painéis solares: dois terços do mercado para uma única empresa
Por Lurdes Ferreira
A APISolar está contra a lista de condições de acesso aos incentivos por parte das
empresas
Na semana em que arrancam os incentivos à compra de painéis solares térmicos, a
indústria do sector agita-se: o grupo Martifer e a Ao Sol, empresa de Diogo Vaz
Guedes, preparam-se para anunciar uma parceria no negócio dos painéis solares
térmicos.
A Associação Portuguesa da Indústria Solar (APISolar) poderá avançar com uma
providência cautelar contra os novos incentivos do Governo aos painéis solares; e
os fornecedores austríacos, que representam uma boa parte do mercado, poderão
também contestar a medida anunciada por José Sócrates há pouco mais de duas
semanas no Parlamento.
A parceria entre o grupo dos irmãos Martins e a empresa que Diogo Vaz Guedes
comprou há mais de três anos à Galp Energia está a ser negociada, e poderá levar
mesmo a uma fusão desta com a primeira, segundo admitem fontes do mercado.
Não foi possível uma resposta dos respectivos gestores.
Nos últimos dias, o ministro da Economia, Manuel Pinho, foi acusado de beneficiar
os interesses do grupo Martifer - que não produz até agora painéis solares térmicos.
Embora tenha a Martifer Solar, o grupo dos irmãos Martins dedicou-se até agora
apenas à montagem de mídulos fotovoltaicos, importados da Alemanha (Kuka) e da
China (Solarfun), como consta da sua página na Internet.
Para a produção de solar térmico, o grupo com sede em Oliveira de Frades tem
pronta a lançar a Martifer Ener-Q. A sua apresentação ao mercado já esteve prevista
na semana passada, mas os protestos liderados pela APISolar adiaram o evento.
É com a nova participada para o solar térmico que a Martifer deverá avançar com a
aliança com a Ao Sol. Esta empresa foi fundada por Manuel Collares Pereira,
investigador do INETI que desenvolveu a tecnologia. Tem hoje como accionista
Diogo Vaz Guedes, o gestor que vendeu o grupo Somague aos espanhóis da Sacyr
Vallhermoso e é hoje presidente da Privado Holding. Também Nuno Ribeiro da
Silva, actual presidente da Endesa Portugal e da SPES-Sociedade Portuguesa de
Energia Solar, esteve inicialmente ligado ao projecto, tendo-se entretanto afastado.
Se para a Martifer esta pode ser uma nova fonte potencial de receita, depois de um
rápido crescimento que culminou com a entrada recente no negócio das minas e a
consolidação de uma grande proximidade ao actual Governo, também a é para a Ao
Sol. A empresa de Vaz Guedes encontra-se numa crise que tem afectado a sua
laboração.
Aparentemente, a aliança entre as duas empresas está já assumida, já que
documentos do Governo em circulação desde a semana passada colocam-nas lado
a lado. Outra grande empresa considerada favorecida pela medida do Governo é a
Vulcano, do grupo alemão Bosch, que foi, aliás, a primeira a manifestar a sua
satisfação pela iniciativa do executivo, logo após o seu anúncio.
Face às condições impostas pelo Governo para as empresas poderem fazer parte
da lista de entidades com equipamentos abrangidos pelos subsídios à aquisição por
parte dos consumidores, a direcção da APISolar terá já decidido avançar, segundo
um dos seus membros, com uma providência cautelar. As empresas austríacas que
vendem equipamentos no mercado nacional, através de representações, também
poderão avançar com processos contra a medida do Governo.
As empresas austríacas contam com o acompanhamento da situação por parte da
respectiva embaixada em Lisboa. Contactada pelo PÚBLICO sexta-feira passada, a
representação diplomática respondeu que primeiro é necessário ver os termos
exactos em que as novas regras vão funcionar, a partir de hoje. Com uma forte
presença de negócios neste sector em Portugal, os austríacos querem ver
"aplicadas as regras europeias da concorrência".
Depois dos protestos de sexta-feira, a APISolar, que representa um sector disperso
por cerca de quatro mil empresas, poderá decidir-se por uma providência cautelar
contra a medida do Governo, caso o ministro da Economia continue a recusar a
receber a associação em audiência.
A entidade está contra a lista de condições de acesso aos incentivos por parte das
empresas, sobretudo o ponto que obriga a empresa a uma capacidade de produção
e instalação anual acima de 50 mil metros quadrados de colectores solares. É mais
do que os estimados 47 mil metros quadrados instalados no país todo em 2007 e
abaixo dos 80 mil metros quadrados instalados no ano passado, também em
estimativa.
Se este valor for levado à letra, significa que uma única empresa terá que responder
por mais de dois terços do actual mercado nacional, tendo em contrapartida a
expectativa de um volume de vendas entre 20 a 30 milhões de euros anuais. E estes
são números que estão fora do alcance das pequenas empresas do sector.
De acordo com as contas das próprias empresas, apenas a Vulcano estaria
teoricamente em condições de aceder aos subsídios. A empresa diz ter produzido
no ano passado 160 mil metros quadrados de colectores solares (o dobro dos
instalados no país, o que indica produção para exportação e para stock). Quanto à
Ao Sol, diz instalar anualmente entre seis mil e oito mil metros quadrados.
Efeito desperdiçado
Os incentivos à instalação de colectores solares em 65 mil habitações individuais
não vão ter impacto no abastecimento energético do país, gerando apenas negócio
para algumas empresas, garante o dirigente do Geota, Manuel Ferreira dos Santos,
convicto de que "o Governo não fez o trabalho de casa". Lamenta que se tenha
desperdiçado a oportunidade para dirigir o consumo de energia solar para onde é
mais necessária - para os condomínios/prédios onde mora 60 por cento da
população -, o que "obrigaria a uma revolução" e a um salto na eficiência energética
do país. Dessa "revolução" faz parte a introdução de máquinas de lavar roupa
bitérmicas (duas fontes de aquecimento).
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