244 População e Sociedade
1. Fontes e Metodologia
Para verificar a nossa hipótese inicial resolvemos partir para a leitura dos discursos publicados nos Diários
das Sessões da Assembleia Nacional, no período que decorre entre a VI legislatura (1953-1957) e a VIII legislatura (1961-1965)20, de forma a abrangermos cronologicamente o período de conflito aberto entre a Argélia
e a França que decorreu entre 1954 e 1962 e que culminou, em 1962, com a independência daquela colónia
africana. Utilizando uma metodologia baseada na análise crítica do discurso que no âmbito da nossa dissertação de Doutoramento, já aplicámos a outras realidades21, a partir da leitura dos debates e da identificação do
tópico Argélia, foi possível construir uma base de dados informativa que permitiu recolher alguns indicadores
importantes para a análise, como seja o tipo de debate, a sua duração, o número e tipo de oradores, o tipo de
intervenção, os temas analisados e, por último, as características discursivas da intervenção.
A natureza específica do regime político salazarista impõe-nos, no entanto, algumas reservas metodológicas e explicações prévias. Em primeiro lugar, e tal como o qualificou Luís Sá, este período configurase como antiparlamentar, revestindo-se de uma particularidade que permitiu este autor falar mesmo de
bicamaralismo assimétrico, uma vez que “junto da Assembleia Nacional” funcionava também uma Câmara
Corporativa que, segundo o artigo 102.º da Constituição, era “composta por representantes de autarquias
locais e dos interesses sociais, considerados estes nos seus ramos fundamentais de ordem administrativa,
moral, cultural e económica, designando a lei aqueles a quem incumbe tal representação, o modo como
serão escolhidos e a duração do seu mandato”22. Neste sentido, o papel da Assembleia Nacional no sistema
político surge relativamente diminuído, não apenas devido ao papel central do governo, que detém capacidade legislativa autónoma, como face à própria Câmara Corporativa a quem compete, segundo o artigo
103.º da mesma Constituição, “relatar e dar parecer por escrito sobre todas as propostas ou projectos de
lei que forem presentes à Assembleia Nacional, antes de ser nesta iniciada a discussão”. Se a tudo isto
juntarmos o facto de a Assembleia Nacional funcionar apenas três meses em cada sessão legislativa e,
por outro lado, percebermos que se trata de uma representação limitada, na medida em que são eleitos
deputados apenas os nomes “propostos pela União Nacional” ou, mais tarde, pela Acção Nacional Popular23,
parece-nos, pelo menos à primeira vista, tratar-se de uma fonte documental irrelevante e sem qualquer
préstimo para a pesquisa histórica.
Esta seria a conclusão óbvia se a análise que fizéssemos às fontes fosse puramente de natureza legislativa.
No entanto, como demonstraram os estudos de R. Packenham sobre o Congresso Brasileiro durante o período
do regime militar, a função de um parlamento vai muito para além da simples produção legislativa, mesmo
sob um regime autoritário. Como este autor percebeu, de muito maior importância são as funções menos
evidentes, como as de legitimação do sistema ou da sua representação24. Ora, foi esta a perspectiva que nos
interessou primordialmente na presente análise. Ou seja, tentar perceber de que forma um parlamento diminuído nas suas funções, soube representar e expressar um problema político do seu tempo – o conflito entre
a França e a Argélia e a independência desta colónia, em 1962. Procurámos entender, assim, de que forma o
discurso político da Assembleia Nacional foi capaz de reforçar, ou não, a matriz ideológica colonial do regime,
especialmente quando posto directamente em causa pelos acontecimentos internacionais.
20 Diários das Sessões da Assembleia Nacional, transcrições completas disponíveis em: <http://debates.parlamento.pt/catalog.aspx?cid=r2.dan>
[consult. Março de 2009].
21 MAIA, 2002.
22 SÁ, 1994: 159-160.
23 SÁ, 1994: 160-161.
24 PACKENHAM, 1970: 521-582.
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1. Fontes e Metodologia Para verificar a nossa hipótese inicial