O CONCEITO DE NÚMERO CARDINAL EM OS
FUNDAMENTOS DA ARITMÉTICA DE FREGE
THE
CONCEPT
OF
CARDINAL
NUMBER
IN
THE
FOUNDATIONS OF THE ARITHMETIC OF FREGE
Eduardo Antonio Pitt
LABLE-UFSJ
Resumo: O livro Os Fundamentos da Aritmética de Frege mostra que seu
objetivo de apresentar uma definição para o número cardinal tem por base
preocupações matemáticas e filosóficas. Frege expõe suas concepções
ontológicas e epistemológicas a respeito dos números que, inevitavelmente,
o coloca em posição contrária aos matemáticos e filósofos das linhas
Empirista, Formalista e Psicologista. Suas convicções o levam a definir os
números como objetos lógicos que existem independentemente de os
pensarmos por meio da intuição e que devem ser associados às extensões
de conceitos. Apresentar essas idéias é o objetivo desse artigo.
Palavras-chave: Equinumerocidade. Extensões. Conceitos
Abstract: The book The Foundations of the Arithmetic of Frege shows that
your objective of presenting a definition for the cardinal number has for
foudation preoccupations mathematics and philosophical. Frege exposes
your conceptions ontological and epistemological in respect of the numbers
that, unavoidably, places him about opposite to the mathematical and
philosophers of the liners Empirist, Formalist and Psicologist. Your
convictions make him define the numbers like logical objects that exist
independently of the think by mean of intuition and that must be associated
at extensions of concepts. Introduce those ideas is the objective of that
article.
Key-words: Equinumerocity. Extensions. Concepts.
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1. Introdução
A
obra de Frege, Os Fundamentos da Aritmética
(1884) foi escrita longe do rigor técnico da
Conceitografia de 1879. Nesta obra, Frege
apresenta seu logicismo informalmente, em uma linguagem
mais acessível, esta postura se deve muito a pouquíssima
aceitação da Conceitografia. Os objetivos desta obra são de
caráter matemático e filosófico. Diríamos que os motivos
matemáticos de Frege são dois:
Estabelecer uma definição de número cardinal
Estabelecer um modo de construir provas sem
lacunas
Enquanto os motivos filosóficos se concentram na
discussão do status epistemológico dos números.
Frege argumentava contra Mill que era a favor da tese
que os números têm um caráter sintético a posteriori e contra
Kant que defendia o caráter sintético a priori dos números.
Frege era defensor da idéia que o status epistemológico dos
números é analítico a priori, uma vez que, considerava
analítico tudo aquilo que é provado a partir de axiomas,
teoremas, definições e regras de inferência, todos lógicos.
Como sabemos, o projeto logicista de Frege visava
fundamentar ou derivar a aritmética de axiomas lógicos, livres
de qualquer intuição, e sendo assim, caso Frege tivesse
sucesso no projeto logicista então estaria provado à
analiticidade da aritmética.
No entanto, para resolver a questão filosófica Frege
precisava resolver as questões matemáticas primeiro. Em
outras palavras, Frege precisava estabelecer uma definição
de número cardinal a partir das noções primitivas da lógica e
não poderia deixar lacunas nas demonstrações das provas da
aritmética porque isto abriria espaço à intuição, veremos
adiante como Leibniz comete tal engano. Todas as
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demonstrações e definições deveriam ser analíticas para que
estivesse garantido o status epistemológico dos números.
Nesse sentido, entendemos as razões de Frege ao considerar
o número um objeto puramente lógico e as leis fundamentais
da Lógica, assim como da Aritmética, sendo leis que não
fazem apelo a fatos particulares porque são leis gerais que
não necessitam de uma prova, daí o seu caráter a priori.
Entendemos que Frege procurou fundamentar a
aritmética em princípios puramente lógicos porque os
matemáticos se encontravam no meio de uma crise nos
fundamentos mais básicos de sua ciência. Então para resolver
uma das motivações matemáticas de Os Fundamentos da
Aritmética Frege precisava partir do conceito mais
fundamental e necessário para a aritmética: “o conceito de
número cardinal”. Como podemos ver em uma passagem da
introdução de Os Fundamentos da Aritmética:
Não constituirá então uma vergonha para a Ciência estar tão
pouco elucidada acerca do seu objeto mais próximo, o qual
deveria, aparentemente, ser tão simples? Menos provável
ainda é que se seja capaz de dizer o que o número é. Se um
conceito que está na base de uma grande ciência oferece
dificuldades, investigá-lo com mais precisão com vista a
ultrapassar essas dificuldades é bem uma tarefa inescapável
(Frege, s/d, p. 30).
Segundo Imbert (1971, p. 122), ao longo
investigação Frege adotou três princípios fundamentais:
da
1. É necessário separar com nitidez o que é psicológico do
que é lógico; o que é subjetivo do que é objetivo.
2. Só podemos perguntar pela denotação de uma palavra no
contexto de uma proposição e não a considerando
isoladamente.
3. Deve manter-se sempre presente a distinção entre conceito
e objeto.
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O primeiro ponto diz respeito à consideração de Frege
a palavra ‘representação’1. Frege distingue nitidamente aquilo
que é psicológico e provido de emoções, sem nenhuma
utilidade para a Lógica, daquilo que é objetivo e constitui o
seu interesse.
O segundo ponto, diz respeito à denotação2 das
palavras consideradas no contexto das proposições, onde
estas aparecem. Isto é uma condição para não aceitarmos as
imagens interiores que formamos quando analisamos as
palavras numéricas isoladamente, isto é, fora de uma
proposição completa e, portanto, insaturada.
O terceiro ponto pretende separar nitidamente conceito
e objeto. Enquanto o conceito (um tipo de função) é
insaturado o objeto é saturado. Frege classifica de insaturado
as expressões, como as funções, que possuem uma parte
necessitada de conteúdo, uma parte que requer um
complemento para exprimir um pensamento completo. Por
exemplo, o objeto é saturado porque a expressão do seu
nome próprio possui um sentido e uma referência.
O objetivo desse artigo é fazer uma análise do livro Os
Fundamentos da Aritmética. Para tanto, seguiremos a
seguinte estratégia: em (2) faremos uma exposição das
considerações de Frege a respeito da demonstrabilidade das
fórmulas numéricas e apresentaremos a discussão a respeito
do status epistemológico dos números, em (3) vamos expor
as críticas de Frege ao Empirismo, Psicologismo e
Formalismo, e em (4) apresentaremos a definição de número
cardinal de Frege.
1
Toda vez que ‘representação’ aparecer nesse artigo será no sentido de ato
psicológico.
2
A palavra ‘denotação’ é usada nesse artigo no sentido de significar, exprimir e não
como a tradução de ‘Bedeutung’.
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2. Considerações preliminares
2.1 A respeito do número e das fórmulas numéricas
Na seção introdutória do livro, Os Fundamentos da
Aritmética, Frege expõe o seu ponto de vista a favor da
possibilidade das fórmulas numéricas serem demonstráveis.
Segundo Frege, as tentativas anteriores não alcançaram o
devido sucesso porque a demonstrabilidade das fórmulas
numéricas careciam de um enquadramento rigoroso dos
conceitos dos números individuais em conceitos lógicos e de
uma lei geral lógica (Princípio de Hume) da qual todos os
corolários resultantes dela pudessem assegurar a
provabilidade lógica das fórmulas numéricas. Frege
estabelece uma distinção entre fórmulas do tipo “2 + 3 = 5”
que tratam das leis gerais válidas para todos os números e
apresenta opiniões divergentes como seguem:
1: Filósofos como Hobbes, Locke, Newton consideram essas
fórmulas numéricas indemonstráveis porque elas são tratadas
como axiomas e assim imediatamente evidentes.
2: Kant as considera indemonstráveis e sintéticas, mas não as
considera axiomas dado à sua falta de generalidade e porque
o seu número é infinito.
3: Frege apresenta a opinião de Hankel que classifica como
paradoxal essa pressuposição de infinitas verdades primitivas
indemonstráveis. Como fica a necessidade da razão em ter
uma visão panorâmica dos primeiros fundamentos? E ao
contrário do que pensam os filósofos do tópico ‘1’, será que é
de fato imediatamente evidente que 135 664 + 37 863 =
173527? A resposta não é justamente o motivo que levou
Kant a considerar tais proposições sintéticas.
Então como ficaria a indemonstrabilidade de tais
proposições se estas não são imediatamente evidentes? Kant
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recorre à ajuda da intuição de dedos e acaba esbarrando,
contra a sua própria posição, em condições empíricas, já que
a intuição de 37 863 dedos não é de todo uma intuição pura.
O que Kant quis considerar com tal posição foi a de que para
números pequenos recorremos à intuição e para números
grandes estes seriam demonstráveis. Mas, para Frege, essa
distinção entre números pequenos e grandes é um tanto vaga
na medida em que falta limites para traçar tal distinção.
Frege também expõe a opinião da demonstrabilidade
de Leibniz que não concorda com a evidencia imediata de tais
proposições. Tal opinião decorre do seguinte ponto de vista:
que 2 e 2 sejam 4 não constitui de todo uma verdade
imediata; isto pressupõe que 4 designa 3 e 1.
Definições:
2é1e1
3é2e1
4é3e1
Axioma: Se numa equação substituirmos iguais por
iguais, a igualdade mantêm-se.
Demonstração: 2 + 2 = 2 + 1 + 1 = 3 + 1 = 4
Def. 1
Def. 2
Def. 3
Logo, 2 + 2 = 4
Porém, Frege nos alerta para uma lacuna que se
apresenta devido à omissão dos parênteses. Falta na
demonstração de Leibniz a proposição: 2 + (1 + 1) = (2 + 1) +
1, a qual é um caso particular de: a + (b + c) = (a + b) + c.
Outra definição errada é a de H. Grabmann e de H.
Hankel, segundo Frege. Vejamos a definição: Se ‘a’ e ‘b’ são
qualquer membros da série fundamental, então entende-se
pela soma “a + b” aquele membro da série fundamental para o
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qual é válida a fórmula “a + (b + 1) = a + b + 1”. A objeção de
Frege é que nessa explicação a soma está sendo elucidada a
custa de si própria sem sabermos previamente o que significa
“a + b”. Aqui parece que os autores confundem adição e
soma3. A outra objeção é que se na série fundamental não
existisse qualquer membro ou vários com tais especificações,
“a + b” seriam sinais vazios. A falta de rigor nos faz abandonar
tais demonstrações.
Para Frege, então, as fórmulas numéricas seriam
deriváveis e demonstráveis a partir de três etapas; (i) chegar a
um conceito geral lógico de número cardinal, (ii) a partir do
conceito geral chegar a uma lei geral lógica (PH), (iii) tendo
satisfeito as duas condições anteriores chegar a uma correta
definição dos números individuais. Entretanto, essas
definições de números individuais não afirmariam fatos
observados porque, para Frege, número é um objeto lógico de
existência autônoma e de caráter objetivo e não um objeto
empírico.
2.2: A respeito do caráter analítico a priori das leis
aritméticas
Ainda na parte introdutória de Os Fundamentos da
Aritmética, Frege expõe a controvérsia com Kant a respeito do
caráter analítico e não sintético a priori como definiu Kant.
Como foi dito acima, um dos motivos que levou Kant a optar
pelo sintético a priori foi o fato dele não considerar como
imediatamente evidente a fórmula 135 664 + 37 863 = 173
527. Kant recorre à intuição pura para cálculos com números
pequenos e para números grandes seria necessária a
demonstração desses a posteriori. A distinção que Kant faz
para as fórmulas numéricas também se estende aos nomes
ou sinais de objeto. Segundo Frege (1978, p. 61), Kant leva
3
“Adição” é a operação matemática de adicionar, acrescentar e “Soma” é o resultado
de uma adição.
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em consideração as diferentes relações de igualdade a=a e
a=b. Kant considera as duas expressões como sentenças de
valor cognitivo diferentes. Enquanto a=a sustenta-se a priori e,
segundo Kant, deve ser considerada analítica, as sentenças
da forma a=b contêm extensões que ampliam nosso
conhecimento e nem sempre podem ser estabelecidas a
priori.
Juntamente com Kant podemos colocar os
matemáticos Baumann, Lipschitz e Hankel, pois todos eles
invocam uma intuição pura como último fundamento cognitivo.
Segundo Frege, Hankel recorre a três princípios para
fundamentar a teoria dos números:
1: eles tornam-se completamente evidentes uma vez
explicitados;
2: são válidos para todos os campos de grandezas de
acordo com a intuição pura de grandeza;
3: podem ser transformados em definições sem
perderem o seu caráter na medida em que se diga: por adição
de grandezas entenda-se uma operação que satisfaz estas
proposições.
Nesta última afirmação, encontra-se uma falta de
clareza porque nos leva a entender os números cardinais
como grandezas. Além disso, a expressão “intuição pura de
grandeza” levanta algumas resistências. É verdade que
existem coisas que estão subordinadas ao conceito de
grandeza como, os números cardinais, comprimentos, áreas,
volumes, ângulos, massas, intensidade de luz, etc. Agora a
expressão “intuição pura de grandeza” não é realmente
apropriada, pois não somos capazes de admitir uma intuição
pura de uma grandeza de valor 100 000, por exemplo. Então
é inevitável a pergunta de Frege, será que queremos entender
a adição dos números cardinais no sentido de grandeza?
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Frege adverte que a concepção de Kant de intuição
tem uma ampla ligação às nossas representações interiores.
O próprio Kant (s/d, p. 49) a definiu: “a intuição é uma
representação singular (repraesentatio singularis), o conceito
uma representação geral (repraesentatio per notas
communes)”. Para deixar ainda mais evidente na Crítica da
Razão Pura tematizada na Estética Transcendental, Kant
escreve: “os objetos são-nos, portanto dados através da
sensibilidade e só esta nos fornece intuições”(s/d, p. 49).
A intuição tomada nesse sentido se enquadra bem no
contexto da Geometria. Só conseguimos distinguir os pontos,
retas e planos quando estes são sensivelmente apreendidos
simultaneamente numa mesma intuição. Isto se explica
porque os pontos, retas e planos não possuem um caráter
individual e, portanto, podem funcionar como representantes
de toda a espécie. No caso dos números o problema é
diferente porque cada número tem a sua especificidade. Ao
estabelecer uma comparação entre a Geometria e a
Aritmética constata-se uma diferença entre as verdades de
cada uma em função dos domínios que elas regem. Esta
constatação testemunha contra a natureza empírica e
sintética das leis aritméticas. As verdades geométricas regem
o domínio do espacialmente intuível quer seja realidade física
ou psicológica e disso conclui-se que os axiomas da
geometria são independentes das leis lógicas gerais
primitivas, sendo, portanto, sintéticos. Ao contrário, as leis
primitivas fundamentais dos números são analíticas porque
podem ser obtidas pelas leis lógicas.
Outro ponto de vista a respeito do status
epistemológico dos números é de John Stuart Mill. A sua
definição, como dissemos anteriormente, aponta para o
sintético a posteriori. De acordo com Dummett (1991, p. 58)
Mill afirma que “O fato observado que corresponde à definição
de '3' é reivindicado ser que coleções de objetos existem que,
enquanto elas impressionam os sentidos assim ‘οοο’, podem
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ser divididas em duas partes, assim ‘οο ο’”. Mill também
deriva os cálculos de fatos observados a partir de coleções de
objetos. Frege em suas argumentações não economiza
críticas à Mill por assumir tal postura. As considerações
destinadas a rebater a posição a favor do sintético a
posteriori parecem que essa posição assumida por Mill é
menos plausível do que a posição defendida por Kant. Frege
destina as seguintes perguntas à Mill. Como ficaria então o
número 0? O ‘0’ seria um sinal vazio sem sentido? Quem
alguma vez observou um fato que represente um número do
tipo 1 000 000? Como poderia evoluir a aritmética com tais
exigências empíricas? Estas são perguntas colocadas por
Frege diante da explicação apresentada por Mill.
Para terminar a discussão sobre o caráter analítico das
leis aritméticas, Frege concorda com o caráter indutivo do
desenvolvimento da aritmética, mas aponta que as leis
estabelecidas indutivamente não são suficientes, pois sempre
será necessário derivar delas proposições que ampliem nosso
conhecimento. No entanto, o que interessa para o caráter da
discussão não é o modo de obtenção dos juízos, mas, sim o
tipo de fundamentos sobre os quais se apóia a sua
demonstração. E é justamente nesse ponto que Frege
estabelece a origem analítica das leis aritméticas.
3: Crítica de Frege a concepções sobre a natureza dos
números
3.1: Crítica ao Empirismo
A crítica de Frege ao empirismo se encontra
fortemente no capítulo II dos Fundamentos da Aritmética e é
norteada pela seguinte pergunta: Será o número cardinal uma
propriedade das coisas exteriores? Para os empiristas os
números teriam por base a experiência psicológica oriunda de
nosso conhecimento sensorial do mundo físico. Segundo
Claude Imbert (1971, p. 27), as dificuldades que Frege
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encontrou na definição de número cardinal se devem ao fato
dos matemáticos e filósofos frequentemente confundir a
aritmética racional com o ato de contar, vejamos como isso
decorre.
Frege se preocupa com a questão porque pretende
esclarecer se o conceito de número individual pode ser
retirado da linguagem vulgar que o associa sob uma forma
adjetiva e num contexto atributivo semelhante ao que
acontece com palavras como duro, pesado e vermelho, as
quais denotam propriedades das coisas exteriores.
Com esta posição concorda M. Cantor (s/d, p. 54) que
classificou a Matemática como uma ciência experimental, na
medida em que principiaria com a observação de objetos do
mundo exterior. Desta maneira, o número se formaria por
abstração a partir de objetos. Uma concepção igual tem
também E. Schrôder (s/d, p. 55) ao considerar que obtemos o
número a partir da realidade, a qual ele reproduziria, na
medida em que as diversas unidades reais seriam retratadas
pelo um. Ao serem retratadas, as unidades seriam
representadas apenas em função da sua frequência, neste
caso, frequência é apenas outra expressão para número
cardinal. Schrôder coloca, então, a freqüência ou número
cardinal a par com a cor e a forma e a considera como uma
propriedade das coisas.
Como contraponto, Frege apresenta a concepção de
Baumann (s/d, p. 55) que rejeita a idéia de abstração dos
números a partir das coisas exteriores, como acontece com as
cores, por exemplo. Para Baumann, chegamos ao número a
partir do nosso ponto de vista. Com isso podemos explicar a
situação em que pedimos a duas pessoas para classificar a
Ilíada e obtemos as respostas: para uma pessoa a Ilíada é um
poema e para a outra a Ilíada são 24 cantos. Da mesma
forma, a diferença essencial entre cor e número consiste no
fato
da
cor
azul
pertencer
a
uma
superfície
independentemente da nossa vontade. Ao contrário, eu nunca
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poderei dizer que o número 1 pertence a um baralho completo
porque posso me referir ao mesmo baralho como 52 cartas ou
4 naipes. Isso acontece devido ao nosso modo arbitrário de
apreensão.
Mill, Locke e Leibniz (s/d, pp. 56-57) estão de acordo
sobre a aplicabilidade dos números serem amplas. Mill é da
opinião que tudo aquilo que é composto de partes é composto
de partes dessas partes. Essa é uma verdade válida para
todos os fenômenos da natureza. Locke afirma que os
números encontram aplicação em pessoas, anjos e todas as
coisas que existem ou podem ser imaginadas. Leibniz
concorda com Locke que os números devem ser aplicados a
coisas incorpóreas e mais, chama o número uma figura
incorpórea, originada pela reunião de qualquer coisa como
Deus, anjo, uma pessoa e o movimento. Daí ele pensar ser o
número algo de sumamente universal e pertencente à
metafísica.
Frege, até esse ponto, concorda com tais idéias, com
restrição à de Leibniz, porque acredita que os números podem
ser aplicados a todas as espécies de coisas e não somente a
corpos físicos. Contudo diverge da opinião que devemos
aplicar aquilo que é de natureza sensível ao que não é
sensível. Por exemplo, quando vemos uma cor azul temos
uma impressão específica, a qual corresponde à palavra azul
e voltamos a reconhecê-la quando olhamos para outra
superfície azul. Se partirmos do princípio análogo, algo de
sensível corresponde à palavra três quando olhamos para um
triângulo.
Então teríamos que voltar a deparar com a mesma
entidade sensível, no caso de nos encontrarmos diante de
três conceitos. E isso sabemos não ocorre.
Entretanto, enquanto que para Mill o número é algo de
físico, para Locke e Leibniz ele consiste apenas numa idéia.
Com efeito, Mill afirma que dois cavalos é algo de fisicamente
diferente de três cavalos, mas, como pergunta Frege: concluiRevista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable)
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se daqui que a díade ou a tríade sejam algo de físico? Ou
como apontar as diferenças físicas entre dois conceitos e três
conceitos? Outro ponto que Mill parece não atentar é que
existe uma igualdade de fenômeno sensível entre um par de
botas e duas botas. Ele não enxergou a diferença numérica
entre dois e um par de botas.
Outro ponto de vista interessante, mas igualmente
equívoco é o de Berkeley (s/d, p. 58) que vê o número
inteiramente como criação da consciência e não como algo
que exista realiter nas coisas mesmas. A consciência então
pode combinar idéias e a partir desse momento conceituá-la
de unidade. De acordo com a combinação de idéias variaria a
unidade e assim variaria o número. É claro que Frege rejeita
esta idéia por ela estar carregada de psicologismo, o qual irei
tratar agora.
3.2: Crítica ao Psicologismo
Continuamos a analisar o capítulo II dos Fundamentos
da Aritmética porque nele se encontra a controvérsia entre
Frege e os psicologistas. Estes defendem que os números
têm por fundamento objetos de natureza psicológica e
subjetiva produzidos pelas leis inerentes ao pensar. Com essa
teoria eles queriam incluir a lógica como um mero ramo da
psicologia. A argumentação que Frege irá usar será no
sentido: Será o número algo de subjetivo?
Negar que o número seja abstraído das coisas
exteriores para cairmos em uma representação psicológica
como fundamento deste é o erro que Berkeley cometeu, mas,
em compensação ele não se encontra sozinho. Em
companhia a Berkeley podemos citar Lipschtz que precede a
concepção do número uma visão panorâmica de coisas, para
tanto, é necessário criar uma visão de algo particular e ir
acrescentando sempre uma coisa nova à anterior.
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Ora nessas condições não se chegará nunca à
demonstração rigorosa de uma proposição aritmética e nada
se acrescenta a respeito das propriedades dos números.
Frege argumenta que a concepção de número não depende
em nada das representações mentais porque o número não é
objeto da psicologia, mas sim algo de objetivo. Frege
estabelece uma distinção entre aquilo que é objetivo, subjetivo
e aquilo que é espacial, real. Por exemplo, o eixo da terra ou o
centro de gravidade do sistema solar são objetivos do ponto
de vista do sentido, a representação em nossas mentes
desses nomes é subjetiva, mas ambos não são reais como o
planeta Terra.
Deste modo, Frege entende por objetividade a
independência em relação às nossas faculdades sensoriais,
intuitiva e representativa, bem assim como em relação à
nossa faculdade de formar imagens interiores a partir de
memórias de sensações anteriores, mas não a independência
em relação à razão.
Assim, Frege lança a sua crítica também a descrição
de Schlomilch (s/d, p. 60) pois este chama ao número uma
representação do lugar de um objeto numa série. Ora, se
número fosse representações deveria existir vários números
‘5’, pois cada um de nós teria a sua representação. Também a
mesma pessoa pode representar o mesmo ‘5’ de diferentes
maneiras ao decorrer de um dia porque nossas
representações carregam bastante das emoções que
sentimos. E, se isto fosse verdade, operações numéricas
nunca teriam qualquer objetividade porque o que
representaria para mim “2 + 2” não representaria a mesma
coisa para você e para outras milhões de pessoas que
existem. Sendo assim, Frege chega à conclusão de que o
número nem é espacial e físico tal como são as
demonstrações de Mill, nem é algo de subjetivo como o são
as representações, sendo antes insensorial e objetivo.
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3.3: Crítica ao Formalismo
As críticas de Frege recorrentes às teorias formalistas
se encontram precisamente na conclusão de Os
Fundamentos da Aritmética e apontam para a discussão da
natureza dos números negativos, fracionários, irracionais e
complexos. Não é de se estranhar controvérsias entre as
teorias formalistas e o logicismo proposto por Frege quando
se toma conhecimento do método arbitrário proposto por
Hankel e Kossak que são citados na obra que é fonte de
análise desse artigo.
Segundo Dummett (1991, p. 252), “o Formalismo
radical é a doutrina em que a fórmula de uma teoria
matemática não expressa enunciados genuínos que podem
ser verdadeiros ou falsos, mas são meramente seqüências
desinterpretadas de símbolos – letras em um alfabeto no
sentido generalizado – conforme regras prescritas da
manipulação matemática”. O que Dummett diz é que o
Formalismo radical apresenta tais pressupostos: privilegia a
forma das fórmulas matemáticas e não dá valor ao conteúdo
das mesmas, considera a matemática uma ciência livre de
contradições, considera não existir objetos matemáticos e sim
fórmulas matemáticas livres de significado e valor lógico e por
fim considera a matemática pura um mero “jogo lingüístico”
sem sentido com regras estabelecidas (axiomas) assim como
o xadrez. Com isso, somos obrigados a reconhecer o salto
qualitativo que o logicismo de Frege deixou para a ciência
analítica.
Hankel em sua obra Theorie der Komplexen Zahlensysteme
(s/d, p. 103) comenta:
O número não é uma coisa, uma substância que exista
autonomamente fora do sujeito pensante e dos objetos que o
suportam, como aconteciam na época dos pitagóricos. Por
conseguinte, perguntar pela existência é algo que só pode ser feito
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a propósito do sujeito pensante ou dos objetos pensados, cuja
relação os números apresentam.
Para Frege, isso não faz sentido nenhum porque os
números não existem no interior dos sujeitos ou dos objetos.
Pelo contrário, Frege dá ao número um caráter objetivo
porque o mesmo número pode pertencer a várias pessoas e a
dependência deste aos estados interiores das pessoas retoma
a visão psicológica da questão e já demos, neste artigo,
atenção às considerações de Frege a respeito de tal
fundamentação.
Na seqüência, Hankel (s/d, p. 103) mostra outro ponto
de vista seu: “Para o matemático, só conta como impossível
em sentido estrito aquilo que é logicamente impossível, isto é,
que se contradiz a si mesmo. Que não se podem admitir
números impossíveis nesse sentido é algo que deve ser
demonstrado”.
Para Frege, um conceito continua sendo admissível
mesmo quando suas características envolvem uma
contradição o que não se pode pressupor é que algo caia sob
esse conceito. Outro detalhe, nem sempre a contradição é
evidente e quem poderá com certeza afirmar que ela não está
ali? Frege esclarece que em sentido estrito, a ausência de
contradição num conceito só pode ser mostrada por meio da
apresentação de uma prova de que algo caia sob esse
conceito.
Hankel e Kossak parecem não se preocupar com a
fundamentação dos conceitos porque são acusados por Frege
de caírem nesse erro quando a respeito da equação “x + b =
c”, dizem (s/d, p. 104): “É óbvio que, se b > c, não existe
qualquer número x na série 1, 2, 3, ... que resolva o problema:
a subtração é então impossível. Nada nos impede, no entanto,
de considerar, neste caso, a diferença (c – b) como um sinal
que resolve o problema...”.
Há, porém, para Frege, algo que nos impede de
admitir o sinal (c – b) como um sinal que resolva o problema.
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Este sinal é um sinal vazio, isto é, sem conteúdo. Enquanto
sinal ele possui determinadas propriedades físicas, mas não a
de somado com 3 dar 2. De modo análogo, poderíamos dizer
que
não
existe
nenhum
número
que
satisfaça
simultaneamente ambas as igualdades, “x + 1 = 2” e “x + 2 =
1”, mas nada nos impede de introduzir um sinal que resolva o
problema. É este o erro que padece a teoria formal dos
números fracionários, negativos e complexos, segundo Frege
(s/d, p. 105), “desde que em lado nenhum se esbarre com
uma contradição, considera-se como justificada a introdução
dos novos números, como se não fosse ainda possível
encontrar uma contradição escondida e como se a ausência
de contradição justificasse tal atitude arbitrária”.
Com esse método formalista de introdução arbitrária
de sinais vê-se que esses matemáticos se preocupam em dar
as instruções para a obtenção das definições, mas não as
próprias definições, ou seja, os formalistas não se preocupam
em estabelecer o sentido de um juízo de reconhecimento para
o caso dos números introduzidos. E isso perante a lógica
conceitual de Frege é inadmissível.
Kossak (s/d, p. 108) chega mesmo a afirmar a respeito
do número complexo que “ele consiste na representação
composta que reúne grupos heterogêneos de elementos
iguais entre si”. A respeito dessa afirmação não se chega à
denotação de “1 + i” porque pelo termo ‘representação’
entendemos que “1 + i” pode ser qualquer coisa menos a
definição de número complexo. Antes é necessário sabermos
o que ‘i’ denota para não introduzirmos na Aritmética algo que
lhe é alheio. Se recorrermos a representação geométrica dos
números complexos conseguimos precisar o contexto em que
este ocorre, mas de acordo com esta interpretação todo
número complexo fica dependente de uma intuição
geométrica o que o tornaria a posteriori ou, pelo menos,
sintético.
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Então, Frege elucida a questão de como são dados os
números negativos, fracionários, complexos e irracionais sem
recorrer à ajuda da intuição e sem introduzir sinais sem
conteúdos. Estes não serão misteriosos se estabelecermos o
“conteúdo de um juízo de reconhecimento, em outras
palavras, temos que procurar um conteúdo judicativo que
possa ser transformado numa igualdade, cujos lados serão
então precisamente os novos números” (Imbert, 1971, p. 35).
Há, portanto que se estabelecer corretamente a relação
biunívoca entre os objetos que caiam sobre os conceitos para
que os números sejam dados como extensões de conceito.
4: A definição de número cardinal em Frege
Uma das asserções preliminares de Frege a respeito
dos números cardinais é que cada número individual é um
objeto autônomo, isto é, um objeto saturado cuja existência
não depende de agentes externos. Como dissemos, os
objetos são saturados, porém a autonomia que Frege
reivindica ao número não é no sentido que uma palavra
numérica tenha denotação fora do contexto de uma
proposição porque já vimos em Frege, só no seu contexto é
que as palavras têm realmente uma denotação. A autonomia
que Frege ordena aos números é no sentido de excluir o uso
desses como predicados ou atributos muito comuns na
linguagem natural.
O uso vulgar da linguagem, que empresta ao número
um caráter atributivo, pode ser alterado em favor da lógica
quando remodelamos proposições do tipo “Júpiter tem quatro
luas” para “O número das luas de Júpiter é quatro”. Aqui o “é”
não ocorre como simples cópula como na proposição “O céu é
azul”, mas com a semântica do sinal da identidade aritmética,
“é igual a” ou “é o mesmo que”. Se remodelarmos a
proposição “O céu é azul” para o “O céu é o mesmo que azul”,
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estaremos falando que o termo “azul” tem existência própria
da mesma maneira que o termo “céu”.
O uso como predicados é equívoco se repararmos em
proposições do tipo “Para o conceito F vem o número 0”.
Nessa sentença 0 é apenas uma parte do predicado,
considerando as quatro primeiras palavras da mesma como
sujeito real. É nesse sentido que Frege entende o número
individual como um objeto autônomo, na medida em que ele
surge como uma parte independente da asserção. O número
nas asserções é um objeto lógico constituinte de sentido
completo e autônomo nas relações com as outras partes da
asserção.
Mesmo sendo o número um objeto autônomo, Frege
reconhece ser impossível pensar sem recorrer a
representações. No entanto, é preciso saber o que essas
representações denotam. Podemos disser com clareza que as
palavras nos induzem a representações de objetos,
principalmente se tomadas isoladamente. Quando essas são
tomadas em uma proposição completa, o todo da proposição
ganha um sentido e com isso as partes constituintes da
proposição acabam adquirindo um conteúdo. Desta maneira,
o número para Frege nunca pode ser um objeto de uma
representação porque não é algo sensível e menos
propriedade de qualquer coisa, o número é objetivo, mas sua
existência é autônoma.
Outra asserção preliminar de Frege é que para se
obter o conceito de número cardinal é necessário determinar o
sentido de uma igualdade numérica porque esta é uma forma
dominante na Aritmética. Frege tem o olhar voltado para a
importância de se estabelecer um critério geral para a
igualdade entre números, um critério que nos permita
reconhecer um número como sendo o mesmo em outra
ocorrência. Estando de posse de tal critério poderemos
atribuir uma palavra numérica como nome próprio de um
número.
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Segundo comentário de Imbert (1971, p. 49), a
importância da igualdade numérica “é que ela enuncia uma
relação entre dois objetos representados a um e outro por um
sinal simples, interpretado como nome próprio de objeto”. O
critério de identidade de números que Frege adotou é o
conhecido Princípio de Hume: “o número que pertence a ‘F’ é
igual ao número que pertence a ‘G’ quando existe uma
correspondência 1-1 entre os ‘Fs’ e os ‘Gs’. Uma vez
estabelecido que o PH é um critério de identidade de números
o problema é que ele não estabelece o que é um número. Isto
nos leva ao conhecido problema de Julio Cesar, isto é,
determinarmos se Julio Cesar é um número ou não. De
qualquer forma Frege acabou por denominar um “conceito de
segunda ordem F equinumérico4 ao conceito de primeira
ordem G” sempre que ocorrer tal possibilidade.
Se na proposição “α está logo à direita de A”
substituirmos outros objetos nos lugares de α e A
simultaneamente, a parte do conteúdo do juízo que
permanece imutável no decorrer dessas alterações é a
essência da relação. Essa essência recebe o nome de
conceito relacional. Ou seja, “ao extrairmos a e b de um
conteúdo judicativo que trate de um objeto a e de um objeto b,
aquilo com que ficamos é um conceito relacional”. Uma vez
detectado o conceito relacional podemos no lugar de a e de b
colocar c e d e outros pares mantendo o sentido que denotava
antes. Para Frege, o conteúdo relacional pertence como o
conceito simples à Lógica pura porque ao considerar a sua
forma lógica detectamos um caráter analítico a priori.
Assim, nós podemos ter um conteúdo judicativo que
trate de um objeto a, seria “a cai sob o conceito F” e podemos
4
“O critério de equinumerosidade constitui o critério de identidade para reconhecer
um número”. ZILHÃO, Antonio. Prefácio In: GOTTLOB, Frege. p.13. s/d.
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ter um conteúdo judicativo que trate da relação entre dois
objetos a e b, “a está na relação φ com b”.
Se cada objeto que cair sob o conceito F estiver na
relação φ com um dos objetos que caem sob o conceito G, e
se cada objeto que cair sob o conceito G estiver na relação φ
com um dos objetos que caem sob o conceito F, então os
objetos que caem sob F e G estão entre si em
correspondência por meio da relação φ. Para que essa
correspondência seja biunívoca é preciso que a relação entre
as proposições seja uma função. Podemos entender o caráter
lógico que Frege empresta à sua definição de
correspondência biunívoca a partir dessas inferências:
1- Se d estiver com a na relação φ e se d estiver na
relação φ com e, então, quaisquer que sejam d, a e e, a é em
geral o mesmo que e.
2- Se d estiver com a na relação φ e se b estiver na
relação φ com a, então, quaisquer que sejam d, b e a, d é em
geral o mesmo que b.
Desse modo, Frege estabelece a correspondência
biunívoca a meios puramente lógicos e apresenta a seguinte
definição: a expressão “O conceito F é equinumérico ao
conceito G” significa o mesmo que a expressão “Há uma
relação φ que faz corresponder biunivocamente os objetos
que caem sob F com os objetos que caem sob G”. Partindo
desse raciocínio, Frege mostra que os números cardinais que
vem para dois conceitos equinuméricos são os mesmos se a
extensão do conceito “equinumérico ao conceito F” for a
mesma que a extensão do conceito “equinumérico ao conceito
G”. Frege quer demonstrar que na base desse pressuposto se
obtêm as seguintes proposições:
1- Se o conceito H for equinumérico ao conceito F,
então também é equinumérico ao conceito G.
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2- Se o conceito H for equinumérico ao conceito G,
então também é equinumérico ao conceito F.
A partir dessas definições podemos ver que Frege na
sua definição de número utiliza termos lógicos como conceito,
extensão de conceito e equinumerosidade. O objetivo do seu
logicismo em fundamentar a Aritmética em princípios lógicos
necessitava que o objeto mais próximo dessa ciência, digo, o
número cardinal, fosse desvendado a partir de noções
elementares da lógica.
A inovação de Frege ao relacionar os números a
conceitos e não a objetos possibilitou a definição dos números
individuais como um objeto lógico definido como a extensão
do conceito de segunda ordem “equinumérico a...”. Sem
dúvida, o princípio que uma atribuição numérica contém uma
predicação de um conceito, é considerado por Frege o
resultado mais importante de Os Fundamentos da Aritmética.
Uma vez associado os números aos conceitos, quais
conceitos poderiam ser associados aos números cardinais
finitos? Existiria um conceito para o número ‘0’? E seus
sucessores?
Frege recorre a um conceito que envolve uma
contradição para definir o número ‘0’ e o define da seguinte
forma: a extensão do conceito “ser equinumérico ao conceito
‘ser desigual a si mesmo’”. Sabemos que o logicismo de
Frege não descarta tais conceitos contraditórios. Diante um
conceito do tipo “desigual a si mesmo”, o que é inadmissível é
cair um objeto sob esse conceito. Afinal o que a Lógica exige
como um rigor demonstrativo de seus conceitos é que eles
delimitem com precisão os objetos que sob eles caem.
Nesse sentido, um conceito que nada subsume, digo,
um conceito que possui um escopo vazio, só será
equinumérico aos conceitos da mesma categoria, aqueles que
possuem escopo vazio. Não haverá equinumerosidade entre
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um conceito que nada subsume com um conceito que ocorre
a presença de um ou mais objetos.
Se associarmos o número ‘0’ à extensão do conceito
“ser equinumérico ao conceito ‘ser desigual a si mesmo’”
porque esse conceito apresenta uma extensão vazia. Então
associamos o número ‘1’ à extensão do conceito “ser
equinumérico ao conceito ‘ser igual a 0’” porque sob esse
conceito cai exclusivamente o objeto ‘0’. O ‘2’, por sua vez, é
definido como a extensão do conceito “ser equinumérico ao
conceito ‘igual a 0 ou 1’” e assim, as demais definições dos
números individuais seguem-se conforme esse critério.
Quando for o caso em que sob um conceito F cair dois ou
mais objetos e que o número que relacionamos a extensão
desse conceito for o número ‘1’ é porque os objetos que foram
subsumidos pelo conceito F são os mesmos, isto é, ocorre o
caso da identidade aritmética x=y=z=w... .
Portanto, para Frege, segundo as suas elucidações, o
número cardinal que vem para a extensão do conceito “ser
equinumérico ao conceito ‘ser igual a 0’” é ‘1’ e este segue
imediatamente na série natural dos números a ‘0’. Da mesma
maneira, a relação de sucessor faz com que o ‘2’ siga
imediatamente na série natural dos números a ‘1’ e assim por
diante. Somente a elucidação lógica de seguir-se numa série
é que torna possível reconduzir as leis lógicas gerais à forma
de inferência de n para (n + 1) que é tão comum na
Matemática.
Frege, a partir dessas definições, considera que cada
número cardinal, à exceção do ‘0’, segue-se imediatamente
na série natural dos números a um número cardinal. Frege
apresenta o conceito “ser equinumérico ao conceito
‘pertencente à série natural de números que termina em n’”
para designar o último número pertencente à série natural dos
números.
Frege, entretanto, quer provar que não há um número
que seja o último número da série. A intenção é mostrar que o
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número que vem para a extensão do conceito “ser
equinumérico ao conceito ‘pertencente à série natural de
números que termina em n’” se segue imediatamente a n
nessa série.
Frege no livro, Os Fundamentos da Aritmética, não
chega a demonstrar o que ficou dito acima, mas apresenta um
esboço do mesmo. Para Frege a elucidação dos números
infinitos começa por demonstrar que a é o número cardinal
que vem para a extensão do conceito “ser equinumérico ao
conceito ‘pertencente à série natural de números que termina
em n, mas não idêntico a n”. Para tanto é preciso demonstrar
que esse conceito tem a mesma extensão que o conceito “ser
equinumérico ao conceito ‘pertencente à série natural de
números que termina em n’”.
Além disso, temos que ter por base a proposição que
diz “nenhum número na série natural que começa em ‘0’
segue a si mesmo”. Será essa demonstração que nos
permitirá concluir que n pertence à série natural dos números
que começa em ‘0’ e que o número cardinal que vem para a
extensão do conceito “ser equinumérico ao conceito
‘pertencente à série natural de números que termina em n’”
segue imediatamente a n nessa série. Sendo assim, podemos
concluir: a proposição “n pertence à série dos números
naturais que começa em 0” significa o mesmo que “n é um
número cardinal finito” e em seguida, “nenhum número
cardinal finito se segue a si mesmo na série natural dos
números”.
Frege define que o número cardinal que vem para a
extensão do conceito “ser equinumérico ao conceito ‘número
cardinal finito’” é infinito e lhe dá o seguinte sinal, ∞1. Como
vimos ao longo do livro Os Fundamentos da Aritmética, Frege
obtém os números infinitos da mesma maneira que os
números cardinais finitos. Tanto os cardinais finitos como os
cardinais infinitos são produtos de associações puramente
lógicas e a priori porque estão em íntima relação com as leis
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do pensamento. O fato de não conseguirmos uma
representação mental ou uma constatação empírica de um
número infinito é aqui deixada de lado como o foi no caso dos
números cardinais finitos.
Como vimos, Frege para definir os números cardinais
usou uma linguagem com termos lógicos do tipo conceito,
extensão de conceito e equinumericidade. Com isso, pôde
definir o número individual como um objeto abstrato
puramente lógico, autônomo e objetivo definido como a
extensão do conceito de segunda ordem “ser equinumérico
a...”. Tendo esclarecido o conceito de número cardinal finito
fez considerações a respeito da infinitude dos números
cardinais a partir de relações lógicas mais complexas, assim
como ocorre à sucessão da série dos números cardinais.
Para concluir, reafirmamos que Frege no livro, Os
Fundamentos da Aritmética, considera que os números
existem independentemente de os pensarmos por meio da
intuição. Sendo assim, a existência dos números é autônoma
e Frege os associa às extensões de conceitos. As leis
responsáveis pela mediação entre os números e as extensões
dos conceitos são leis básicas da lógica e mostramos que
Frege usa o critério de equinumericidade para caracterizar um
número como sendo o mesmo se este aparecer como a
extensão do conceito de 2ª ordem equinumérico ao conceito
de 1ª ordem. Portanto, mesmo havendo uma discussão a
respeito do status ontológico dos números, Frege inovou ao
relacionar os números a conceitos e não a objetos. Isto
possibilitou a definição fregiana de número através de uma
linguagem estritamente lógica, sendo estes, objetos lógicos
que associamos às extensões de conceitos.
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Referência Bibliografia básica
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Harvard University Press.
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original Die Grundlagen der Aritmetik. Eine logisch mathematische
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_____. Lógica e Filosofia da Linguagem. Introdução, tradução e
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_____. Os Fundamentos da Aritmética. Uma investigação lógicomatemática acerca do conceito de número. Imprensa Nacional –
Casa da Moeda, s/d. Tradução, prefácio e notas de Antonio Zilhão
do original Die Grundlagen der Arithmetik. Eine logisch
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_____. Posthumous Writings. Tradução Long Peter e Roger White
(1979). Ed. Universidade de Chicago.
_____. The Frege Reader. Tradução de Michael Beaney (1997). Ed.
Blackwell Publishing Ltd.
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Noonan, Harold (2001). Frege A Critical Introduction. Ed. Polity
Press. Primeira edição.
Weiner, Joan (2005). Frege Explained. From Arithmetic to Analytic
Philosophy. Open Court P. C.
_____ (2008). Frege in Perspective. Cornell University Press.
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