O PRIMEIRO JULGAMENTO DE SALOMÃO Wanderson Fernandes Soneto I_ a traição Amizade que igual não se via duas mães de per si partilhavam. Mesma cama, mesma moradia, dois bebês que juntinhos mamavam. Mas a mãe que não era prudente foi tentada a trair a amizade, seu rebento matou de repente e a culpa tirou de sua parte, de trocar os bebês não se ateve. Mas a outra que ainda dormia, e o calor de seu filho sentia, quando foi de mamar, se deteve. Foi traída com tal desrespeito que outro filho jazia em seu peito. Soneto II_ o lamento da mãe que teve seu filho roubado (parte I) Meu filhinho que tanto eu amava, foi roubado por outra mulher. E no peito em que ele mamava, o defunto tomou seu lugar. Natureza cruel e devassa, dessa mãe que não soube amar! Enganando-me pela trapaça, morto o seu veio o meu a roubar. Foi maior sua culpa e medo que o amor que pudesse lhe dar. E seu crime, tentou resolvê-lo pondo em mim seu pecado a pagar. Convirei pra levar o esquife, de um crime alheio e tão triste? Soneto III_ o lamento da amiga traída (parte II) Minha amiga comigo dormia, nossos filhos da mesma idade. Dor de uma a outra sentia, nosso fruto era qual deidade. Um descuido rompeu a amizade que a lida e a luta gerara. Fora artista, e com tal falsidade seu veneno ali se destilara. Essa amiga, que qual basilisco, nem olhar sua face não pude. Qual em branca parede um rabisco foi manchada de si a virtude. E me restam dois mortos agora: a esperança, e a amiga de outrora. Soneto IV_ a ciência de Salomão Tinha um rei que era bom e prudente, detentor da mais alta virtude. Pois do céu lhe foi dado um presente: a ciência, por solicitude. Ofertado lhe fora em sonho a pedir o que bem lhe aprouvesse. Um saber que era tanto e tamanho foi pedido ao Ente celeste E foi feito um rei entendido. Coração de mistério infinito. E de alto saber revestido. De espírito altivo e polido. Desde o tempo em que ele reinou nunca mais algum outro o igualou. Soneto V_ o julgamento Duas mulheres que se apresentaram Com um filho diante do rei. _Esse é meu _ambas assim falaram. A palavra do rei era lei. _Trazei pois minha espada depressa, e ao meio parti a criança. Cada qual com sua parte regressa, e vivei c’a funesta lembrança. Assim disse o rei, sabiamente. Resolvido estava o caso, revelada estava a demente mãe cruel que matava ao ocaso. Mãe leal foi c’os olhos erguidos e nos braços, o filho querido. Lamento Último (o lamento da mulher condenada) Réu de júri no céu e na terra, na miséria nadei de braçada. O meu nome era sinal de guerra, minha história, de luta e batalha. Mas ouvir meu juízo não quis O arrogante e altivo juiz. Uma história de vida e de morte, contecida entre quatro pessoas: Vida curta foi de maior sorte, por sua morte choramos lagoas. Mas ouvir minha história não quis, o bom rei, no juízo, feliz. Trabalhada na vida insensível, eu fui feita mulher meretriz. Em minha casa era compreensível, ter comigo uma amiga que fiz. Mas ouvir minha história, de podre, o bom rei não o quis. Não o pôde. Tive um filho, e outro a amiga, que na vida também foi culpada. Quis a história _façante de intriga_ ter minha vida por mais desprezada. Mas ouvir minha história de ais, não pôde o rei, por sábio demais. Um rebento, dos dois que tivemos, quis a sorte levar numa noite. Toda lida que até ali vivemos, terminou numa história de morte. Mas meu pranto foi silenciado. Minha dor se tornou meu pecado. No juízo que foi trabalhado, a loucura e a dor me invadiam. Em minha face bateu meu pecado, quando pôs-se que só eu mentia. Mas ouvir minha história enojava a amiga, e o Rei que falava. Eu fui vítima mal entendida, de amar meu tesouro o perdi. Se era meu ou se era o da amiga, foi história que nunca entendi! Mas ouvir meu lamento é impossível, para quem não enxerga o incrível. Mas já nada me resta a fazer, em minha vida sorrir nunca pude. mas nem nunca quis tanto morrer, isto foi minha maior das virtudes. O meu canto será não-cantado, e meu feito será não-louvado. Inocente se foi o meu fruto, e com ódio se foi a amiga. Do meu filho me resta o luto. Da amiga, a lembrança da intriga. E eu sigo me silenciando, pr’ onde os choros se vão congelando. E o frio que me aguarda é tanto, que o calor, que eu nunca senti, já me deixa saudades e pranto, pois um filho e uma amiga perdi. Meu silêncio se vai aumentando, e as sombras se vão avultando. Mas eu morro, nem pela criança, e nem pela mulher que amei; em minha cama ficou a lembrança da mulher, do menino e do Rei. Meu lamento aqui vai me levando pr’ onde as sombras se vão avultando. Mas meu fim, que se torna atroz, nem é pela espada do rei. O escuro se fez meu algoz, pela dor do que silenciei. E agora, c’o escuro aumentando, esse vulto eu sigo, cantando, pr’ onde ouvindo minha história se louvam outras vozes que aqui não cantaram. Vou juntar minha história àquelas que as friezas marmóreas guardaram. E as sombras já vão me levando... E o silêncio prossegue... Cantando...