EXPLICANDO O PLURALISMO JURÍDICO EM PAÍSES AFRICANOS: GANA COMO UM ESTUDO DE CASO 1 INTRODUÇÃO : COMO TUDO COMEÇOU: Até 1957, Gana chamava-se Costa do Ouro. Foi colônia holandesa, francesa, alemã e, finalmente, inglesa. A potência colonial que teve de longe a maior influência sobre a colônia da Costa do Ouro, e mais tarde Gana, foi a Grã-Bretanha. Quando os britânicos vieram para o que se conhecia então como Costa do Ouro, encontraram africanos que viviam o que eles chamavam de vidas comunais. Com isso queriam dizer que os africanos tinham suas próprias leis e regulamentos para controlar as sociedades em que viviam. Na chefia de cada comunidade havia o que se chamava, e ainda se chama, de chefe. Ele era uma espécie de governante local e era ao mesmo tempo conhecido como governante tradicional. A expressão “tradicional” era muito importante para os cidadãos locais. A “tradição” estabelecia as leis, os hábitos e as normas de um grupo de pessoas numa determinada área. Os colonizadores introduziram o seu próprio conceito de leis e justiça nas colônias. Com relação específica com Gana, o direito era o Direito Comum, muitas vezes diferenciado do Direito Romano-Holandês ou Direito Continental. Os colonizadores não acabaram com as leis e tradições africanas que encontraram ao chegar. Permitiram que as leis tradicionais funcionassem paralelamente ao Direito Comum. Junto das leis aplicáveis , o pluralismo judiciário estabelecia as estruturas para a solução de disputas. As leis importadas implantaram os tribunais como a estrutura para resolver litígios. O sistema tradicional tinha o que se conhece como arbitragem costumária com que os chefes e líderes de opinião resolviam disputas entre africanos. Os dois métodos subsistem até hoje. Foi assim que teve início o pluralismo judiciário na Costa do Ouro, que passou a se chamar Gana depois de sua independência em 1957. Foram aplicados os mesmos métodos em todos Países africanos. No caso específico de Gana , as leis locais puderam ser altamente desenvolvidas. Como resultado, temos hoje um conjunto de leis aplicáveis exclusivamente aos cidadãos nativos, por um lado, e o direito comum, introduzido pelos colonizadores, aplicável ao mesmo tempo e paralelamente às outras leis. É esta a gênese do pluralismo jurídico no país. Sistemas semelhantes podem ser encontrados em países africanos que foram colonizados por potências estrangeiras, como descrito acima. PESSOAS REGIDAS PELO DIREITO COMUM E PELAS LEIS TRADICIONAIS Uma característica distintiva do pluralismo jurídico é que as leis se aplicam a pessoas diferentes ao mesmo tempo, embora vivamos todos na mesma comunidade. O direito comum aplicava-se originalmente aos colonizadores, suas famílias, seus negócios e seus parceiros comerciais. As leis tradicionais se aplicavam aos africanos nativos das colônias. Era essa a situação até o influxo de cidadãos de outras nacionalidades para Gana. O direito comum tornou-se aplicável a outros cidadãos que não fossem africanos. Aplicava-se também a outros africanos que vivessem em Gana, mas não fossem ganenses. Naturalmente, as leis tradicionais se aplicavam aos africanos nativos originais e a outros residentes do país que se voluntariassem ou que consentissem a se sujeitar a elas. ATITUDES DOS COLONIZADORES PERANTE AS LEIS TRADICIONAIS Os colonizadores não punham a qualidade das leis locais no mesmo patamar das leis importadas. Em algumas áreas, as leis importadas eram consideradas superiores às leis tradicionais. A fim de permitir o funcionamento das leis tradicionais, os colonizadores estabeleciam seus próprios critérios para a validação destas. Uma regra estabelecida por eles afirmava que para que uma lei tradicional fosse válida e aplicável, ela não podia ser contra a eqüidade, o senso comum e a boa consciência. Essa regra era conhecida como a “regra da repugnância”. Se um caso fosse a tribunal e o juiz decidisse que a regra tradicional era contra a eqüidade, o senso comum e a boa consciência, essa regra não se aplicaria. JUÍZES E OFICIAIS DE JUSTIÇA Inicialmente, todos os juízes e oficiais de justiça eram europeus. Com o tempo, alguns africanos e não-europeus foram indicados para o judiciário e para a magistratura. Hoje todos os juízes são ganenses. CONFLITO DE LEIS Onde é que as leis tradicionais e o direito comum entram em conflito? Em primeiro lugar, as leis tradicionais devem respeitar a “regra de repugnância” antes de serem aplicáveis pelos trubunais. Em segundo lugar, em caso de conflito entre o direito comum e as leis tradicionais, por regra prevalecia o direito comum. Atualmente, em caso de um tal conflito, as leis pessoais das partes será o fator determinante. A determinação de casos dessa natureza será tomada nos tribunais em que o processo tiver sido movido. O PLURALISMO JURÍDICO EM PERSPECTIVA: O PAPEL DOS CHEFES Nos tempos modernos, a posição legal das leis tradicionais e do direito comum foi em grande parte condicionada e regulada por várias Constituições e estatutos aprovados pelo Parlamento. Como resultado, as leis tradicionais conquistaram posições realmente efetivas e, em alguns casos, arraigadas e praticamente imutáveis. Isso é o caso particularmente no que respeita à posição dos chefes. Conforme afirmado no princípio deste estudo, os africanos eram governados por chefes ou governantes tradicionais até a chegada dos colonizadores ao país. Nos tempos modernos, as leis do país foram estruturadas de tal forma que os chefes têm um alto grau de independência do Governo Central, especialmente na resolução de disputas que os envolvam. Nos termos da Constituição, art. 270 e da Lei da Liderança (Chieftaincy Act), 1971 (Act 370), disputas envolvendo chefes só podem ser resolvidas pelos próprios chefes. Há, dessa forma, um sistma de tribunais ou instituições encarregadas por lei de lidar com os diversos aspectos de disputas envolvendo chefes composto de quatro níveis. As instituições são comitês judiciais de conselhos de divisão, comitês judiciais de conselhos tradicionais, comitês judiciais de casas regionais de chefes e comitês judiciais da Casa Nacional de Chefes. Em termos de hierarquia, os casos começam no conselho divisional ou tradicional e avançam por recursos pela Casa Regional de Chefes para a Casa Nacional de Chefes. Os tribunais do país são os seguintes: Corte Suprema Corte de Apelação Tribunal Superior Vara Distrital Tribunal Regional e Juizado de Menores Nenhum desses tribuanais tem jurisdição para lidar com qualquer disputa que envolva chefes, com exceção da Suprema Corte que julga recursos de casos julgados pela Casa Nacional de Chefes. Segundo a (Emenda) Lei das Cortes, 2002 (Lei 620), os comitês judiciais fazem parte do judiciário, mas são incumbidos de responsabilidades exclusivas para resolver disputas de chefes. EXAME JUDICIAL Como explicado por sua Excelência a Presidente da Corte Suprema, foi concedida ao Tribunal Superior e à Corte Suprema jurisdição de superintendência para que possam exercer o que se tem chamado de exame judicial sobre todos os tribunais. Como os comitês judiciais, que são responsáveis por exercer os poderes judiciais das instituições ligadas aos chefes, fazem parte dos tribunais, as duas Cortes Superiores têm poderes de exame semelhantes sobre os comitês judiciais. Esses poderes são exercidos por meio do uso de ordens de prerogative writs1 sobre as decisões dos comitês judiciais ou por instruções judiciais dadas para controlar essas decisões. Se eles tomarem alguma decisão em que excedam sua jurisdição de acordo com a constituição ou qualquer estatuto, o Tribunal Superior fará uso de seu poder de supervisão para examinar essas decisões. O exame pode resultar no cancelamento da decisão ou da ordem. Pode também resultar na emissão, pelo tribunal superior, de um mandamus ou de uma ordem de interdição contra o comitê judicial. PRECEDENTES JUDICIAIS Como parte do legado do sistema britânico de administração dos tribunais, os tribunais de Gana utilizam o sistema de precedentes judiciais, por meio do qual as decisões dos tribunais superiores são registradas. Elas são citadas e usadas como referência em casos subseqüentes em que os fatos sejam semelhantes aos do caso anterior e, assim, o Nota da tradução: Prerogative writ é um tipo de mandado judicial que se originou no Direito inglês. Originalmente era disponível apenas para a Coroa, mas mais tarde foi posto à disposição dos súditos do rei por meio dos tribunais. 1 princípio utilizado para decidir o caso anterior pode ser aplicado de forma conveniente para resolver questões que surjam em casos subseqüentes. S. A. BROBBEY JUIZ DA CORTE SUPREMA