Caio Prado Júnior e sua importância na Historiografia Rosilene Costa Cardoso* RESUMO: O presente artigo tem por finalidade discutir como Caio Prado Júnior construiu seu pensamento a respeito da formação da sociedade brasileira. Para isso, o artigo indica um estudo sobre as influências sofridas pela militância partidária, o partido comunista, e de sua corrente de pensamento. PALAVRAS-CHAVE: Caio Prado; Marxismo; Colonização. ABSTRACT: The present article has for purpose to argue as I fall the Prado Júnior constructed its thought regarding the formation of the Brazilian society. For this, the article indicates a study on the influences suffered for the partisan militancy, the communist party, and of its chain of thought. WORDS-KEY: Caio Prado, marxism, settling Introdução: A proposta deste trabalho primeiramente é entender Caio Prado no contexto da geração de 1930, no qual foi inserido pela historiografia, que teve tanta importância para a evolução dos estudos e pesquisas históricas. Este autor que se destacou por sua principal obra, Formação do Brasil Contemporâneo, foi considerado por muitos como o primeiro marxista brasileiro. Em tal obra faz uma análise do período colonial e de suas especificidades, inserindo a colônia em algo maior, sendo esta o resultado do desenvolvimento comercial europeu. Para voltar a essência da formação do Brasil. Mas a obra recebeu e recebe muitas críticas acerca das colocações do autor quanto ao mercado interno, escravidão e processo de independência do Brasil, mas muitos ainda respeitam a importância de sua obra. _____________________________ *Graduanda do curso de História da Universidade Federal de Juiz de Fora 2 1- Caio Prado Júnior: militância e história A década de 1930 foi marcada por uma geração de autores que publicaram trabalhos marcantes,os quais tinham o objetivo de propor um entendimento do que era o Brasil contemporâneo, se valendo da história como viés explicativo. Autores como Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado são nomes que tiveram e têm muita relevância no que se refere a historiografia brasileira. A proposta feita por eles era “uma nova maneira de se entender o Brasil”. Tais abordagens teriam sido favorecidas sobretudo pelos ventos que passaram a soprar no país desde os anos vinte, e que se tornaram irreversíveis com a Revolução de trinta”1. Destes autores Caio Prado Júnior tem uma especificidade: sua associação com o marxismo. Segundo Bernardo Ricupero, boa parte do interesse da obra de Caio Prado provém de tal associação, em razão de ele ter sabido utilizar, como poucos no Brasil, o método marxista no estudo e um objeto particular como a história da formação social brasileira 2. De tal maneira muitos vêem Caio Prado como responsável pela primeira grande interpretação marxista do Brasil. Mesmo considerando que existiram vários textos produzidos por membros do Partido Comunista Brasileiro, mas não foram tão grandiosos como o de Caio Prado. Ele trouxe para a história um novo sujeito histórico, a concepção de classe. Além disso, promove uma dupla ruptura: Primeiro, rompe com as tradições, olhando os portugueses como responsáveis por um empreendimento que resultou no estabelecimento de colônias de exploração no Brasil. Desta forma rompe com o projeto do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e também com as concepções de Varnhagen. Em segundo lugar, trata-se de uma obra marxista heterodoxa, rompendo com modelos tradicionais ortodoxos, a começar por dizer que no Brasil não teve feudalismo, tendo assim processos distintos. Caio Prado mostra que diferentemente do que se poderia supor pelo exemplo europeu, não se viveu no Brasil a transição entre feudalismo e o capitalismo, mas sim uma situação colonial ligada ao capitalismo, e uma situação nacional, também capitalista. Estando a história brasileira desde o seu início vinculada ao capitalismo, o que ele julga ter permanecido3. Diante de tal ruptura, tende a nacionalizar o marxismo, muito contrário a Nelson Werneck Sodré, cuja interpretação via o Brasil, em certo período, como feudal. Na interpretação de Maria Iracema Silva, no Brasil a prática marxista revolucionária chegou antes da teoria e foi vivida por muitos ativistas e militares. “A história 1 RICUPERO, Bernardo. Caio Prado Jr.: o primeiro marxista brasileiro. Revista USP, número 38, São Paulo:USP,1999.p.66. 2 Idem, ibidem.p.67. 3 Idem, ibidem.p.70. 2 3 do marxismo brasileiro passa pela atuação inicial dos anarco-sindicalistas que depois da formação do Partido Comunista passaram a militar pela visão leninista do marxismo”. No caso de Caio Prado sua aproximação com a teoria marxista se deu através do marxismoleninismo, no entanto, não se deu de modo doutrinário absoluto. Influenciado pela militância, Caio adotou a interpretação materialista da história, mas nunca comprometeu sua obra, como aconteceu com Werneck Sodré, de identificá-la com seu posicionamento político partidário4. No entanto, para se compreender a análise proposta por Caio Prado em “Formação do Brasil Contemporâneo”, torna-se necessário buscar um pouco de seu posicionamento ideológico enquanto político. Enquanto jovem inscreveu-se no Partido Democrático em 1928, o qual apoiava a candidatura de Getúlio Vargas. Já em 1931 integrouse ao Partido Comunista, compondo o movimento de esquerda. Foi preso algumas vezes e também exilado, mas chegou até ser deputado federal pelo último partido. Era formado em direito pela Universidade de São Paulo e se tornou um pensador marxista e um comunista militante5. Neste contexto talvez seja plausível o entendimento da posição de Carlos Nelson Coutinho ao propor que a busca de Caio Prado pelo passado insere-se numa “investigação do presente como história” daí o título de seu principal livro, “Formação do Brasil Contemporâneo”, e toda a linha estabelecida desde a sua investigação pelo passado colonial até suas colocações sobre a questão da revolução brasileira6. Com este tipo de entendimento torna-se possível interpretar tal obra, que se voltou para buscar os vínculos tão arraigados do mundo colonial ao moderno brasileiro, que a seu ver, impediam que o mundo moderno brasileiro pudesse se concretizar e evoluir. Tentando então propor uma análise do sentido da colonização e da evolução brasileira, que foram objeto de estudo do autor. Na observação do movimento histórico pelo qual a sociedade se transformava, o autor concentrou sua atenção nos mecanismos que punham a nossa economia numa situação de dependência direta de movimentos comandados por forças instaladas no exterior. A colonização era um processo realizado por agentes, os quais deviam obediência a uma autoridade sediada na metrópole, do outro lado do Atlântico7. 4 SILVA , Maria Iracema. Marxismo e História : uma abordagem possível. In.: COGGIOLA, Oswaldo (org). Marx e Engels na História. São Paulo: Humanitas Publicações FFLCH,1996.p.63-64. 5 NOVAIS, Fernando. Introdução. In.: PRADO JR., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. p.1105-1119. 6 SILVA, Maria Iracema. Op.cit. p.69. 7 KONDER, Leandro. Caio Prado Júnior: nadador e aviador. Revista USP. Número 38. São Paulo:USP, 1999.p. .: D’INCAO, Maria Ângela (org). História e Ideal : ensaios sobre Caio Prado Júnior. São Paulo:Brasiliense, 1989.62. 3 4 Caio Prado então vai buscar a essência da formação do Brasil, que teve o objetivo voltado para fora, na qual se constituiu toda a sociedade brasileira bem como todas as suas atividades, estabelecendo um sentido para a evolução brasileira, cujo caráter inicial da colonização se viu predominante, de tal maneira que a colônia representa para o autor o passado no qual se constituíram os fundamentos da nacionalidade brasileira, enquanto que o futuro a ser construído seria a nação. Despreocupado com questões de estilo, procurava empreender uma análise do passado brasileiro de modo a entendê-lo dentro do esquema internacional das relações de produção determinadas pela dinâmica de um modo de produção, o capitalismo, que passa a desenvolver-se a partir do século XVI, com interesses específicos na colonização, e que deve, na perspectiva do autor, ser superado8. 2- A colonização A obra de Caio Prado, Formação do Brasil Contemporâneo, é uma obra de profundidade, por isso foi um corte num momento significativo da história brasileira: o fim do século XVIII e início do século XIX, pois ele marca uma etapa decisiva na evolução do Brasil e inicia em todos os outros terrenos, social, político e econômico, uma tese nova. Com a transferência da corte portuguesa para a colônia brasileira e também todos as atos preparatórios da emancipação política do país, fornecendo um balanço final da obra realizada por três séculos de colonização. Contendo ainda, os elementos constitutivos da nacionalidade brasileira, e seria a própria chave para acompanhar e interpretar o processo histórico posterior e a resultante dele, que é o Brasil contemporâneo ao autor9. Nesta concepção a montagem do sistema colonial nos séculos XVI e XVII inserese no contexto da acumulação de capital decorrente da expansão do comércio, iniciada pela Europa nos séculos anteriores. Nessa etapa da história européia, o feudalismo começou a ser definitivamente superado e a centralização política, patrocinada pela burguesia, adquiriu um caráter irreversível. Nesse processo, mesmo com variações de país para país, predominou o absolutismo como norma econômica e a sociedade estamental como forma social predominante10. E nesta orientação se afirmará a colonização na América e mais precisamente no Brasil, permeando as relações internas tanto sociais e políticas. 8 SILVA, Maria Iracema. Op.cit.p.66. KONDER, op.cit. p.62. 10 VICENTE, Maximiliano Martim. O sentido do colonialismo. In.: D’INCAO, Maria Ângela (org). História e Ideal : ensaios sobre Caio Prado Júnior. São Paulo:Brasiliense, 1989. p.88. 9 4 5 Os portugueses, no entanto, tiveram de mudar a concepção de colonização praticado na África e na Ásia. Para fins mercantis que tinham em vista, a ocupação não podia se fazer como simples feitorias. Com número reduzido de negócio, sua administração e defesa, era preciso ampliar estas bases, criar um povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias que se fundassem e organizassem a produção dos gêneros que interessassem ao seu comércio. A idéia a povoar surge daí11. De tal maneira que no entendimento do autor, Portugal deveria ter um projeto colonizador para o Brasil, cujos fins era a obtenção de lucros. Neste sentido a colonização não teria apenas uma feição comercial, mas um meio de acumulação primitiva do capital mercantil no centro do sistema, com uma camada social que se beneficia do processo colonizador. Neste panorama então se observa que a burguesia mercantil era a principal beneficiada do processo, enquanto que na colônia, o sistema do senhoriato consegue descarregar o ônus sobre o trabalho compulsório de produtores servilizados ou escravizados12. Na opinião de Caio Prado, esta seria a organização das colônias que ele chama de exploração, as quais se constituíram como fornecedoras de produção para Europa. Se a finalidade que norteava a ação do Estado português era obter lucros contendo despesas, impossibilitado economicamente de realizar grandes investimentos exigidos pelo cultivo da agricultura, a forma adotada para distribuir as terras foi semelhante à de épocas anteriores, aplicadas em outros lugares: as sesmarias. Garantindo a posse plena de quantidades expressivas de terras aos colonos, que por sua vez entravam com os recursos e bens necessários para o cultivo agrícola. Segundo Caio Prado, são os homens de posse que podem fazer lavouras, ressaltando a inviabilidade da pequena propriedade e do trabalho livre no contexto das pretensões portuguesas13. Na opinião de Caio Prado o fundamental na colônia era a economia, sendo o ponto mais concreto a valorização da terra. A essência da sociedade colonial e das relações sociais fica estabelecida no processo produtivo nessas circunstâncias, o pequeno proprietário não tinha condições de sobreviver. O grande proprietário acabou por absorvendo e aniquilando, seja pelo domínio do mercado ou pelo uso da força, o pequeno lavrador. Mas a relação escravista de produção é componente importante para definir a sociedade e entender o poder político. Se por um lado a base da exploração da terra foi a grande propriedade, por outro o 11 12 13 PRADO JR., Caio.op.cit. p.24. NOVAIS, Fernando.op.cit. p.1115 VICENTE, Maximiliano Martin.op.cit. p.91. 5 6 escravismo caracteriza a sociedade colonial, a política não poderia se encaixar fora destes parâmetros14. Para o autor , a vida política e social da colônia são conseqüências diretas e sem meandros do interesse econômico da metrópole. Para a política portuguesa não havia na colônia uma sociedade ou uma economia de que se pudesse ocupar, mas tão somente finanças a cuidar sendo a escravidão o único nexo com a sociedade colonial. Por que este sistema não podia ser outra coisa, senão o que era: um simples setor, embora o essencial, daquela grande empresa comercial que é a monarquia portuguesa, com seu rei no balcão. Esta organização que começa com o tráfico de escravos, marfim e ouro da África, continua com a pimenta da Índia, e se encerra com o açúcar , ouro, diamantes e algodão no Brasil15. 3- Aspectos discutíveis Na visão de Caio Prado Júnior os escravos e índios não eram sujeitos históricos, não realizaram nenhuma transformação para o mundo moderno. Diante de tal posicionamento, explicava que os escravos eram obtidos através do recrutamento de povos bárbaros e semibárbaros , arrancados do seu habitat natural e incluídos, em transição, numa civilização inteiramente estranha. A escravidão no seu pior caráter, o homem reduzido a mais simples expressão, pouco senão nada que irracional: instrumento vivo de trabalho16. O escravo, nesta perspectiva, não seria capaz de promover nenhum tipo de resistência a sua condição, sendo aí um sujeito passivo. O que vai ser um ponto do trabalho do autor muito discutido na década de 1980, quando surgem pesquisas empíricas a respeito das formas de resistência escrava. Caio Prado foi tão longe em sua constatação que chegará mesmo a não valorizar a contribuição cultural do negro e do índio para a formação brasileira: dirá, praticamente sem maiores mediações, que a contribuição foi meramente ”passiva”, resultante do simples fato da presença destes e da considerável difusão de seu sangue Não pôde ser uma intervenção ativa e construtora e teve seu cabedal abafado, se não aniquilado 17. De tal maneira que junto com os escravos e índios, os homens livres, compunham a classes subalternas, as quais se viam incapazes de qualquer ação política. No que tange ao processo de independência e o momento marcante em que este se deu, considerou que o peso da herança colonial teria constrangido fortemente as 14 Idem, ibidem. p.91-92. PRADO JR., Caio. Op.cit. p.363. 16 PRADO JR.,Caio. Op.cit. p.272. 17 NOGUEIRA, Marco Aurélio. Escravidão e sistema colonial. In.: D’INCAO, Maria Ângela (org). op.cit. p.81. 15 6 7 possibilidades de formação de uma unidade nacional, perdurando para além da emancipação. O Brasil continuaria reduzido a uma feitoria da Europa, simples fornecedor de produtos tropicais para o seu comércio, pois outra coisa não poderia ser.18 Assim, o autor minimiza os movimentos de contestação e inconfidentes do período, propondo que estes não tiveram um pensamento separatista. De acordo com o autor ocorreram contradições profundas do sistema colonial donde brotam aqueles conflitos que agitam a sociedade, de onde a síntese delas porá fim a tais conflitos, fazendo surgir um novo sistema em substituição do anterior. É aí que se encontram as forças motoras que renovarão os quadros econômicos e sociais da colônia. Segundo Jorge Pedreira, na obra de Caio Pardo se tem uma imagem de um sistema econômico sólido, capaz de atravessar o período colonial. Mas este mesmo sistema estaria esgotado sem possibilidade de reforma, condenado à sua desagregação. Este tipo de visão não é demonstrada pela análise histórica e sim pelo conhecimento prévio de colapso. Além disso, as contradições do sistema faziam parte dele desde sua origem e de modo algum impediram seu crescimento, pois dados empíricos mostram que teve uma expansão econômica desde o último quartel do século XVIII até meados do século XIX. CONCLUSÃO A obra de Caio Prado foi ousada e pioneira para a época em que foi construída. Ela ajudou a iluminar os estudos posteriores acerca de várias questões importantes sobre o contexto colonial e pós-colonial. À luz de um marxismo heterodoxo, discutiu várias questões que permearam o fim do período colonial, como a dependência do comércio interno, a aquisição de terras e a escravidão. Mesmo questionando a maneira como estes temas foram abordados, muitos autores consideram sua importância por ter tocado e dado muita relevância em pontos tão importantes para a compreensão da história do Brasil. Contudo, muitos pontos de sua abordagem são discutíveis pois muitos obscurecem pontos que podem apontar outros caminhos para a história brasileira. Tendo em vista tais considerações, sua contribuição veio a iluminar o estudo do processo de desenvolvimento do Brasil, sem elas teriam tardado vários tipos de abordagem na história. Sua obra tornou-se clássica, sendo um ponto de referência para o historiador que busca entender o Brasil. 18 PEDREIRA, Jorge. Economia e política na explicação da independência do Brasil. In.: MALERBA, Jurandir (org). A independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p57. 7 8 BIBLIOGRAFIA D’INCAO, Maria Ângela (org). História e Ideal : ensaios sobre Caio Prado Júnior. São Paulo:Brasiliense, 1989. KONDER, Leandro. Caio Prado Júnior: nadador e aviador. Revista USP. Número 38. São Paulo:USP, 1999.p. .: D’INCAO, Maria Ângela (org). História e Ideal : ensaios sobre Caio Prado Júnior. São Paulo:Brasiliense, 1989. p.62. NOGUEIRA, Marco Aurélio. Escravidão e sistema colonial. In.: D’INCAO, Maria Ângela (org). op.cit. p.81. VICENTE, Maximiliano Martim. O sentido do colonialismo. In.: D’INCAO, Maria Ângela (org).op.cit .p.88. PEDREIRA, Jorge. Economia e política na explicação da independência do Brasil. In.: MALERBA, Jurandir (org). A independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: FGV, 2006. PRADO JR., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo RICUPERO, Bernardo. Caio Prado Jr.: o primeiro marxista brasileiro. Revista USP, número 38, São Paulo:USP,1999. . SILVA , Maria Iracema. Marxismo e História : uma abordagem possível. In.: COGGIOLA, Oswaldo (org). Marx e Engels na História. São Paulo: Humanitas Publicações FFLCH,1996. 8