Produção Social da Fome e do Desemprego. Ou, questão agrária no capitalismo dependente. PRODUÇÃO SOCIAL DA FOME E DO DESEMPREGO. OU, QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO DEPENDENTE. Cristiano Apolucena Cabral1 “Os pobres vão possuir a terra e deleitar-se com paz abundante.” Salmo 37,11. RESUMO A situação agrária brasileira, misturando modelos pré-capitalista e capitalista de organização, produção e divisão do trabalho e territorial, produz a desestruturação social como a fome, o desemprego e a intensificação no trabalho. Esta estrutura agrária sob os determinismos geopolítico e econômico da globalização imperialista favorece o aprofundamento das contradições sócio-político-econômico no Brasil, excluindo milhares de pessoas da possibilidade de comer e/ou comer bem e de trabalhar garantido pelos direitos. PALAVRAS-CHAVES: questão agrária, capitalismo, fome, emprego, desumanização. ABSTRACT The situation of Brazilian agriculture, mixing models pre-capitalist and capitalist organization, production and division of labor and land, produces social disruption such as hunger, unemployment and work intensification. The agrarian structure in the geopolitical and economic determinism of imperialist globalization favors the deepening contradictions of political and socio-economic development in Brazil, thousands of people excluding the possibility of eating and / or eating well and working for the rights guaranteed. KEYWORDS: agrarian question, capitalism, hunger, employment, dehumanization. ______________________ 1 Professor especialista. Graduado em Filosofia, com especialização em Sociologia e Educação. [email protected]. INTRODUÇÃO IMPERIALISMO/NEOCOLONIANISMO. Ao viver em mundo cujo imperativo é a produtividade e consequentemente a lucratividade, esquece-se da condição e existência humana: sua vida psicológica, fisiológica, social, cultural, política e econômica. Não somente de uma pequena parcela da humanidade, mas em sua totalidade. Assim, questionase onde se localiza a importância do homem e da mulher neste sistema capitalista? Aquele e aquela são o fim de um projeto ou são meios para outra finalidade (o lucro)? Porém, pela abrangência de situações possíveis de ser analisadas, partiremos do locus campo/questão agrária1 para defender a tese de que o ser humano se tornou secundário (ou até terciário) no sistema hodierno e metabólico. Assim, se analisará desde a estrutura capitalista que serve de ‘respaldo’ à estrutura agrária brasileira, percorrendo pela produtividade e a situação do trabalho nesta estrutura e finalizando com a desestruturação social consequencial produzida. Portanto, o pretexto é mostrar o quanto a estrutura agrária brasileira produz desigualdades, fome, desemprego e situações desumanas/inumanas ao camponês. Antes de qualquer coisa, tem-se que pensar que no sistema capitalista o único imperativo é o lucro. E todo resto é mediação àquela finalidade. E ainda, tem-se que observar que em uma estrutura econômica global, o Brasil é um país semiperiférico. Não faz parte do núcleo orgânico, do centro de decisões político-econômico mundiais. Assim, a economia política brasileira ‘sofre’ os ditames das economias ‘fortes’. E como vivemos sob o Sol do neoliberalismo, é o Mercado - as transnacionais - o que dita as regras. Assim sendo, a nossa economia e política do campo estão presas a esta condição ‘natural’ do capitalismo contemporâneo. Estas transnacionais são a ameaça aos países pobres ou ‘emergentes’, como o Brasil, no sentido econômico, político e social. Então, “o grande interesse das transnacionais de alimentos em se instalarem nos países do terceiro mundo não é somente uma estratégia para controlar a produção, a comercialização e a monopolização das técnicas agrícolas e dos insumos (defensivos agrícolas, fertilizantes e sementes). Três outros fatores abundantes e baratos as atraem: a mão-de-obra, as matériasprimas e a terra”2 . On –line http://revista.univar.edu.br/ ISSN 1984-431X Interdisciplinar – Revista Eletrônica da Univar (2011) n.5 p.10-15 Produção Social da Fome e do Desemprego. Ou, questão agrária no capitalismo dependente. É a partir do poder e interesses que as transnacionais têm no país que se saberá qual o rumo que este irá levar, as decisões queira tomar. Porém, sendo o Brasil um país semi-periférico, subdesenvolvido e dependente há uma fragilidade econômica interna que o ‘força’ a priorizar à exportação. Assim, nossa economia possui uma práxis prioritariamente ao mercado externo. É assim que pensam e agem os donos dos capitais estrangeiros que decidem investir em um país como o Brasil: “O programa de mecanização deu um novo passo, no último terço da década de 1950, quando se inseriu no conjunto de metas do governo federal a criação no país de uma indústria de tratores e máquinas agrícolas. Foram oferecidas aos investidores estrangeiros vantagens tais como a importação sem cobertura cambial de máquinas-ferramentas, isenções de tarifas aduaneiras, além de cambio favorecido para as amortizações e juros de financiamento”3. Ainda pode-se utilizar outra citação mais emblemática: “A agroindústria canavieira hoje é parte dessa constituição sociometabólica do capital. Um ramo de atividade movido pela lógica do capital transnacionalizado, onde mega grupos econômicos dominam o mercado por meio de verdadeiros oligopólios. Multinacionais, fundos de investimentos e consórcios de empresários já colocaram bilhões de dólares no setor canavicultor...” 4 Estas transnacionais determinam o rumo político e econômico (consequentemente o social) no Brasil. Exemplo é a posição de neocolônia do país suprindo as necessidades de Império e sub-impérios modernos. Desta forma, ao invés de o Brasil priorizar a produção agrícola de alimentos, busca a produção de exportação: soja, algodão, gado. Enquanto isto, a produção de subsistência é inferiorizada e descartada como um importante setor de produção, consumo e lucro. Como o Brasil, ou melhor, a economia agrária brasileira, se tornou propriamente capitalista (o agronegócio) esta economia tem que estar submissa a toda estrutura de uma economia capitalista: deixar de lado a subsistência do humano (nacional) e valorizar a subsistência do Mercado (nacional e internacional). E esta economia, ou mercado, de exportação é antiga, tal como é antiga a dependência do Brasil aos países do centro decisório no mundo, como denuncia Josué de Castro: “Aventura desdobrada, em ciclos sucessivos de economia destrutiva ou, pelo menos desequilibrante da saúde econômica da nação: o do pau-brasil, o da cana de açúcar, o da caça ao índio, o da mineração, o da ‘lavoura nômade’, o do café, o da extração de borracha e, o de certo tipo de industrialização artificial, baseada no ficcionismo das barreiras alfandegárias e no regime de inflação. É sempre o mesmo espírito aventureiro se insinuando, impulsionando, mas logo a seguir, corrompendo os processos de criação de riqueza no país” 5. On –line http://revista.univar.edu.br/ 11 ESTRUTURA AGRÁRIA. É assim que se analisará aqui a estrutura agrária do país. A partir de suas condições de dependência ao centro orgânico e de um país subdesenvolvido que se apressa a tornar uma potência econômica. Pois o Brasil, desde sua invasão em 1500, ou propriamente a partir da década de 1530, se torna um país latifundiário6 e exportador à Metrópole e à Inglaterra, prioritariamente. Enquanto a relevância à produção para as necessidades internas são marginalizadas. Aqui analisar-se-á três causas da fome e desemprego, apesar que existem outras causas, dentro do ‘mundo agrário’. É na continuidade histórico (nos sentidos político e econômico) e cultural que o Brasil se mantém até os dias de hoje como país latifundiário: “Censo agropecuário, divulgado recentemente pelo IBGE, abrangendo um ciclo iniciado em 1995 e encerrado em 2006... os pobres do campo – neste conjunto, incluídos aqueles que possuem propriedades inferiores a 10 hectares – tiveram a propriedade de suas áreas reduzidas de 9,9 milhões para 7,7 milhões de hectares, representando apenas 2,7% de todas as propriedades agrícolas do país. Por outro lado, 31.889 fazendeiros, possuidores de propriedade com extenções acima de mil hectares, respondem pela titularidade de 98 milhões de hectares. Voltados exclusivamente para o agronegócio, temos ainda 15.012 proprietários (1% do total dos estabelecimentos), com propriedades acima de 2.500 hectares, representando 46% do total de todas as terras” 7. Ou ainda, “26 mil latifundiários detêm fazendas... num total de 200 milhões de hectares... tamanho equivalente ao que a china dispõe para alimentar sua população de 1,3 bilhões de bocas... 7 vezes mais bocas do que as nossas...”8. Esta estrutura de concentração de terras em mãos de uma ínfima minoria de proprietários é apenas uma das causas de fome e desemprego no país (como se verá adiante); outra causa é a existência do agronegócio. O Brasil ainda mantém em sua estrutura agrária um aspecto (virtualmente) feudal e um aspecto (concretamente) capitalista. O primeiro vive de renda e/ou ociosidade enquanto o segundo vive de intensa 9 e extensa produtividade, além de alto nível de concentração e centralização de capitais 10. “Se o capitalismo vive de formas econômicas nãocapitalistas, vive, a bem dizer, e mais exatamente, da ruína dessas formas. Necessitando obrigatoriamente do meio não-capitalista para a acumulação, dele carece como meio nutriente, à custa do qual a acumulação se realiza por absorção”11. A condição de implementação do capitalismo em qualquer área de produção (campo ou cidade) é metabólica: está presente em todas as categorias da vida humana: religiosa, cultural, social, política e econômica. Interdisciplinar – Revista Eletrônica da Univar (2011) n.5 p.10-15 Produção Social da Fome e do Desemprego. Ou, questão agrária no capitalismo dependente. E neste imperativo de sobrevivência está o objetivo final: o lucro (e mais lucro). Assim, a concentração de terras, água e meios de produção (máquinas, agroindústrias, comércio, armazéns, insumos industriais) se faz por necessário, ou mediação, para tal objetivo. A assim chamada modernização/ industrialização no campo, iniciada por Juscelino Kubitschek, fizeram que as políticas públicas olhassem fixamente ao campo, juntamente com uma reorganização do trabalho. É pelo investimento no campo que o setor agropecuário, por exemplo, teve um aumento no PIB de 26,2%, no inicio do século XXI, sendo mais elevados que as décadas de 1900 à 197012. Por ano, o agronegócio recebe em média R$ 70 bilhões. E no campo, dos “5,2 milhões de proprietários existentes, somente 920 mil obtiveram financiamentos para a produção. Dos que não foram beneficiados foram 3,63 milhões (85, 42%) são pequenas propriedades. As grandes captaram 43,6% dos recursos”13. Demonstrando, assim, a concentração de capital/investimento, denunciando a sua desigualdade. Apesar, do alto investimento e do ‘alto’ lucro obtido pelo agronegócio, a dívida deste é cada vez mais volumosa, eis um exemplo emblemático de uma das regiões com maiores índices de produtividade: “No intuito de se livrar do peso do financiamento, o governo propôs a securitização da dívida até o limite de 200 mil reais. Não obstante, os agricultores alegam que 80% dos produtores de Mato Grosso, que respondem por 80% da produção possuem dívidas acima deste limite” 9 . Além, de dívida criada, somente aumentando a dívida pública14, a diferença do lucro bruto (R$ 84 bilhões em 2009) do lucro líquido (R$ 64 bilhões) do agronegócio é mínimo (R$ 20 bilhões) em relação à agricultura familiar7 e aos desastres sociais e naturais. E terceira e última causa da fome e desemprego é a ausência de uma reforma agrária, mesmo já prevista pela Constituição da República Federativa do Brasil 15. Como já foi acima exposto, a situação de concentração de terras e meios de produção esta encarnada na história deste país tanto pelo período colonial quanto o neocolonial. Assim, os detentores dos poderes midiáticos, econômico, financeiro e político não deixarão (em bom grado) que as terras previstas pela Constituição sejam repassadas aos pobres e excluídos criados pelo mesmo sistema. Isto, mesmo sendo um modelo agrário de produção relevante para a nação e o próprio desenvolvimento capitalista (porém mais abrangente e não há uma pequena elite). “Para a agricultura familiar, responsável pela produção de mais de 80% dos alimentos que chegam à nossa mesa diariamente, foram destinados apenas R$ 6 bilhões de crédito, que ainda assim produziram R$ 50 dos 141 bilhões do Valor Bruto da Produção agrícola de 2006, ocupando uma reduzida área de 7 milhões de On –line http://revista.univar.edu.br/ 12 hectares com o plantio de arroz, feijão, mandioca, trigo etc7. As contradições sociais emanadas das contradições deste sistema capitalista são visíveis aos olhos minimamente humanizados. Pois16 75,7% do total das áreas de produção pertencem ao agronegócio enquanto os outros 24,3% pertencem à agricultura familiar. Neste mesmo espaço existem 15,6% de proprietários para o agronegócio e 84, 4% para a agricultura familiar. A desigualdade na divisão e apropriação de terras e investimentos torna-se vergonhosa a partir da situação calamitosa em que está o Brasil. É neste pequeno espaço de terra que se produz 38% do Valor Bruto de Produção sendo 62% de VBP para 75, 7% da área. Relativamente, os 15, 6% produzem mais como demonstra outro dado do MDS: a agricultura familiar produz R$ 677 ha/ano, enquanto o agronegócio produz R$ 358 ha/ano, denunciando, assim, a ociosidade de boa parte das terras do agronegócio. E para terminar esta exposição comparativa, a agricultura familiar produz boa percentagem de produtos do campo: 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo, 16% da soja, 58% do leite, 50% de aves, 59% dos suínos, 30% dos bovinos. Esta contradição – o que mais produz e sustenta o país é desvalorizado – faz parte da própria estrutura do capital, pois o problema não é contingencial, é estrutural, pois faz parte da própria essência deste modelo marginalizar grande quantidade da população aos benefícios humanos maximizando o aproveitamento da burguesia. E por esta deficiência estrutural se cria estas três causas para a produção da fome e desemprego. DESESTRUTURAÇÃO SOCIAL: DESEMPREGO E FOME. Como foi anunciada acima, a estruturação capitalista industrial e financeira no campo – agronegócio – trouxe consigo alguns imperativos que determinam nocividade à estrutura social (em seu todo) e natural17. A produção de commodities, as quais se utilizam de espaço extenso e trabalho intenso – leva o país a desfigurar o seu locus agrário. Por ser, prioritariamente, uma mercadoria de exportação, preso a valores internacionais e que precisa de alta produtividade este modelo de produção elevam os preços de produtos para consumo interno, como alimentos. Como se observou acima, o tamanho da área de produção da agricultura familiar – a qual produz grande parte de nossos alimentos – é ¼ do total, enquanto a de produção de commodities e de terras ociosas são os outros ¾ da área. E como a produtividade Interdisciplinar – Revista Eletrônica da Univar (2011) n.5 p.10-15 Produção Social da Fome e do Desemprego. Ou, questão agrária no capitalismo dependente. é pequena em relação à massa demográfica do país, os preços se mantêm altos. É a lei da oferta e procura. Outro fator de aumento de preços é a presença de transnacionais no campo brasileiro: “O preço do feijão subiu nada menos do que 125% de janeiro de 2006 a abril de 2008... Já a alta do arroz ficou em 20% e a do leite, em 28%. Um dos fatores que tem contribuído para esse aumento é o domínio das transnacionais no setor agrícola brasileiro e mundial... Embora o agronegócio não produza a maior parte dos alimentos possui a maior parte das terras agricultáveis, usando-as principalmente para a produção de soja, eucalipto e cana-de-açúcar. Esses produtos visam... atender às necessidades dos países ricos, seja para fornecer ração para agropecuária (soja) ou para o abastecimento de celulose (eucalipto) e etanol (cana) – não são destinados à alimentação” 18. O maior pensador brasileiro sobre a fome, Josué de Castro, em um de seus livros denunciadores, afirmava: “a fome no Brasil, que perdura, apesar dos enormes progressos alcançados em vários setores de nossas atividades, é consequência, antes de tudo, de seu passado histórico”5. E não como alguns ‘intelectuais’ que expõem como um problema de tal ou tal governo (sem descartar sua relevância relativa) ou defendendo o pensamento liberal individualista afirmando ser ‘culpa’ do incapaz que não tem vontade própria para superar sua fome. O número de miseráveis, hoje, no Brasil, segundo dados do IBGE 19, são de 16, 2 milhões de brasileiros (8,5% da população do país). Destes 46,7% estão na zona rural enquanto 53,3% estão na zona urbana. Isto sem contar a população que vive com até metade de um salário mínimo ou até um salário mínimo: se este valor seria o suficiente para escapar da fome 2 com preços altos motivados pela inflação e pela lei de oferta e procura? Hoje, o modelo econômico do país prioriza a produção de rações para gado, combustíveis para automóveis, e alimentação de outras nações enquanto a própria população vive na miséria ou pobreza financeira e de alimentos. Outra consequência desta estrutura agrária é o desemprego, intensificação da exploração no trabalho e o trabalho escravo. Em efeito de comparação, o agronegócio emprega16, em 75,7% da área do país, 4,2 milhões (25,6% do total empregado no campo) do pessoal empregado, enquanto a agricultura familiar emprega, em 24,3% da área de produção no país, 12,3 milhões (74,4% do total empregado no campo). Ou ainda, são 15,3 pessoas a cada 100 hectares na agricultura familiar, enquanto no agronegócio são 1,7 pessoas a cada 100 hectares. Como foi anunciado acima, quando um organismo ou estrutura social se torna capitalista logo se transubstancia toda a sua ‘natureza’. Assim, quando a estrutura de produção no campo se torna um agronegócio, esta natureza se faz presente: pelo On –line http://revista.univar.edu.br/ 13 aumento de mecanização, o qual troca o homem pela máquina, desempregando-o em quantidades assustadoras, pelo modelo organizacional toyotista, que flexibiliza, intensifica e ‘enxuga’ a quantidade de funcionários fazendo com que um trabalhador faça antes o que cinco faziam p. ex.: antes para cada mil cabeças de gado precisava-se de um funcionário, hoje são para cada cinco mil cabeças, juntamente com as metas estabelecidas por qualquer empresa capitalista neoliberal, por exemplo: “O ritmo de trabalho tem sido dado pelas metas de produtividade que as usinas exigem dos trabalhadores. Na década de 1990, a exigência era de cinco a oito toneladas de cana cortada por dia; depois de 1990 passa a ser oito a nove, chegando em 2004 com 12 a 15 toneladas/dia” 4. E, ainda, em relação ao desemprego: “Entre novembro de 2008 de fevereiro deste ano [2009], o setor foi responsável pela demissão de mais de 270 mil trabalhadores. O volume supera em 8 mil o número de dispensados pelo segundo lugar da lista, a indústria de transformação. Comercio e serviços demitiram 145 mil” 20. E para ficar mais expositiva todo o complexo desumano desta realidade de exploração intensificada, nem a renda do trabalhador o liberta: “um cortador de cana recebe R$ 3,00 por tonelada de cana cortada – no Estado de São Paulo a média é ainda menor: R$ 2,50... – e que o preço do feijão está a R$ 6,00...”21. A renda do trabalhador do campo é minimizada ao necessário à sua sobrevivência. O trabalhadormáquina e/ou trabalhador-mercadoria sofre uma diferenciação produzindo uma ‘aristocracia de trabalhadores’ entre cidade e campo, a partir da renda do trabalho e sua possibilidade de consumo: “Quanto aos ganhos reais de salário, verificou-se que no período de 1992-2005, eles foram de 34,5% para os empregados permanentes com residência urbana, de 17,6% para permanentes rurais, de 47, 6% para os temporários urbanos e de 37,2% para os temporários rurais. Ainda de acordo com a PNAD, em 2005, o salário médio mensal de um empregado permanente com residência urbana e ocupado na cana-de-açúcar era de R$% 537,24. Para o permanente rural, era de R$ 346,95%, ao passo que para os temporários, era de R$ 436,60 e R$ 309,76, respectivamente, para os urbanos e os rurais” 4. A mais-valia é supervalorizada nesta unidade no campo, tanto na mais-valia relativa quanto na maisvalia absoluta, juntamente de uma organização précapitalista – o que é natural neste modelo de exploração. Em que, no primeiro existe uma intensificação da exploração dentro da mesma jornada de trabalho, no segundo a intensificação depende do aumento da jornada de trabalho e o último é o trabalho escravo contemporâneo (que é mais rentável que no Brasil colonial e imperial). Todos os três modelos de extração de lucro deterioram o trabalhador, físico e psicologicamente, eis Interdisciplinar – Revista Eletrônica da Univar (2011) n.5 p.10-15 Produção Social da Fome e do Desemprego. Ou, questão agrária no capitalismo dependente. alguns exemplos: “Os cortadores de cana têm expectativa de vida menor que a dos escravos do final do século 19... estima-se que a vida útil dos cortadores de cana seja de 12 a 15 anos”22. Ou ainda, outro exemplo em São Paulo onde “em 2007, foram registradas cinco mortes de migrantes pro excesso de trabalho nos canaviais do Estado”23. Além deste há as mortes em acidentes de trabalho: “Em 2005, a delegacia regional do trabalho registrou 416 mortes nas usinas do Estado [São Paulo], maioria por acidentes de trabalho ou em conseqüência de doenças como parada cardíaca, câncer, além de casos de trabalhadores carbonizados durante as queimadas” 23. Estas situações criadas pelo modelo industrial/capitalista no campo trazem além da fome ou mau alimentação, situações de exploração intensificada de emprego, desemprego e o próprio trabalho escravo, este – a priori, um paradoxo ao sistema capitalista – é diferenciado do escravismo antigo pelo motivo que este último é bem mais caro a mercadoria (humano-escravo) e sua manutenção, enquanto o contemporâneo que é gratuito. Esta forma de trabalho pré-capitalista aglutinado a aspectos capitalistas (organização no trabalho, tecnologia, investimentos, comercialização, especulação etc) supervaloriza o lucro do neoescravista. Pois a diferenciação entre o trabalho excedente e o necessário é a nulificação deste, estando o excedente (trabalho não-pago e criador de mais-valia) maximizado. Esta forma de cooptação de trabalho ‘emprega’ milhares de pessoas na zona urbana e rural. E a situação destes trabalhadores é pior que dos antigos escravos, pois estes são mercadorias descartáveis, por serem baratas no mercado de trabalho do exercito de reserva (lei da oferta e procura). Assim, no ano de 2010 24 foram denunciados no campo do Brasil 4.578 escravos nesta situação, dos quais somente 2.914 foram libertados. De 2003 a 2010, tinham 55.386 pessoas envolvidas em escravidão no campo brasileiro, dos quais foram resgatados 35.188 trabalhadores escravos. 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. AUGUSTO, Danilo. Sem reforma agrária, mais dificuldades no centro urbano. Jornal Brasil de Fato, SP, 15-21/04/2010, p. 04. 2. ADAS, Melhem. A fome. Crise ou escândalo? SP: Ed. Moderna, 1980. 3. GUIMARÂES, Alberto P. A crise agrária. 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CONSIDERAÇÕES FINAIS A questão agrária é um tema de suma importância pelas consequências desastrosas nos diversos setores sociais: desemprego rural, êxodo rural em busca de empregos na cidade, inchaço demográfico e mais desempregados nas cidades e ainda a ausência de uma reforma agrária aprofunda esta situação e ainda produz uma guerra no campo e a criminalização de movimentos sociais que apenas tentam fazer valer a Constituição negada pela elite ‘secular’ brasileira. Pois, há a necessidade, imediata, de uma reforma agrária completa e efetiva no país, para sanar as condições criadas pela sua ausência. On –line http://revista.univar.edu.br/ 12. POCHMANN, Márcio. O emprego no desenvolvimento da nação. SP: Ed. Boitempo, 2008. 13. LIMA, Eduardo S. de. No Brasil, a lógica da ‘antireforma agrária’. Jornal Brasil de Fato, SP, 0814/10/2009, p. 02. 14. BRASILINO, Luiz. Dívida, a raiz do atraso brasileiro. Jornal Brasil de Fato, SP, 16-22/09/2010, p. 05. 15. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto Juarez de Oliveira. 25. ed. SP: Ed. Saraiva, 2000. (Coleção Saraiva de Legislação). Interdisciplinar – Revista Eletrônica da Univar (2011) n.5 p.10-15 Produção Social da Fome e do Desemprego. Ou, questão agrária no capitalismo dependente. 16. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO (MDA). Agricultura familiar no Brasil e o censo agropecuário 2006. Disponível em http://www.mda.gov.br/portal/. Acesso em 28/04/2010. 17. MENDONÇA, Maria Luisa. O direito à alimentação. Jornal Brasil de Fato, SP, 25-31/10/2007, p. 02. 18. MELO, Dafne. Transnacionais especulam com alimentos. Jornal Brasil de Fato, SP, junho de 2008, p. 02. (Edição especial - Via Campesina). 19. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/. Acesso em 06/05/2011. 20. MELO, Dafne. A (nova) urgência da reforma agrária. Jornal Brasil de Fato, SP, 16-22/04/2009, p. 03. 21. 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