34 | Economia | Jornal de Negócios | Quarta-Feira, 13 de Abril de 2011 . F ÓRU M “ PE N SAR A F I SCALI DADE ” Governo tem de obrigar pequenos contribuintes a pagar impostos Mais do que aumentar impostos, as medidas de austeridade deverão passar por cortes na despesa fiscal e por uma aposta na eficácia da Administração, defendem os especialistas FILOMENA LANÇA ELISABETE MIRANDA PEDRO S. GUERREIRO [email protected] “Háumburacoquenãotemsidofácil atacar natributação dos pequenoscontribuintes.”Eseareceitafiscal que daí resultaria não é sequer “muito significativa”, estáem causaumaquestãode“equidadefiscal” quetemoseupesonumaalturaem quetodosvãoserchamadosafazer umesforço adicional. O alertavem deAntónioMartins,especialistaem fiscalidade e professordaFaculdadedeEconomiadaUniversidadede Coimbra, um dos participantes no fórum“PensaraFiscalidade”, promovido pelo Negócios e pela PricewaterhouseCoopers. NummomentoemqueoGoverno se preparara para negociar um pacote de medidas de austeridade comocontrapartidaaumaajudafinanceiraexterna,AntónioMartins admite que, “respeitando todos os direitos legais e constitucionais, é difícilchegarlá”echamarestescontribuintes àlegalidade, pelo que há quepensarem“situaçõesmaisinovadoras”,comosejam“atributação emfunçãodeindicadoresouumautomatismo que garantaumacarga fiscal mínima”. Aeficiênciadamáquina,nasuaopinião,seráumponto a ter em conta para potenciar a Não é realista pedir um crescimento significativo da receita de impostos. A eficácia da máquina fiscal será o mais importante. ANTÓNIO MARTINS Fiscalista e professor universitário Não há alternativa a um aumento do IVA, o imposto que gerará mais receita e terá efeitos menos negativos. JAIME ESTEVES Responsável da PricewaterhouseCoopers Fiscalidade à mesa | Jaime Esteves (à esquerda), João Amaral Tomaz, Luís Filipe Pereira e António Martins (à direita) debateram as arrecadaçãodereceita.Afinal,asrecentes estatísticas divulgadas pelo Fisco, referentes a 2009, vieram confirmar que metade das empresasportuguesasnãopagaimpostos. Etambémque,entreaspessoassingulares,ataxamédiadeimpostosuportadanão vaialémdos 9,6%. Nesteúltimocaso,paraalémdos baixos níveis de rendimentos no País, a justificação passa também pelasdeduçõespermitidaspelosistema fiscal português. E por isso que,defendemosespecialistas,em tempos de crise seráinevitável reduziradespesafiscalcomdeduções ebenefícios,umamedidaque,aliás, estavajáprevistano PECIV. AntónioMartinsnãoexcluitambémumaumentodataxamarginal máximado IRS, como foi sugerido na semana passada por Fernando Ulrich.“Complementadacomcortesnasdeduçõesebenefíciosfiscais, pode levar a uma aproximação da nossaestruturafiscalaosníveismédiosdaOCDE”,diz.Afinal,emPortugal “1% dos que declaram mais pagacercade25%a30%dareceita deIRS,umapercentagemquecontinua abaixo dos 40% verificados, porexemplo, nos EUA”. IVA não deverá escapar a um aumento Mas o plano de austeridade passaránecessariamenteporumaumen- todeimpostos?JaimeEsteves,responsável daáreafiscal daPricewaterhouseCoopers,defendeque“não háalternativa”.Oalvo,sustenta,deveráseroIVA,“oimpostoquegerarámaisreceitaeteráefeitosmenos negativos”. AmaralTomaz,ex-secretáriode EstadodosAssuntosFiscaiseoutro dos participantes no fórum, dá o exemplodaIrlanda,ondeoplanode austeridadeassentousobretudodo ladodadespesaepassouaoladoda parte fiscal, ficando apenas por algumas mexidas no IRS. “O sistema fiscalprecisadeestabilidade,epenso que o aumento de taxas não deviaserasolução,massimaconsolidaçãodareceita,combasenoapoio daAdministração Tributária”, declara.“Mexidasdetaxassãoperigosas”, pelo que Amaral Tomaz sustentaque deveráantes alargar-se a base tributáriapor viadadiminuição dadespesafiscal. Exportadoras precisam de incentivos fiscais TambémLuísFilipePereira,presidente da Efacec, “afastaria ajustamentossignificativosdoladodareceita, sejanafiscalidade paraas famílias, seja para as empresas. Em relação aestas últimas defende, no entanto, que “afrente exportadora tem de ser alargadae apolíticafiscal pode ajudar, com incentivos ao Sobretaxa no IRC deve passar pela derrama estadual A proposta feita na semana passada por Fernando Ulrich, presidente do BPI, para que o Governo peça às empresas mais lucrativas um esforço fiscal maior para a consolidação das contas públicas é bem recebida. “As medidas têm de ser vistas numa óptica de justa repartição de sacrifícios” entre todos os contribuintes, lembra António Martins. Mas, por razões técnicas, seria conveniente que não se criassem novos impostos. “O que faz sentido é que se crie um novo escalão dentro da derrama estadual”, o imposto adicional que foi lançado em 2010 para empresas com lucro tributável superior a dois milhões de euros, diz Amaral Tomaz. Sem especificar as condições concretas da sobretaxa, Ulrich defendeu um imposto especial para empresas com mais de cinco ou dez milhões de euros de lucros. Segundo estimativas do Governo, a sobretaxa lançada em 2010 deverá render 160 milhões de euros ao ano, um valor considerado justo por Teixeira dos Santos. Jornal de Negócios | Quarta-Feira, 13 de Abril de 2011 | Economia | 35 . Miguel Baltazar M ÁQU I N A F I SCAL Investir no Fisco é mais eficaz do que aumentar impostos O funcionamento da máquina fiscal é mais importante do que alterações às leis e às taxas de imposto s medidas fiscais que podem integrar o novo plano de austeridade. níveldo IRC, desde que, porexemplo, as empresas consigam atingir determinadasmetasemtermosde resultados”. TambémAntónioMartinsé“absolutamente a favor” de medidas que possam incentivar as exportadoras. “Anossaesperançaé de que nospróximosdoisatrêsanosasexportaçõesconsigamresistir,etudo oquesepossafazerparaajudaresse sector será bem-vindo”, sustenta. Desde que “envolva metas que sejam controláveis, jáque o País tem um longo historial de aproveitamentos indevidos”. AmaralTomazadmiteque,“em termostécnicosnãohaveriaproblemas”. Porém, refere, esse tipo de medidas,haveriasempreoriscode seremconsideradasajudasdeEstado,oqueviolariaasregrascomunitárias. O ex-secretário de Estado dos Assuntos fiscais lembraumaoutra solução, parareduzir os custos das empresas, que foi já alvo de vários estudos, nomeadamente do Banco de Portugal. A ideia é que um aumentoemdoispontospercentuais da taxa normal do IVApermitiria reduzir em quatro pontos percentuaisataxaparaaSegurançaSocial suportadapelasempresas.“Poresta via,osprodutospoderiamficarmais baratos,oquepotenciariaasexportações, conclui. É preciso ajudar as empresas exportadoras, e a política fiscal pode ajudar, com incentivos para as que atinjam determinadas metas. LUIS FILIPE PEREIRA Presidente da Efacec Mesmonostemposdeausteridade queoPaísatravessa,hádespesapública que o próximo Governo não deve regatear: todo o dinheiro que sejagastonosimpostos,querdotandoaestruturademaisrecursoshumanos, quer adquirindo novos equipamentos tecnológicos é mais do que justificável. E, amédio prazo,maisproveitosodoqueaumentos sucessivos de taxas de imposto que se possamfazer. De acordo com os participantes nofórum“PensaraFiscalidade”organizado pelo Negócios e da PricewaterhouseCoopers,asustentabilidade dareceitafiscal encontrase ameaçadapelacrise económica e pelo aumento da evasão tributárianospróximosanos.E,sehámaneiradeestancarestainevitabilidade, elapassaporcontinuaraqualificaramáquinatributária.Asáreas de investimento não muitas. António Martins, professor de economia na Universidade de Coimbrae um dos coordenadores do mais recente relatório sobre políticafiscalencomendado pelo últimogovernodeJoséSócrates,aponta,porexemplo,aáreadajustiçatributária:“Éprecisodaratençãoàfundamentação dos processos judiciais”, umaáreasensível onde, por fundamentação insuficiente ou indevida,oFiscoacabaporserderrotado em muitas das causas que reclama. Outro exemplo, dado por quemconheceamáquina,pordentro:“Quantoentrei[paraoGoverno em 2005] abriu-se um concurso para 400 juristas. Passados estes anostodos,aindacontinuaaberto”, recordaJoãoAmaralTomaz,ex-secretáriodeEstadodosAssuntosFiscais, que receiaque hajauma“uma deterioraçãodacobrançapornãose dar um apoio em tempo oportuno paraofuncionamento”damáquina. Ao níveldos recursos humanos, Amaral Tomaz recorda que “esta- Pode haver uma deterioração da cobrança por não se dar um apoio em tempo oportuno para o funcionamento da máquina fiscal. JOÃO AMARAL TOMAZ Ex-secretário de Estado do Fisco mosaaproximar-nosperigosamente” do limite mínimo tolerável de funcionários do fisco. As boas práticasinternacionaisdagestãotributáriarecomendam que aAdministração Fiscal esteja dotada de um funcionário para cada mil contribuintes, mas a recente enxurrada de aposentações, motivada pela austeridadesalarialimpostanoEstado,estáapôrestepatamaremperigo. É por isso que “a receita deve passarpelaestabilização,sustentabilidadeeapoioàAdministraçãofiscal.Essaéqueéaopçãocorrecta”,e não a de aumento de impostos, onde se corre o risco de esgotar o crescimento marginal da receita (vertexto àesquerda). António Martins concordacom anecessidade de investireminfraestrutura informática – “seria um errocortarnoinvestimento”–eno reforçodepessoal,sobretudoaoníveldainspecçãofiscal,umavezque osindíciosdeevasãoefraudesãosignificativos (ver texto àesquerda). Porisso, deixaumasugestão: “Que aspessoasquesejamcolocadasem mobilidadenasequênciadasreformas daAP que se anunciam sejam afectas àinspecção”. EM/FL/PSG Harmonização do IRC: difícil e inconveniente Numa altura em que a Comissão Europeia retomou a proposta de introdução de uma base consolidada comum de tributação para empresas que operam em diversos países comunitários, os fiscalistas mostram-se cépticos quanto à capacidade de implementação destas regras e questionam a vantagem da solução para uma economia como a portuguesa. João Amaral Tomaz lembra que é muito difícil conseguir que 27 Estados se ponham de acordo (as alterações em matéria fiscal exigem unanimidade). António Martins alerta ainda que, se aderisse a este sistema, “Portugal abriria mão de uma receita importante nesta altura”. IVA para o golfe: reduzir passaria a mensagem errada Reduzir a taxa do IVA a aplicar ao golfe, como chegou a ser equacionado pelo Governo, “passaria a mensagem errada”, sendo certo que “aos adeptos do golfe, não será essa a razão que os fará ou não jogar”, defendeu António Martins. Também Amaral Tomaz lembrou que “em tempos difíceis, há que passar uma mensagem de credibilidade”, que poderia sair comprometida com uma medida deste género. Jaime Esteves admite que “não deve haver excepções, sob pena de se criar crispações”. Esta, no entanto, poderia ser uma excepção aceitável, dada a importância desta actividade para a economia do País. Pub