A EXECUÇÃO DA PENA E O CUMPRIMENTO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Junior Evaldo Goltz Luciano Bruno Figueredo Acadêmicos do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti 1 INTRODUÇÃO É alarmante a situação prisional de nosso país, falta estrutura física e até mesmo política para a correta manutenção da população carcerária brasileira. Nosso ordenamento jurídico, e, principalmente o ordenamento penal, se mostra evidentemente repressivo no tocante às formas de punição, prescrevendo aos crimes quase sempre a pena de privação da liberdade. Durante anos, a ideia de melhor forma de punir era a da pena mais grave, infelizmente nossos legisladores não estavam atentos às correntes doutrinárias que se posicionam no sentido de que a forma mais propícia a impelir a formação de criminosos é a certeza da pena, e não a sua maior severidade. Talvez seja este o motivo de nosso sistema repressivo se pautar tanto para a pena privativa de liberdade, basta observar que no Código Penal as substituições de pena desta espécie por penas restritivas de direitos se mostram muito escassas, abrangendo poucos casos. Como se não bastasse, nosso sistema carcerário se mostra falido, existem poucos lugares para tantos detentos, o Estado que tanto se preocupa em prender os criminosos, pouco esforço dispensa para oferecer a eles vida digna durante seu período de sanção. Não é difícil ver nos noticiários notas sobre a superpopulação dos presídios, nem tão pouco sobre o descaso em que se encontram os presos. Nesta situação que se afirma o presente trabalho, mostrar que deve ser exercido a execução da pena respeitando os direitos fundamentais precípuos da pessoa, deve ser garantido, sem sombra de dúvidas, a obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana a aqueles que estão em processo de Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880 cumprimento de pena. 2 EXECUÇÃO DA PENA E SUA REGULAMENTAÇÃO Antes de se adentrar ao assunto de execução da pena, necessário se faz tecer alguns comentários sobre as infrações penais e suas sanções previstas por nosso código repressivo. Desta feita, importante classificação nos é dada por Kuehne (2010, p. 12): “O Sistema Punitivo Brasileiro apresenta-se, de certa forma, hierarquizado, posto que as infrações penais são classificadas em 5 (cinco) aspectos distintos, quais sejam: infrações de bagatela ou insignificantes; infrações de menor potencial ofensivo; infrações de médio potencial ofensivo; infrações graves e infrações etiquetadas como hediondas, com hipóteses, neste último caso, assemelhadas, quais sejam: o tráfico ilícito de entorpecentes, a tortura e o terrorismo. ” Com exceção da primeira infração, onde são consideradas não culpáveis, pois, o Direito Penal deve se preocupar com infrações que ofendam ao menos um bem jurídico razoável, as demais classificações, em regra, apresentam cada uma um certo tipo de se executar a pena, algumas de forma mais rigorosa, outras de forma menos severa. Como exemplo, veja-se os crimes hediondos, estes por serem tidos como mais graves, possuem uma forma mais rigorosa de punição, uma vez que o regime inicial de cumprimento de pena será sempre o fechado, a progressão de regime é mais demorada (2/5 se primário e 3/5 se reincidente), além do fato de não serem atingidos por graça, indulto ou anistia. A Lei que trata de todo o processo de execução penal é a Lei n. 7.210 de 11 de julho de 1984, a qual disciplina a execução em consonância com os direitos do preso, e, acima de tudo, com sua ressocialização. Mencionado dispositivo não apenas regula como será executada a pena, mas, sim, regulamenta todas as etapas desta, como deverão as autoridades públicas agirem em relação aos presos, quais direitos estes possuem, como serão tratados, suas classificações para individualização da pena, suas punições administrativas, a progressão de regime, a oferta de recursos básicos do ser humanos a estes, como por exemplo, educação, assistência religiosa, entre outros. Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880 É, pois, e acima de tudo, uma importante fonte de aprendizagem sobre o correto tratamento penitenciário, apresentando, na teoria, perfeita sintonia com os direitos fundamentais, mas o que se vê na prática é totalmente o contrário, apenas se tem notícia da desumana situação prisional e o descaso das autoridades públicas e da sociedade com aqueles que estão em processo de recuperação social. 3 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA No centro do direito encontra-se o ser humano, o fundamento e o fim de todo o direito é o homem, em qualquer de suas representações, vale dizer, todo o direito é feito pelo homem e para o homem, que constitui o valor mais alto de todo o ordenamento jurídico. O homem é sujeito primário e indefectível do direito, ele é o destinatário final tanto da menor quanto da mais elevada norma jurídica. Constitui lugar comum a afirmação de que o interesse público ou social deve prevalecer sobre o individual. Mas isso é apenas pensar no homem de forma coletiva. Quando se prioriza um interesse público ou social em detrimento de um interesse individual, supõe-se estar a tutelar, ainda que de forma indireta, o interesse de um número maior de pessoas, ainda que não individualizadas. Assim, seja por que ângulo for, o ser humano está no centro de toda e qualquer reflexão jus-filosófica. Portanto, todos os princípios constitucionais encontram sua razão e origem no homem, fundamento de todo o dever ser. E, justamente por ser fundamento, o homem não constitui, em si, um princípio, pois o fundamento não é um princípio, mas a justificação radical dos próprios princípios. No plano jurídico, como em tudo mais, o homem é a medida de todas as coisas. A finalidade última do direito é a realização dos valores do ser humano. Pode-se, pois, dizer que o direito mais se aproxima de sua finalidade quanto mais considere o homem, em todas as suas dimensões, realizando os valores que lhe são mais caro. Um indivíduo, pelo só fato de integrar o gênero humano, já é detentor de dignidade. Esta é qualidade ou atributo inerente a todos os homens, decorrente da própria condição Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880 humana, que o torna credor de igual consideração e respeito por parte de seus semelhantes, analiticamente, define-se a dignidade da pessoa humana como: a qualidade exata e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração. A despeito de todas as suas diferenças físicas, intelectuais e psicológicas, as pessoas são detentoras de igual dignidade. Embora diferentes em sua individualidade, apresentam, pela sua humana condição, as mesmas necessidades e faculdades vitais. A dignidade é composta por um conjunto de direitos existenciais compartilhados por todos os homens, em igual proporção, contesta-se aqui toda e qualquer ideia de que a dignidade humana encontra seu fundamento na autonomia da vontade, decorre da própria condição humana, independe até da capacidade da pessoa de se relacionar, expressar, comunicar, criar, sentir. Dispensa a autoconsciência ou a compreensão da própria existência do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos mesmo aquele que já perdeu a consciência da própria dignidade merece tê-la (sua dignidade) considerada e respeitada. Dentro dessa linha de pensamento, há que reconhecer que o conjunto de direitos existenciais que compõem a dignidade pertence aos homens em igual proporção. Daí não ser possível falar em maior ou menor dignidade, pelo menos no sentido aqui atribuído à expressão, de conjunto aberto de direitos existenciais. O homem apenas por ser homem não perde a sua dignidade, por mais indigna ou infame que seja a sua conduta. Quando se atribui a alguém a imagem de indigno ou quando se afirmar que alguém não tem ou perdeu a dignidade a expressão está sendo utilizada com sentido diverso, para fazer referência ao conceito desfrutado por alguém no meio social, à sua respeitabilidade. A qualificação de indigno não pode, portanto, ser tomada como referente a alguém privado de direitos existenciais, mas a alguém merecedor de censura, castigo ou pena, em razão de algum comportamento contrário às regras de decoro, moral ou direito. Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880 A dignidade pressupõe, portanto, a igualdade entre os seres humanos. Este é um de seus pilares. É da ética que se extrai o princípio de que os homens devem ter os seus interesses igualmente considerados, independentemente de raça, gênero, capacidade ou outras características individuais. 3.1. Igualdade de indivíduos e de interesses O princípio da igual consideração de interesses consiste em atribuir aos interesses alheios peso igual ao que atribuímos ao nosso interesse. Não por generosidade que consiste em doar, em atender ao interesse alheio, sem o sentimento de que, com isso, se esteja a atender a algum interesse próprio, mas por solidariedade, imposta pela própria vida em sociedade. O solidário é aquele que defende os interesses alheios porque, direta ou indiretamente, eles são interesses próprios. A igual consideração de interesses, é importante frisar, constitui não um princípio de igualdade absoluta, já que esta é impossível alcançar, mas um “princípio mínimo de igualdade”, que pode impor até um tratamento desigual entre as pessoas, se necessário for para a diminuição de uma desigualdade. O outro ponto da dignidade é a liberdade em sua concepção mais ampla, que permite ao homem exercer plenamente os seus direitos existenciais, pois este necessita de liberdade interior, para sonhar, realizar suas escolhas, elaborar planos e projetos de vida, refletir, ponderar, manifestar suas opiniões. Isso não quer dizer que o homem seja livre para ofender a honra alheia, expor a vida privada de outrem ou para incitar abertamente à prática de crime. A liberdade encontra limites em outros direitos integrantes da personalidade humana, tais como a honra, a intimidade, a imagem. Liberdade exige responsabilidade social, porque sem ela constitui simples capricho, o exercício da liberdade em toda a sua plenitude pressupõe a existência de condições materiais mínimas. Não é verdadeiramente livre aquele que não tem acesso à educação e à informação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, ao lazer. 3.2. A Declaração Universal dos Direitos Humanos Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880 Já em seu art.1º, põe em destaque os dois pilares da dignidade humana: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas das outras com espírito de fraternidade. Sempre que se cuida do tema da dignidade humana é lembrada a afirmação Kantiana de que, o homem de uma maneira geral, todo o ser racional existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade, daí que extraiu o princípio fundamental de sua ética que age de tal maneira que pode usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente, como fim e nunca simplesmente como meio. Tratar o outro como fim significa reconhecer a sua inerente humanidade, pois o homem não é uma coisa; não é, portanto, um objeto passível de ser utilizado como simples meio, mas, pelo contrário, deve ser considerado sempre e em todas as suas ações como fim em si mesmo. A dignidade constitui, um valor incondicional e incomparável, em relação ao qual só a palavra respeito constitui a expressão conveniente da estima que um ser racional lhe deve prestar. A existência de uma dignidade inerte a todo homem não significa, em absoluto, afirmar que ele seja bom por natureza. A motivação principal e fundamental, tanto no homem, como no animal, é o egoísmo, quer dizer, o ímpeto para a existência e o bem. Diferentemente de Kant, que fundamenta sua ética, outras coisas, é a circunstância de que o homem é capaz de guiar o seu egoísmo pela razão e pelo cálculo, perseguindo seus objetivos de modo planejado. Daí porque os animais podem ser chamados de egoístas, mas apenas o homem pode ser chamado de interesseiro. 4. REALIDADE PRISIONAL BRASILEIRA Há muito tempo que se tem a notícia de que a situação prisional brasileira se apresenta de forma extremamente precária, fato este que vem sendo ignorado pela sociedade, pois ninguém dá aos presídios a importância que deveria. A realidade é que, a forma como são aplicadas as penas, sem o mínimo de respeito aos presos, colocando-os em lugares superlotados (lugares onde caberiam um certo número Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880 de presos apresenta-se com o dobro, ou mais), com a falta de alimentação adequada, com a ausência de apoio educacional, religioso, de saúde, jurídico, tudo isto viola a dignidade da pessoa. Apesar da lei de Execução Penal prever que um de seus objetivos é a ressocialização do preso, tal fato não se vê no dia-a-dia prisional, a repreensão como é aplicada hoje, longe está de conseguir ressocializar alguém. Com efeito, importante a seguinte passagem de uma revista jurídica: “Vários fatores culminaram para que chegássemos a um precário sistema prisional. Entretanto, o abandono, a falta de investimento e o descaso do poder público ao longo dos anos vieram por agravar ainda mais o caos chamado sistema prisional brasileiro. Sendo assim, a prisão que outrora surgiu como um instrumento substitutivo da pena de morte, das torturas públicas e cruéis, atualmente não consegue efetivar o fim correcional da pena, passando a ser apenas uma escola de aperfeiçoamento do crime, além de ter como característica um ambiente degradante e pernicioso, acometido dos mais degenerados vícios, sendo impossível a ressocialização de qualquer ser humano. “1 E não para por aí, as notícias de que a situação prisional se mostra de forma extremamente precária é cotidiana na vida dos jornais, veja-se: “Com pouco mais de seis mil presos, o RN tem déficit de pelo menos 2,1 mil vagas nas suas prisões. Exemplos do quadro estão no Complexo João Chaves, em Natal: os presos “amontoados” da unidade masculina de regime fechado não têm banho de sol; e a unidade semiaberta “mais parece um lixão”, diz o CNJ, que visitou o estado em abril e maio. Na maior unidade do RN, a Penitenciária de Alcaçuz, em Nísia Floresta, há, além da superlotação (705 presos para 420 vagas), esgoto a céu aberto e pavilhões depredados — “não há mais grades de contenção ou que isolem os andares”. Desde 2007, foram 20 mortes violentas de presos na unidade: “quem matar o outro preso com maiores requintes de crueldade ganha prestígio e se torna líder. Houve uma morte (em 2011) em que um preso, que já matou cinco na unidade, esfaqueou outro, decapitou-o e o estripou, 1 Sande Nascimento de Arruda. A ineficiência, as mazelas e o descaso presentes nos presídios superlotados e esquecidos pelo poder público. In: << http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogadosleis-jurisprudencia/59/sistema-carcerario-brasileiro-a-ineficiencia-as-mazelas-e-o-213019-1.asp >> acessado em 17 de maio de 2015, às 09h34. Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880 espalhando suas vísceras pela cela e ainda comeu parte do fígado da vítima. Uma total selvageria”, afirma o relatório. ”2 Diante destas atrocidades e infelizmente realidades retratadas pelas notícias acima, é de se convir, sem sombra de dúvidas, que os presídios brasileiros se encontram falidos, não proporcionam sequer o mínimo de dignidade aos detentos, tratam estes como seres excluídos, deixou-se de pensar no caráter educativo da pena, de sua finalidade de ressocialização, tudo o que se faz é “jogar” o criminoso em uma sela e literalmente o abandonar. Como se viu, a realidade dos presídios é realmente problemática, como se pode convir que em um estabelecimento público possam existir tantas barbáries, como admitir que aqueles a quem incube cuidar dos detentos são os mesmo que o abandonam? Trata-se de uma triste realidade brasileira, e que deve ser mudada. Conforme brilhantemente exposto por Mauricio Kuehne, não é tarefa que cabe apenas ao Poder Público, mas também à sociedade como um todo: “Não se pense, como erroneamente alguns setores procuram proclamar, que os problemas devem ser resolvidos pelo Judiciário ou pelo Poder Executivo. Ledo engano. Todos os Poderes e toda a sociedade, por seus diversos segmentos deve ser mobilizada, pois o retorno do homem, após o cumprimento da pena, se dará exatamente, dentro da sociedade que temporariamente o alijou. ” Com efeito, a fim de mudar esta triste realidade, o Poder Judiciário vem procurando soluções para o problema, tentando, por sua parte, fazer com que reduza o nível de descaso com os condenados nos presídios. O Conselho Nacional de Justiça, nos últimos anos, vem aprovando várias resoluções com o intuito de melhorar a fiscalização sobre os presídios, procurando manter a boa condição e o respeito aos direitos fundamentais do preso. Entres elas, peço licença para citar alguns trechos, que seguem abaixo: 2 Alessandra Duarte e Flávia Ilha. Presídios brasileiros têm cotidiano de atrocidades e barbáries. In: << http://oglobo.globo.com/brasil/presidios-brasileiros-tem-cotidiano-de-atrocidades-barbarie-11275493 >> acessado em 17 de maio de 2015 às 09h48. Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880 “RECOMENDAÇÃO 20, de 16.12.2008 Art. 1º. RECOMENDAR aos Tribunais que: I – Proporcionem aos juízes e servidores das varas com competência em matéria de execução penal, no mínimo anualmente, como atividade de capacitação, a participação em seminários e cursos em matéria criminal, execução criminal e de administração das varas de execução penal, visando à maior integração, à difusão das boas práticas e ao aprimoramento da execução penal; II – Forneçam a estrutura necessária aos juízes para a realização de inspeções a unidades prisionais, em cumprimento às normas contidas no art. 66, inciso VII, da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84); [...] RECOMENDAÇÃO 21, de 16.12.2008. RESOLVE RECOMENDAR aos Tribunais: I – A implementação do termo de cooperação técnica celebrado entre o Conselho Nacional de Justiça e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, com a interveniência da Confederação Nacional da Industria, notadamente com relação à qualificação profissional de presos e egressos do sistema prisional; II – A adoção de programas de recuperação e reinserção social do preso e do egresso do sistema prisional, inclusive com o aproveitamento de mão-de-obra para serviços de apoio administrativo no âmbito da administração do Poder Judiciário, tendo como fundamento o disposto no artigo 24, XIII, da Lei 8.666/93; [...] Como visto, o Poder Judiciário está trabalhando para oferecer sua contribuição à recuperação dos presídios brasileiros, implementando medidas que possam diminuir o descaso com os detentos. Contudo, como já falado acima, não é responsabilidade apenas do Poder Judiciário, mas sim de todos os demais Poderes, inclusive a sociedade como um todo, em oferecer meios para a mudança desta triste realidade, pois somente assim haverá realmente a recuperação do criminoso, diminuindo o índice de criminalidade no país. 5 DIREITOS ASSEGURADOS AOS PRESOS O Legislador, principalmente o constituinte, ao prever que poderiam surgir exageros do Estado na aplicação da pena, bem como, de outro lado, poderia haver descaso, garantiu às pessoas em geral direitos considerados fundamentais, que de forma alguma podem ser retirados da pessoa, e outros ditos como protetores da população carcerária. Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880 Veja-se a finalidade dos direitos fundamentais, apontadas por Ferreira Filho, citado por MORAIS (2010, p. 30): “A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). Os direitos fundamentais, amplamente defendido por nossa atual Constituição, prevê um rol exemplificativo de garantias, dispostas em sua maioria no artigo 5º, que devem ser obedecidas, e proporcionados aos cidadãos pelo Estado. Dentre alguns, temos, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana, que assegura vida digna, ou seja, que apresente ao menos o mínimo necessário para sua perfeita fruição, há também o direito à educação, direito à saúde, à igualdade, direito à imagem, direito à livre manifestação de pensamentos, direito à segurança, direito ao trabalho, direito à livre escolha de religião entre outros. A Constituição Federal assegura ao processado o direito à ampla defesa, ao contraditório, à presunção de inocência, à não autoincriminação, enfim, assegura o devido processo legal, não permitindo que alguém seja privado de seus bens ou de sua liberdade senão em virtude de um processo que siga todos os ditames legais. Por sua vez, ao ser condenado, a pessoa não perde seus direitos fundamentais, e, por consequência, todos devem ser respeitados. É certo que alguns direitos sofrerão restrições em virtude da própria pena ou de seus efeitos, como é o caso do direito de ir e vir, de intimidade, direito de votar, de exercer cargo ou função pública, mas aqueles que não forem atingidos pela pena devem ser propiciados ao preso, pois é de lei, que ao apenado é assegurado todos os direitos não atingidos pela condenação. Desta forma, todos os demais direitos que a pena não restringe devem ser proporcionados aos presos, como o caso do direito de saúde, educação, auxílio moral, direito ao trabalho, direito a ter sua integridade física e moral preservada, direito à alimentação Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880 adequada, enfim, mesmo em cumprimento de pena é, por lei, o Estado obrigado a proporcionar vida digna aos Apenados. 6. CONCLUSÃO Pelo todo acima explanado, é de se notar que ainda hoje não houve uma perfeita combinação entre o poder/dever de punir do Estado e o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo apenado. Com efeito, basta lembrar que estão em jogo direitos fundamentais, de um lado o direito à segurança, amplamente almejado pela sociedade, de outro, os próprios direitos fundamentais da pessoa humana, que, de igual forma, também são desejados pela comunidade geral. O princípio da dignidade humana, por ser fundamental, e, por via de regra não ser atingido pela condenação, sempre deve ser propiciado ao preso, não é porque a pessoa foi considerada culpada e está durante o processo de cumprimento de pena que deixa de ser considerada humana, e, por consequência, deve ser-lhe proporcionado pelo Estado o respeito à sua dignidade, veja-se importantes palavras de Rogério Greco (2008, p. 9) discorrendo sobre tal princípio: “Uma qualidade irrenunciável e inalienável, que integra a própria condição humana. É algo inerente ao ser humano, um valor que não pode ser suprimido, em virtude da sua própria natureza. Até o mais vil, o homem mais detestável, o criminoso mais frio e cruel, é portador deste valor. “ Desta forma, para que a pena seja executada de forma correta, deve haver uma proporcionalidade entre tais direitos, haja vista ambos serem fundamentais. Assim, deve-se “pesar” um e outro, ora aumentando o respeito a um, ora a outro, mas nunca lhe diminuindo tanto a ponto que cheguem a se extinguir. Os direitos e garantias não são absolutos, mas não podem ser negados ou extintos, devem ser balanceados e adequados à pena. Portanto, é notório que a forma como hoje se aplica a execução penal não é adequada, não respeita o mínimo dos direitos dos presos, todos os dias nos presídios a Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880 convivência se dá em meio a atos bárbaros, crimes cruéis, drogas, falta de alimentação, falta de higiene, descaso, tudo isso faz parte do cotidiano dos presídios. É necessário, portanto, uma ampla atuação conjunta de todos os poderes públicos para que seja mudado esta situação, de forma principal a atuação do Poder Executivo, em oferecer maiores verbas públicas aos presídios para que possam assegurar maior dignidade aos detentos. Contudo, esta não é uma luta isolada dos Poderes, a sociedade como um todo também deve tomar partido nesta luta, é a sociedade quem deve ficar, por sua parte, cobrando atitudes dos Poderes responsáveis. A sociedade não deve excluir os presidiários, tendo-os como pessoas sem importância, afinal, após o período do cumprimento da pena o condenado volta aos seios da sociedade, é nela que continuará sua vida. Assim, somente com a responsabilização social e com o trabalho conjunto dos Poderes de nosso país é que começará a mudar esta triste realidade, somente após criar-se a consciência de que a punição deve ser balanceada com os direitos fundamentais da pessoa, principalmente o direito da dignidade da pessoa humana, é que a execução da pena será de forma digna e proporcionará maiores e melhores resultados. REFERÊNCIAS MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 25ª. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2010. KUEHNE, Maurício. Lei de Execução Penal: anotada. Curitiba: Juruá, 2010. GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Martin Claret. 2003. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 4. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. V. 1. AVENA, Norberto. Execução Penal: esquematizado. 1. ed. São Paulo: Forense, 2014. Referencias - Notícias DUARTE Alessandra; ILHA, Flávia. Presídios brasileiros têm cotidiano de atrocidades e barbáries. In: << http://oglobo.globo.com/brasil/presidios-brasileiros-tem-cotidiano-deatrocidades-barbarie-11275493 >> acessado em 17 de maio de 2015 às 09h48. Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880 ARRUDA, Sande Nascimento de. A ineficiência, as mazelas e o descaso presentes nos presídios superlotados e esquecidos pelo poder público. In: << http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/59/sistema-carcerariobrasileiro-a-ineficiencia-as-mazelas-e-o-213019-1.asp >> acessado em 17 de maio de 2015, Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880