I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção
em contextos contemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015, UFES,
Vitória/ES
PROJETOS SOCIAIS ESPORTIVOS E JUVENTUDE: ENTRE UM CAMPO DE
POSSIBILIDADES E UMA CARREIRA DESVIANTE
Scheila Espindola Antunes, Faculdade do Futuro.
Yuri Marcio e Silva Lopes, IFES.
Otávio Guimarães Tavares da Silva, CEFD/UFES.
Resumo: O presente trabalho organiza sua discussão entorno de três pontos chaves: o
esporte, o projeto social e a criminalidade jovem. O entrelaçamento desses elementos
constitui-se na proposta inicial de um estudo sobre impactos sociais promovidos por
projetos esportivos de cunho social. Realizou-se uma aproximação com a teoria do
processo civilizador de Norbert Elias, com foco na noção de autocontrole e controle da
violência pelo Estado, para refletir o esporte na formação dos indivíduos. As noções de
projeto e campo de possibilidades de Gilberto Velho foram empregadas no debate sobre o
projeto social e, a sociologia do desvio de Howard Becker foi acionada para a reflexão e
debate acerca da criminalidade na juventude.
Palavras-chave: esporte; projeto social; criminalidade.
Introdução
Existe em nossa sociedade um discurso já naturalizado ou uma espécie de senso
comum sobre as potencialidades do esporte no trato com valores éticos, estéticos e morais.
Valores caros às sociedades contemporâneas. Embutidas nesse tipo de discurso estão
premissas que apontam o esporte como ferramenta de elevado potencial dentro de ações
sociais que intencionam alcançar crianças e jovens em situação de risco social. Neste
contexto, observa-se a existência de um número elevado de projetos esportivos de caráter
social. Em princípio, projetos deste tipo passam a ser inseridos nas comunidades como um
campo de possibilidades que se apresenta aos seus participantes e lhes oportuniza o
desenho e desenvolvimento de diferentes projetos individuais ou coletivos.
No entanto, a literatura acadêmica ainda não apresenta evidências conclusivas que
dêem conta de sustentar as afirmações em torno do potencial educativo do esporte e/ou de
seu impacto em processos relacionados a situações de risco social. Estudo realizado por
Antunes (2015) a partir de uma base de dados de 2.081 artigos, identificou 31 artigos
relacionados a pesquisas sobre projetos esportivos de cunho social, dos quais somente um
buscou identificar, junto aos participantes, possíveis impactos do projeto social em suas
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vidas. Mesmo assim, o estudo não contou com uma amostra significativa de informantes
para fundamentar mais precisamente as discussões sobre o assunto.
Contudo, vale destacar que revisões internacionais têm obtido resultados
semelhantes. Um estudo feito por Janssens (2004) em 44 projetos de educação através do
esporte realizados na Europa identificou a ausência de avaliação como um dos grandes
problemas a serem enfrentados. Bailey (2005) em uma revisão sobre as evidências
relacionadas às relações entre educação física, esporte e inclusão social no Reino Unido
identificou a presença de dados contraditórios e problemas metodológicos que indicamque
mais pesquisas de campo se fazem necessárias de modo a produzir evidências empíricas
que superem as afirmativas teórico-conceituais. Sandford, Duncombe & Armour (2008)
chegam a conclusões muito similares: mais estudos empíricos devem ser realizados acerca
da avaliação dos resultados produzidos pelos projetos sociais esportivos.
Com base nessas evidências, a articulação entre os elementos projeto social,
esporte, impactos sociais e juventudes permitiu o desenho de um objeto de estudo para
uma tese1 sobre ‘impactos promovidos por projetos esportivos, de cunho social, na vida de
crianças e jovens em situação de risco social’. Tema atual, porém, ainda carente de
evidências empíricas que lhe permitam maior suporte ao debate do esporte como
ferramenta para a educação em valores e mudanças comportamentais significativas à vida
em sociedade.
Nesse sentido, o presente trabalho organiza sua discussão entorno de três pontos
chaves: o esporte, o projeto social e a criminalidade jovem. Para o debate acerca do esporte
no campo da formação social, optou-se por acionar dois importantes elementos da teoria do
processo civilizador, de Norbert Elias, que são: o autocontrole e o controle da violência
pelo Estado. Acompanhada pelo debate sobre a educação em valores por meio do esporte,
a partir das premissas de Gunar Breivik, Melchor Gutiérrez Sanmartin, Johan Steenbergen
e Jan Tamboer.
Para o debate sobre o esporte no combate à criminalidade por meio do projeto
social serão acionadas as noções de projeto e campo de possibilidades presentes nas
discussões de Gilberto Velho. Por fim, a criminalidade na juventude como carreira
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Doutorado em Educação Física, em andamento, pelo Programa de Pós-graduação em Educação Física do
CEFD/UFES. O projeto, em fase inicial, está ligado á linha de estudos socioculturais do esporte e vinculado
ao ARETE – Centro de Estudo Olímpicos (CEFD/UFES).
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desviante a ser combatida/inibida pelo projeto social esportivo será discutida a partir do
diálogo com Howard Becker e sua proposta de sociologia do desvio.
O Esporte e a Educação em Valores
Inicialmente, faz-se necessário esclarecer o conceito de esporte que será empregado
no debate aqui pretendido. Assim, por esporte, compreender-se-á toda prática corporal que
exige rendimento físico; possui uma regulamentação e estabelece algum nível de
competitividade entre seus praticantes (GAYA; TORRES, 2004).
Para compreender o papel exercido pelo esporte dentro dos projetos de cunho
social, acredita-se que a teoria do processo civilizador de Norbert Elias pode trazer
importantes contribuições ao debate pretendido, a partir da abordagem e discussão de duas
características fundamentais dessa teoria, o autocontrole e o controle da violência pelo
Estado. O autocontrole, brevemente pode ser compreendido como uma espécie de reação
do indivíduo as pressões externas que lhe exigem um controle de si, controle interno de
suas pulsões, de seus instintos (mais agressivos ou animalescos). Enquanto o controle da
violência pelo Estado pode ser caracterizado como a ação constante de instituições de
poder criadas especificamente para cumprir as funções de vigilância dos indivíduos. O
sistema de normas e correspondentes punições das infrações são os instrumentos que o
Estado utiliza para o controle da violência e do comportamento dos indivíduos para a vida
em sociedade.
O processo civilizador, segundo Elias (1993), pode ser considerado resultado do
entrelaçamento de ações e planos individuais que geraram redes de relacionamentos
capazes de conduzir atitudes e comportamentos das pessoas dentro de uma dada
comunidade. A dinâmica social se constituiu a partir do entrelaçamento desses planos e
ações (individuais) que, conectados pelo conflito, coerência ou concorrência, deram
origem a formas de conduta e convício social. Esse processo caminhou, mesmo que sem
planejamento específico para isso, como afirma o autor, numa direção bem específica, a
constituição do Estado democrático como uma nova forma de organização social. Elias
(1993) discute em suas obras a maneira como o processo civilizador se desenvolveu a
partir de pequenos processos civilizatórios os quais, por sua vez, desencadearam outros
processos civilizadores.
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A desportivização dos passatempos e divertimentos antigos na Inglaterra passou por
um processo de sistematização durante o século XVIII em busca de maior organização e
regulamentação das práticas corporais. O processo de regulamentação dos passatempos de
modo cada vez mais elaborado e rígido caminhou na direção do aumento da ordem e da
segurança coletiva ao mesmo tempo em que constituía seu caráter mimético. Por tanto, as
práticas físicas ao serem desportivizadas passaram por processos civilizatórios que
permitem apontar o esporte como elemento social importante já no período Vitoriano
(HUGGINS, 2004). É por esse caminho que as considerações de Norbert Elias para o
debate sobre o papel do esporte como mecanismo de controle da violência pelo Estado são
válidas.
A pressão externa exercida pelo conjunto de novas normas aplicadas sobre os
indivíduos gera neles a necessidade do autocontrole, da autodisciplina. Do entendimento e
respeito às normas. Cabe ao indivíduo controlar suas pulsões e tensões, respeitar os
conjuntos de normas, as regulamentações preestabelecidas, que passam, com o avanço das
mudanças sociais, a condições mais explícitas, diferenciadas e rigorosas. Pelas
necessidades geradas sobre o autocontrole do/no indivíduo, a racionalidade deve assumir
condição primordial dentro das relações humanas. Isso para que sejam garantidas a
segurança e a ordem nas sociedades. Por tanto, a sobreposição da racionalidade a qualquer
manifestação emotiva exacerbada exige dos indivíduos uma clara renúncia à liberdade e ao
prazer o que para Elias (1992) resulta num mal estar que precisa ser canalizado. Foi nesse
contexto que o esporte assumiu um importante papel nas sociedades modernas que, de
certa forma, vem cumprindo até os tempos atuais.
A perspectiva que o esporte assume, em sua vertente moderna nas sociedades
inglesas, que é a de servir como internalização do autocontrole pelo indivíduo pode ser
percebida ainda hoje. Por isso, o diálogo com a teoria de Norbert Elias ainda é possível e
significativa, em especial quando se pretende analisar o papel social que o esporte ainda
tem assumido em certos contextos sociais.
A prática esportiva regular, seja na perspectiva do lazer ou do rendimento, é um
processo que, a longo prazo, tende à racionalização e ao controle dos afetos. Ela apresenta
(ainda) um elevado potencial no que se refere à promoção de mudanças nos
comportamentos e sentimentos dos indivíduos.
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Segundo Elias (1993), os processos civilizatórios são iniciados na educação da
criança, desde muito cedo, junto a formação de sua personalidade. Certamente esse é um
dos motivos que fazem ações sociais e educativas voltadas à infância muito presentes em
diferentes contextos sociais. No entanto, embora as fases mais jovens de vida sejam os
períodos maior maleabilidade, mais propícios à internalização de valores e normas, os
processos de socialização são contínuos. Portanto, os indivíduos serão direta ou
indiretamente afetados pelas relações interpessoais que estabelecerem ao longo da vida.
As regras sociais ou esportivas são internalizadas pelos indivíduos a partir dos
diversos e contínuos processos formativos pelos quais passam. No coletivo, na convivência
e troca de experiências obtidas dentro de um contexto regido por valores, normas e
exigências específicas permitem o desenrolar de um processo importante à busca pelo
autocontrole. Esse processo permite a socialização dos indivíduos a partir do momento em
que internalizam os valores, normas e comportamentos necessários para a permanência no
grupo social. Ou seja, aquilo que está explícito ou implícito no contexto social (no caso
deste debate, o contexto esportivo) passa a ser internalizado pelos indivíduos.
O debate acerca dos valores operados pelo esporte torna-se, nessa perspectiva,
ainda mais pertinente. Uma vez que, a internalização de valores objetivados pelo qual
passa um indivíduo, é imprescindível para a orientação de suas condutas, comportamentos,
atitudes dentro dos contextos sociais aos quais pertence ou nos quais transita.
Para Zabala (1998, p. 46), valores são “os princípios ou as idéias éticas que
permitem às pessoas emitir um juízo sobre as condutas e seus sentidos”. De modo
semelhante, Coll et. al. (2000) compreende os valores como princípios éticos pelos quais as
pessoas sentem um forte compromisso emocional e que empregam para julgar condutas.
Sanmartin (1995), afirma que os valores são fruto da relação de alguém que valora algo.
Portanto, valores não podem ser compreendidos como propriedades de coisas ou de ações.
Mas, devem ser compreendidos como resultados das interações do homem na sociedade
em que vive. Os valores, segundo o autor, são os fundamentos orientadores que as pessoas
mobilizam para julgar e tomar decisões morais. Podem ser considerados, ainda, como um
conjunto de elementos que permitem a análise entre o que se deseja realizar e o que a
sociedade espera que seja realizado. Valores, portanto, são frutos das interações humanas
com o meio e a forma de vida em sociedade.
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Admitir a existência de valores no esporte ajuda a compreender alguns argumentos
comuns nas justificativas utilizadas para a inserção ou manutenção de ações sociais
esportivas. Os discursos apontam para a possibilidade de pleno usufruto, por parte dos
praticantes, dos valores operados por meio do esporte com um caráter valorativo sempre
positivo. No entanto, é necessário compreender que existem duas dimensões bem
específicas quando se trata do debate acerca de valores no esporte. A literatura tem
apontado para o uso de duas perspectivas de interpretação dos valores no esporte: valores
intrínsecos e valores extrínsecos. O conhecimento dessas dimensões reflete no uso que se
pode fazer do esporte enquanto ferramenta educativa dentro dos processos formativos em
grupos sociais
Segundo Breivik (1998) e Steenbergen & Tamboer (1998), valores intrínsecos são
aqueles pertencentes ao próprio esporte. Podem ser compreendidos como bens internos,
portanto, autotélicos. Só terão sentido e somente poderão ser assimilados, compreendidos
por aqueles que praticam esporte. Os valores intrínsecos, ainda segundo Steenbergen &
Tamboer (1998), são diferentes dentro dos variados tipos de esporte. Estão ligados às
características específicas de uma determinada prática esportiva. Por isso, as experiências
oriundas da prática do tênis, por exemplo, serão diferentes daquelas desfrutadas com a
prática do voleibol. Isto permite pensar na noção de valores do esporte.
Já os valores extrínsecos, sob a ótica dos mesmos autores, são aqueles que estão
além do esporte em si. Eles configuram o esporte como um meio para a sua obtenção. São
caracterizados como bens externos, por isso, heterotélicos. A dimensão dos valores
extrínsecos no esporte permite a utilização mais funcional da prática esportiva, pois
utilizam do esporte para a obtenção de resultados, tais como: ligados à saúde, aquisição
e/ou melhoria de habilidades motoras, status social, fonte de renda e ainda mudança de
comportamentos e atitudes. Deve ser observado que o caráter dual do esporte
(STEENBERGEN; TAMBOER, 1998), tal como duas faces de uma mesma moeda, na
verdade estão estreitamente interconectados, permitindo-se o debate sobre ‘valores do
esporte’ e ‘valores no esporte’. Isto permite problematizar o uso que se faz do esporte para
a educação ou a ‘reabilitação’ social de indivíduos.
O Projeto Social como um Campo de Possibilidades
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Os estudos de Nichols (2007) apontam a existência de dois tipos de intervenção que
podem ser praticadas por meio de programas ou projetos sociais no combate à
criminalidade na juventude. Com base na categorização de Brantingham e Faust, Nichols
(2007) denomina de prevenção secundária os projetos sociais destinados as pessoas que
vivem em situação de risco, mas que ainda não cometeram nenhum tipo de crime. E, de
prevenção terciária, os projetos que trabalham diretamente com os infratores, no intuito de
evitar que eles reincidam. Qualquer um desses tipos de intervenções, quando idealizadas a
partir do esporte acabam oferecendo atividades que oportunizam, ao mesmo tempo,
excitação e autocontrole.
Mas, se por um lado o projeto social pode ser considerado de algum modo como
uma estratégia de excitação controlada, por outro, pode apresentar-se como um campo de
possibilidades aos seus participantes. Para que eles elaborem ou redefinam seus respectivos
projetos de vida, sejam esses projetos individuais ou coletivos.
Gilberto Velho (1994), em seus estudos de antropologia social trabalhou com as
noções de projeto e campo de possibilidades. A noção de projeto Velho (1994) adotou de
Alfred Schutz (apud VELHO, 1994, p: 58) o qual define projeto “como conduta
organizada para atingir finalidades específicas”. Velho acrescenta:
A consistência do projeto depende, fundamentalmente, da memória que fornece
os indicadores básicos de um passado que produziu as circunstâncias do
presente, sem a consciência das quais seria impossível ter ou elaborar projetos.
As circunstâncias de um presente do indivíduo envolvem, necessariamente,
valores, preconceitos, emoções. O projeto e a memória associam-se e
articulam-se ao dar significado à vida e às ações dos indivíduos, em outros
termos, à própria identidade (1998, p: 58).
Tais considerações permitem discutir o papel da trajetória anterior do ator social
aliada ao seu momento presente para a constituição de projetos para o futuro. Nesse
sentido, o projeto esportivo social permitiria o reestabelecimento ou a mudança de valores
no presente para o desenho de perspectivas futuras. Especialmente, quando se tratam de
projetos sociais de prevenção terciária, segundo a tipologia proposta por Nichols (2007).
Isso porque, segundo Velho (1994), as visões retrospectivas em confronto com as visões
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prospectivas permitem que o ator social tome consciência de suas ações atuais e situe suas
motivações. Esse processo lhe permite assimilar sua trajetória até o momento presente e
desenhar possibilidades para o futuro por meio da interação do indivíduo em um campo
social. É nesse contexto que aparece a noção de campo de possibilidades.
Segundo Velho (1994), o campo de possibilidades pode ser compreendido como
uma dimensão sociocultural que oferece condições para a elaboração e implementação de
projetos individuais e coletivos. Assim, os integrantes de um projeto social tem a
possibilidade de redesenhar seus projetos individuais a partir do ingresso numa nova
dimensão sociocultural, configurada pelos valores, normas e atitudes que constituem esse
projeto social. Os projetos esportivos sociais permitem a interação entre atores sociais e
suas diferentes trajetórias de vida. Possibilitam o encontro dos projetos individuais assim
como, ocasionam o entrelaçamento das trajetórias dos atores aos elementos sociais e
culturais que circulam no tempo e espaço do projeto social. Segundo Velho, (1994, p: 25):
Os projetos individuais sempre interagem com outros dentro de um campo
de possibilidades. Não operam num vácuo, mas sim a partir de premissas e
paradigmas culturais compartilhados por universos específicos. Por isso
mesmo são complexos e os indivíduos, em princípio, podem ser portadores
de projetos diferentes, até contraditórios. Suas pertinências e relevâncias
serão definidas contextualmente.
Nessa linha de discussão, é possível pensar o projeto social como um campo de
possibilidades no qual os projetos individuais dos participantes transitam, podendo
promover mudanças, transformações, redefinições uns aos outros. Além dos projetos
individuais, também é possível pensar o projeto social como um projeto coletivo de uma
determinada comunidade e/ou organização. Seja pela maneira como se organiza a
participação dos atores, seja pelos objetivos idealizados ou pelos motivos que o fundaram.
Aqui temos duas questões relevantes. Em primeiro lugar, o projeto social
configurado como campo de possibilidades e projeto coletivo, não será vivido de maneira
homogênea pelos atores sociais. Ainda que os projetos individuais estejam em
concordância com o coletivo, pode haver diferenças na atribuição de sentidos e
significados aos valores, normas e juízos. Dadas as particularidades de cada ator,
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especialmente, aquelas que definem sua trajetória biográfica até aquele momento, lugar e
condição de vida. Em segundo lugar, pode-se questionar as distâncias e proximidades entre
os projetos individuais e o projeto da entidade que institui e organiza o projeto social.
Como demonstrou Zaluar (1994), a maior ou menor convergência entre os projetos dos
atores sociais e das comunidades nas quais eles estão localizados e o próprio projeto da
instituição pode determinar tanto a aderência e rotatividade dos sujeitos no projeto social
quanto a própria identidade do projeto.
Os projetos, como as pessoas, mudam. Ou as pessoas mudam através de seus
projetos. A transformação individual se dá ao longo do tempo e
contextualmente (VELHO, 1994, p: 25).
A Criminalidade na Juventude
Falar em projeto individual não significa afirmar que todo projeto individual possui
objetivos e metas positivas. É preciso considerar os desviantes também como atores sociais
que desenham seus projetos e os desenvolvem a partir do campo de possibilidades que a
eles se apresenta. A construção de uma carreira no crime, sustentada por uma trajetória de
infrações desde muito cedo pode ser também definido como um projeto individual. Um
projeto desenhado a partir de perspectivas apontadas dentro do campo de possibilidades
presente na vida do ator.
Para discutir a criminalidade na juventude sem perder de vista as noções de
trajetória, projeto e campo de possibilidades, a sociologia do desvio de Howard Becker se
mostra significativa nesse ponto do debate. Em especial, quando o autor traz à discussão a
noção de carreira desviante, que dialoga bem com a noção de trajetória apresentada por
Gilberto Velho.
Assim como as regras, o desvio é uma criação da sociedade. Grupos sociais
organizam seus modos de vida a partir de conjuntos de regras por eles criados. A própria
constituição desses conjuntos de regras já indica a existência do desvio, pois, as regras em
si criam o desvio quando são infringidas. Assim, o comportamento desviante é fruto da
rotulagem dada àqueles que infringiram as regras pré-definidas. Para Becker (2008, p: 15):
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Regras sociais definem situações e tipos de comportamentos a elas
apropriados, especificando algumas ações como “certas” e proibindo outras
como “erradas”. Quando uma regra é imposta, a pessoa que presumivelmente
a infringiu pode ser vista como um tipo especial, alguém de quem não se
esperava viver de acordo com as regras estipuladas pelo grupo. Essa pessoa é
encarada como um outsider.
A rotulagem de um ato considerado socialmente como desviante vai depender de
como as pessoas reagem a ele. Pois, um ato pode ser considerado desviante tanto pela sua
natureza (quando uma regra é violada), quanto pela reação que ele provoca nas pessoas que
identificam o ato desviante. Becker (2008) afirma que o desvio não está contido
unicamente no ato desviante, mas, também na interação entre o indivíduo desviante e
aqueles que reagem ao desvio. Ao discutir o desvio, o autor traz significativos elementos
para a compreensão da criminalidade na juventude, que dão suporte inicial para o debate
pretendido neste texto. Esses elementos são: a noção de carreira desviante e as
subculturas.
As subculturas podem ser compreendidas como grupos que se organizam a partir de
normas e condutas bem específicas, as quais nem sempre estão de acordo com as regras e
normas vigentes na sociedade de maneira geral. A noção de outsider, ou desviante, vem
desse contexto de configuração das subculturas. O que seja, o jovem infrator, por exemplo,
é caracterizado um outsider para a grande parcela da sociedade. Por outro lado, se
considerada a criminalidade numa dada comunidade (ou grupo) como uma subcultura, o
jovem infrator é considerado ‘um de dentro’. A maneira como o grupo se organiza e os
valores que operam no seguimento de um conjunto de normas, criadas pelo próprio grupo,
vai determinar quem está ‘dentro’ e quem está ‘fora’.
Becker (2008) alerta para o fato de que o desvio, dentro de uma subcultura, além de
não ser classificado como tal para os membros do grupo, muitas vezes justifica-se pelos
motivos que levam os desviantes a cometer o desvio. O autor menciona como exemplo
pequenas infrações cometidas por jovens classificadas por eles próprios como atos de
justiça. Vandalismos por vingança contra uma autoridade escolar ou professor considerado
injusto, os roubos a lojistas denominados de trapaceiros, os ataques aos homossexuais são
exemplos, segundo Becker (2008, p: 39), de que “(...) tudo pode ser, aos olhos do
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delinquente, danos infligidos a um transgressor...”. O desvio é justificado pela subcultura
como uma ação reacionária a algo por ela classificado como inadequado, injusto ou
impróprio.
Já a noção de carreira desviante, debatida por Becker (2008), diz respeito a um
processo que envolve várias etapas. Para a construção de uma carreira desviante não basta
uma sucessão de desvios. A carreira desviante é fruto de uma trajetória de vivências e
experiências acumuladas pelo desviante. Becker (2008) afirma que um padrão constante,
permanente de desvios se dá a partir do momento em que o desviante desenvolve
motivações e interesses que o conduzem à atividade desviante. E, esse processo depende
da tomada de conhecimento, pelo desviante, dos prazeres que o desvio pode oferecer. “O
indivíduo aprende, em suma, a participar de uma subcultura organizada em torno da
atividade desviante particular (BECKER, 2008, p: 41)”.
Mas, se por um lado a carreira desviante pode integrar o jovem à uma subcultura
(do crime) a qual lhe apresentará um determinado campo de possibilidades, por outro lado,
gera sua exclusão social. Pois, a rotulagem do jovem como infrator, como um outsider,
coloca-o a margem da sociedade padrão e, como consequência, limita ou mesmo impede
por completo sua participação nela. A construção de uma carreira desviante assume duplo
sentido, serve como meio de integração à subcultura do crime e, ao mesmo tempo, como
meio de exclusão social do grupo normal. Neste contexto, duas démarches podem ser
feitas. A primeira é que inclusão e exclusão social podem ser pensadas de maneira
relacional. A segunda refere-se ao caráter histórico e não-rígido destas demarcações2.
Tomando como foco as práticas esportivas e a educação física, Donnelly (apud
BAILEY, 2005) apresenta uma categorização de inclusão/exclusão social em quatro
dimensões as quais denomina da seguinte maneira: espacial, relacional, funcional e de
poder. A dimensão espacial está diretamente ligada às condições econômicas, as quais
podem aumentar ou diminuir distâncias entre os indivíduos e o seu acesso a bens diversos.
A dimensão relacional define a inclusão (ou a exclusão) social por meio do sentimento de
pertencimento e aceitação (ou a ausência desses sentimentos) dentro de um determinado
grupo social. A dimensão funcional diz respeito a inclusão social que é operada por meio
do aumento de conhecimentos e nível de compreensão do mundo e seu funcionamento,
assim como, pressupõe a ampliação de habilidades variadas que permitam ao indivíduo
2
As mudanças nas atitudes e nas leis relacionadas à conjugalidade e ao casamento são apenas um dos bons
exemplos do caráter contextual da norma e do desvio.
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ingressar nesse mundo, em especial no mundo do trabalho. E, por fim, a dimensão do
poder coloca a inclusão social como uma condição que permite ao indivíduo participar das
decisões que regem a vida de sua comunidade, pressupõe mudança no lócus de controle. O
inverso ocasionaria, na perspectiva de Donnelly (apud BAILEY, 2005), a exclusão social.
Considerações Finais
Nessa linha de debate é que se intenciona aprofundar o conhecimento acerca de
impactos que um projeto esportivo de cunho social pode gerar na vida de indivíduos
jovens. Tanto interessa o estudo com aqueles que ainda não cometeram um desvio,
propriamente dito, como com aqueles que já foram rotulados como desviantes, os
outsiders. Todos participantes ou egressos de um projeto esportivo social.
O estudo partirá do pressuposto de que o projeto esportivo social pode ser admitido
como um campo de possibilidades com potencial para interromper a carreira de desvio
promovendo alterações nos projetos individuais dos jovens desviantes. Para tanto, a
pesquisa empírica será fundamental. Para que evidências tragam suporte à discussão, seja
para confirmar perspectivas de que existem impactos positivos do projeto esportivo social
na formação de valores e atitudes dos jovens, seja para refutar essa hipótese.
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Não
Vão
ao
Paraíso.
São
Paulo/Campinas:
Escuta/EDUNICAMP, 1994.
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I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da