O QUE É MAIS IMPORTANTE: GERAR RIQUEZAS E POLUIR OU PRESERVAR O
AMBIENTE?
(Dr Reinaldo Martins Ferreira – Advogado)
Na sessão plenária do dia 24 de junho de 2009, o Supremo Tribunal Federal
(STF) julgou parcialmente procedente a arguição de descumprimento de preceito
fundamental (ADPF 101) proposta pelo Presidente da República para pedir a
impugnação das decisões judiciais que vinham autorizando a importação de pneus
usados e para defender os artigos 196, 225 e 170, incisos I e VI da Constituição Federal.
Esses dispositivos dizem ser dever do Estado criar políticas públicas para reduzir os
riscos à saúde da população e preservar um meio ambiente ecologicamente
equilibrado para as presentes e futuras gerações, mas as normas federais criadas nesse
sentido, especificamente as que proíbem a importação de pneus usados, vinham
sendo frequentemente descumpridas por decisões judiciais.
A relatora do processo, ministra Carmem Lúcia e os demais ministros,
acataram parcialmente parecer do procurador-geral da República, Antonio Fernando
Souza, que opinou pela total procedência da ação afirmando que as carcaças de pneus
usados são um risco à saúde da população e ao meio ambiente, pois quando deixadas
a céu aberto tornam-se depósito para a proliferação de mosquitos da dengue, malária
e febre amarela, e quando incineradas emitem gases muito tóxicos, que podem causar
câncer e uma variedade de problemas respiratórios, de fertilidade e do sistema
imunológico.
Em seu voto lido no primeiro dia do julgamento, a ministra Carmem Lúcia citou
trechos do parecer do procurador-geral sobre as dificuldades existentes atualmente
para eliminar os pneus. “Com um valor calorífico maior que o do carvão, e com
propriedades que normalmente tornam incêndios de pneus impossíveis de se extinguir
rapidamente, pneus acumulados em grandes quantidades queimam durante semanas
ou meses e às vezes até mesmo anos. No processo de queima, eles emitem colunas de
fumaça tóxicas e poluem o meio ambiente com o escorrimento de óleo rico de
contaminantes perigosos. Em aterros, os pneus desperdiçam um espaço valioso, não
são biodegradáveis, e frequentemente emergem à superfície, criando uma nova gama
de preocupações ambientais, incluindo o vazamento de outros resíduos perigosos que
tenham sido aterrados junto com os pneus”. A respeito da tese econômica sustentada
pelas empresas ironizou:
"É extremamente curioso o argumento das empresas em prol da
importação dos pneus. Eu fico sempre achando que a cada dia aprendo
mais, porque me impressiona a generosidade de países que, tendo
problemas ambientais, com passivo de 3 bilhões de pneus, resolvem
vender a preço de miséria para nossos tristes trópicos, exatamente algo
que é tão bom, tanto para gerar empregos quanto para melhorar as
condições ambientais", ironizou a relatora da ação no STF, Cármen
Lúcia. "A autorização para importação de pneus usados é geradora de
mais danos do que benefícios".
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Em seu voto o ministro Carlos Britto destacou o aspecto anti-ecológico das
importações de pneus e o déficit ambiental que elas representam para o país pelo fato
de as carcaças não serem biodegradáveis, poluírem rios e lagos, tornarem-se
portadoras de doenças transmissíveis e serem altamente combustíveis. “Se para nós
significam importação, para os países de origem não passam de um lixo ambiental que
se exporta, fazendo do Brasil uma espécie de quintal do mundo, com graves danos a
bens jurídicos que a Constituição qualifica como de primeira grandeza”, afirmou.
Único a votar pela improcedência da ação, o ministro Marco Aurélio disse que a
importação é importante para tornar o preços dos pneus no mercado interno mais
acessíveis e assim concorrer com as grandes multinacionais instaladas no país, que
monopolizam a produção. Quanto aos danos à saúde da população, ele afirmou que
cabe às autoridades estabelecer normas para controlar o descarte das carcaças
inservíveis, e que as próprias empresas importadoras têm programas para reaproveitálas no asfaltamento. Essa última hipótese, no entanto, não vem sendo colocada em
prática porque se mostrou economicamente inviável até o momento, conforme
pareceres técnicos citados nos autos.
No entanto, a tese que resultou vencedora, não foi a econômica, mas a
ambiental. Seu resumo pode ser colhido no voto do decano, Celso de Mello que,
reconheceu que a livre concorrência é um dos princípios que estruturam a ordem
econômica. Mas, segundo ele, "a defesa do meio ambiente é um dos postulados
estruturantes da ordem econômica ao lado da livre concorrência". Ele disse que um
dos mais significativos direitos constitucionais é a preservação do meio ambiente, que
é um bem de uso comum das pessoas.
O objetivo da ação proposta pela Advocacia Geral da União (AGU) era impedir
que as importações de pneus fossem conseguidas através da Justiça, seja em qualquer
uma de suas instâncias. Na ação proposta, a AGU alega que as decisões judiciais que
autorizaram a importação de pneus usados contrariam diversos atos normativos, como
portarias e decretos, que vêm sendo editados desde 1991 com respaldo constitucional,
proibindo essa importação. Entre eles, há atos do Departamento de Comércio Exterior
(Decex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama) e do próprio Congresso Nacional.
Entretanto, segundo a Advocacia Geral, “não obstante a clareza desses atos
normativos, de onde se depreende a evidente existência da proibição legal à
importação de pneus usados, a efetivação da garantia ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e a proteção à saúde pública vêm sendo ameaçadas por
uma série de decisões judiciais que vêm autorizando a importação de pneus usados
provenientes de países não integrantes do Mercado Comum do Sul (Mercosul)”.
A Advocacia Geral informa que, em 2005, foram importados 12 milhões de
pneus usados por força de decisão judicial e, em 2006 – ano da propositura da ação –
já se alcançou (até setembro daquele ano) a marca de 5 milhões de unidades.
Essas decisões, de acordo com a AGU, têm levado o Brasil a ser questionado
pela União Européia na Organização Mundial do Comércio (OMC). O argumento é que,
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se o país permite a importação de pneus usados como matéria-prima, a proibição de
importação de pneus reformados seria uma barreira comercial não tarifária.
Assim, caso o país perdesse o processo relativo a esta questão na OMC,
poderia, segundo a Advocacia Geral, ser obrigado a receber, via importação, de 2 a 3
bilhões de unidades de pneu de toda a Europa, havendo, ainda, a ameaça de outros 3
bilhões vindos dos Estados Unidos.
De acordo com estimativas divulgadas pela ministra durante o julgamento,
entraram no País cerca de 100 milhões de pneus usados. Segundo a Advocacia Geral
da União (AGU), de 2002 a 2005 entraram no Brasil 40 milhões de pneus. Desses, cerca
de 30% já chegavam como lixo ambiental, de acordo com a AGU.
Segundo o ministro Carlos Ayres Britto, os pneus importados para o País "não
passam de um lixo ambiental que se exporta, fazendo do Brasil uma espécie de quintal
do mundo". Ele observou que os pneus são substâncias antiecológicas. "Ocupam,
depois de usados, um espaço considerável. São altamente combustíveis. Sem
nenhuma dúvida poluem os rios, lagos, correntes de água, e se tornam vetores de
doenças transmitidas por insetos, a partir da dengue, tão temida entre nós", disse.
De acordo com o compromisso empresarial para a reciclagem (CEMPRE,
2008), os pneus e câmaras de ar consomem algo em torno de 70% da produção
nacional de borracha. O Brasil produziu em 2006 quase 55 milhões de pneus, onde
aproximadamente um terço desses são exportados para mais de 85 países e o restante
serve para abastecer o mercado nacional.
A lição que se pode colher desse julgamento é de grande importância para o
Direito do Ambiente na medida em que ficou claro que, dos onze ministros do
Supremo, dez concordam que o princípio de proteção ao ambiente sempre vai
prevalecer sobre os interesses econômicos, mesmo que isso gere desemprego e queda
na arrecadação.
Essa inclinação jurisprudencial da Suprema Corte é um recado claro para as
empresas geradoras de resíduos que não estão cuidando do seu passivo ambiental,
pois se tornou juridicamente possível paralisar, total ou parcialmente, determinada
atividade econômica ou impor à mesma mudança de processos e/ou procedimentos
produtivos a fim de impedir e/ou diminuir a geração de passivo ambiental que sempre
põe em riso a saúde do planeta.
Diante disso, não restará às empresas geradoras de resíduos outra
alternativa senão se aliarem às empresas do ambiente (as despoluidoras) e formarem
com elas uma parceria de sustentabilidade ambiental na cadeia de produção e
consumo através da logística reversa e, com isso, se tornarem coadjuvantes de três
principais vias indispensáveis 1à sustentabilidade do planeta nessa área de geração de
resíduos que são: a reutilização, a reciclagem e a destinação final ambientalmente
adequada.
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Não espere o Estado lhe obrigar a isso, mas reflita no techo do hino ao
ambiente de autoria do professor e maestro Roberto de Oliveira Ferreira que diz: “A
natureza violentada e muda precisa de ajuda.
O recado transmitido pela cúpula maior do Judiciário brasileiro é que o meio
ambiente está acima dos interesses econômicos. É inadmissível que uma empresa ou
grupo de empresas importem lixo de outros países, contribuam com isso no aumento
do passivo ambiental e ainda se beneficiem com uma lucratividade exorbitante. Na
verdade isso não seria o exercício do livre comércio, seria sim, lucrar poluindo o meio
ambiente com lixo alheio.
Essa decisão contribui também em destacar a importância da logística reversa
no processo
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