III PLENO DO CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SOCIAL DA BAHIA – CODES Data: 16/11/2022 Local: Hotel Fiesta Comentários do conselheiro Gabriel Kraychete após apresentação da Política Industrial Baiana Quando se fala em política industrial somos instigados a comentar questões relacionadas a tecnologia, competitividade, cadeias propdutivas, infra-estrutura, emprego, renda, aspectos fiscais, questões ambientais... Gostaria de propor um olhar para a política industrial a partir do andar de baixo de economia, que eu denomino de economia dos setores populares, ou que Milton Santos denominava de circuito inferior da economia. São atividades que escapam às estatísticas econômicas. Um censo econômico, por exemplo, não capta o trabalho de mulheres que, dentro de casa, produzem e vendem alimentos, produtos de limpeza ou confecções. Qual a dimensão dessa economia dos setores populares? Não é pequena. Na RMS um grande contingente de trabalhadores nunca teve um emprego assalariado regular. Em 2009 o emprego regular assalariado representava apenas 1/3 da PEA. Considerando os trabalhadores por conta própria (mais de 400 mil), os trabalhadores domésticos, os assalariados sem carteira e os empregados não remunerados, tem-se um contingente de mais de 957 mil pessoas. Somados aos desempregados, tem-se mais de 1,2 milhão de pessoas, que correspondem a cerca de 60% da PEA. Esse é o quadro, apesar das mudanças positivas que ocorreram nos últimos anos, com a diminuição do desemprego e criação de novos postos com carteira de trabalho assinada. A indústria de transformação é o setor que possui o maior número de trabalhadores com carteira assinada, o bom emprego. Mas, em 2009, na RMS, em termos relativos, o número de trabalhadores na indústria era menor do que há 30 anos: passou de 14% da população ocupada em 1981, para 9% em 2009. Neste último ano, o número de trabalhadores ocupados na indústria de transformação (167 mil) era inferior ao de trabalhadores domésticos (189 mil). É preciso conferir em que medida essa diminuição foi compensada pela criação de emprego industrial no interior do estado. Numa realidade como a brasileira e da RMS em particular, há uma economia dos setores populares que é responsável pela sustentação da vida de milhares de pessoas. Possui uma racionalidade econômica própria, centrada na reprodução da vida da unidade familiar. Em grande parte, o trabalho ocorre no próprio domicílio, sobretudo quando realizado por mulheres. A remuneração média desses trabalhadores é inferior ao dos assalariados. O que para nós são bens de consumo duráveis, representam instrumentos de trabalho para os empreendimentos dessa economia dos setores populares. É o caso, por exemplo, do fogão ou da geladeira para um grande número de mulheres que, dentro de casa, produzem e vendem alimentos. Esses empreendimentos, ao contrário do que imaginamos, não são atividades passageiras: cerca de 50% dos que trabalham por conta própria exercem a mesma atividade há mais de 5 anos. O que espanta não é que uma mulher que vende geladinho ganhe noventa reais/mês, mas que ela vive de fazer geladinho há 5, 10 anos. Até os anos 1970, explicava-se a pobreza, sobretudo a pobreza urbana, como algo residual a ser superado pelo expansão dos setores modernos. Quatro décadas depois, não foi isso o que aconteceu. Há uma matriz de desigualdade e pobreza que se mantém ao longo da história. Guimarães Rosa dizia que só se sai do sertão é tomando conta dele adentro. Eu diria que para superar essa economia dos setores populares é preciso adentrá-la. Ela não se supera apenas pelos investimentos no “circuito superior da economia”. É preciso não se ater as análises convencionais e se deixar interpelar por essa realidade. É exatamente nesse ponto que reside um dos grandes diferenciais do Programa Vida Melhor, recentemente lançado pelo governo do Estado objetivando a inclusão socioprodutiva. Esse Programa contem ações especificamente direcionadas para a economia dos setores populares. Por sua concepção e características, trata-se de um programa pioneiro. Fico feliz que as atividades de pesquisa e extensão que desenvolvo há mais de 15 anos na Universidade Católica tenham contribuído para o desenho desse Programa É claro que uma política industrial tem suas metas e objetivos próprios. Exatamente por isso gostaria de propor a seguinte indagação: uma política industrial e o programa de inclusão socioprodutiva podem desenvolver, de forma planejada, ações convergentes e complementares em benefício do desenvolvimento econômico e de modalidades de trabalho socialmente justas? Penso que esse parece ser um belo e inovador desafio! POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA, RMS – 2009 População economicamente ativa N° (1000 pessoas) Total 2.197 Empregados com carteira 739 Militares e funcionários públicos 121 Empregados sem carteira 290 Trabalhadores domésticos 189 Conta própria 428 Empregadores 69 Produção para o próprio uso e não 50 remunerados Desempregados 311 % 100 34 6 13 9 19 3 2 14 FONTE: IBGE, PNAD (2009). Trabalho precário = s/ carteira + domésticos + conta própria + autoconsumo + nãoremunerados Desempregados Trabalho precário + desempregados 957 311 1 268 44 14 58