Xeque David Munir. "Maomé nunca reagiu com violência, sempre mostrou amor" O imã da mesquita central de Lisboa defende que o vídeo anti-islão colocado no YouTube e que tem gerado protestos violentos no mundo islâmico é ofensivo, mas recorda que o islão é sinónimo de paz ROSÁRAMOS rosa. ramos@ionline. com Com Joana Azevedo Viana "'Existe urna ignorância total sobre o que é o islão. O vídeo é uma forma de ísJair.oíobia desrespeito' e 1 "Ofender os muçulmanos parece ser o único objectivo de quem fez d vídeo" " C A situação c preocupante, porque quando ha desrespeito pelo outro a sociedade torna-se insegura" Numa altura em que mais de 20 países árabes protestaram contra o vídeo do YouTube "A inocência dos muçulmanos", provocando confrontos violentos e mais de 50 mortos frente a represendos EUA e de outros imã da mesquita o ocidentais, países central de Lisboa fala pela primeira vez à imprensa sobre a tensão que se vive um pouco por todo o mundo islâmico. tações diplomáticas Numa entrevista por email, o xeque David Munir garante que o islão é sinónimo de paz e que Maomé "sempre mostrou amor pelo próximo". Da percepção que vai tendo através do contacto próximo que mantém com a comunidade islâmica em Portugal, qual é o sentimento geral relativamente ao vídeo anti-islão? Infelizmente, temos visto ultimamente várias provocações contra o islão, o que é de lamentar. E enquanto imã da mesquita central de Lisboa, que análise faz do vídeo? Creio que a única análise que pode ser feita é a de que existe uma ignorância total sobre o que é o islão. O vídeo em causa constitui uma forma de islamofobia e de desrespeito pelo nosso profeta. Não deixa de ser ridículo. Existe alguma iniciativa programada, no seio da comunidade portuguesa islâmica, no sentido de contestar o vídeo que consideram ofensivo? Os muçulmanos que vivem em Portugal respeitam as leis e são cidadãos exemplares. Ser muçulmano é ser um bom cidadão. Achamos que devemos continuar a mostrar uma conduta exemplar na sociedade em que vivemos e na qual estamos integrados, respeitando o outro e esperando também ser respeitados. Mas têm, certamente, debatido o assunto dentro da comunidade? Sim. Temo-lo feito nas palestras das sex- por altura do sermão ("Khutba") ou nos encontros entre amigos, muçulmanos ou mesmo com pessoas que têm tas-feiras, outras crenças - naturalmente, sempre dentro de um princípio que é a convivência sã, que procuramos cultivar e que encorajamos. O filme não poderá ser entendido simplesmente como uma sátira? Não. O profeta Muhammad (Maomé) é visto pelos muçulmanos como um homem exemplar para nós e mesmo para a humanidade. Na verdade, tudo o que é dito no vídeo não passa de mentiras que constituem um atentado à conduta e à ética exemplar do nosso profeta. Todo o conteúdo é ofensivo. Ofender os muçulmanos parece ser, aliás, o único objectivo de quem o fez. A intenção é, claramente, passar uma imagem falsa do islão e do seu profeta. Como é que a comunidade islâmica lida, tradicionalmente, com a questão do humor? Como se definem as fronteiras entre o que pode ser considerado humor e o que pode vir a constituir uma ofensa? A liberdade de cada um termina onde começa a do outro e este é um princípio fundamental em qualquer sociedade. Há que respeitar a crença do outro, seja ela qual for. Os crentes também têm de respeitar os não crentes e aqueles que têm dúvidas sobre a sua fé. O Corão diz, a certa altura: "A crentes e não crentes, as dádivas do Senhor não serão negadas a ninguém." Que significado tem o profeta Maomé para os muçulmanos? O profeta Muhammad é considerado o último profeta da série de mensageiros que Deus enviou. Como já referi, o profeta Maomé é o nosso modelo. A mensagem que nos trouxe é uma mensa- gem divina universal, tal como as que foram trazidas pelos profetas que vieram antes dele, nomeadamente Abraão, o patriarca dos mensageiros de Deus, Moisés e Jesus. Nós, muçulmanos, procuramos respeitar todos os profetas igualmente e, portanto, não aceitamos uma ofensa a qualquer dos enviados por Deus aos homens para lhes ensinar o bom caminho. Mesmo achando o vídeo ofensivo, justificar-se-ão os actos de violência a que se tem assistido em vários locais? Na verdade, já muitos teólogos muçulmanos condenaram esses actos por serem ofensivos ao nosso profeta. Como é dito repetidamente no Corão, paz é a palavra do Senhor. Numa das passagens do nosso livro sagrado diz-se inclusivamente que "Deus não ama os agressores". O islão ou islam - que deriva de saiam - é paz. E há, aliás, vários exemplos da vida do nosso profeta que mostram que, mesmo tendo sido incomodado e maltratado, Maomé nunca reagiu com violência Pelo contrário, sempre mostrou amor pelo próximo. A tensão gerada em torno do vídeo pode levar a situações mais preocupantes? A situação já é preocupante, porque sempre que há desrespeito pelo outro a sociedade torna-se insegura. Como, aliás, pregam todas as religiões, há que respeitar o outro e ser respeitado. Há que aceitar aqueles que têm crenças diferentes e mesmo aqueles que não têm qualquer crença ou que têm dúvidas em relação à sua fé. Só assim poderemos edificar uma sociedade em que todos vivamos em harmonia na paz do Senhor. Tendo em conta os incidentes e as consequentes pressões, qual será agora o melhor caminho para resolver esta situação? Penso que uma das formas será ignorar o assunto e não dar muita atenção a provocações, pedindo a Deus que os ilumine e nos dê a nós a necessária - que é, verdadeiramente, paciência uma virtude perante o Criador. Também defende a retirada do vídeo da internet? Tem havido esse apelo. David Munir, xeque da mesquita central de Lisboa, explica que Maomé é um "modelo" Depois do filme e das caricaturas, grafito leva a detenção Escritora egipto-americana foi presa em Nova lorque "Mona, achas que tens o direito de fazer isto?", pergunta uma jornalista à escritora e activista egipto-americana, enquanto esta cobre de tinta um controverso póster anti-islâmico numa das dez estações de metro de Nova lorque em que foram colocados a semana passada. "Até tenho. É liberdade de expressão, tal como isto [o póster]", ouve-se no vídeo no YouTube. O grafito, que Mona Eltahawy diz ser um "protesto não violento", valeu-lhe uma ida para a prisão. O póster que classifica os foi islâmicos como "selvagens" autorizado por um tribunal da cidade e é mais uma provocação aos islâmicos perante a onda anti-ocidental que grassa no mundo árabe, depois de a revista satírica francesa "Charlie Hebdo" ter voltado a publicar caricaturas do profeta Maomé. É algo irónico que tenha voltado a ser o YouTube a lançar o debate sobre o que está a acontecer no mundo árabe, depois de alguns dias de calmaria. A de um filme independente da autoria de um israelo-americano foi o que espoletou a fúria dos egípcios, que rapidamente se alastrou a Bengasi (Líbia), onde o embaixador dos EUA foi morto, e a mais de 20 divulgação países árabes, com protestos e ataques a representações diplomáticas dos EUA tudo contra - o filme que ridiculariza Maomé. Em Portugal, o imã da mesquita central de Lisboa fala na opção de "ignorar" o insulto. Mas nem todos estão a lidar com isso com Com um a mesma diplomacia. balanço de mais de 50 mortos nas dezenas de manifestações, o Irão anunciou ontem a retirada de um filme na corrida aos Oscares como forma de protesto. J. A. V.