RAPTO DE HELENA
Ulisses era o rei de uma Ilha muito bonita, uma ilha grega chamada Ítaca. Uma ilha
muito amena, onde a vida era calma. Ele vivia com a sua família, com a mulher Penélope
e o filho Telémaco. E adorava, além da sua pátria, adorava as aventuras no mar, adorava
o mar. Quando estava no mar, tinha muitas saudades de casa, mas quando estava em
casa só pensava em aventuras no mar. Ora de repente vai haver um acontecimento
inesperado, totalmente inesperado: um príncipe chamado Páris, príncipe troiano, raptou
por amor uma princesa grega, lindíssima, chamada Helena. Quando os gregos souberam
que Helena tinha sido raptada e levada por Páris para Tróia, ficaram furiosos.
- Temos de vingar a nossa honra, porque nos raptaram uma princesa que é nossa,
uma princesa grega, a lindíssima Helena! Vamos para a guerra! Vamos libertar Helena!
E pensaram imediatamente: "- Vamos todos e Ulisses também!"
Ulisses era o rei de Ítaca, muito amado por todos. Não era um rei só de fachada,
de manto e coroa, mas sim um rei amigo. E lá foram à procura dele, para ele ir também
com eles. Ora, Ulisses detestava guerras, não havia coisa que ele mais detestasse na vida,
e então resolveu fingir-se de doido, como manhoso que era! Pegou na charrua e foi lavrar
os campos. Disseram os amigos: - Mas que é isto?! Ele terá endoidecido mesmo? Ulisses
terá perdido o seu bom juízo? Já vamos ver!
Pegaram no seu filho Telémaco, pequenino, e foram deitá-lo no caminho por onde
ele tinha de passar, lavrando o campo. E depois esconderam-se.
Ulisses pensou assim: "O que será isto? Há aqui mistério!"
Mas como não os viu por ali, continuou a lavrar, a lavrar, até que, chegando ao
sítio onde estava Telémaco, viu que se continuasse a lavrar, o matava, e então deu logo
ali uma voltinha, e continuou. Saltam logo de trás das árvores os amigos: - Vêem?! Vêem
como ele é manhoso?! Tens de vir connosco, Ulisses, escusas de te fingir doido, porque
nós não acreditamos! Anda connosco para a guerra!
Ulisses não queria nada ir, mas teve de ir, e lá foi.
Pensavam eles que aquela guerra ia ser muito rápida, não ia custar nada, até ia ser
uma guerra simplicíssima, a mais simples do mundo, e nem sonhavam que ela ia durar
dez longos anos.
Agora pergunto-vos eu: Ulisses teria realmente perdido o seu bom juízo, nem que
fosse por uns breves momentos?! Teria mesmo ou não?
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Cena seguinte
GUERRA DE TRÓIA
Resolvidos a ir para a guerra contra Tróia, para salvar Helena, princesa grega que
tinha sido raptada por Páris, príncipe troiano, os gregos lá vão, lá vão aguerridos, cheios
de valentia e dispostos a destruir num instantinho Tróia. Mas chegaram lá e viram umas
grandes e altas muralhas e perceberam que aquela terra era realmente bastante difícil de
vencer. E então começaram a travar pequenas escaramuças, perdendo assim o seu
tempo. O que é certo é que passaram dez longos anos ali em frente das muralhas, e não
havia maneira de conseguirem entrar lá para dentro daquela cidade. Foi então que
Ulisses se sentou desanimado entre os seus companheiros e disse:
- Isto não pode ser! Não podemos continuar assim! Tenho de ter uma ideia!
Retirou-se e teve de repente uma ideia, uma ideia manhosa: mandou construir um
grande, um enorme cavalo de pau, e nesse cavalo, muito grande para caber muita gente
lá dentro dele, abriu assim uma portinha que só se abria por dentro, na pata traseira
direita do cavalo! (Cá estou eu a acrescentar um ponto à história: sei lá se era na pata
direita do cavalo, na pata traseira do cavalo...mas a mim convém-me que seja!) Bom, faz
de conta que ele abriu uma portinha ali e então meteu-se lá dentro, ele e uma série de
amigos, uma quantidade de amigos dos mais valentes em quem tinha mais confiança, e
mandou que empurrassem o cavalo para a porta da muralha da cidade de Tróia. E aos
outros gregos, durante a noite, (isto foi tudo durante a noite) mandou-os a todos
retirarem-se com uma grande barulheira de armas, de cavalos verdadeiros, porque eram
mesmo muitos os gregos que estavam ali à entrada das muralhas sem conseguirem
entrar. E eles afastaram-se, afastaram-se para muito longe, com grande barulheira!
É muito importante a barulheira aqui. Claro que os troianos que estavam de vigia,
disseram assim: - O que é que estará a acontecer aos gregos, com tanto barulho, que
será?
De manhã, com grande espanto, quando começou a clarear viram que não havia
grego nenhum ali.
E começaram, muito contentes:
- Ai, com certeza que eles desistiram, foram-se todos embora! Depois de dez anos
aqui a tentarem vencer-nos, desistiram, foram-se todos embora!
Mas, à cautela esperaram um dia... dois dias...e ao fim do segundo dia, como
ninguém ouvia barulho nenhum, chegaram às muralhas, espreitaram e viram um grande
cavalo de pau: - Mas o que é isto?! Eles foram-se embora! Desistiram!
Foi uma grande festa, uma grande alegria.
- Mas o cavalo?! Porque é que nos deixaram aqui um cavalo?! Uhmm, se isto vem
dos gregos, traz manha! Queima-se! Queima-se já!!! - disse um troiano.
E lá dentro do cavalo de pau, cheios de medo Ulisses e os companheiros, cheios de
medo disseram: - Ai que vamos morrer assados!!!
Mas disse logo outro troiano: - Destrói-se! Quebra-se! Parte-se com os machados!
E lá dentro do cavalo de pau, Ulisses e os companheiros ficaram ainda mais aflitos:
- Ai, como é que vamos acabar esta aventura, que nem sequer é no mar!?
Até que houve uma voz mais calma, entre os troianos, que se fez ouvir: - Não.
Se eles nos deixaram aqui este cavalo, é uma homenagem à nossa maior força,
força maior do que a deles, que não conseguiram vencer-nos. Vamos mas é puxar o
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cavalo para dentro das nossas muralhas e dar graças aos nossos deuses! (Eles eram
politeístas, o que quer dizer que adoravam muitos deuses).
E então puxaram o cavalo de pau para dentro das muralhas, puseram-no na praça
principal da cidade de Tróia e começaram a beber, a cantar, a dançar com uma alegria
louca. De vez em quando, ia um troiano espreitar para ver se vinham lá os gregos, mas
como não vinham, continuavam com a festa. E, radiantes da vida, assim se passaram
um...dois...três dias de grande festança. Como eles tinham muito vinho, muita comida,
foram bebendo comendo, bebendo e dançando, bebendo e cantando, e, a certa altura ao
fim dos três dias, já estavam cansados, bêbados, caídos pelos cantos...Era uma desordem
dentro da cidade, era uma alegria, mas uma alegria esfarrapada, uma alegria já assim em
fim de festa. Nessa altura, de repente, tudo serenou. Era um sinal: os gregos que se
tinham afastado para longe dali, só esperavam este sinal de súbito e grande silêncio, e
voltaram todos devagarinho, e, em bicos de pés, puseram-se às portas da muralha.
Lá dentro do cavalo de pau, nem Ulisses nem os seus companheiros ouviram nada,
e por isso abriram com jeitinho a porta na tal pata traseira direita do cavalo de pau e
deitaram uma escadinha até ao chão, pela qual desceram calmamente. Abriram as portas
da muralha aos outros gregos e foi muito fácil conquistar Tróia. Foi tão fácil e tão
violento, que Ulisses passou a ser conhecido como "o destruidor de Tróia".
Terminada esta aventura e libertada Helena, os gregos pensaram: - "Vamos para a
nossa terra!
Vamos para a nossa pátria! Tantas saudades que nós temos da nossa gente!" E
começaram a preparar-se para ir para as suas terras.
Ulisses escolheu quarenta dos seus mais valentes marinheiros, meteu-se num
barco com eles e lá foi pelo mar fora.
E agora, antes de contar o que aconteceu a Ulisses e aos seus quarenta valentes
marinheiros, pergunto-vos eu:
E o que é que aconteceu ao cavalo de pau? Imaginem...
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Cena seguinte
ILHA DA CICLÓPIA
E lá vão pelo mar fora, Ulisses e os seus quarenta marinheiros valentes. Muito
contentes, começaram a tomar o rumo da pátria, de Ítaca. Só que de repente... - nestas
aventuras de Ulisses, o "de repente" é muito fascinante! - sim, de repente, a corrente que
os levava começou a alterar-se e embora eles quisessem tomar o rumo de Ítaca, a
corrente marítima afastava-os, afastava-os cada vez mais da rota que eles tinham de
tomar! De tal maneira que os marinheiros gritaram: - "Ulisses, se nós continuarmos assim
a lutar contra a corrente, o barco pode virar-se!"
Ulisses ordenou: - Vamos deixar-nos ir na corrente, para ver onde ela nos leva!
E assim foi. Levados pela corrente, afastaram-se cada vez mais de Ítaca e em breve
avistaram uma certa terra. Ulisses começou a ficar cheio de medo e todos notaram que
ele tinha qualquer coisa para lhes comunicar. A certa altura, não conseguiu calar-se mais
e disse: - Ai, meus amigos, onde nós viemos parar!
- Onde é que viemos parar, Ulisses?! - perguntaram os marinheiros.
- Viemos parar a umas ilhas horríveis, às ilhas da Ciclópia! Eu já aqui passei uma vez, ao
largo, e sei o que a Ciclópia é!
- Mas é assim tão má?!
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- Não. É péssima. É uma terra que tem tudo grande, tudo ciclópico: as pedras que
noutro sítio são pequeninas, aqui são enormes; as árvores que noutros sítios são
pequeninas, aqui são enormes; é tudo enorme nesta terra, mas o pior é que os seus
habitantes são uns seres incríveis, horrorosos, muito altos, com um só olho no meio da
testa, chamados Ciclopes! São muito maiores do que nós e...são devoradores de
homens!!!
- Devoradores de homens?!!! - Os marinheiros aflitos, aflitíssimos, tentaram
desviar o barco daquela terra, com toda a sua força, mas não conseguiam. A corrente
cada vez os afastava mais do mar largo e os levava para a Ciclópia, para as ilhas da
Ciclópia.
De repente, Ulisses diz, ao ver o barco encalhado numa praia:
- Meus amigos, estamos salvos!
- Salvos?! Com devoradores de homens aqui nestas ilhas?!
- Não, não é isso, porque eu sei, porque já passei por aqui e sei o que estou a
dizer...
Esta é a única ilha da Ciclópia que não é habitada, portanto ainda estamos com
sorte. Vamos sair muito devagarinho, para que das outras ilhas da Ciclópia não reparem
em nós, não vejam que nós chegámos aqui, senão estamos perdidos!
E muito devagarinho, já mais aliviados, todos desceram naquela terra, à procura
de quê?
Daquilo que os marinheiros nestes tempos mais procuravam, que era água fresca
e frutas boas.
Então prepararam-se para ir à procura de água fresca e saborosos frutos, antes de
continuarem caminho para Ítaca.
De repente, Ulisses disse: - Oh, já agora, vamos levar um barrilzinho de vinho que
aqui temos, porque pode ser que nos faça jeito, se a gente tiver sede pelo caminho!
E assim foi. Desceram todos muito afoitos, deixando o barco sozinho, bem poisado
naquela praia que eles julgavam deserta, e começaram a avançar, a avançar descuidados.
De repente, o que é que eles viram no meio de um campo onde pastavam ovelhas e
carneiros? Viram um homem enorme, sentado num rochedo muito grande. Parecia
mesmo um gigante, e tinha só um grande olho no meio da testa. Eu digo-vos já quem era:
era o ciclope Polifemo, que era o pior de todos os ciclopes, o mais devorador de homens,
o mais revoltado contra a vida, aquele que tinha tão mau génio que tinha sido ali posto
pelos seus irmãos que viviam nas outras ilhas, porque ele era de um mau génio horrível,
era só patada para a esquerda, cabeçada para a direita, era pancada, era soco para a
frente e para trás... só sei que os coitados dos outros ciclopes (não eram assim muito
coitados, mas enfim...) andavam sempre com o braço ao peito ou com o olho grande da
testa um bocado ferido, ou com uma perna manca! Enfim, era sempre um desastre por
causa do mau feitio do Polifemo que, por tudo e por nada, fazia uma grande bulha com
eles. E então, um dia eles resolveram dizer-lhe:
- Olha, Polifemo, não podemos continuar a viver juntos! Tu vais para aquela ilha
que está deserta e nós ficamos aqui sossegadinhos.
E à noite, era assim:
- Polifemo, tu estás bom?!
- Estou. E vocês?
- Estamos bons.
E pronto, vivia tudo em grande paz.
Ora foi este horrível ciclope Polifemo que Ulisses e os seus companheiros foram
encontrar junto de um rebanho que ele andava a cuidar, muito entretido a afiar um
grosso tronco de árvore como se fosse assim uma flautazinha que ele depois iria tocar!
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Bem, cheios de medo, esconderam-se atrás de umas pedras. Já não tinham tempo
de voltar para o navio, pois se se levantassem, o ciclope era capaz de os ver.
Muito baixinho, disseram uns para os outros:
- Olhem, está ali uma gruta. Vamos até lá!
Era realmente uma gruta muito grande que se adivinhava ali... via-se já mesmo... e
então eles muito devagarinho, de rastos, para não distrair o Polifemo da sua tarefa de
afiar a sua "lindíssima" flauta, foram entrando na gruta muito devagarinho, devagarinho.
E quando chegaram lá dentro da gruta exclamaram: - Uff! Estamos a salvo! Agora, quando
ele se afastar com o rebanho, vamos mas é para o nosso barco, que afinal esta ilha não
está nada deserta!
Bem, assim foi. Só que eles não imaginavam que aquela era a gruta onde passava
a noite o Polifemo e o seu rebanho! Ao entardecer, começaram a entrar por ali dentro as
ovelhas e os carneiros, tudo para dentro da enorme gruta, e o Polifemo logo a seguir,
todo contente com um grande veado às costas, o qual ia ser a sua refeição daquela noite,
a sua ceia. Logo os marinheiros se afligiram: - Ai que estamos perdidos!
Lá se esconderam nos cantos, atrás de uns pedregulhos, como puderam, e o
Polifemo não reparou em nada. Fez uma grande fogueira, colocou o veado a assar e,
quando se preparava para o comer, começou a cheirar o ar. Além do cheiro a veado
queimado, cheirou-lhe a homens vivos. Mas pensou lá para consigo: "Isto é impressão
minha! Isto é impressão minha!"
Só que de repente olhou para as paredes e viu as sombras dos homens que
estavam escondidos.
Deu um grande pulo: - Uhm, homens! Homens!! HOMENS!!! Que bom pitéu!!!
Para começar, - que era esperto -, pôs uma pedra, uma grande pedra, um
pedregulho enorme a tapar a porta da gruta, a entrada da gruta, para os marinheiros não
fugirem; e depois começou a agarrar um, e engolia-o, outro e engolia-o, outro e engoliao, outro e engolia-o... A certa altura, já estava tudo aos gritos dentro da caverna, e o
Polifemo estava a ficar um bocado empanturrado de tanta comida, de comer tantos
homens. E os marinheiros, num pavor!
Foi quando o Polifemo ficou assim quase a dormir, quase desgastado, a dormir,
que Ulisses resolveu sair, pé ante pé, de onde estava e meter conversa com ele. Mas,
antes de eu vos contar como foi essa conversa, que até foi uma conversa muito
interessante... para nós, que agora a ouvimos cá de longe, agora... - o que é que
acontece?
Acontece que eu tenho uma pergunta para vos fazer, e que é esta:
Os ciclopes existem?
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Nós, marinheiros portugueses, quando dos Descobrimentos, vencemos o medo do
Gigante Adamastor, que era assim como que um Ciclope daqueles tempos!
Seria o medo do mar?
Seria o medo do desconhecido no mar?
- Afinal, pergunto-vos eu concretamente: este Ciclope, o Polifemo, terá existido?
Cena seguinte
FUGA DA ILHA
Quando Ulisses calculou que o ciclope já estava muito empanturrado porque já
tinha comido muita gente, aproximou-se dele a medo...
- Calma aí, calma aí, não me comas, não me comas, que tenho uma coisa a proporte. E tenho também uma pergunta a fazer-te!
- Quem és tu, pigmeu, para me fazeres uma pergunta a mim?! Quem és tu,
pigmeu?
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E Ulisses disse:
- Olha, a pergunta que eu te quero fazer é se tu não tens sede! Tu não tens sede?
Com tanta carne que comeste, deves ter muita sede!
- Tenho, por acaso tenho sede, mas se pensas que eu vou abrir a entrada da gruta
e sair lá para fora, para vocês saírem todos daqui, estás bem enganado!
- Não, não é nada disso! - disse Ulisses. É que nós temos aqui uma bebida ótima
que é vinho, não sei se tu conheces o vinho...
- Não, não sei o que é o vinho. É bom?
- É. Mas olha, só to dou se tu fizeres uma promessa.
- Promessa?! Quero lá saber de promessas! Dá-me mas é cá o vinho, o vinho para
cá, já, já, já, já o vinho!!!
Ulisses foi a correr, cheio de medo, buscar o barril de vinho que tinham trazido do
navio, e então o Ciclope meteu o barril à boca e bebeu, bebeu, bloc, bloc, bloc, bloc e
bebeu tudo até ao fim, num instantinho. Um barril enorme que dava para imensa gente!!!
Logo ficou um bocadinho tonto e disse:
- É bom realmente, muito bom. Então o que é que tu me querias pedir? Qual era a
promessa que tu queres que te faça?
- É que não comas mais nenhum de nós! - propôs Ulisses.
- Bem, como o vinho era mesmo bom - disse o Ciclope -, eu vou fazer-te uma
promessa, realmente. É assim, tu vais ser o último que eu vou comer!
Foi um alarido ali na gruta, todos muito aflitos, que afinal de contas ele estava a
pensar comê-los todos.
O Ciclope estava quase a dormir, com o efeito do vinho, quase a dormir, mas ainda
se lembrou de uma coisa. Virou-se para Ulisses e perguntou:
- Já agora, como é que tu te chamas, ó pigmeu?
Ulisses não esperava uma daquelas e atrapalhou-se:
- Como é que eu me chamo! Sei lá, sei lá como é que eu me chamo, sei lá!
E pensava: "Ai, ai, que os deuses me acudam! Minerva, acode-me...que nome é
que eu hei-de dizer?!"
- Vá, diz o teu nome, já! Como é que te chamas? Então tu não tens nome? - gritou
o Ciclope, muito irritado.
- Tenho, tenho. Olha, chamo-me... Ninguém. NINGUÉM. - lembrou-se de dizer o
aflito Ulisses.
- Ai coitado! Por isso é que tu não querias dizer como é que te chamavas, pigmeu!
Realmente, não lembra a ninguém, chamar-se Ninguém!
E o Ciclope adormeceu. Adormeceu sob os efeitos do vinho, é claro. Era o
momento que Ulisses e os seus companheiros esperavam. Foram a correr e pegaram num
pau muito afiado, e aqueceram a extremidade, o bico desse pau nas cinzas ainda bem
quentes da fogueira onde o ciclope tinha assado o veado. Mas antes disso, eles ainda
comeram bocadinhos que sobraram do veado, ainda foram tirar leite às ovelhas e beber
leite, pois estavam completamente esfomeados e sedentos. Depois, com o pau aquecido
nas cinzas da fogueira, apontaram-no em direção ao único olho da testa do Ciclope
e...assim, um...dois...três e pumba!...,espetaram o bico desse pau no olho do Ciclope.
O Ciclope acordou aos urros, aos gritos, parecia louco, desvairado completamente
desnorteado porque estava cego e, sem perceber onde é que estava berrou:
- Quem é que me fez este mal, quem é que me cegou?
Aos gritos, aos gritos, fugiram todos para os cantinhos da gruta, cheios de medo,
porque ele, na sua ânsia de os agarrar, com desespero, ainda queria agarrar outro, e
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outro, e outro ainda, e maltratou bastantes dos que restavam vivos. E que, mesmo assim,
ainda eram alguns!
E então o Ciclope, completamente louco, começou a gritar pelos irmãos que
estavam nas outras ilhas e que ouviram muito bem, mesmo estando ele a gritar de dentro
da gruta:
- Meus irmãos, acudam-me, acudam-me, acudam-me, acudam-me!!!
Quando os seus irmãos o começaram a ouvir, pensaram: "O que terá acontecido
ao Polifemo?! É capaz de estar com algum ataque de fúria, daqueles que ele costuma ter
tantas vezes!"
Saíram das outras ilhas e aproximaram-se da gruta onde estava o Polifemo, mas,
com medo dele, não entraram na gruta , pois já conheciam a sua força e o mau génio. E
então a conversa entre eles foi assim:
- Que é que tens, Polifemo?
- Ai, meus irmãos, Ninguém está aqui!!!
- Pois não, rapaz, pois claro que ninguém está aí.
- Não é isso. Vocês são uns burros, vocês são uns estúpidos. Eu estou a dizer que
Ninguém está aqui!!!
- É isso mesmo. Nós percebemos, ninguém está aí.
- Não é isso. Ninguém quer fazer-me mal.
- Pois claro, quem é que te quer fazer mal? Ninguém te quer fazer mal...
E disseram uns para os outros: - O Polifemo está louco! Deve estar louco! Deve
estar com dor de dentes!
E foram-se embora, e o Polifemo ficou danado, a queixar-se:
- Não há direito, não há direito de me fazerem isto a mim que sou tão bonzinho!
Pois amanhã, ninguém vai sair daqui da gruta...Só o meu rebanho é que vai sair!
E adormeceu mesmo, finalmente, sob o efeito forte do vinho.
Então Ulisses passou a noite o resto da noite a atar os companheiros debaixo de
cada ovelha e de cada carneiro, para que no dia seguinte, quando o rebanho saísse, eles
fossem debaixo de cada animal. Assim foi. Quando chegou a vez de Ulisses sair, de
manhã, ele já não teve tempo para mais e agarrou-se com muita força à lã de um carneiro
maior que lá estava, ficando debaixo dele e quase a cair...
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O rebanho ia a sair da gruta e o Polifemo dizia:
- Vá, passa tu...Passa tu... - e passava a mão por cima das costas da ovelha ou do
carneiro que passava, sem reparar que por baixo de cada um ia preso um marinheiro. A
certa altura, quando chegou a vez de sair o carneiro maior, que era o mais amigo dele,
demorou-se mais um bocadinho, e disse assim:
- Anda cá tu! Já viste as injustiças que me fizeram?!
Ulisses, agarrado às suas lãs, estava a ver que caía no chão. O Polifemo deu uma
palmada no carneiro, que acabou de sair, mas Ulisses desequilibrou-se e caiu no chão.
Quando o ciclope sentiu que alguma coisa se tinha passado, pensou que realmente o
tinham acabado de enganar, mas como estava cego, não percebia como. Entrou na gruta
e não encontrou ninguém lá dentro, e saiu da gruta a correr, para ir atrás deles. O ciclope
avançava, avançava, avançava, mas os marinheiros, que Ulisses já tinha desatado e se
tinham depois desatado uns aos outros, corriam, corriam, corriam por ali fora e chegarem
ao barco num instantinho. Chegaram ao barco e embarcaram. Para onde? Vamos ver.
Agora pergunto-vos eu: porque é que Ulisses terá dito que se chamava Ninguém?
Podia ter dito, como disse um dia Gil Vicente que ele não conhecia, estava tão longe de o
poder ter conhecido...Gil Vicente que um dia se referiu a "Todo o Mundo e Ninguém"!
Ulisses podia ter dito que se chamava TODO O MUNDO. Ele até podia ter dito que se
chamava EU, muito simplesmente! Mas não. Por que teria dito que se chamava
NINGUÉM?
Cena seguinte
CHEGADA À EÓLIA
Já libertos do Ciclope Polifemo, lá vão Ulisses e os companheiros a caminho de
Ítaca, a sua pátria. Mas entretanto encontram uma ilha: era a Eólia. O rei desta ilha era
Éolo, o rei dos Ventos. Chegaram lá e resolveram desembarcar. Foram muito bem
recebidos por Éolo. E Éolo chamou à parte Ulisses e disse-lhe:
- Quero dar-te uma coisa, pois não quero que tenhas mais dificuldades, tu e os
teus marinheiros, para chegar até Ítaca. Quero que vocês sigam, livres de todo o mal dos
mares.
Toma este saco que é feito com a pele de um dos meus maiores bois, e vê como
ele é leve e cheio.
Ulisses pegou no saco e perguntou:
- O que é que tem cá dentro?
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Disse-lhe Éolo: - Dentro dele estão todos os ventos violentos do mundo. Só deixei
cá de fora o Zéfiro, que é uma brisa suave para os marinheiros. Mas ouve bem: que
ninguém saiba o que este saco contém, e que nunca ninguém o abra, porque
senão...graves desgraças cairão sobre ti e os teus companheiros!
Ulisses pegou no saco com muito jeitinho e disse para os seus companheiros:
- Vamos embora para o nosso barco. Vamos seguir viagem para Ítaca!
E lá foram. Os marinheiros estranharam que Ulisses tivesse tanto cuidado com o saco. De
dia, nunca o largava; de noite, dormia junto dele. Cheios de curiosidade, certa noite em
que Ulisses deixou a cabeça resvalar para fora do saco, eles olharam uns para os outros e
disseram:
- E se a gente abrisse só uma nesguinha do saco, não era boa ideia?! Não há mal
nenhum, depois tornávamos a fechar!
E assim fizeram. Pé ante pé, aproximaram-se e abriram uma nesguinha do saco. Os
Ventos viram à frente a sua libertação e soltaram-se todos, violentíssimos. Foi uma
tempestade horrorosa!
O navio quase que naufragou, e muitos dos marinheiros morreram. Ulisses sentiuse mais sozinho, e com o navio quase todo desfeito.
Voltaram à Eólia onde o rei nem os quis receber, por ver que lhe tinham
desobedecido.
Os marinheiros que restaram, lá arranjaram o navio como puderam e partiram
para Ítaca.
Porém, novas aventuras os esperavam.
Agora pergunto eu:
Porque que é que os Ventos saíram assim tão de repente do saco?!
Cena seguinte
ENCONTRO COM CIRCE
Seguindo viagem, Ulisses e os poucos companheiros que já restavam, chegaram a
uma outra ilha que, a princípio, imaginaram ser Ítaca. Mas não era ainda Ítaca, a sua
querida pátria. Era uma ilha que nem conheciam. Pararam. Foram à procura de água
fresca e de frutos saborosos.
Mas Ulisses, cansado, resolveu ficar no navio, à espera deles. Esperou, esperou,
esperou, e não havia maneira de os ver regressar. A certa altura reparou que vinha a
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descer uma encosta em direção à praia, um dos seus mais velhos e mais sábios
marinheiros ainda vivos, de nome Euríloco. Euríloco vinha muito aflito e quando chegou
ao pé de Ulisses, disse:
- Ah, Ulisses, grande desgraça nos aconteceu.
- O que é que vos aconteceu?!
- Quando nós saímos daqui, começámos a ver muitos animais selvagens: tigres,
leões, leopardos... E todos olhavam docemente para nós e não nos fizeram mal nenhum!
- Coisa esquisita...
- Pois é. Andámos, andámos, andámos, até que avistámos um grande palácio no
meio de uma floresta, e à porta estava uma mulher lindíssima. Não sabíamos quem era,
mas deve ser uma deusa! Ela convidou-nos a entrar no palácio. Lá dentro havia mesas
postas com iguarias formidáveis, tu nem fazes ideia, Ulisses... Bebidas e comidas, uma
maravilha! Nós estávamos esfomeados e começámos a comer, a comer, a comer, e ela
sempre ali a oferecer-nos tudo com a maior delicadeza e simpatia. No fim, apareceu com
um licor, uma garrafa de licor, e serviu-nos a todos. Não sei porquê, mas eu desconfiei...
tive um pressentimento...E escondi-me atrás de um cortinado da sala. E sabes o que
aconteceu, Ulisses?
- Não. Não faço ideia nenhuma! - disse Ulisses, já um bocado apavorado.
- Olha, Ulisses, foi assim... Os nossos amigos marinheiros beberam todos aquele
licor e imediatamente esqueceram o seu próprio nome, esqueceram a sua pátria, ficaram
como que fora do mundo!
Ulisses disse: - E então o que aconteceu?! Se esqueceram o seu nome, se
esqueceram a sua pátria... ficaram como se fossem animais!!!
- É isso mesmo... - E Euríloco explicou melhor: - De repente, aquela deusa, porque
julgo que só poderia ser uma deusa...tocou-lhes com uma varinha e eles ficaram
transformados em porcos!
Ulisses gritou: - O quê?! Em porcos...?! Os melhores marinheiros da Grécia?! Não
posso acreditar. Vou já imediatamente libertá-los!
- Calma, Ulisses, tem calma, porque ela deve ser muito poderosa!
Mas Ulisses já não o ouviu. Já ia longe, louco, desesperado na ânsia de salvar os
seus companheiros, nem sabia como... Apareceu-lhe Minerva, a sua deusa protetora, que
lhe disse:
- Onde vais Ulisses?! Sabes quem vais ter pela frente?
- Não. Não sei.
- É Circe, a mais poderosa feiticeira...
- Ah, então é Circe que quer ter guerra comigo?! Pois vai ter guerra!
- Calma, Ulisses - disse-lhe a deusa. Toma esta erva da vida. Com esta erva, nada
tens a temer, pois ela salvar-te-á sempre.
Ulisses agradeceu muito e seguiu caminho. Ao chegar ao palácio, viu logo Circe à
porta, lindíssima. Ela lhe disse:
- Entra. Quem és tu? És um marinheiro? Quem és?
Ele não disse quem era, e entrou. Comeu e bebeu, porque Circe lhe ofereceu
comida e bebida. E no fim, quando ela veio com a garrafa do licor, ele pegou na erva da
vida e agarrou-a com muita força, e bebeu o licor... E não se transformou em nenhum
animal, quando ela lhe tocou com a varinha.
Circe ficou espantadíssima e exclamou:
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- Mas quem és tu? És um deus? Se fores Homem, só podes ser Ulisses, o das mil
astúcias!
- Pois é isso mesmo... Sou Ulisses! E quero já aqui os meus marinheiros que tu
transformaste em porcos!
- Eu?!... Em porcos?!... Nunca transformei em porcos os teus marinheiros! Queres
ver onde estão os porcos que eu tenho? Já tos mostro...
Foram até às pocilgas do palácio, e Circe perguntou:
- Achas que estes porcos são os teus marinheiros?
Ulisses ficou desesperado e até deu um pontapé num dos porcos, que se afastou a
grunhir.
Ulisses já não tinha mais nada a fazer ali. Mas Circe tomou-o por seu prisioneiro. É
preciso dizer que Circe se tinha apaixonado por Ulisses, desde que o vira pela primeira
vez. E enquanto ele esteve no palácio, ela quis convencê-lo a casar com ela:
- Ulisses, não penses que podes chegar à tua terra, à tua pátria. Nunca lá chegarás!
Fica aqui e casa comigo. Vais ver como seremos felizes!
Mas Ulisses respondia sempre:
- Não pode ser. Tenho Penélope à minha espera, tenho o meu filho Telémaco,
tenho a minha família... Eu não posso ficar aqui contigo.
Entrou numa tal tristeza que Circe teve pena dele e, um dia, chamou-o e disse-lhe:
- Olha, Ulisses, realmente aqueles porcos que viste, são os teus companheiros e
vou transformá-los outra vez em marinheiros. E mais te vou dizer... agora a caminho de
Ítaca, vai à ilha dos Infernos. Lá encontrarás o profeta Tirésias, que tem muito que te
contar sobre o que está a acontecer na tua terra, em Ítaca. E também, outra coisa: tem
cautela... um dia encontrarás um mar que te parecerá sereno e mágico, mas é muito
perigoso porque é o mar das Sereias. Nessa altura, párem todos! Ouve-me bem: muita
calma, e ponham cera nos ouvidos para não ouvirem as sereias... Elas imitam as vozes dos
humanos e atraem os humanos para o fundo do mar. Tem cautela com as Sereias, que
são extremamente perigosas!
Ulisses ouviu isto tudo com atenção e disse:
- Está bem. Obrigado. Obrigado, Circe!
E seguiu caminho. Ele e os seus companheiros. Ela ficou a dizer-lhe adeus, já com
saudades dele. Mas Ulisses tinha de seguir viagem. Tinha de ir para Ítaca.
E agora pergunto eu:
Se Circe queria tanto casar com Ulisses, terão eles casado um com o outro,
embora secretamente? Ou não? Havia uma razão forte para não se casarem?
Cena seguinte
DESCIDA AOS INFERNOS
Obedecendo aos conselhos de Circe, Ulisses dirige o navio para a ilha dos Infernos,
onde vai ter de falar com o profeta Tirésias. Quando se aproximam dessa ilha, os
marinheiros começam a tremer de medo e dizem:
- Ulisses, nós não queremos desembarcar nessa ilha: é uma ilha de desolação, uma
ilha horrível! Não queremos!
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Ulisses resolve: - Está bem! Desembarquem-me então só a mim, na praia, e
afastem-se.
Ponham-se ao largo, e quando eu vos fizer sinal, venham buscar-me!
Assim foi. Ulisses, já na ilha dos Infernos, repara como realmente aquela terra é
feia e seca. É tudo escuro, partido, é tudo muito árido, uma desolação, um horror. Mas
ele tem mesmo de entrar na gruta da ilha dos Infernos! Quem é que avista à porta, a
guardar a gruta, à porta da gruta onde estão as almas dos que já morreram? Um grande
cão! Um cão com três cabeças. É Cérbero, o feroz! Circe tinha-lhe dito assim:
Se tu vires o cão com olhos abertos, é porque está a dormir. Se tu vires o cão de
olhos fechados, é porque está acordado!"
Ulisses olha: e vê que o cão está com os olhos fechados, portanto não se pode
aproximar.
Espera um bocadinho... e o cão abre os olhos, o que quer dizer que adormeceu.
Então Ulisses esgueira-se para dentro da gruta dos Infernos e começa logo a ver as
sombras a passar... É tudo muito escuro. É tudo assim como se fosse entre neblinas,
fumos de vulcões extintos. É uma tristeza, um silêncio enorme. E Ulisses fica a ver as
sombras a passar, e sabe que as sombras não o veem. Só ele é que as vê! De repente,
passa a sombra da sua própria mãe, que ele julgava ainda viva. Ele fica aflito e diz:
- Mãe, estás aqui? A minha mãe, aqui?!
Tira um pedaço da carne de uma ovelha negra, que Circe lhe dera, e lhe dissera ser
a única maneira que ele tinha de comunicar com as sombras da ilha dos Infernos, e
oferece-o à mãe. A mãe come um bocadinho dessa carne e reconhece-o, e pergunta-lhe:
- Que fazes aqui, meu filho Ulisses? Também morreste?
Ulisses diz: - Não, mãe, eu não morri. Estou aqui só de passagem, e vou a caminho
de ítaca.
Disse-lhe a mãe: - Então vai depressa, porque graves coisas estão a acontecer na
tua terra.
Já há muito tempo que não voltas para lá, que não regressas... Já há mais de 18
anos. Muitos regressaram da guerra de Tróia, e tu não! Sabes que há uma lei, em Ítaca,
que diz que quando não há rei, o rei vai ter de aparecer, de qualquer maneira!
Penélope vai ter de casar com um dos muitos pretendentes que estão a chegar
continuamente ao teu palácio...
- O quê?! Penélope, casar?! Mas eu estou vivo!
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- Pois é, mas ninguém sabe que tu estás vivo. Tens de ir imediatamente para a tua
pátria. O teu filho Telémaco corre os mares à tua procura... Ninguém te encontra em
lugar nenhum!
Ulisses diz adeus à mãe, agradeceu e foi à procura do profeta Tirésias. Mas o
profeta Tirésias não adiantou mais nada: tudo o que a mãe lhe tinha dito era verdade, e
ele o confirmou. Ainda passou por dois seres que andavam por ali vagueando ... Um era
Tântalo, que tinha sido mau, em vida: não tinha dado nem de comer e nem de beber a
quem precisava, e então estava condenado a estar junto de árvores carregadas de frutos,
e de fontes de água fresca sem conseguir comer nem beber. Quando ele queria apanhar
um fruto, o fruto fugia-lhe; quando ele chegava a água à boca, a água desaparecia...
Também passou por Sísifo, que carregava um enorme penedo, por uma montanha
acima. Mas quando chegava lá acima, o penedo despenhava-se montanha abaixo! Ele
nunca tinha apreciado em vida o trabalho dos outros...
Bem, Ulisses viu estas coisas e depois desatou a correr para a praia. Fez um sinal
aos seus marinheiros e eles vieram buscá-lo. E lá vai Ulisses...
E agora, faço-vos uma pergunta:
Quem é que Ulisses vê, ao chegar à porta dos Infernos, e qual a característica
dessa personagem?
Cena seguinte
ENCANTOS DE SEREIAS
Ulisses sabia que tinham de passar pelo mar das Sereias... Os marinheiros também
sabiam, e sabiam que, como Circe lhes recomendara, eles teriam de meter cera nos
ouvidos para não ouvirem o cântico das Sereias. Se acaso o ouvissem, poderiam ser
atraídos por elas, para o fundo do mar.
Por isso, quando chegaram mesmo ao mar das Sereias, os marinheiros pararam de
remar. E Ulisses, manhoso, perguntou-lhes:
- Por que é que vocês pararam?!
- Ulisses, tu sabes muito bem! Temos de pôr cera nos ouvidos, todos nós! Senão,
somos atraídos pelas Sereias, para o fundo do mar e morreremos!
E Ulisses revoltou-se: - Isso é que era bom! Eu não ponho cera nenhuma nos meus
ouvidos, eu quero ouvir o cântico das sereias!
Os marinheiros ficaram apavorados:
- Não pode ser, Ulisses. Temos de te obrigar a pôr cera nos ouvidos!
Ulisses propôs: - Então é assim: amarrem-me ao mastro mais forte deste navio.
Amarrado, eu não vou poder fugir, e não posso ser atraído pelas Sereias. Posso ouvi-las e
seguir viagem com vocês!
E assim foi. Os marinheiros sentaram-se, com a cera nos ouvidos, depois de
amarrarem muito bem Ulisses ao mastro mais forte do navio. Mesmo que ele quisesse,
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não se podia libertar de tantos nós e tantos laços. E, de costas para ele, começaram a
remar, a remar, a remar, a remar, a remar ...
E passado algum tempo, Ulisses começou a rir:
- Palermas! Acreditaram em Circe! Ela tinha de ser manhosa, ela tinha de nos
mentir de alguma maneira!
De repente, começa a ouvir uns cânticos lindíssimos que vinham do fundo do mar,
e a voz de Penélope, implorando:
- Ulisses, eu estou aqui, prisioneira das Sereias! Salva-me! Não passes por mim,
sem me salvar!
Ao ouvir isto, Ulisses gritou:
- É Penélope que me está a chamar! Párem já aí! Párem, não ouvem?! Sou eu que
estou a mandar, párem!!! É uma ordem!
Mas os marinheiros, de costas para ele, e com cera nos ouvidos, não pararam...
E continuavam a remar, a remar, a remar, a remar ... E Ulisses gritava:
- Párem, seus estúpidos, não me ouvem?!! Párem, que Penélope está a chamarme!!
E a voz de Penélope continuava a ouvir-se:
- Não passes aqui sem me salvar, Ulisses ... Não passes! Leva-me contigo! Estou
prisioneira das Sereias. Leva-me contigo!
De repente, a voz das Sereias começou a ficar longe, longe, longe... Ulisses parecia
um velho, agarrado àquele mastro, preso ao mastro. Os marinheiros, passado finalmente
aquele mar que eles já conheciam como o mar das Sereias, pararam, olharam para trás e
viram Ulisses completamente desfeito. Parecia um louco, um velho.
- O que foi, Ulisses? O que tens?
- Então vocês não ouviram Penélope?
- Não... Então tu não sabes que a Circe disse que elas, as Sereias, imitavam as
vozes dos humanos? Isto foi um engano que te aconteceu!
E Ulisses percebeu: - Ai, meus amigos, ainda bem que vocês me amarraram tão
bem! E ainda bem que a Circe nos avisou. Senão, nós já estávamos todos no fundo do
mar...
Mas isto não lhes valeu de muito. Mais à frente encontraram uma passagem
muito estreita entre dois rochedos. Um, parecia uma boca enorme, e o outro a mão, uma
mão enorme, gigantesca. Envoltos numa tempestade violenta, os marinheiros viram o seu
navio todo despedaçado.
E agora, quero fazer-vos uma pergunta:
Por que é que as Sereias imitavam as vozes dos humanos?
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Cena seguinte
NA TERRA DOS FEÁCES
Morreram, quase todos morreram. Uns ainda conseguiram quase chegar à praia,
mas morreram também... Ulisses vê-se pela primeira vez desamparado, triste, numa praia
desconhecida, e completamente só... E aí ele entende toda a aflição de se ver realmente
só mundo e sem esperanças nenhumas de chegar a Ítaca.
Desmaia na praia. Passou-se algum tempo... Passeando por ali, uma linda filha do
Rei Alcino e da Rainha Arete, chamada Nausica, viu Ulisses que era muito belo, mesmo
com tantas desventuras, mesmo com tantas desgraças passadas. Apaixona-se por ele e
leva-o para o palácio.
Ulisses esteve lá dias, e dias, e dias, o que para ele era uma grande perda de
tempo, e sem ter memória de nada... Até que um dia houve uma grande festa na corte. E
o que é que se celebrava nessa festa? As façanhas de Ulisses, que andavam de boca em
boca! E havia sempre gente que cantava e que recitava as suas façanhas...
Ao ouvir aquilo, Ulisses lembrou-se da continuação da sua vida que eles ainda não
conheciam, ou seja, os outros nem sabiam que ele já tinha estado na ilha dos Infernos,
nem sabiam que ele tinha acabado de passar pelo mar das Sereias... Ulisses levantou-se,
recuperou a memória e, no meio da festa começou a contar ele próprio as suas façanhas.
Quando viram que era Ulisses que estava ali no meio deles, ficou tudo numa grande
excitação, numa grande alegria, e o Rei Alcino disse:
- Ulisses, não sofras mais. Percebemos o teu desespero. Amanhã eu vou enviar-te
num navio que te irá levar para a tua pátria!
E Ulisses pensou assim: "Vou sair daqui do país dos Feácios, a caminho da minha
pátria, parece impossível!"
E vamos deixar aqui Ulisses. Chegará ele realmente a Ítaca?
E Ulisses começou a pensar no que tinha visto na ilha dos Infernos. Quem é que
ele tinha encontrado nessa ilha dos Infernos e quem o tinha lá reconhecido?
Porque na ilha dos Infernos, ainda há uma coisa a salientar... É que a sua mãe
tinha dito que, se ele não regressasse depressa a Ítaca, Penélope teria de escolher, para
seu novo marido, um dos pretendentes que estavam no seu palácio.
E Ulisses, muito triste, tinha dito:
- Então, ela tem mesmo de escolher?!...
A mãe lhe tinha respondido:
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- O teu pai está já muito velho, e Penélope está a fazer uma teia para lhe servir de
mortalha quando ele morrer. Diz que só escolherá pretendente quando terminar essa
teia. Mas de dia, ela faz a teia, e de noite desfaz a teia... Assim, nunca mais a terminará!
Ulisses pensa nisto tudo, e aflige-se muito:
"Como é que eu vou chegar a Ítaca, a tempo, de evitar que Penélope termine a
teia, e antes de os pretendentes descobrirem esta manha dela?! Como é que eu
conseguirei chegar lá a tempo?
E faço-vos esta pergunta: Quem é que Ulisses tinha encontrado na ilha dos
Infernos?
Agora, quase a partir para Ítaca, uma outra pergunta:
Que promessa fez, a Ulisses, o rei Alcino da Feácia?
Cena seguinte
REGRESSO A CASA
E lá vai Ulisses, no navio dos Feácios, a caminho de Ítaca. Mas está tão cansado,
tão cansado... que adormece profundamente. Ele nem toma sentido nessa viagem.
Quando acorda desse sono tão profundo, vê-se numa praia deserta, sem ninguém ao
lado, e começa a lamentar-se:
"Porque é que eu fui adormecer? Agora não sei onde estou!!! Mas de certeza que
não estou em Ítaca!... O que é que me vai acontecer nesta vida? Já não sei o que hei-de
fazer! Não consigo chegar à minha terra!"
Nesse momento aparece-lhe a sua deusa protetora, que lhe diz:
- Então tu não reconheces estas praias?! Tu já estás na tua terra. Aqui é Ítaca!
Ele fica louco de contente:
- Ah, deusa... se isso é verdade, eu vou imediatamente para o meu palácio, e vou
varrer de lá todos os pretendentes à mão de Penélope! E vamos a ver se chego a tempo!
- Não, não, tem calma - diz-lhe a deusa. Não penses que vais aparecer assim...Eu
vou-te transformar!
E transformou-o num velho, com vestes muito rotas, com um ar cansado. Alguém
nada parecido com o que Ulisses era. E disse-lhe:
- Agora é assim que tu vais tentar chegar ao palácio. Porque se corre a notícia de
que tu estás cá, não consegues fazer nada!
Ulisses agradeceu muito e começou a caminhar. Realmente parecia um velho, por
ali fora.
A primeira porta onde ele bateu foi à de numa cabaninha que havia logo ali junto à
praia.
Bateu à porta dessa cabana que era do seu feitor e velho amigo Eumeu. Era o
nome dele. Bateu à porta... e Eumeu abriu-lhe a porta... Deu-lhe de comer e beber,
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porque viu que ele estava muito esfomeado e sedento... E não o reconheceu! Começou a
perguntar-lhe - porque a toda a gente que por ali passava, Eumeu perguntava... - se tinha
visto Ulisses. Perguntou-lhe:
- Olha lá, tu viste Ulisses?
- Ulisses? Quem é Ulisses? - perguntou Ulisses. E o outro desanimou:
- Pronto... Ninguém sabe dele!...
Eumeu desanima. Também aquele mendigo não conhecia nada sobre Ulisses, não
sabia nada sobre o seu Rei que andava há tanto tempo perdido no mar! E então, sai...
Tem de fazer qualquer coisa e sai, e deixa-o sozinho. Nesse mesmo momento entra
Telémaco, que acabava de chegar de mais outra viagem à procura do pai. Encontrou ali o
mendigo, saudou-o... E Ulisses reconhece o filho, embora já tenham passado tantos anos.
E então, de repente, Ulisses abre os braços e aparece com todo o seu esplendor, com as
vestes bonitas que tinha recebido do rei Alcino da Feácia, e já não como um mendigo...
Telémaco pensa que está diante de um deus! E ajoelha no chão para o adorar. E Ulisses
diz:
- Levanta-te Telémaco. Sou eu, sou o teu pai! Sou Ulisses! Cheguei!
Telémaco nem quer acreditar que tem o pai ali na frente, e então sentam-se os
dois e começam a combinar... Diz assim Ulisses:
- Olha, em breve chegaremos ao palácio. Mas vamos fazer isto com muita manha!
E é assim: tu vais, e, quando eu disser, tiras as armas dos pretendentes que estão no
palácio. Tira-as e esconde-as, a pretexto de que elas têm de ser limpas. E assim nós temos
já uma vantagem, que é ter os pretendentes desarmados! Vamos devagar, e quando eu
te fizer sinal, tu começas a tirar as armas dos pretendentes...
Combinam tudo muito bem combinado. Ulisses transforma-se outra vez, por artes
e manhas também da deusa sua protetora, em mendigo, e lá vão os dois a caminho do
palácio.
Quando lá chega, Ulisses vê que, à entrada, está o seu cão, velhíssimo cão, Argos,
que parece que tinha sustentado a morte, que tinha vivido até àquele momento para ver
o seu dono. E o cão começa a latir de alegria, a latir... De tal maneira fica emocionado,
que tem um ataque fulminante e morre. Nesse momento acontece uma coisa estranha:
Ulisses, com as lágrimas a escorrerem pela cara abaixo, sente que os pretendentes saem
todos do palácio, espantadíssimos por ouvir aquele cão que nunca latia tão alegremente a
ninguém. E Ulisses vê-se entre os pretendentes desconfiados e o seu cão morto. E diz:
- Maldito cão, maldito cão a ladrar-me... a querer atacar-me!...
Os pretendentes aliviaram a sua tensão e o medo de que alguém conhecido se
estivesse a aproximar... quem sabe se Ulisses...E dizem:
- Pois... Com essas vestes, qualquer cão te poderá atacar. Estás horrível! O que é
que tu queres daqui, mendigo?
E Ulisses:
- Uma esmola!
E entrou para o seu próprio palácio. Bem... ninguém lhe queria dar esmola.
Começaram a empurrá-lo, a gozar com ele, um horror... até que ao alto das
escadarias aparece Penélope, e diz:
- O que é isto?! No meu palácio, tanta gritaria?! O que é que se passa?
- É um pobre horroroso, que está aqui assim a pedir esmola.
- Imediatamente, ele que entre! E dêem-lhe de comer e de beber!
Ulisses ficou num cantinho, a comer e a beber. Já tinha visto Penélope, ao alto das
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escadas... Nesse dia, ele vai ficar no palácio, por vontade de Penélope: Penélope manda
que ele fique no palácio. Ela quer perguntar-lhe se ele viu Ulisses, nas suas andanças.
Porque ela pensava que, por ele estar tão esfarrapado, devia ter muita experiência em
viagens... Se tinha visto Ulisses.
Ulisses fica contente, por ela perguntar por ele, porque ela diz assim:
- Ulisses... Eu só quero Ulisses aqui! É tudo o que eu desejo na vida! E estou com medo de
que ele não chegue a tempo!
E ficou assim em suspenso! Ulisses ficou contente, por ver que ela ainda gostava
dele... E então, antes de se deitar, Penélope recomendou:
- Olha...- disse para a ama Euricleia, velha ama, que era já a ama dos tempos de
Ulisses - vai lavar os pés a este forasteiro!
E a ama foi buscar uma bacia, pôs-se de joelhos na frente daquele mendigo e
começou a lavar-lhe os pés. Ulisses estava mesmo à espera do que ia acontecer. De
repente, ela repara que num dos pés de Ulisses havia uma grande cicatriz que tinha sido
feita por um javali, numa caçada, há já muito tempo, e que só Ulisses é que tinha... Ela
reconhece-o, e quase que entorna a bacia de água, e diz:
- Ulisses, és tu!!! Tu és o Ulisses!!!
E ele, baixinho:
- Está calada, não digas nada, porque temos de manter isto em grande segredo.
Está calada, porque eu venho para vingar isto tudo!
Ela ficou tão contente que nessa noite nem dormiu.
No dia seguinte, Ulisses faz sinal a Telémaco, e Telémaco começa a recolher as
armas de todos os pretendentes, dizendo que é para as limpar.
Ulisses aparece, ao lado de Telémaco, de súbito, já com as suas vestes de
guerreiro. E começam os dois, com armas, com lanças, a matar todos os pretendentes!
Poucos escaparam...
Foi uma coisa incrível, uma mortandade horrível, com os pretendentes todos
apavorados, já nem sabiam onde era a porta, já não sabiam por onde é que haviam de
sair, atropelavam-se uns aos outros... Os mais novinhos, os mais ágeis, é que conseguiram
fugir.
E pronto... Penélope ouviu tanta gritaria, chegou ao alto das escadarias e
reconheceu Ulisses.
E Ulisses ficou. Ficou ali, só com pena de o seu cão Argos ter morrido! Mas com a
grande alegria de se ver, finalmente, entre a sua gente. Todo o povo ocorreu ao palácio...
todos ajudaram a expulsar os pretendentes... e Ulisses viu-se, finalmente, ao lado de
Penélope, ao lado de Telémaco, ao lado da sua gente, longe das aventuras e desventuras
que tinha passado no mar.
Quem sabe se outras aventuras e desventuras o encontrariam de novo algum dia?
Mas de certeza, e neste momento, ele guardava no seu coração a certeza de que havia de
ser para sempre feliz.
E assim acaba esta história das fantásticas aventuras de Ulisses.
Uma última pergunta: Quem é que reconheceu Ulisses, quando ele chegou ao seu
palácio de Ítaca?
FIM
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RAPTO DE HELENA