Se a CAPES somos nós, quem somos nós? A pós-graduação brasileira em busca de uma identidade Profa. Dra. Rita de Cássia Ariza da Cruz1 Uma breve introdução ao tema: antecedentes históricos A Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, atual Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-CAPES, foi criada em 1951, no início do segundo governo de Getúlio Vargas, com o objetivo de "assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvolvimento do país".2 Aquele período, localizado entre o final de Segunda Guerra e o Golpe Militar de 1964, pode ser compreendido como um momento de “ajustamento da economia nacional às exigências da fase monopolista capitalista....”3, ou seja, de expansão do processo de industrialização e a conseqüente necessidade de formar recursos humanos qualificados para dar suporte às transformações em curso. Assim, naturalmente, eram vistas como prioritárias as carreiras mais diretamente relacionadas a esse movimento de modernização da economia nacional, tais como as engenharias, a Física e a Matemática. Com a principal missão de organizar a pós-graduação stricto sensu no Brasil, não se pode negar o fato de a CAPES, ao longo de sua história, ter contribuído substancialmente para diferenciar os cursos stricto sensu dos outros níveis de ensino no país, atribuindo-lhe um sentido bem como um lugar claramente definido na estrutura educacional brasileira. Assim, as linhas que se seguem pretendem ser uma crítica ao Sistema de Avaliação da Pós-Graduação, implementado pela CAPES, em 1976, e não uma crítica generalizada a essa Instituição. Considerando as profundas transformações sociais, políticas e econômicas vividas nos últimos sessenta anos, faz-se imperioso reconhecer que a CAPES passou, 1 Docente do Departamento de Geografia da FFLCH/USP. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana do DG/FFLCH/USP. 2 Conforme página na web: www.capes.gov.br. 3 RODRIGUES, Edmilson Brito. Uso do território: Amazônia e privatização dos recurso hidrenergéticos”. (mimeo) também, por mudanças importantes no que diz respeito a seu papel no contexto da pósgraduação brasileira, ao longo do tempo. O Sistema de Avaliação da Pós-Graduação da CAPES, por exemplo, foi implementado em plena ditadura e quando o General Ernesto Geisel era o presidente do Brasil (1974-1979), em um período marcado pelo fim de uma fase de grande prosperidade econômica bem como por um sensível aumento do endividamento externo e pela exacerbação da taxa anual de inflação (de 20% para 40%). O que sucede na segunda metade dos anos 1970 e durante boa parte dos anos 1980 é bem conhecido dos brasileiros, ou seja, um período de grandes dificuldades, marcado por sucessivas crises da dívida externa, hiperinflação, aumento do desemprego e precarização do emprego formal. Apesar das crises, a pós-graduação stricto sensu no Brasil cresceu significativamente, inclusive como resultado de uma busca de jovens graduados por uma melhor colocação no mercado de trabalho a partir de uma melhor formação educacional. Se em 1965 o universo dos cursos stricto sensu restringia-se a 27 mestrados e 11 doutorados, três décadas mais tarde, em 1995, a CAPES contabilizava mais de mil cursos de Mestrado e seiscentos de doutorado.4 A pós-graduação stricto sensu brasileira cresceu, portanto, de forma mais significativa, exatamente no período em que o “bolo”, leia-se, a economia nacional, vivia sua talvez mais profunda crise de estagnação. Assim, não é difícil supor que o Sistema de Avaliação da Pós-Graduação, implementado nos anos 1970, não tinha apenas o papel de qualificar esse nível da pós-graduação, mas sim, também, o de instaurar uma lógica competitiva entre cursos, Programas e Universidades, dado o fato de que não seria mais possível, a partir daquele momento, alimentar com recursos financeiros abundantes uma demanda em crescente ampliação. É a partir desse movimento que se gestou o Sistema de Avaliação da PósGraduação fundado numa escala de notas que vai do 3 (menor nota; programa de pósgraduação recém-criado ou com funcionamento precário segundo critérios CAPES) ao 7 (nota máxima, atribuída a programas considerados de excelência, com um relativo grau de internacionalização). Como se pode ver, no mapa abaixo, pela geografia dos Programas de Pós-Graduação nota 7 no Brasil, a pós-graduação stricto sensu brasileira é 4 www.capes.gov.br. um espelho fiel de um longa história de concentração de riqueza e renda no chamado Centro-Sul. Mapa 1: Distribuição territorial dos Programas de Pós-Graduação nota 7 CAPES no Brasil Fonte: http://geocapes.capes.gov.br A concentração territorial dos Programas de Pós-Graduação considerados de maior excelência resulta, principalmente, da ação deliberada de políticas públicas que pouco ou nada contribuíram para reverter este quadro. Por outro lado, não se pode negar o papel desempenhado pelo Sistema de Avaliação da Pós-Graduação orquestrado pela CAPES na manutenção dessa geografia da desigualdade ao, por exemplo, premiar com mais recursos os Programas que, teoricamente, menos precisam, ou seja, aqueles localizados nas regiões mais ricas do país e com acesso a fontes alternativas de financiamento. O Sistema de Avaliação da Pós-Graduação e o “ótimo de Pareto”5 O “ótimo de Pareto” é uma formulação teórica atribuída ao economista Vilfredo Pareto (1848-1923), de origem franco-italiana, segundo a qual uma situação econômica 5 Reflexão produzida a partir de observação feita pelo geógrafo Prof. Dr. João Nahum em Fórum de Coordenadores de Geografia, realizado na Unicamp, nos dias 10 e 11/04/2012. “X” é ótima quando, para sair dela, se um ganhar, alguém tem de, necessariamente, perder. Assim, nos termos desse princípio, melhorar a situação de um agente econômico significa degradar a de outro. O Sistema de Avaliação da Pós-Graduação da CAPES, feitas, evidentemente, todas as ressalvas necessárias, pode ser analisado a partir do “ótimo de Pareto”, posto que, ainda que exista uma significativa mobilidade de Programas de Pós-Graduação entre as notas 3 e 5, sobretudo pela ascendência de vários deles, o universo dos programas PROEX (notas 6 e 7) tende a restringir-se numericamente. Isso se explica por duas razões, uma no plano das idéias e outra no plano tangível dos recursos financeiros. Quanto ao plano das idéias, impera uma premissa hierarquizante e excludente, segundo a qual não é possível que todos os programas de pós-graduação do país atinjam o mais alto nível de excelência, ou seja, necessária e fatalmente alguns poucos devem estar sempre à frente da maioria. Já em um plano tangível, é sabido da comunidade acadêmico-científica brasileira que não há recursos financeiros para fomentar um número muito expressivo de Programas notas 6 e 7. Segundo essa lógica, portanto, a grande maioria dos Programas de pós-graduação no país jamais será considerada de excelência. Partindo, então, do pressuposto de que não é possível produzir excelência na pós-graduação brasileira em escala nacional, instala-se o “ótimo de Pareto”, ou seja, para que um Programa de Pós-Graduação chegue à nota 7, muito provavelmente outro que alcançou este patamar terá de ser rebaixado a uma nota inferior. Se nós somos a CAPES, quem somos nós? Não por acaso, docentes e alunos de alguma forma envolvidos com a pósgraduação stricto sensu no Brasil vêm, nos últimos anos, acumulando críticas contra o Sistema de Avaliação regido pela CAPES. Quando externadas essas críticas, é relativamente comum que aqueles que discordam das mesmas respondam com a célere afirmativa de que “Nós somos a CAPES”. Assim, portanto, criticá-la significaria, antes de mais nada, fazer uma auto-crítica. Naturalmente, o uso do pronome pessoal na primeira pessoa do plural pode ser visto, também, como uma estratégia para desqualificar a crítica individual, solitária ou não, de vozes que clamam ressonância simplesmente por não coadunarem com a lógica vigente. Por outro lado, o pronome pessoal “nós” também contribui para reproduzir a falsa idéia de que somos todos iguais. Nesse sentido, uma boa forma de demarcar as profundas diferenças que caracterizam o universo da pós-graduação e que alguns parecem querer ocultar seria recorrer à própria estrutura administrativa da CAPES. Figura 1 – CAPES: Organograma Fonte: http://www.capes.gov.br/sobre-a-capes/organograma Conforme documento disponível em sua página oficial na web, são atribuições do Conselho Superior da CAPES: ▪ estabelecer prioridades e linhas gerais orientadoras das atividades da entidade, a partir de proposta apresentada pelo Presidente da CAPES; ▪ apreciar a proposta do Plano Nacional de Pós-Graduação, para em seguida ser encaminhada ao Ministro; ▪ apreciar critérios, prioridades e procedimentos para a concessão de bolsas de estudos e auxílios; ▪ aprovar o relatório anual das atividades da CAPES e a respectiva execução orçamentária; ▪ definir o processo de indicação dos Coordenadores das Comissões de Consultores Científicos; ▪ apreciar propostas referentes a alterações do Estatuto e do Regimento Interno da CAPES. Como se pode deduzir do conjunto de atribuições acima listadas, o Conselho Superior é uma instância core da CAPES, onde se definem suas políticas de atuação. Quanto à sua composição, fazem parte do Conselho Superior “membros natos” e “membros designados”. Como todo e qualquer organismo da administração pública é feito de pessoas, é fundamental conhecermos quem são esses membros de modo a, talvez, a partir daqui, começarmos a saber “quem somos nós”. Na atual gestão, são membros natos (destacando, entre parênteses, suas respectivas áreas de atuação): Jorge Almeida Guimarães (Bioquímica) Presidente da Fundação CAPES Luiz Claudio Costa (Comunicação) Secretário de Educação Superior do MEC Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva (Educação) Secretária de Educação Básica do MEC Marcio de Castro Silva Filho (Engenharia Agronômica) Diretor de Relações Internacionais da Capes (DRI) Glaucyus Oliva (Física) Presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Glauco Antonio Truzzi Arbix (Sociologia) Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia (Finep/MCT) Embaixador Benedicto Fonseca Filho Diretor do Departamento de Cooperação Científica, Técnica e Tecnológica do MRE (DCT/MRE) João Luiz Martins (UFOP) (Matemática) Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) Quanto aos membros designados, dividem-se em representantes da área acadêmica, do setor produtivo, do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e PósGraduação, da Associação Nacional de Pós-Graduandos, do Conselho TécnicoCientífico da Educação Superior e do Conselho Técnico-Científico da Educação Básica (entre parênteses, destacadas suas respectivas áreas de atuação), conforme listagem abaixo. Representantes da Área Acadêmica - Adalberto Fazzio (Física) - Arlindo Phillip Junior (Saúde Pública) - João Fernando Gomes de Oliveira (Engenharia Mecânica) - Naomar Monteiro de Almeida Filho (Epidemiologia) - Luiz Davidovich (Física) - Otávio Guilherme Cardoso Alves Velho (Antropologia Social) - Wanderley de Souza (Medicina//Biofísica) Representantes do setor produtivo - Robson Braga de Andrade - Paulo Antonio Skaf Representante do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação - Hélio Leães Hey (Engenharia Elétrica) Representante da Associação Nacional de Pós-Graduandos - Elisangela Lisardo de Oliveira Representante do Conselho Técnico Científico da Educação Superior - Rita de Cássia Barradas Barata (Medicina) Representante do Conselho Técnico Científico da Educação Básica - Luiz Fernandes Dourado (Educação) Um rápido e prévio balanço das informações até aqui expostas começa a nos dar pistas sobre “quem somos nós”. Entre os 21 membros, natos e designados, do Conselho Superior da CAPES, consideraremos na análise a seguir apenas os 17 professores/pesquisadores, excluindo o membro Embaixador, os dois representantes do setor produtivo e o representante dos alunos. Assim, concluímos que 5 (29,5%) entre eles atuam na área de Ciências Humanas (Comunicação, Educação, Sociologia e Antropologia Social), 8 ( 47,0%) em Ciências Exatas e 4 (23,5%) em Ciências da Saúde. Se considerarmos apenas os 7 representantes da área acadêmica, 3 são da área de Ciências da Vida (Saúde Pública, Epidemiologia e Medicina/Biofísica), 3 das Ciências Exatas (Física e Engenharia Mecânica) e 1 (14,2%) das Ciências Humanas (Antropologia Social). Se a CAPES “somos nós”, nós, docentes/pesquisadores e alunos das Ciências Humanas ou somos uma minoria no contexto da pós-graduação brasileira ou estamos sub-representados nessa Instituição. Se não somos uma minoria, conforme atesta o gráfico abaixo, uma terceira hipótese – bastante provável, mas difícil de ser confirmada - é a de que as Ciências Humanas são consideradas menos importantes que as outras. Gráfico 1 Fonte: http://geocapes.capes.gov.br Por outro lado, faz-se necessário reconhecer que embora “nós” sejamos a CAPES, a própria CAPES reconhece que “nós” somos um grupo de diferentes “eus”. Por isso, o Conselho Técnico-Científico do Ensino Superior CTC-ES divide-se em: Colégio de Humanidades (Grandes Áreas de Humanas, de Sociais Aplicadas e de Letras e Lingüística e Artes), Colégio de Ciências da Vida (Grandes Áreas de Ciências da Saúde, de Ciências Biológicas e de Ciências Agrárias) e Colégio de Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar (Grandes Áreas de Ciência Exatas e da Terra, de Engenharias e Multidisciplinar). A divisão acima representa algo que a comunidade científica conhece muito bem, ou seja, a cisão histórica entre diferentes ramos do saber, a qual produziu ciências parcelares, apoiadas em teorias e métodos particulares. Dessa cisão resultaram, entre outros aspectos, formas e tempos distintos de investigação, do que decorre uma evidente impossibilidade de se considerar essas grandes áreas como se fossem iguais. Isso é o que, teoricamente, o Sistema de Avaliação da Pós-Graduação da CAPES faz; teórica, mas não praticamente, como se verá mais adiante. Entre as competências do CTC-ES estão: ▪ assistir à Diretoria-Executiva na elaboração das políticas e diretrizes específicas de atuação da CAPES no tocante à formação de recursos humanos de alto nível, ao sistema de pós-graduação e ao sistema nacional de desenvolvimento científico e tecnológico; ▪ colaborar na elaboração da proposta do Plano Nacional de Pós-Graduação; ▪ opinar sobre a programação anual da CAPES na área específica da Educação Superior; ▪ opinar, na área de sua atuação, sobre critérios e procedimentos para a distribuição de bolsas e auxílio institucionais e individuais; ▪ opinar sobre acordos de cooperação entre a CAPES e instituições nacionais, estrangeiras ou internacionais na área de sua atuação; ▪ propor critérios e procedimentos para o acompanhamento e a avaliação da pósgraduação e dos programas executados pela CAPES no âmbito da educação superior; ▪ deliberar em última instância no âmbito da CAPES sobre propostas de cursos novos e conceitos atribuídos durante a Avaliação dos Programas de Pós-Graduação; ▪ propor a realização de estudos e programas para o aprimoramento das atividades da CAPES no tocante à formação de recursos humanos de alto nível, ao sistema de pósgraduação e ao sistema nacional de desenvolvimento científico e tecnológico; ▪ opinar sobre assuntos que lhe sejam submetidos pelo Presidente da CAPES; e ▪ eleger seu representante no Conselho Superior. O grifo acima diz respeito a um dos temas mais importantes entre o conjunto das atribuições da CTC-ES, posto que é a partir dele que se produz um ranqueamento nacional da pós-graduação brasileira, que classifica todos os programas de pósgraduação do país com notas entre 3 e 7, conforme exposto anteriormente. São membros do CTC-ES neste momento: - Presidente da CAPES Jorge de Almeida Guimarães (Bioquímica) - Diretor de Relações Internacionais Marcio de Castro Silva Filho (Engenharia Agronômica) - Diretor de Avaliação da CAPES Lívio Amaral (Física) - Diretor de Programas da CAPES Emídio Cantídio de Oliveira Filho (Engenharia Agronômica); e - Representantes de cada uma das grandes áreas do conhecimento, distribuídos, de forma equitativa, em três “colégios”, cada um com seis membros titulares e seis suplentes. Somam-se a esses, o representante da Associação Nacional de Pós-Graduandos – ANPG e o Representante do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e PósGraduação (Hélio Leães Hey - Engenharia Elétrica). Sendo equitativa a distribuição de membros entre os três Colégios, consideramos desnecessária a listagem dos nomes de seus respectivos integrantes, mas não a oportunidade de tecer algumas outras considerações. Como se pode notar, entre os quatro membros diretivos do CTC-ES, nenhum deles, neste momento, é originário das Ciências Humanas, embora se deva ressaltar que essa desproporção na representatividade de cada grande área do conhecimento tem variado ao longo do tempo. Importante mesmo é reconhecer que, embora “nós” sejamos a CAPES, considerando que seus membros são nossos colegas, professores e pesquisadores advindos de diversas universidades públicas brasileiras, apenas mentes ingênuas poderiam acreditar que, no caso do Sistema de Avaliação da Pós-Graduação, objeto de nossas reflexões, o jogo de forças entre “nós”, “Colégio de Humanidades”, “Colégio de Ciências da Vida” e “Colégio de Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar” é equânime. Apenas para situar um exemplo, vale destacar o peso que tem a publicação de artigos científicos tanto para as Ciências da Vida como para as Ciências Exatas, enquanto para as Ciências Humanas, a publicação em formato de livro sempre foi e continua sendo, também, de inquestionável importância. Além disso, faz-se necessário reconhecer que artigo e livro são meios de publicação de natureza bastante distinta. Enquanto artigos científicos podem ser e são usualmente utilizados para a publicação de resultados parciais de pesquisas, o livro representa, em geral, uma espécie de fechamento de um ciclo. Apesar das diferenças atinentes à essência de cada grande área de conhecimento, o Sistema de Avaliação da Pós-Graduação da CAPES tem sobrevalorizado a publicação de artigos em detrimento da publicação de livros e capítulos de livros, embora também aqui se deva reconhecer uma relativa atenuação dessa diferença nos últimos anos, resultado de um esforço particular de alguns professores/pesquisadores das Ciências Humanas que ocuparam cargos na CAPES em um passado recente. Sistema de Avaliação da Pós-Graduação e produtividade Se Albert Einstein vivesse nos dias de hoje e fosse docente em uma universidade pública brasileira seria, provavelmente, considerado um improdutivo, considerando que publicou “apenas” seis obras de caráter científico ao longo de sua vida, mesmo tendo morrido aos 76 anos6. A necessidade de se publicar ao menos um artigo por ano, segundo lógica fomentada pelo Sistema Nacional de Avaliação, contribuiu para fazer nascer uma geração de pesquisadores mais preocupados em publicar que em produzir resultados autênticos de pesquisas. No afã de cumprir com metas de publicação, não raras vezes estabelecidas pelos Programas de Pós-Graduação em que se inserem, há pesquisadores utilizando-se dos mais esdrúxulos expedientes tais como: falsa co-autoria (orientandos produzem e orientadores os obrigam a inserir seus nomes como co-autores). Outros publicam mais de uma vez o mesmo artigo, alterando apenas título e quiçá acrescentando ou subtraindo algo em uma e outra versão. Outros, ainda, enviam trabalhos para todo e qualquer tipo de encontro científico em que possam “encaixar” um texto, com a perspectiva que depois o mesmo possa ser publicado nos Anais do Evento. Provavelmente por essas razões, já existam casos de pesquisadores com 700 publicações listadas em seu currículo Lattes; uma verdadeira aberração! No caso de alunos de pós-graduação, essa distorção já chegou ao cúmulo de um doutorando enviar cartas à sessão de leitores de um jornal de grande circulação para, no caso daquelas publicadas pelo jornal, poder inseri-las em seu currículo Lattes como publicações. Tendo a pós-graduação stricto sensu brasileira crescido de forma espetacular nas últimas décadas, tornou-se praticamente impossível para o Sistema de Avaliação da CAPES avaliar, com profundidade, a qualidade de cada Programa de Pós-Graduação do país. Neste caso, a valorização do quantitativo parece ter sido a melhor saída. Talvez, 6 Reflexão construída a partir de observação feita pela Profa. Dra. Ana Cristina Fernandes (UFPE), durante reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia-ANPEGE, entre os dias 10 e 11/04/2012. também por essa razão, o produtivismo tenha se disseminado e exacerbado de forma tão importante pela pós-graduação brasileira, tornando-se uma verdadeira praga a atacar o real sentido do saber-fazer ciência. Triste fim de Policarpo Quaresma - A pós-graduação brasileira em busca de uma identidade Aqui e ali pelo Brasil afora, em reuniões ou fóruns de pós-graduação, é recorrente ouvir colegas professores/pesquisadores remeterem aos Programas de PósGraduação de que fazem parte, nominando-os por um número CAPES: “o meu Programa, nota 3”, “o meu Programa, nota 5 CAPES”....numa evidente manifestação de comprometimento de sua identidade, posto que, afinal de contas, todo Programa de PósGraduação stricto sensu tem um nome que remete a uma área de pesquisa, para muito além de um número resultante da Avaliação CAPES. Tal distorção soma-se a todas as outras discorridas ao longo desse pequeno agrupamento de reflexões o qual tem por único objetivo questionar o status quo de um modelo de avaliação cujos efeitos negativos sobre a pós-graduação brasileira são sentidos por docentes e alunos de todas as áreas do conhecimento e de todos os rincões do país. Se somos ou não a maioria, não importa; reivindicamos sim sermos “nós”, de verdade, na prática e na teoria. Assim, no rastro do idealismo daqueles que acreditam ser possível conciliar interesses, fazer da ciência um caminho para a justiça social, acreditamos na possibilidade de reverter essa lógica hegemônica vigente, a qual nos rouba preciosas horas de estudos, hoje dedicadas a preencher Relatórios e emitir pareceres de toda natureza ou, no caso de alguns, a escrever artigos “a fórcipes” no afã de assegurar uma melhor nota na Avaliação CAPES. Por fim, entre a utopia e a ousadia, propomos um novo modelo de Avaliação fundado na Solidariedade em lugar da competição e do produtivismo vigentes. E para tanto, sugerimos: • A extinção do Coleta CAPES anual (se a Capes quer saber o que fazemos, que consulte os resultados de nosso trabalho); • A realização de apenas uma avaliação por Programa a cada 3 ou 5 anos, respeitando-se o tempo lento da criação nas diferentes áreas do conhecimento; • Uma avaliação fundada em parâmetros qualitativos, resultante da análise da produção docente e discente bem como da reverberação local, regional, nacional ou internacional do Programa; • A avaliação feita por um grupo de especialistas, conjugando análise presencial e à distância; • A extinção do Sistema de Notas; avaliação fundada em Parecer Qualitativo; • A re-organização na distribuição dos recursos CAPES: mais dinheiro para os Programas que mais precisam, lembrando que aqueles atualmente considerados melhores estão mais aptos a captar recursos de outras diversas fontes. São Paulo, abril de 2012