Brasileira que vive na China conta, em livro, tudo o que
ocorre entre as “quatro paredes” mais visadas do mundo
No início dos anos 2000, a brasileira Regina Naegeli casou-se com um executivo francês transferido para a China e, literalmente, mudou de vida. Desde então, passou a viver naquele país
como “testemunha viva“ da trajetória de uma nação que cresceu
vertiginosamente e mudou os rumos do mundo. Quem não gostaria de assumir, por alguns segundos, a forma de um minúsculo inseto só para vasculhar o que realmente está por trás de toda essa
epopeia pós-moderna? Quem são, de fato, os chineses? Em quais
aspectos diferem de nós e o que podemos aprender com eles?
Regina satisfaz essas e outras curiosidades no livro que escreveu com base em sua vivência de quase uma década na China. Em
pouco mais de duzentas páginas, traça um comparativo cultural
complexo e divertido que mostra o quanto o ditado “nem tudo
é o que parece” pode ser tão preciso quanto infundado quando
se trata do milenar universo de costumes chineses. Diretamente
impactada pelo fuso horário chinês, onde voltou a viver, a autora
concedeu a entrevista abaixo em que fornece maiores detalhes
sobre a obra que acaba de lançar e seus planos para o futuro.
O seu livro traz informações relevantes sobre a China de hoje, com uma forte pitada de humor.
Que critérios a nortearam nas escolhas das passagens contadas no livro?
Regina: – O livro é o resultado de anos de vivência nesse país tão diferente quanto interessante
que é a China. Procurei analisar assuntos em relação aos quais encontrei uma real diferença entre o
Oriente e Ocidente, tanto por meio de simples constatações quanto com base em experiências vividas.
Tudo começou com uma série de emails, para amigos e familiares, compartilhando histórias engraçadas vividas na China. No fim da “temporada” de risadas, decidi organizar todos esses textos e
dividi-los por assuntos. As coisas foram evoluindo e comecei a perceber que não havia escrito sobre
tudo aquilo que julgava interessante. A partir desse momento, saí em campo refazendo o meu percurso
anterior para coletar informações.
Mas, até então, a ideia do livro ainda não havia ocorrido. Foi quando contratei uma secretaria/tradutora, que me ajudou a pesquisar, como também a entrevistar diversas pessoas. O material se tornou
tão rico, que eu não tive outra opção a não ser transformá-lo em um livro.
Eu presenciei a transformação da China e não podia deixar de retratar as experiências vividas durante quase toda a primeira década dos anos 2000. Além de compartilhar minha “saga”, acredito que
será muito útil para as próximas gerações o registro desses fatos.
Após tantos anos vivendo na China, você acredita que existe realmente uma diferença abissal
entre Oriente e Ocidente?
Regina: – Acredito, sim, que somos muito diferentes. Mesmo que a mundialização esteja aí para
diminuir essas distâncias, elas existem. E acho que devem existir mesmo. Afinal, o que seria do “verde”
se todos gostassem apenas do “amarelo”?
O que o chinês tem que o brasileiro não tem e vice-versa?
Regina: – Tudo e nada ao mesmo tempo. Tudo, porque a cultura oriental é bem diferente da
ocidental: a religião; os princípios confucionistas, nos quais a sociedade chinesa está baseada; a língua;
a escrita; as artes; a medicina; a alimentação; as festividades; as superstições; enfim, quase tudo. Por
outro lado, não há quase nenhuma diferença quando vejo os chineses sentados em banquinhos nas
calçadas, jogando cartas, bebendo uma cervejinha e discutindo com os amigos sem se preocupar muito
com o futuro.
O chinês é um povo extremamente simpático e acolhedor.
O livro traz um capítulo sobre a condição feminina na China. O fato de ser uma mulher estrangeira num país de hábitos culturais predominantemente machistas implicou alguma dificuldade para
você?
Regina: – Não senti na pele essa problemática quanto ao gênero. Nós, estrangeiros, estamos praticamente confinados numa “bolha”. Vivemos como satélites. Mesmo trabalhando, não conseguimos
entrar completamente dentro do universo deles. De sua parte, eles também nos consideram diferentes.
E, como tal, não recebemos o mesmo tratamento de um chinês comum.
Pelo que você conta no livro, rotinas triviais num país como o Brasil podem transformar-se em
verdadeiras aventuras em terras chinesas. Quais os principais riscos que o turista ocidental pode correr
e quais as precauções a serem tomadas?
Regina: – A maior barreira encontrada é a da língua. Ela é intransponível! E uma vez instalada a
incompreensão, não dominamos a sequência dos acontecimentos.
De maneira geral, a China é um país seguro. Mas, ultimamente, os consulados têm alertado muito
os turistas quanto ao aparecimento de “ladrões de carteira”, além de chineses que se passam por vendedores e levam os turistas para locais escondidos, onde, com a ajuda de cúmplices, “limpam” os bolsos
e as contas bancárias dos crédulos e desavisados. Felizmente, acho que nós, brasileiros, somos experts
neste quesito: nunca seguir um desconhecido na rua, mesmo que ele lhe prometa “mundos e fundos”.
Outro risco a não ser negligenciado é a ocorrência de acidentes e a aquisição de doenças. Nesse
caso, não tem muito a fazer, só rezar para que tudo dê certo. Uma farmácia pessoal e itinerante, como
a que eu sugiro no capítulo “Kit de sobrevivência” é muito recomendável.
Na área da saúde, os princípios da medicina chinesa parecem ser revolucionários. Quais deles
você destacaria?
Regina: – A medicina tradicional chinesa é realmente impressionante. Na minha primeira temporada no país, visando conhecer e experimentar, fiz um pouco de tudo: acupuntura, massagem, Tai
Chi, Qigong… Enfim, quase tudo sobre o quê temos um pouco de conhecimento no ocidente. Só faltou
entrar na farmácia de ervas e dos pós “de pirlimpimpim”, o que estou fazendo agora.
Para se ter ideia, eu sofro de enxaqueca desde os 9 anos e já tinha feito diversos tratamentos dentro da medicina ocidental, e até alguns pela medicina oriental, como massagem e acupuntura. Alguns
deram resultados tímidos, outros não adiantaram nada. Numa tentativa desesperada, resolvi aderir
às ervas chinesas e comecei a tomar um chá de gosto horroroso e cheiro insuportável, pela manhã e à
noite, além de uma garrafinha de um líquido medonho, como “sobremesa” do tal chá. E, pasmem, faz
quatro meses, desde que comecei a seguir esse tratamento, que as dores de cabeça se foram!
Segundo a medicina tradicional chinesa, tudo esta no qi, ou seja, na nossa energia vital. Diz a
minha medica que o meu qi estava muito fraco e, com o uso dos chás, a minha energia vital está sendo
recuperada. Eu não sou médica e tenho dificuldades de assimilar isso. Mas não posso negar que exista
uma grande verdade nessa história toda, afinal, estou conseguindo resolver um problema que a medicina ocidental, infelizmente, mostrou-se incapaz de solucionar.
Viver na China modificou sua visão de mundo de alguma forma? Quais hábitos você não tinha e
adquiriu? Ou, ao contrário, quais deixou de praticar?
Regina: – Meus familiares julgam que virei chinesa. Como as mudanças foram feitas pouco a
pouco, não tenho esse mesmo sentimento. Mas é verdade que hoje em dia adoro tomar água quente,
bebo muito chá, como de “pauzinho” e tento viver dentro do ritmo chinês: evito jantar tarde e também
durmo e acordo cedo. Por isso, eu acho que realmente meus hábitos mudaram.
Acredito que a experiência de morar em outros países aumenta a possibilidade de sermos felizes,
porque é como se carregássemos os “pequenos prazeres locais” acumulados nos locais vividos. E posso
afirmar que hoje tenho inúmeros “pequenos prazeres”.
O que sou hoje é o resultado do que aprendi com minha vida de cidadã itinerante. É a versão final
de um quebra-cabeça com inúmeras pecinhas.
Você acredita que a China é mesmo a próxima potência econômica número 1 do mundo? Como
fica a barreira do idioma na sua visão?
Regina: – Na minha visão, a supremacia econômica da China é uma evidência. E é um fenômeno
irreversível.
Eu acho que, para o mundo dos negócios, a barreira da língua é um entrave importante, mas não
intransponível. A tecnologia está se desenvolvendo muito nesse sentido, e, não podemos esquecer que
existem as famosas intérpretes.
A grande questão é quanto ao regime autoritário que vigora no país. Em se tratando de política
externa, como avançarão as relações cada vez mais estreitas entre esse sistema ditatorial e o mundo
ocidental democrático?
Você é uma expert em viagens, especialmente em relação aos países do Oriente, tendo já visitado quase todos eles. O que essa cultura milenar e (ainda) desconhecida tem a ensinar para nós?
Regina: – Eu acredito muito na troca de experiências. Todos têm alguma coisa para ensinar a
quem desejar aprender. Para nós, ocidentais, o Oriente, com sua filosofia, sua medicina, sua disciplina,
oferece uma visão bem diferente daquela a que estamos acostumados. Tudo é uma questão de estar
aberto a ver a vida sob um ponto de vista diferente.
Quais são seus planos como escritora daqui em diante? Tem novos projetos em andamento?
Regina: – Tenho o projeto de escrever um outro livro. Fui convidada pela prefeitura da cidade de
Xuzhou, onde estou morando atualmente, para escrever um livro sobre a história local. E estou começando a amadurecer a ideia junto com a minha equipe da Editora Arte do Tempo / Tempo&Memória.
Considero o meu primeiro livro uma experiência vitoriosa e pretendo seguir com essa parceria. Afinal,
em time que está ganhando não se mexe, não é verdade?
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