O que fica da consulta. Desafio interessante: o que fica de uma consulta? Interessante porque se constituí na provocação de um momento de reflexão não usual, que aparentemente não se aplica na vivência diária do consultório pediátrico. A rotina inerente ao atendimento seqüencial de pacientes, cada um com suas particularidades, praticamente encerra atos e abre outros diferentes, desconectados entre si, embora dentro do mesmo contexto do consultório. Geralmente não há tempo para inventários entre uma consulta e outra. Mas quando este tempo surge, mesmo que provocado por este desafio, algumas respostas começam a emergir e, entre elas, a mais intrigante é aquela que nos diz serem as dúvidas e as perguntas sem respostas o que mais permanece após uma consulta. Analisar uma consulta é como olhar para um mapa, no qual observamos apenas alguns dos múltiplos aspectos de uma determinada região, aqueles que seus símbolos e representações nos orientam, isto se soubermos interpretá-los. O encontro médico-paciente também está permeado por significados e simbolismos nas queixas trazidas, nas dúvidas expostas, nos sintomas registrados e nos achados clínicos. Não é importante apenas o que se fala entre médico, pais e criança, ou o significado das palavras em seu sentido literal, mas também o tom de voz e as mensagens transmitidas através das palavras, de gestos, posturas, expressões faciais e pelos silêncios. Todo médico descobre mais cedo ou mais tarde em sua trajetória profissional que ser bem sucedido depende não só de seus conhecimentos científicos, mas também, e muito, da possibilidade de estabelecer relações adequadas com aqueles que o procuram. É nesta descoberta que se percebe a diferença entre saber tratar a asma brônquica e tratar o asmático. É neste sentido que Elsa Coriat nos diz ter o ato clínico não só a ver com a máquina biológica do organismo, mas também com o sujeito capturado no sintoma e que o profissional não deveria em sua prática diária, mesmo não verbalizando ou pensando em termos psicanalíticos, ignorar esta indissociável constituição. Levando-se em conta este amplo contexto, percebe-se que de uma consulta não ficam apenas as receitas ou as orientações que os pais levam para casa, nem só os registros no prontuário médico. Mesmo quando um tratamento é bem sucedido, o que nem sempre acontece, muitas dúvidas permanecem. O profissional percebeu as omissões, o que não foi dito? Ou o que foi dito, mas não foi compreendido? Detectou a relevância dos problemas trazidos ou verbalizados e o que estava realmente envolto por estes problemas? Entendeu o porquê dos pais se mostrarem cooperativos ou não, estáveis ou não, vulneráveis ou não e o sentimento de culpa pela doença, pelo comportamento inadequado da criança e a sensação de não serem bons pais? Conseguiu desmistificar o quanto de exagero estava presente no relato destes pais (não dorme nunca, não come nada, vive doente)? E o motivo real destes exageros? Enfim, foi possível realmente ajudar? Recorro novamente a Elsa Coriat e ao que ela nos ensina: “Para ir fazendo o caminho no caminho mesmo é preciso saber muitíssimo mais do que caminhar por um caminho já feito por outros. Ainda por cima, não é o suficiente estudar tudo o que é imprescindível saber, pois o que mais importa é como, desde que lugar, cada um vai metabolizando esse saber de modo pessoal, e como e para que vai fazer uso dele”. Por isso, persiste ainda uma última e talvez mais importante questão sem resposta: e para os pais e para a criança, o que realmente ficou da consulta? Jorge Montardo Médico Pediatra.