NOTA TÉCNICA Nº 02/2014
AJUR – ASSESSORIA JURÍDICA DA FAMURS
Data: 29 de setembro de 2014.
Assunto: DECRETO DE TURNO ÚNICO. LEI MUNICIPAL QUE INSTITUI
TURNO ÚNICO. REDUÇÃO DE JORNADA. HORAS EXTRAS. PERÍODOS
ININTERRUPTOS
DO
TURNO
ÚNICO.
IMPOSSIBILIDADE.
IRREGULARIDADES. APONTAMENTOS DO TCE.
I - INTRODUÇÃO
Os prefeitos e prefeitas do Estado do RS tem manifestado nas últimas
assembleias ocorridas na Federação das Associações de Municípios do Rio Grande
do Sul - Famurs, de forma reiterada, sua constante, e neste momento mais profunda,
preocupação com a redução dos repasses federais às administrações municipais em
função de medidas de desoneração fiscal tomadas pela União. Com os descontos em
alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), tributo que compõe o
Fundo de Participação dos Municípios (FPM), são os caixas dos Municípios que
sofrem prejuízos em detrimento das providências de combate à crise do Governo
Federal.
Muitos administradores públicos, em meio à essa crise financeira, decidiram
adotar turno único para reduzir despesas e fechar as contas de suas Prefeituras. O
objetivo principal das medidas de contenção de gastos é garantir o pagamento dos
funcionários e do décimo terceiro salário.
Geralmente, a adoção das atividades em um só turno ocorre nos municípios a
partir de outubro, mas neste ano muitas administrações começaram a adotar o turno
único já no mês de agosto e, em um caso (Cruzeiro do Sul), a medida foi adotada em
junho.
Alguns municípios têm ligado para este Setor Jurídico da Famurs em busca
de informações mais claras sobre como instituir o Turno Único e quais os requisitos
e itens devem ser observados.
Em razão do acima exposto, esta Assessoria Jurídica fez um estudo e passará
a elucidar a questão a partir de agora.
II – FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
De acordo com o art. 30, da Constituição Federal, compete ao
Município legislar sobre assuntos de interesse local e, ainda, organizar e prestar,
diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de
interesse local.
Cabe, portanto, ao Município, legislar sobre esta matéria que deveria
estar disciplinada na Lei Orgânica Municipal ou em Lei Ordinária Específica.
A Lei Orgânica de todos os municípios estabelece, em determinado
artigo, o que é de competência privativa do Prefeito. Por exemplo, na Lei Orgânica
do Município de Porto Alegre, no inciso IV, do artigo 93, está disposto:
Art. 94 – Compete privativamente ao Prefeito:
(...)
IV – dispor sobre a estrutura, a organização e o funcionamento da
administração municipal;
Considerando a inexistência de Lei que determine o horário de
funcionamento da administração municipal, cabe ao Prefeito estabelecê-lo, visto ser
esta uma competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Nesse caso, o Prefeito
poderá estabelecer o horário de funcionamento através de Decreto Executivo,
estabelecendo o horário ou horários de funcionamento dos serviços públicos
municipais para atendimento ao público.
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No entanto, este horário de atendimento ao público não pode ser
confundido com a carga horária (jornada de trabalho) dos servidores públicos
municipais que desempenharão suas atividades de acordo com jornada definida na lei
de criação do seu respectivo cargo.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, XIII e XIV, reza
que:
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
(....)
XIII – duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44
semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;”
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos
ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
De acordo com o preceito acima, disposto na Constituição Federal, é
que são editadas as Leis Municipais que criam cargos dentro da administração
municipal. Portanto, o Chefe do Poder Executivo não tem competência para alterar a
carga horária dos servidores públicos municipais através de Decreto, pois decreto
não tem força de lei, é apenas regulamento e não pode alterar as leis que criaram os
cargos e prevê carga horária/jornada diferenciada entre os vários tipos de servidores
públicos.
No entanto, os(as) Prefeito(as) têm competência para utilizá-la de
acordo com as necessidades da Administração e, por esta razão, havendo interesse no
funcionamento dos serviços em turno único, nada impede que o Gestor encaminhe à
Câmara Legislativa do seu município Projeto de Lei instituindo o Turno Único e a
consequente redução temporária da jornada de trabalho dos servidores municipais.
Aliás,
quando
o
Chefe
do
Poder
Executivo
optar
pelo
encaminhamento de Projeto de Lei ao Legislativo para regular o horário de
atendimento ao público dos serviços do Município, poderá fazê-lo criando já uma
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situação especial para o atendimento durante o horário de verão, já que todos os
anos, no período entre outubro e fevereiro, temos a alteração do horário oficial de
Brasília/DF.
No que diz respeito aos serviços essenciais de saúde, não pode a
administração deixar de atendê-los integralmente, ou seja, ter atendimento ao público
em carga horária integral, sob pena de, no caso de eventual dano causado a terceiro
por falta de atendimento, o Gestor Municipal poderá incorrer em responsabilização,
nos termos do art. 37, § 6º da Constituição Federal. Situação semelhante ocorre com
o setor de ensino/educação, já que impossível estender o turno único ao mesmo.
.
Assim, fica claro que os Administradores Públicos, quando resolvem
instituir o Turno Único em suas prefeituras, deverão fazê-lo por encaminhamento de
Projeto de Lei ao Legislativo, e não por Decreto.
Vejamos um apontamento do TCE/RS ao Executivo Municipal de
Fortaleza dos Valos, que ao invés de encaminhar um Projeto de Lei ao Legislativo
para criar o Turno Único, o fez erroneamente através de Decreto:
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Além desse aspecto, há vários outros, tão importantes quanto este, que
deverão ser observados pelos(as) Prefeitos(as).
A questão de horas extras é a que mais gera apontamentos do TCE/RS
aos municípios gaúchos quando é instituído o Turno Único. Assim como já se pode
extrair da ementa do TCE acima, muitos Administradores Públicos passam a pagar
hora extra a partir da 6ª hora trabalhada, o que está extremamente errado.
Se o Município instituiu o Turno Único, com redução da jornada
diária, sem reduzir o salário do servidor público, não é admissível que, se necessário
for trabalhar além da 6ª hora do turno único, seja remunerado extraordinariamente
pela 7ª e 8ª hora, seria um bis in idem, ou seja, o Município estaria pagando duas
vezes por um mesmo período da jornada.
O TCE/RS tem sido muito claro quanto ao apontamento e devolução
ao erário dos valores pagos a título de horas extras (7ª e 8ª) em período de Turno
Único. Transcrevemos abaixo:
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Outra irregularidade na adoção do Turno Único por Decreto e/ou por
Lei, é que a medida está sendo adotada por prazo indeterminado, contrariando o
princípio norteador da Administração Pública, que é o interesse público. A adoção
reiterada de Turno Único fere diretamente o princípio da eficiência e economicidade,
que vem expressamente previsto no artigo 70 da CF/88 e representa, em síntese, na
promoção de resultados esperados com o menor custo possível. É a união da
qualidade, celeridade e menor custo na prestação do serviço ou no trato com os bens
públicos. Senão vejamos o apontamento e condenação do TCE abaixo:
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O que os Gestores Municipais podem – e devem – prever em seus
Projetos de Lei de instauração do Turno Único é um artigo que contemple a
possibilidade de renovação do prazo (por um novo determinado tempo), através de
Decreto a ser expedido por ele próprio, desde que haja um motivo que observe o
princípio da eficiência e da economicidade.
Há ainda uma corrente, dentro do TCE, que entende que, se há
redução de jornada, deve haver redução de salários, que entende que se a redução for
proporcional e constar da lei, é legal. In verbis:
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Mas como o tema é amplamente “discutível” e há inclusive no
Judiciário Brasileiro várias correntes – a que entende que há ofensa ao princípio da
irredutibilidade salarial; a que entende que se for proporcional e estiver em lei é
possível; e a que entende que pode haver redução do salário quando a redução for
editada por lei federal (à qual a legislação municipal deverá se adequar) –, apenas
alertamos à Administração Municipal que deverá ter muito cuidado ao elaborar o
Projeto de Lei que instituirá seu Turno Único. Nesse sentido as ementas abaixo:
SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. Redução da jornada de trabalho com
redução proporcional dos vencimentos pretensão ao recebimento da
diferença como horas extraordinárias. Ausência de direito legalidade e
constitucionalidade da lei municipal que assim determinou. Inexistência
de violação ao princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos.
Ação improcedente recurso do município provido e improvido o da autora.
(TJ-SP - APL: 975156520058260000 SP 0097515-65.2005.8.26.0000,
Relator: Franklin Nogueira, Data de Julgamento: 26/07/2011, 1ª Câmara de
Direito Público, Data de Publicação: 09/08/2011)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE COBRANÇA DE HORAS EXTRAS.
SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL. REDUÇÃO DA JORNADA DE
TRABALHO
DE
FISIOTERAPEUTA.
LEI
FEDERAL.
REDUÇÃO
PROPORCIONAL DOS VENCIMENTOS À JORNADA DE TRABALHO.
POSSIBILIDADE.
AUSÊNCIA
DE
OFENSA
AO
PRINCÍPIO
DA
IRREDUTIBILIDADE SALARIAL. PRETENDIDA INDENIZAÇÃO. NÃO
CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. - Se um ato administrativo
(edital de concurso público) teve como base uma Lei que não tinha
competência para legislar sobre a matéria (Lei Municipal), este deverá se
adequar à Lei competente (Lei Federal). Esta adequação, por
consequência,
produzirá
efeitos
reflexos
(diminuição
do
salário,
proporcionalmente à nova jornada). (TJ-PR - AC: 6032953 PR 0603295-3,
Relator: Paulo Habith, Data de Julgamento: 02/02/2010, 3ª Câmara Cível,
Data de Publicação: DJ: 363)
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - SERVIDORES
PÚBLICOS MUNICIPAIS - REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO - INDEVIDA REDUÇÃO
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PROPORCIONAL DE VENCIMENTOS - FERIDA A GARANTIA DA
IRREDUTIBILIDADE PREVISTA NA CARTA MAGNA - DANO MORAL
CONFIGURADO - ATUAÇÃO INCONSTITUCIONAL - ATACADO O
PRINCÍPIO
DA
SEGURANÇA
ADMINISTRAÇÃO
-
APELAÇÃO
EM
FACE
PRINCIPAL
AOS
ATOS
CONHECIDA
DA
E
IMPROVIDA - RECURSO ADESIVO CONHECIDO E PROVIDO REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. A partir do momento em
que o servidor alcançou o direito a receber determinada remuneração pelo
desempenho das funções de seu cargo nos quadros da Administração
Pública, esta não poderá alterar o valor nominal daquela remuneração,
ainda que reduza a jornada laboral através de lei. O atingimento da
dignidade dos recorrentes adesivos, na qualidade de pessoas humanas
dotadas de integridade psíquica, se deu não só em razão da perda material,
salário em espécie, mas principalmente pela afronta à legalidade, à
garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos dos servidores
públicos, como bem ressaltam nas razões de recurso adesivo, sendo cabível
a indenização requestada. (TJ-PR - APCVREEX: 3920498 PR 0392049-8,
Relator: Anny Mary Kuss, Data de Julgamento: 18/09/2007, 4ª Câmara
Cível, Data de Publicação: DJ: 7469)
Por todo o exposto, passamos às considerações.
III – CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. Considerando a forma, os Chefes do Poder Executivo Municipal, quando
pretenderem instituir o Turno Único deverão enviar Projeto de Lei à Câmara
de Vereadores do seu município para instituição do Turno Único;
2. Considerando a matéria, deverão os Administradores Municipais observar
que os serviços de caráter essencial não poderão aderir ao Turno Único;
3. Considerando a jornada dos servidores, não poderão os Prefeitos pagar hora
extra após a 6ª, sob pena de apontamento pelo TCE, aplicação de multa e
devolução dos valores ao Erário;
4. Considerando o tempo de adoção do Turno Único, deverão os Gestores
Municipais prever no Projeto de Lei um artigo com previsão de início e data
de término do Turno Único;
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5. Considerando que o objetivo da instituição do Turno Único é a redução de
gastos, deverão os Gestores Públicos observar fielmente a sua condução,
evitando assim os apontamentos do TCE, como os acima transcritos.
6. Estas são as informações que a Assessoria Jurídica da Famurs entende ser
oportuna quanto à adoção do Turno Único como medida de redução de gastos
da Administração Pública.
Porto Alegre/RS, 29 de setembro de 2014.
ELISÂNGELA HESSE
Assessora Jurídica
OAB/RS nº 54.325
Coordenadora Jurídica
Assessor Jurídico
ANA PAULA ZIULKOSKI
ESTÉDER XAVIER JACOMINI
OAB/RS 67.440
OAB/RS 71.095
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Nota Técnica sobre o Turno Único