Monitoramento da Capacidade de Carga de Estacas Hélice Contínua Durante a Perfuração Luciana Barbosa Amancio UFC, Fortaleza, Brasil, [email protected] Antonio Nunes de Miranda Consultor Independente, Fortaleza, Brasil, [email protected] RESUMO: A estaca hélice contínua é uma solução frequente nas fundações de edifícios na cidade de Fortaleza por apresentar, entre outras, a vantagem do monitoramento durante sua execução. Porém o controle do torque durante a perfuração para definição do comprimento da estaca tem apresentado inconsistências em relação ao comprimento previsto a partir do SPT. Para aprimorar o uso deste controle, está sendo proposto neste trabalho um procedimento de estimativa da quantidade de movimento realmente despendida durante a perfuração, obtida através da integração no tempo do torque aplicado no avanço do furo das estacas. Nesta proposta estão sendo utilizados os dados obtidos em sondagem a percussão, prova de carga e no registro do torque na perfuração das estacas, de uma obra em Fortaleza. O método Antunes e Cabral foi usado para estimar, a partir do SPT, a carga de ruptura da estaca com a profundidade, e o critério Van der Veen para a carga limite da prova de carga. A variação da estimativa da carga de ruptura com a profundidade e da quantidade de movimento aplicada ao longo da perfuração, juntamente com a carga limite da prova de carga, foram analisadas, concluindo-se que a quantidade de movimento aplicada durante a perfuração pode ser utilizada como elemento de análise da capacidade de carga das estacas. PALAVRAS-CHAVE: Estaca Hélice Contínua, Monitoramento, Energia, Capacidade de Carga. 1 INTRODUÇÃO A estaca hélice contínua foi desenvolvida nos E.U.A. e difundida em toda a Europa na década de 80. No Brasil foi executada pela primeira vez em 1987 com equipamentos nacionais que permitiam executar estacas de até 15m de profundidade. A partir da década de 90, o mercado brasileiro passou a importar máquinas, principalmente da Itália, com torque de 200kNm, diâmetros de hélice de até 1000mm e com capacidade para executar estacas de até 24m de profundidade (Hachich et al. 1998). Este tipo de estaca é frequentemente adotada nas fundações de edifícios na cidade de Fortaleza por apresentar, entre outras, a vantagem do monitoramento durante a execução. Braga (2009) fez um levantamento em 107 obras realizadas nos últimos cinco anos na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), apresentando características residenciais e comerciais com mais de três pavimentos, e concluiu que 39% utilizaram estacas hélice contínua em suas fundações. Juntamente com estimativas de comprimento feitas por métodos semi-empíricos baseados em ensaios SPT, na execução destas estacas, a pressão do óleo (em bar) do motor hidráulico do trado, medida no sistema de monitoramento, durante a perfuração é utilizada como ferramenta de controle para determinar a profundidade a ser atingida. Assim, quando esta pressão, aceita como uma medida do torque, atinge valores elevados, o operador do equipamento considera que alcançou a profundidade suficiente para garantir a capacidade de carga da estaca. No entanto esse controle tem resultado em profundidades inconsistentes com aquelas estimadas por métodos semi-empíricos baseados em ensaios SPT. Isto ocorre geralmente quando o subsolo apresenta camadas compactas capazes de oferecer suporte à estaca, mas que não apresentam grande dificuldade à perfuração pelo trado do equipamento. Com a finalidade de aprimorar o uso do torque como controle da capacidade de carga, está sendo proposto um procedimento simples que estima a quantidade de movimento aplicada durante a perfuração de estacas hélice contínua. Esta estimativa é feita integrando-se o torque aplicado durante a perfuração em relação ao tempo. Assim, a capacidade de carga de uma estaca testada através de prova de carga, poderia ser usada como referência para as demais estacas da obra, comparando-se as quantidades de movimento aplicada na perfuração da estaca testada com a quantidade de movimento aplicada nas demais estacas. Ou seja, a quantidade de movimento aplicada durante a execução das estacas de uma obra, comparada com a quantidade de movimento da estaca submetida à prova de carga, seria uma ferramenta de controle melhor do que a simples medida pontual do torque ao final da perfuração. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 Estaca Hélice Contínua Trata-se de uma estaca de concreto moldada “in loco”, que consiste na perfuração do solo através de uma haste formada por um trado contínuo e consequente injeção de concreto. O trado é introduzido no solo até a profundidade definida em projeto, sendo então retirado simultaneamente com a aplicação do concreto, sob pressão controlada, através da parte central do trado (Magalhães, 2005). Esse processo passou por inovações ao longo do tempo, uma delas é a monitoração eletrônica, que permite a obtenção de dados como: profundidade, tempo e a pressão do óleo (em bar). Esses dados são extraídos através de um sistema informatizado e apresentados em forma de relatório para cada estaca. Na Tabela 1 são apresentados alguns dados retirados do relatório de execução da estaca P27 E3 da obra analisada nesse trabalho. Vale ressaltar que os dados denominados de torque, nada mais são que valores da pressão do óleo no motor hidráulico, citada anteriormente, que é aceita como uma medida do torque. Tabela 1. Detalhes da Estaca Número: P27-E03 Profundidade Tempo Torque (P) 0,08 1,41 3,53 0,16 1,22 5,30 0,24 1,72 44,24 0,32 2,22 56,63 0,40 2,25 54,86 0,48 2,30 58,40 0,56 2,79 58,40 0,64 2,71 60,17 0,72 2,40 60,17 0,80 2,22 61,94 2.1 Capacidade de Carga de Estacas Hélice Contínua A capacidade de carga de uma fundação profunda é definida pela soma das cargas suportadas pelo atrito lateral e pela ponta, conforme a Equação 1: PR = PP + PL (1) Onde PR é a capacidade de carga de uma fundação profunda, PP é a parcela de carga resistida pela ponta da fundação e PL é a parcela da carga resistida pelo fuste do elemento estrutural. Os valores de PL e PP são determinados por meio das Equações 2 e 3, respectivamente: PL = U∑ rL ∆ L (2) PP = rP A P (3) Onde U é o perímetro da seção do fuste da fundação, rL atrito lateral desenvolvido entre o fuste e o solo, ∆L comprimento do fuste, rP é a resistência oferecida pelo solo na ponta do elemento de fundação, AP é a área da ponta do elemento de fundação. Para estimar a capacidade de carga de estacas, profissionais de fundações utilizam métodos semi-empíricos baseados em ensaios SPT, uma vez que este ensaio é um dos mais difundido e, na maioria dos casos, a única informação disponível. Velloso e Lopes (2010) propõem os métodos: Aoki e Velloso; Décourt e Quaresma; Antunes e Cabral; Alonso; Vorcano e Velloso e Karez e Rocha, para previsão da capacidade de carga de estacas hélice contínua. Nesse trabalho, foi usado o método de Antunes e Cabral em que a capacidade de carga de estacas hélice contínua é estimada por: PR = (β2 N)AP + U ∑ (β1 N) ∆P atingiram comprimentos variando entre 13,2 e 13,4m. (4) Onde N é o valor da resistência à penetração obtida no ensaio SPT, β1 e β2 são coeficientes de correção apresentados na Tabela 2. Tabela 2. Valores dos coeficientes β1 e β2 propostos por Antunes e Cabral (Velloso e Lopes, 2010) Solo β1(%) β2 Areia 4-5 2 – 2,5 Silte 2,5 – 3,5 1-2 Argila 2 – 3,5 1 – 1,5 Obra 1 Figura 2. Localização da obra na cidade de Fortaleza. 2.3 Quantidade de Movimento Observando-se a execução de uma estaca hélice contínua monitorada, é possível calcular a quantidade de movimento (L) aplicada na perfuração pela equação 5 conforme Halliday e Resnick (1988) L= τ dt (5) Onde τ é o torque e t é o tempo. A quantidade de movimento calculada auxiliaria na definição da profundidade a ser atingida pelas estacas hélice contínua. De maneira análoga, Silva e Carvalho (2010) propõem a medida do trabalho realizado ou da energia necessária para a escavação de cada estaca, como técnica para orientar a perfuração e indicar durante a execução se é necessário corrigir a profundidade pré-estabelecida em projeto. 3 METODOLOGIA Neste trabalho foi estimada a quantidade de movimento despendida durante a perfuração das estacas analisando o comportamento do torque aplicado. Para isso, foi escolhida uma obra que utilizou estaca hélice contínua, situada na cidade de Fortaleza (Figura 2). Nesta obra, as estacas com diâmetro igual a 500mm e carga de trabalho de 1200 kN A estimativa da quantidade de movimento foi feita integrando-se o torque ao longo do tempo, ou seja, multiplicando os valores de torque aplicado, obtidos nos relatórios de monitoramento dessas estacas, a cada intervalo de 8 cm de perfuração, pelo intervalo de tempo correspondente. Antes deste cálculo, algumas correções precisam ser feitas no relatório de monitoramento da execução das estacas. Almeida Neto e Kochen (2003) comentam que durante a perfuração, o operador do equipamento com o intuito de garantir o comprimento mínimo da estaca, “alivia” a perfuração, ou seja, com o trado em rotação, suspende a descida da composição de perfuração, para reduzir o atrito. Tal procedimento, na medida em que transporta o solo para a superfície, provoca desconfinamento do terreno e facilita o prosseguimento da perfuração. Por outro lado, este desconfinamento provoca redução na capacidade de carga da estaca. Assim, o esforço gasto nesta atividade não contribui com o avanço da perfuração nem com a capacidade de carga da estaca e precisa ser descartado no cálculo da quantidade de movimento. Para isto foi criado um critério de correção, baseado em médias móveis, para definir o tempo efetivamente gasto na perfuração, de modo a descartar os intervalos em que não houve avanço do furo. 60.000 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES A estimativa pelo método de Antunes e Cabral da carga de ruptura para profundidades de metro em metro e a carga de ruptura extrapolada pelo método de Van der Veen da prova de carga da estaca P12 E3 podem ser vistos na Figura 5. Nela também é apresentado o comportamento do torque acumulado na perfuração desta estaca para efeito de comparação graficamente. 40.000 30.000 20.000 10.000 0 0,00 3,00 6,00 9,00 12,00 15,00 18,00 Profundidade (m) 3.000 80.000 2.400 60.000 1.800 8,00 0 0,0 3,0 6,0 9,0 12,0 0 15,0 Profundidade (m) SPT PC P12 E3 Figura 5. Comportamento da Capacidade de Carga e do Torque Acumulado ao longo da profundidade da estaca P 12 E3. Nesta figura foi feito um ajuste nas escalas dos eixos verticais para que a carga ruptura coincidisse com o torque acumulado final. 7,00 6,00 5,00 4,00 2,00 1,00 0,00 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 Ln(1-P/PR) Prova de Carga P ajustado Figura 4. Carga limite por extrapolação da curva-recalque pelo Método de Van der Veen. 80.000 2.400 60.000 1.800 40.000 1.200 20.000 600 0 0,0 A prova de carga estática com carregamento lento, fornecida pela empresa Tecnord, foi executada sobre a estaca E-03 do Pilar P-12 da Torre 2 do edifício situado no bairro Parquelândia da cidade de Fortaleza-Ce. A estaca apresenta diâmetro igual à 500mm e comprimento de 13,12m. 3,0 6,0 9,0 12,0 Torque Acumulado (bar x s) 3.000 3,00 Capacidade de Carga (kN) Recalque (mm) 20.000 600 Figura 3. Exemplo de Torque acumulado x Profundidade Para a determinação da carga limite da estaca hélice contínua ensaiada na obra foi empregado o Método de Van der Veen, como mostrado na Figura 4. 40.000 1.200 Torque Acumulado (bar x s) 50.000 Capacidade de Carga (kN) Torque Acumulado (bar x s) Uma vez corrigidos estes intervalos de tempo, foi realizada a integração no tempo do torque, ao longo do avanço do furo, para estimar a quantidade de movimento aplicada na perfuração de cada uma das estacas da obra. Na Figura 3, um exemplo do resultado desta integração para uma das estacas, denominado de Torque Acumulado, é apresentado graficamente. 0 15,0 Profundidade (m) Demais P27 E3 estacas Figura 6. Comportamento do Torque Acumulado ao longo da profundidade. PC P12 E3 Na Figura 6, juntamente com a curva do torque acumulado da estaca P12 E3, são mostradas as curvas das demais estacas. Nela percebe-se a semelhança do comportamento do torque acumulado das diversas estacas. Isto sugere que a quantidade de movimento aplicada na perfuração, estimada através do torque acumulado, pode ser usado como ferramenta de controle da capacidade de carga das estacas hélice contínua. 50% 40% 30% 20% 10% 0% -10% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 -20% -30% -40% -50% Figura 7. Diferença entre o Torque Acumulado Final Médio e o Torque Acumulado Final de cada uma das estacas. A Figura 7 mostra que a diferença entre o torque acumulado final de cada estaca (ver Tabela 3) e o torque acumulado final médio do conjunto, varia entre 1 e 27%, com coeficiente de variação igual à 15,8%. ser atingida pelas estacas hélice contínua. De imediato, é possível propor que o torque acumulado na perfuração das estacas de uma obra seja utilizado como ferramenta de análise do comportamento destas estacas face aos resultados de provas de carga realizadas nesta mesma obra. E também, que naquelas obras em que uma prova de carga seja realizada antes da execução das demais estacas, o torque acumulado, juntamente com o torque pontual, seja usado pelo operador como critério de paralização da perfuração. Este trabalho faz parte da pesquisa da tese de mestrado que a primeira autora está desenvolvendo com dados de 10 obras localizadas na cidade de Fortaleza, sob a orientação do segundo autor. Os resultados obtidos até o momento respaldam estas conclusões. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à empresa GNG FUNDAÇÕES pelo fornecimento dos dados que possibilitaram a realização desta pesquisa. REFERÊNCIAS Tabela 3. Valores de Torque Acumulado Final aplicando o prodecimento proposto Torque Acumulado Final Estaca (bar x s) 1 P27 E3 52.739 2 P26 E2 50.648 3 P2 E4 52.082 4 P1 E2 60.990 5 P3 E2 78.358 6 P4 E2 72.675 7 P10 E4 53.638 8 P16 E3 68.469 9 P26 E4 53.037 10 P16 E6 62.592 11 P12 E3 74.414 12 P11 E4 59.249 5 CONCLUSÕES Os resultados apresentados nesse trabalho sugerem que o torque acumulado, como uma estimativa da quantidade de movimento aplicada na perfuração, poderá vir a ser adotado como referência na definição da profundidade a Almeida Neto, J. e Kochen, R. (2003). Estacas hélice contínua e ômega: aspectos executivos. In. http://www.geocompany.com.br, p. 88-93. Braga, V.D.F. (2009). Estudo dos tipos de fundações de edifícios de múltiplos pavimentos na Região Metropolitana de Fortaleza. 2009. 58f. Monografia de Graduação em Engenharia Civil, Centro de Tecnologia, Universidade Federal do Ceará, 58p. Hachich, W.; Falconi, F.F.; Saes, J.L.; Frota, R.G.O.; Carvalho, C.S.; Niyama, S. (1998). Fundações: teoria e prática. 2.ed, Pini, São Paulo, 758p. Halliday, D. e Resnick, R. (1988). Fundamentals of physics. 3ed. Ed. John Wiley and Sons. New York, USA, 1148p. Magalhães, P.H.L. (2005) Avaliação dos métodos de capacidade de carga e recalque de estacas hélice contínua via prova de carga. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Geotecnia, Departamento de Engenharia Civil, Universidade de Brasília, 243p. Velloso, D.A. e Lopes, F.R. (2010). Fundações: critérios de projeto, investigação do subsolo, fundações superficiais, fundações profundas. Editora Oficina de Textos, São Paulo, 568p. Silva, C.M. e Camapum de Carvalho, J. (2010). Metodologia para controle de qualidade dos estaqueamentos tipo hélice contínua – A rotina SCCAP. Revista Fundações e Obras Geotécnicas, nº 01, p. 50-57.