Pó pará, Serra!
A via do desespero pode custar caro a Serra. Além das ações judiciais, começam a circular
informações dando conta de algumas “coincidências” entre a data em que teria ocorrido a violação
do sigilo fiscal de sua filha e o período da guerra surda que travou com o ex-governador de Minas,
Aécio Neves.
Marco Aurélio Weissheimer
O corregedor-geral eleitoral, ministro Aldir Passarinho Junior arquivou nesta quinta-feira a
representação da coligação O Brasil Pode Mais, do candidato José Serra (PSDB), que pedia a
cassação do registro da candidatura de Dilma Rousseff (PT) à presidência da República. Na
representação, a coligação de Serra acusa Dilma e outras seis pessoas (o candidato ao
Senado por Minas Gerais, Fernando Pimentel, os jornalistas Amaury Junior e Luiz Lanzetta, o
secretário da Receita Federal Otacílio Cartaxo, e o corregedor-geral da Receita Federal,
Antonio Carlos Costa D’Ávila) de “usar a Receita Federal para quebrar o sigilo fiscal de
pessoas ligadas ao candidato Serra, com a intenção de prejudicá-lo em benefício da
campanha da candidata Dilma”.
Como se sabe, Serra não apresentou nenhuma prova para sustentar essa grave acusação.
Ou, nas palavras do ministro Aldir Passarinho Junior, não apresentou “concreta
demonstração” de que a candidata Dilma Rousseff teria se beneficiado dos atos. Além disso,
o ministro não reconheceu a existência de “lesividade na conduta capaz de desequilibrar a
disputa eleitoral”. Os fatos narrados, destacou ainda o ministro, podem “configurar falta
disciplinar e infração penal comum que devem ser apuradas em sede própria, que não é a
seara eleitoral”.
Mas Serra já havia atingido seu objetivo: criar um factóide que, graças aos braços midiáticos
de sua campanha, ganharam as manchetes dos grandes jornais e uma edição do Jornal
Nacional de quarta-feira que, pelo seu evidente caráter manipulatório, lembrou aquela feita
no famoso debate entre Lula e Collor. Em queda livre nas pesquisas, sem programa, sem
discurso e mudando de linha a cada semana, o candidato José Serra partiu para o vale-tudo.
Queria que o episódio ganhasse manchetes para ele usar no horário eleitoral. Conseguiu
isso. Esse é, no momento, o programa que o candidato tucano tem a oferecer ao Brasil.
A estratégia desesperada pode ter o efeito totalmente inverso ao esperado. Maria Inês Nassif
escreveu hoje no Valor:
“É tênue a separação entre uma acusação – a de que Dilma é a responsável pela quebra de
sigilo – e a infâmia, no ouvido do eleitor. Quando a onda está contra o candidato que faz a
acusação, um erro é fatal. Essa sintonia não parece que está sendo conseguida. O aumento
da rejeição do candidato tucano, desde o início da propaganda eleitoral, é alarmante.”
Pior ainda: além do aumento da já crescente rejeição ao candidato tucano, o episódio pode
expor a montagem de uma farsa (e de um crime) com cúmplices espalhados em várias
redações brasileiras. A farsa: a campanha de Dilma teria quebrado o sigilo fiscal da filha de
Serra. O crime: as acusações desprovidas de prova e fundamento dirigidas contra a pessoa
da candidata. O PT anunciou hoje que decidiu entrar com duas ações judiciais contra Serra e
uma contra o presidente do PSDB, Sérgio Guerra.
A primeira medida é uma representação no TSE, com base no artigo 323 do código que
regula as eleições. O crime previsto é imputar fato sabidamente não praticado pelo
adversário para atingir objetivos nas eleições. Neste caso, segundo José Eduardo Cardozo,
secretário geral do PT, Serra e o PSDB sabem que o PT e a campanha de Dilma Rousseff não
tiveram qualquer participação na quebra de sigilo de pessoas ligadas aos tucanos, mas assim
mesmo fazem acusações. Além desta, o partido decidiu entrar com outra ação judicial contra
José Serra por calúnia, difamação e injúria. A última medida é a representação na
Procuradoria Geral da República contra Sérgio Guerra, por crime contra a honra devido às
repetidas declarações de Guerra, acusando o PT e Dilma de serem os responsáveis por
quebras de sigilo fiscal.
A estratégia pode custar caro a Serra. Além das ações, começaram a circular informações
nesta quinta-feira, dando conta das incríveis “coincidências” entre a data em que teria
ocorrido a violação do sigilo da filha de Serra e a da guerra que o ex-governador de São
Paulo travou com o ex-governador de Minas, Aécio Neves. Essa guerra tem uma trama
novelesca, envolvendo confusões policiais em festas, acusações de agressões, chantagens e
investigações especiais realizadas pelos dois lados em disputa. Pois ambas as coisas, a
quebra do sigilo com uso de procuração falsa e o ápice da guerra Serra-Aécio ocorreram no
mesmo mês, setembro de 2009.
Conforme foi amplamente noticiado, o jornal Estado de Minas estaria, neste período,
preparando uma “investigação especial” sobre Serra. O jornalista Amaury Ribeiro Jr., que
trabalhou no Estado de Minas, anunciou o lançamento de um livro sobre os bastidores do
processo de privatizações. Esse trabalho atingiria Serra e aliados. Em novembro de 2009, o
blog de Juca Kfouri publicou uma nota afirmando que Aécio teria agredido a namorada em
uma festa. A virulência desta guerra pode ser atestada em um inacreditável artigo de Mauro
Chaves (jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor, conforme ele
mesmo se apresenta), publicado no jornal O Estado de São Paulo em 28 de fevereiro de
2009. O recado do artigo, que critica as aspirações políticas de Aécio Neves, está resumido
no título “Pó Pará, governador?” A expressão aparece na última linha de modo inteiramente
abrupto, como quem não quer nada:
O problema tucano, na sucessão presidencial, é que na política cabocla as ambições pessoais
têm razões que a razão da fidelidade política desconhece. Agora, quando a isso se junta o
sebastianismo - a volta do rei que nunca foi -, haja pressa em restaurar o trono de São João
Del Rey... Só que Aécio devia refletir sobre o que disse seu grande conterrâneo João
Guimarães Rosa: "Deus é paciência. O diabo é o contrário." E hoje talvez ele advertisse: Pó
pará, governador?
Curiosamente, o jornal O Estado de Minas, ligado a Aécio, deu pouquíssima repercussão ao
caso da filha de Serra. O mesmo ocorreu com o Correio Brasiliense. Ambos os jornais
pertencem ao mesmo grupo, os Diários Associados. Ao contrário da imensa maioria dos
jornalões brasileiros, não julgaram o tema relevante. Coisas da nossa brava imprensa, não é
mesmo?
Nada disso importa a Serra, o homem que Pode Mais. O ex-governador de São Paulo é
conhecido por isso: acredita que pode qualquer coisa. Pode? O povo brasileiro dará a
resposta. E, pegando carona na expressão do articulista do Estadão, ele poderá dizer:
Pó pará, Serra!
FONTE: Carta Maior
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