388 Está Publicado! Mostra artigos que você tem dificuldade em acreditar que possam estar publicados. Não é um “acredite se quiser”. Trata-se de artigos que alguém se perguntaria por que foram feitos, artigos que contestam verdades tidas como incontestes em medicina e publicações que beiram a irreverência científica. Apesar dos sistemas de “peer review” e de todos os cuidados que fazem parte integrante de uma revista científica, por vezes escapam algumas “pérolas”. A educação continuada também pode ser feita por meio de análise crítica do pensamento científico ou, às vezes, pseudocientífico. Jacyr Pasternak Editor Associado da einstein Phthiriasis: the riddle of the lousy disease Pediculose: o mistério da doença nojenta Bondeson J J R Soc Med. 1998;91(6):328-34. Na antigüidade foi descrita uma doença que nunca veio a ser identificada adequadamente após o inicio da medicina baseada em ciência. A medicina como ciência é algo recente na história da humanidade: Pasteur é do século 19, assim como Virchow e antes deles havia alguma evidência de ciência num mar de tradições, superstições e pura prática de feitiçaria, algo que aliás ainda é muito empregado em prática médica. A doença era uma infestação subcutânea ou até mais profunda por “piolhos”, dando abscessos que lancetados originavam “milhares de ativos insetos” com jeitão de piolhos; mas, como nota o autor, piolhos, sejam do cabelo, do corpo ou o “chato”, não são particularmente ativos. Muitos ilustres senhores e senhoras da história constam como tendo morrido dessa doença. Um deles é Herodes – o tal da matança dos inocentes – que teria sido devorado por estes insetos; outro é Antioco IV, o que é citado no Livro dos Macabeus e que igualmente teria sido vitima dessa peste; ambos porque não se portaram de acordo com as leis de Deus: essa doença, como muitas outras, era considerada uma punição einstein. 2004; 2(4):388 divina, em especial pelo horror que causava aos circunstantes. Nosso antecessor luso, Amatus Lusitanus, descreveu o caso de um nobre igualmente luso que teria sido devorado por “piolhos” que saíam do seu subcutâneo por buracos na pele. Entre as figuras históricas ditas mortas por essa doença estão Calvino (segundo um cronista católico), Ivan, o Terrível (segundo um parente de um boiardo que ele executou) e John Pym, o líder do Parlamento que votou pela morte do Rei Carlos I da Inglaterra (naturalmente por um cronista realista). Quando a Medicina chegou à época científica, algumas descrições clinicas sugeriram que essa doença existia, mas não era tão grave assim: o que está descrito são casos de pessoas com tumores que abertos dão origem a ativos insetos com jeitão de pequenas aranhas ou ácaros. Em 1865, o famoso dermatologista Hebra, professor em Viena, desafiou qualquer um a lhe mostrar um caso dessa doença – ele acreditava que eram historias da carochinha. Alguns autores tentaram confrontar o professor Hebra, mas esbarraram num único obstáculo, qual seja, nunca conseguiram levar um caso para que ele o visse. Em 1940, Oudemans publicou uma revisão histórica e ele acha que encontrou o agente da doença: seria um tipo de ácaro que usualmente afeta aves, e que é o único ácaro que penetra na pele: o Harpyrynchus. Em pássaros ele realmente faz tumores no subcutaneo, que abertos dão saída a centenas de pequenos ácaros, e alguns pássaros morrem. Nenhum caso humano foi reportado dessa doença desde 1865. Se essa doença existiu, desapareceu. Seria pelo novo costume de tomar banho com maior freqüência, introduzido por esta época? Seria porque a espécie de ácaro que parasitava o homem provocou tanta resistência que acabou sendo extinta? Será que o homem extinguiu alguma espécie de pássaro que seria o hábitat adequado para esse parasita? Isto parece ter acontecido com o vetor animal da varíola, que desapareceu deixando o homem como única espécie que o vírus da varíola pode parasitar – e talvez algo similar explique o desaparecimento desta curiosa doença.