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Mostra artigos que você tem dificuldade em acreditar que
possam estar publicados. Não é um “acredite se quiser”.
Trata-se de artigos que alguém se perguntaria por que foram
feitos, artigos que contestam verdades tidas como incontestes
em medicina e publicações que beiram a irreverência
científica.
Apesar dos sistemas de “peer review” e de todos os cuidados
que fazem parte integrante de uma revista científica, por vezes
escapam algumas “pérolas”.
A educação continuada também pode ser feita por meio de
análise crítica do pensamento científico ou, às vezes,
pseudocientífico.
Jacyr Pasternak
Editor Associado da einstein
Phthiriasis: the riddle of the lousy
disease
Pediculose: o mistério da doença nojenta
Bondeson J
J R Soc Med. 1998;91(6):328-34.
Na antigüidade foi descrita uma doença que nunca
veio a ser identificada adequadamente após o inicio
da medicina baseada em ciência. A medicina como
ciência é algo recente na história da humanidade:
Pasteur é do século 19, assim como Virchow e antes
deles havia alguma evidência de ciência num mar de
tradições, superstições e pura prática de feitiçaria, algo
que aliás ainda é muito empregado em prática médica.
A doença era uma infestação subcutânea ou até mais
profunda por “piolhos”, dando abscessos que
lancetados originavam “milhares de ativos insetos” com
jeitão de piolhos; mas, como nota o autor, piolhos,
sejam do cabelo, do corpo ou o “chato”, não são
particularmente ativos.
Muitos ilustres senhores e senhoras da história
constam como tendo morrido dessa doença. Um deles
é Herodes – o tal da matança dos inocentes – que teria
sido devorado por estes insetos; outro é Antioco IV, o
que é citado no Livro dos Macabeus e que igualmente
teria sido vitima dessa peste; ambos porque não se
portaram de acordo com as leis de Deus: essa doença,
como muitas outras, era considerada uma punição
einstein. 2004; 2(4):388
divina, em especial pelo horror que causava aos
circunstantes.
Nosso antecessor luso, Amatus Lusitanus, descreveu
o caso de um nobre igualmente luso que teria sido
devorado por “piolhos” que saíam do seu subcutâneo
por buracos na pele. Entre as figuras históricas ditas
mortas por essa doença estão Calvino (segundo um
cronista católico), Ivan, o Terrível (segundo um parente
de um boiardo que ele executou) e John Pym, o líder
do Parlamento que votou pela morte do Rei Carlos I
da Inglaterra (naturalmente por um cronista realista).
Quando a Medicina chegou à época científica,
algumas descrições clinicas sugeriram que essa doença
existia, mas não era tão grave assim: o que está descrito
são casos de pessoas com tumores que abertos dão
origem a ativos insetos com jeitão de pequenas aranhas
ou ácaros. Em 1865, o famoso dermatologista Hebra,
professor em Viena, desafiou qualquer um a lhe
mostrar um caso dessa doença – ele acreditava que eram
historias da carochinha. Alguns autores tentaram
confrontar o professor Hebra, mas esbarraram num
único obstáculo, qual seja, nunca conseguiram levar
um caso para que ele o visse.
Em 1940, Oudemans publicou uma revisão histórica
e ele acha que encontrou o agente da doença: seria
um tipo de ácaro que usualmente afeta aves, e que é o
único ácaro que penetra na pele: o Harpyrynchus. Em
pássaros ele realmente faz tumores no subcutaneo, que
abertos dão saída a centenas de pequenos ácaros, e
alguns pássaros morrem.
Nenhum caso humano foi reportado dessa doença
desde 1865. Se essa doença existiu, desapareceu. Seria
pelo novo costume de tomar banho com maior
freqüência, introduzido por esta época? Seria porque a
espécie de ácaro que parasitava o homem provocou tanta
resistência que acabou sendo extinta? Será que o homem
extinguiu alguma espécie de pássaro que seria o hábitat
adequado para esse parasita? Isto parece ter acontecido
com o vetor animal da varíola, que desapareceu deixando
o homem como única espécie que o vírus da varíola pode
parasitar – e talvez algo similar explique o
desaparecimento desta curiosa doença.
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Einstein On line vol2_n4.p65