As questões que levaram à ditadura militar
argentina (1976-1983)
Rafael Furlani
Intercâmbio Brasil-Argentina
2014
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo sofreu fortes mudanças
políticas e econômicas. Os Estados Unidos e a União Soviética, os vencedores maiores
da guerra, com ideologias opostas polarizaram o mundo atual entre países capitalistas
e socialistas no período que ficaria conhecido como a Guerra Fria. O capitalismo se
expandiu e se construiu sobre os escombros do que era a Europa, que havia sido
dominada pelo fascismo e pelo nazismo.
Os Estados Unidos já estava consolidado comoa maior economia do mundo
pré-guerra, mas foi após 1945 que se consolida o que pode ser chamado de
“Imperialismo Americano”, onde houve uma exportação da cultura americana, que se
tornou uma cultura reconhecida em diversas partes do mundo ocidental. O império
capitalista começa a partir desse momento e em 1947 é lançada oficialmente a Guerra
Fria, a partir da formulação da Doutrina Truman, um conjunto de políticas e práticas
econômicas e militares para evitar o “perigo vermelho”. Na América Latina, as
consequências dessas interferências americanas levaram a ditaduras militares que
marcaram com sangue e repressão a história do Brasil, Chile, Bolívia, Paraguai, Uruguai
e principalmente na Argentina.
Todas essas ditaduras tiveram apoio do governo americano, principalmente da
CIA, com o objetivo de impedir que os movimentos revolucionários socialistas e
comunistas da região, que estavam em ascensão, tomassem o poder. Um regime
socialista na América Latina implicaria instantaneamente no fim de qualquer ligação
econômica benéfica com os Estados Unidos, que como se pode ver no caso de Cuba e
a Revolução Popular de 1959, houve diversos boicotes e interferências para a queda
do regime socialista.
A atuação yankee na América do Sul se baseia na Operação CONDOR. Foi um
movimento de apoio financeiro, político e de outros mecanismos dos americanos em
relação às ditaduras militares que surgiam com o objetivo de aniquilar qualquer
chance de tomada de poder por um movimento socialista ou comunista. Os regimes,
além do apoio provindo da Casa Branca, trabalhavam em conjunto com as outras
ditaduras para a busca e sequestro de “subversivos” fora de seus países na America do
Sul. A relação entre os regimes se baseava nas ideias criadas pelos americanos que
ficou conhecida como a Doutrina de Segurança Nacional, que foi mais um dispositivo
político para a guerra contra a “ameaça comunista”. A verdade é que diversos militares
de todos os países envolvidos no CONDOR foram para escolas militares americanas
fora dos EUA, a United States Army Schooll of the Americas, aprender táticas de
guerra, militarismo e tortura para usar no próprio povo. O idealizador da Operação
CONDOR, Henry Kissinger, é conhecido também pelas suas atuações no Vietnã, onde
os Estados Unidos sustentaram uma guerra destrutiva, tanto financeiramente como
militarmente, com o discurso de parar o perigo comunista, tão oposto aos ideias
americanos. Kissinger é acusado de diversos crimes de guerra no Vietnã, no Timor
Leste e no Chile e Uruguai, mas sem nenhum julgamento.
A figura de Kissinger é um reflexo da política externa americana. Desde os
primórdios do Estado americano possuíam a necessidade de ser um país soberano e
livre, resultado disso é a doutrina Monroe, do inicio do século XIX, e seu lema era
“América para os americanos”. A doutrina mostra as posições americanas contra os
interesses dos países europeus sobre o Novo continente, que clamava por sua
independência. O resultado disso foi a liberdade alcançada pelos americanos iniciarem
sua política expansionista a Oeste, dizimando grande parte de sua população
autóctone, os indígenas.
Kissinger manipulou, omitiu e destorceu fatos, tornando golpes militares
sangrentos em intervenções necessárias e iniciou guerras com a desculpa de um
motivo maior, a guerra pela liberdade e a democracia. A guerra contra o comunismo
criada pelos americanos serviu de motivo para diversas intervenções no globo todo, da
América ao Oriente, passando pela África e a Europa. Na Argentina na América, os
motivos que levaram às intervenções não diferem muito dos motivos que levaram os
EUA ao Vietnã ou Afeganistão.
Para explicar o caso argentino é necessário compreender seu contexto histórico
e o período de 1973 até 1976, que marca o último regime democrático antes do golpe.
Em 1973, o povo comemorava a volta da democracia com a eleição de Hector José
Cámpora após um antecedente período militar. O povo, porém, comemorava o
retorno de Juan Domingo Perón, que após 18 anos de exílio voltava para retomar aos
grandes tempos em que ele havia comandado. Cámpora foi visto como um trampolim
para que isso se tornasse realidade. Assumindo em 25 de maio e renunciando em 13
julho, chama novas eleições para 23 de setembro. Perón volta ao país nesse período,
disputa as eleições e ganha.
Salvador Allende, juntamente com Cuba de Fidel Castro, que havia saído de
uma ditadura para pular direto numa revolução socialista, comemoravam o momento
argentino e foram ao palanque e ficaram ao lado de Perón.
Desde o princípio, porém, o general Perón deixou claramente sua proximidade
com as empresas. Seu primeiro discurso na Plaza de Mayo, da varanda da Casa Rosada,
insultou os grupos peronistas de esquerda como Montorenos e ERP, e elogiou os
sindicalistas, deixando o lado esquerdo da Plaza vazio.
O mandato de Perón, como o de Cámpora, terminou precocemente, por conta
da morte do grande líder no dia 1 de julho de 1974. Com sua morte, ficava o mito e
todo um movimento ideológico político, o peronismo, que mesmo com grandes
variações, permeia até hoje na política argentina. O sentimento da nação argentina em
grande parte era de desamparo, com a perda do “pai da nação” e o vazio deixado por
ele, vazio que já era mirado pelos militares que mal esperaram o a memória do povo
esquecer o último golpe, um pouco mais de um ano antes, de onde saíram do governo
e se exilaram dentro do quartel, longe dos olhares da sociedade.
Quem assume é sua mulher, Isabel Perón, fantoche pouco carismático que não
chegava ao alcance de Evita Perón, primeira mulher de Juan Perón e grande querida do
povo. Junto à ela, uma figura pouco conhecida que tinha parte do controle do Estado,
José Lopéz Rega, homem de confiança de Perón, que conseguiu isso graças à sua
influencia sobre Isabel. Possui relação com a logia P2, da máfia financeira do Vaticano.
Também é o criador da Triple A, a “Aliança Anticomunista Argentina”, um célula
clandestina dentro do Estado que tinha o objetivo de acabar com a oposição peronista
dos Montoneros. Esse grupo tinha o apoio financeiro e logístico da CIA, o serviço de
inteligência americano.
Mais guerrilheiros sumiram no período de seu funcionamento, entre 74 e 76,
do que no regime militar anterior, de 1966 à 1973. Os soldados desse grupo eram
todos treinados pela CIA, e andavam de Ford Falcon, de cor verde e sem placa nas
sombras da cidade. Impecáveis em seu trabalho, o grupo tinha um bom êxito em suas
tarefas, mas a resistência dos movimentos sociais apenas se radicalizava mais a cada
dia. A importância do proletariado argentino no PIB, 50%, assustava a oligarquia, e o
golpe militar aparecia novamente como a melhor opção para a manutenção dos
interesses dessa classe.
O governo de Isabel foi fortemente conturbado, marcado pelas diversas
manifestações do proletariado que exigia melhorias no salário, enquanto a inflação
chegava aos 3 dígitos. A oposição guerrilheira já estava enfraquecida, todos os grupos
estavam infiltrados com agentes duplos, era questão de tempo para a queda do
regime democrático. Na questão econômica, faltava produtos fundamentais nas
prateleiras, movimento muito parecido com o boicote empresarial que antecedeu o
golpe militar que tirou Salvador Allende do poder no Chile.
Na virada do ano de 75 para 76, já se ensaiava o golpe, tendo as Forças
Armadas total apoio da oligarquia e da alta burguesia. O apoio ao governo peronista
era nulo, nem os sindicalistas tinham alguma forma de melhorar a situação. O Partido
Comunista Argentino pedia uma intervenção cívico-militar, mas em vão, já que os
militares já estavam alinhados e relacionados, mais uma vez, com as classes
dominantes, e além deles, o apoio americano já estava lançado. O dia 24 de março de
1976, o dia pós-golpe, os jornais noticiaram uma manchete já esperada, mais não
sabiam que a ditadura que se iniciava seria a pior e mais sanguinária de sua história.
A Junta Militar, liderada por Jorge Rafael Videla, além de Héctor Orlando Agosti
e Emilio Eduardo Massera, denominaram o regime como um “Processo de
Reconstrução Nacional”, onde o ponto central era acabar com a subversão que existia,
ou seja, toda a oposição ao regime. A grande diferença desse regime militar para
todos os outros diversos que marcaram a história argentina (a média de um golpe
militar, com êxito ou não, a cada dois anos e meio) é que as três forças militares
estavam unidas e seguiam para o sucesso do regime. Os primeiros decretos proibiam
greves, manifestações, reuniões em lugar público. Além disso, um Estado com menor
influência na questão econômica, já que seus maiores aliados são os grandes
industriais.
Nos primeiros meses se vê um “alívio” no ar, já que se diminui radicalmente as
diversas manifestações populares que aconteciam constantemente no governo
democrático. Isso se dá pela operação sistemática e massiva de perseguição a todos os
subversivos. As táticas de operação foram aprendidas principalmente na Schooll of
Americas, onde os militares americanos ensinavam os militares latinoamericanos a
exterminar a ameaça comunista, além de métodos de tortura e táticas para
desaparecer com indivíduos, como a criação de centros clandestinos. Sem a prova dos
corpos, não havia como dizer se estavam mortos, e com isso, não podia haver
julgamento. Também se cria um incentivo do regime à população denunciar qualquer
atividade considerada subversiva. A ordem baseada no medo mostrou resultados no
inicio do regime, enquanto não se tinha total conhecimento das atividades ilegais e
desumanas feitas pelos militares.
Em relação às questões econômicas, a ideia do regime militar é de um Estado
mínimo, que cuide menos da economia, deixando essa tarefa para as próprias
indústrias, ensaiando o que seria o neoliberalismo de Thatcher e Reagan. Pinochet
também foi um militar latino-americano que seguiu essa vertente econômica que
interessa tanto as indústrias e os bancos. Logo no inicio do regime a Junta Militar
escolhe José Alfredo Martínez de Hoz, empresário e economista liberal. Seu plano
econômico consiste em dois problemas a serem solucionados: a classe operária,
altamente politizada e contestadora que luta por direitos trabalhistas e sociais e uma
indústria nacional fraca, dependente dos subsídios do Estado. Assim, os objetivos do
plano é disciplinar essa classe obreira e abrir a economia argentina para o comércio
exterior. Somando-se a isso, também há de se constatar as medidas impopulares que
também foram tomadas, como o congelamento dos salários por três meses no inicio
do regime com o objetivo de segurar a inflação. Isso levou a uma perda significativa do
poder aquisitivo das classes trabalhadoras. Junto a isso, uma segunda medida de
facilitar o ingresso de produtos importados no país, que competiam em posição de
igualdade com os produtos nacionais.
No ano seguinte, em 1977, se inicia um processo de reforma financeira. Se libera os
juros aos bancos e facilita a legislação em relação ao movimento de capitais
estrangeiros. O resultado é que o dinheiro exterior não se destina à produção, e sim
fica navegando na especulação financeira. Se inicia uma tendência de parte da
população a investir nessa especulação, que gera grandes lucros a curto prazo mas
agride a estrutura produtiva do país. O processo de influencia da política externa
americana é intrinsicamente ligado às mudanças econômicas que ocorrem, colocando
a Argentina no sistema capitalista numa posição de subordinada e totalmente
dependente das grandes potências capitalistas, ou seja, dos EUA.
No ano de 1978, após a polêmica vitória argentina na Copa do Mundo em sua própria
casa, o evento foi usado como propaganda para o regime, onde a imprensa
internacional já começava a comentar sobre o grande número de desaparecidos. Mas
dentro do país o título mundial aumentou a aprovação do regime militar, que no fim
do mesmo ano inicia mais uma política liberal, onde se reduz as tarifas de importação,
iniciando novamente uma onda de produtos importados no país e mais uma vez
corroendo a indústria nacional. Martínez de Hoz também implanta um programa
progressivo de baixa do preço do dólar, que leva a classe média argentina ao vício
consumista de produtos importados e viagens ao exterior. O plano parecia promissor,
mas o problema crônico da inflação argentina não se resolvera, e pior, em 1979 já se
encontrava na casa dos 160% de inflação. No mesmo ano se oficializa a estagnação da
indústria nacional, que não consegue mais competir com os produtos importados.
Diversas fábricas de pequeno e médio porte vão fechar suas portas, enquanto os
bancos aproveitam os juros baixos e a falta de legislação para concentrar capital. A
crise estoura no país inteiro, principalmente nas classes mais pobres. Martínez saí do
ministério da Economia, assumindo então Lorenzo Sigaut. Uma de suas primeiras
medidas é a desvalorização da moeda nacional em 400%, levando a mais um duro
golpe à indústria nacional. No ano seguinte o ocorre a transformação da dívida privada
das empresas em dívida pública, levando a Argentina a um impasse, já que nesse
mesmo período ocorre uma mudança na política do FMI (Fundo Monetário
Internacional), que comandado principalmente pelos EUA, para de fazer empréstimos
baratos à países latino- americanos.
Se a repressão era um problema e a economia não melhorava, apenas piorava
em relação ao já caótico governo civil anterior, existem duas respostas ao grande
tempo em que se manteve no poder. A primeira é a forma de governo onde o próprio
Estado é o perigo da nação, o terrorismo de Estado. Numa sociedade oprimida de seus
direitos, onde não pode se opor ao regime vigente e que se paga com a vida a
“subversão”, o medo é o que mantém o regime no governo. A segunda resposta é a
influência americana e da oligarquia industrial sobre esse Estado, que interveio
antidemocraticamente para atender os interesses dessas classes. Esse controle sobre o
Estado argentino se fortalece quando o governo americano apoia essa intervenção, já
que os responsáveis pelo Processo de Reorganização Nacional eram uma garantia da
guerra contra a subversão, quase sempre socialista. Assim como também é uma
garantia de uma nova política econômica liberal.
Pode-se concluir que a intervenção americana na Argentina, assim como no
Chile, serviu com o objetivo de manutenção dos interesses dos Estados dominantes no
mundo imperialista e desses grupos sociais que comandam as indústrias, que num
modelo liberalista ganham mais poder político, desfavorecendo e tirando poder das
classes oprimidas, que lutam pelos direitos sociais básicos para uma sociedade com
menos desigualdade social.
Referências bibliográficas:

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
Documentário sobre a ditadura militar argentina
(https://www.youtube.com/watch?v=ZUAte6bl7lQ)
Chomsky, Noam. Esperanzas y realidades.
Texto de Educação Cívica, da professora Maria Jazmín Ohanian.
Documentário El Golpe, de Matías Gueilburt
Documentário “Condor”, de André Henrique Figuereido
(https://www.youtube.com/watch?v=HhTjM1dj4e8)
Documentário “Memórias do Chumbo- O Futebol nos Tempos do Condor – Argentina”,
de Lucio de Castro (https://www.youtube.com/watch?v=cCb_UjiskbA)
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