Originalmente publicado na Revista TrailBlazer, 2008. A Importância de Medir o Casco Monique Craig Instituto Epona Quando o assunto é o casco do cavalo, temos uma situação única e diferente do que ocorre em qualquer outro animal no planeta. O incomum no casco do cavalo é o fato de que ele sofre mudanças significativas devido a variações climáticas, bem como diferentes estilos de casqueamento e métodos de ferrageamento. A constituição genética do casco, tipos de superfície e estilos de equitação também irão representar um papel importante na determinação de sua forma e função. Fundamentalmente, todos estes fatores irão afetar enormemente a biomecânica e integridade do cavalo como um todo. Em certo grau é provável que seja mais fácil a longo prazo ter um controle sobre métodos de treinamento e da superfície do terreno. Os elementos e os efeitos do casqueamento e ferrageamento, no entanto, podem ser um pouco mais difícil de controlar. Entre casqueamentos ou visitas do ferreiro o casco cresce, e na medida em que isto acontece, o ângulo muda freqüentemente. O clima, especialmente em condições úmidas, modifica as propriedades físicas do casco – a densidade do estojo córneo que envolve o casco pode variar enormemente quando submetido ao ambiente úmido. Todas estas coisas significam que a biomecânica do cavalo está se modificando um pouco a cada momento. O modo no qual permitimos o crescimento do casco, como é realizado o casqueamento, e o tipo de ferradura que é usada ou não, pode em longo prazo, resultar em grandes modificações na forma dos cascos e nas suas propriedades físicas. Não há realmente uma situação parecida ao que acontece. Talvez a comparação mais próxima seja caso você fosse um atleta de corrida em treinamento, mas os sapatos que você calça fossem trocados toda à hora – por um tempo eles seriam altos nos calcanhares, e de repente um dia a altura do calcanhar fosse encurtada em 1,3 cm. Ocasionalmente o par de tênis seria mais duro, outros dias seria mais macio devido a mudanças no clima. Eventualmente, durante várias semanas seu tênis fosse 1,3cm mais compridos nos dedos do pé do que há poucas semanas antes. Diante disso, um atleta humano precisaria estar constantemente compensando, e é isto que o cavalo faz. Dada esta situação singular que afeta os cavalos que amamos, podemos fazer algo que inicialmente soa um pouco estranho – podemos medir o casco! À medida que conseguimos mensurar o casco podemos ver como ele está se modificando. Caso o cavalo esteja se saindo muito bem, e se encontra confortável e saudável, pode ser uma boa idéia medir o casco e registrar os ângulos, comprimentos e outras mensurações exatas que o fazem se sentir bem. Então, alguns meses ou anos adiante, quando por razões misteriosas seu cavalo se encontre desconfortável ou mancando, você poderá fazer novas mensurações, e encontrar diferenças quando comparadas aos registros quando o cavalo estava bem. Caso você se mude ou por qualquer razão tenha que trocar de ferreiro, você pode mostrar ao novo responsável pelos cascos do seu cavalo como ele era casqueado – todos os ângulos e outras medidas que afetam a biomecânica deles! Algumas pessoas mantêm registros incrivelmente detalhados sobre seus carros – todas as trocas de óleo, e todas as revisões. Mas quando se trata do seu cavalo (que, em alguns casos, valem mais do que seu carro!) eles apenas tem chutes vagos de que “talvez os talões fossem mais baixos”, ou “talvez a pinça fosse mais comprida antes”, e não possuem nenhuma medida quantitativa sequer! É hora de levar a sério os pés do seu cavalo! Manqueiras são a segunda causa de perda de serventia no cavalo, logo atrás das cólicas, e, portanto é um problema enorme e que deixa muitos proprietários de cavalos e até mesmo profissionais desnorteados! Agora algumas palavras de precaução: Quando medindo e comparando dados, deve-se realizar alguma compensação em função das mudanças estacionais e o tipo de casqueamento e método de ferrageamento. O casco em ferraduras de metal é diferente do casco sem ferradura ou com ferraduras de acrílico. Esteja atento também que dois cascos nunca se comportarão completamente da mesma forma, ou seja, forças de carga aplicadas no casco e durante a cavalgada irão alterar o casco. Quando se trata de fazer uso de medições, é preferível objetivar por uma variação admissível ao invés de um número exato. Embora eu acredite em mensurações, não acredito que qualquer “fórmula” funcione para todos os cavalos. Não há uma fórmula que se ajuste a todos os cavalos! Em todas as mensurações que serão discutidas, não há um único valor correto que estamos procurando – no máximo podemos pensar em limites normais. Está além do âmbito deste artigo discutir todas as coisas possíveis que podem ser mensuradas, ainda que isto se limite ao casco em si. O pacote de programas Metron [1] é empregado por veterinários, casqueadores e ferradores para mensurar e documentar o casco sendo capaz de mensurar 69 mensurações diferentes para um único casco! Neste artigo, irei restringir nossa atenção para oito das mensurações mais importantes. Comprimento = 7,6 cm Comprimento = 3 cm Figura 1: O quanto em distância o casco está à frente do boleto? A situação a esquerda não é desejável. O casco a direita está melhor. A primeira coisa é começar olhando o casco externamente. Posicione o cavalo o mais estreito possível e comece verificando o aspecto lateral (de lado) do seu cavalo. Verifique se o casco está posicionado mais afastado à frente ou mais próximo do boleto. É preferível que o casco esteja posicionado abaixo da coluna óssea; isto significa que a distância da linha perpendicular ao boleto até o bulbo do casco não seja excessivamente extensa. O próximo passo que você deve verificar é uma vista frontal do membro. Idealmente, o casco deve estar posicionado paralelamente a coluna óssea; um desvio acentuado em direção para fora (aspecto lateral) ou para dentro (aspecto medial) pode ser fonte de problemas para o cavalo. Lembre que a conformação do corpo pode ser resultado do que é feito ao casco e que a maioria dos cavalos apresentam alguns defeitos naturais de conformação. O ato de forçar um visual ideal ao membro distal ou casco pode ser muito perigoso. O próximo passo é observar o casco mais de perto. A Figura 2 explica que o conceito de “extensão do apoio” – este é o comprimento do casco que sustenta o peso do cavalo. É importante, como demonstrado na Figura 3, que esta extensão do apoio esteja localizada em direção a parte posterior do casco. Na Figura 3A, o apoio do casco encontra-se muito a frente dos bulbos, enquanto que na Figura 3B o apoio está bem localizado. Vista lateral Vista sola Figura 2: Comprimento do apoio pode ser visualizado através de uma fotografia da sola ou fotografia lateral (de lado) e está indicada aqui com uma seta azul. As fotos acima são do mesmo casco em uma mesma data. A extensão do apoio é o comprimento, da pinça aos talões, do estojo do casco. Ängulo casco=46,95 Ângulo casco=52,91 Ângulo casco=42,27 Comprimento apoio=10,9cm Ângulo talão = 30,71 Comprimento apoio=13,6cm Figura 3: Estes dois cascos são similares em tamanho, mas apresentam formas distintas. O casco na Figura 3A tem menor comprimento de apoio, sendo que este apoio encontra-se muito a frente em relação aos bulbos. Podemos também visibilizar que o ângulo do casco e ângulo dos talões não são parelhos na Figura 3A. A diferença entre estes dois ângulos deveria ser menor do que 10 graus em média. O casco na Figura 3B apresenta uma conformação mais adequada. Uma mensuração básica é o ângulo do casco. Este ângulo é freqüentemente medido mecanicamente com o auxílio de um gabarito de casco. Você talvez tenha visto o ferreiro utilizando-o. Outra mensuração de interesse é o ângulo dos talões. Um ângulo pequeno é representativo de um talão baixo e comumente ocorre em animais com talões escorridos. Lembre-se de que não estamos procurando um ângulo específico, mas preferencialmente dentro de um limite. Uma coisa interessante para mim é comparar o ângulo da muralha do casco com o ângulo do talão. Caso a diferença entre o ângulo do casco e dos talões seja grande, comumente significa que toda a sola (extensão do apoio na mensuração) encontra-se diminuída. Isto não corresponde ao ideal. Após anos mensurando cascos, tenho observado que a maioria dos cavalos com um apoio satisfatório apresenta um ângulo do casco que é ligeiramente maior do que o ângulo do talão – não mais do que 10 graus de diferença. 1,8 cm 1,3cm 4,1cm 1,5cm Figura 4: O ângulo e a altura do talão são importantes, e podem mudar com o tempo. Mais importante do que encontrar um determinado valor, é a capacidade de comparar o mesmo casco ao longo do tempo. Estas imagens são do mesmo casco, que tem demonstrado alguma melhora, ainda que a altura do talão ainda esteja abaixo da média. A distância dos talões até os bulbos é muito importante. Os talões dão suporte aos bulbos. No momento em que ocorre uma distância numérica extensa entre os bulbos e talões, é muito provável que haja distorção de todo o estojo córneo. Distorções do estojo córneo irão conseqüentemente afetar a função biomecânica do casco através do deslocamento dos tecidos, afetando o alinhamento dos ossos. 3cm 2,3cm Figura 5: Este cavalo possui uma altura de talão um tanto quanto alta. Compare com as mensurações demonstradas no cavalo da Figura 4B, que é muito baixo. Talões muito baixos ou altos não são necessariamente bons para o cavalo. Talões muito baixos podem demonstrar que as estruturas internas de suporte podem estar fracas. Por outro lado, talões muito altos podem significar que a ranilha não está em contato algum com o solo. A maioria dos estudos recentes sugere que a ranilha deve contatar o solo e sustentar algum peso. 3 cm 6 cm 1.7cm 6,4 cm Figura 6: A distância entre os pontos dos talões (em vermelho) e os talões escorridos (em verde) pode ser mensurada a partir de uma fotografia da face inferior do casco. As fotografias são do mesmo casco em um período de seis meses. A largura do talão é importante. Uma largura reduzida comumente indica talões contraídos. As imagens na Figura 6 mostram fotografias do mesmo casco, antes e depois de um intervalo aproximado de seis meses. A barra horizontal em vermelho mostra que o espaço entre os pontos dos talões foram ampliados um pouco. A barra vertical em verde mostra que a distância entre os pontos do talão e os bulbos diminuiu. Ambas representam mudanças positivas para este casco, sendo que os valores resultantes se encontram em limites aceitos como mais apropriados. Aproximar todas estas mensurações com valores dentro de limites aceitáveis soma ao fato de que seu cavalo será capaz de suportar confortavelmente o seu peso e com o máximo de desempenho. Nosso objetivo é de que o estojo córneo e sola proporcionem apoio para o membro. Obviamente, observando o aspecto externo do casco não é geralmente suficiente. É muito importante realizar radiografias “preventivas” de vez em quando. A primeira radiografia a ser observada é uma projeção lateral – uma radiografia tomada do lado do casco. Descida F3 = 0.86 cm Ângulo Palmar F3 = 3.88 graus Espessura Sola = 1.27 cm Figura 7: A projeção radiográfica lateral (de lado) mostra diversos aspectos interessantes do casco. Aqui demonstraremos apenas três das mensurações mais básicas. O ângulo palmar (ângulo obtido da superfície inferior da falange distal em relação ao solo) é importante. Um ângulo palmar negativo pode significar problemas, da mesma forma que um ângulo palmar muito elevado. A profundidade da sola é outro parâmetro importante. Idealmente, um cavalo deve apresentar entre 1,27 cm a 2,54 cm de espessura de sola. Qualquer medida abaixo disto pode conduzir a dor no dígito do cavalo. A sola não é o fator primário na absorção de choque, mas representa uma parte essencial no suporte na carga aplicada sobre o casco. A sola ajuda a proteger a falange distal e isola os tecidos moles contra o frio e o calor. A “descida” da falange distal é representada pela posição do processo extensor da falange distal em relação ao topo da muralha do casco. O processo extensor é a pequena elevação no ponto mais alto da falange distal. Um valor numérico elevado para a “descida” da falange distal pode significar que a falange distal afundou dentro do estojo córneo. Lembre que os tecidos podem enfraquecer e isto pode modificar o posicionamento da falange distal no interior do estojo córneo. Graças às câmeras digitais, sistemas de radiografia digital, e softwares modernos [1], veterinários, ferreiros, e inclusive proprietários têm adquirido interesse crescente em mensurar o casco dos cavalos. Alguns veterinários com visão de futuro que apregoam o cuidado preventivo dos cascos defendem a obtenção de radiografias anuais empregando as mensurações obtidas para observação das mudanças e para ficar “em cima” do casqueamento, ferrageamento e saúde geral dos cascos [2]. Alguns ferreiros modernos carregam câmeras digitais com eles e capturam fotos calibradas antes e após o casqueamento para manter registro dos cavalos dos proprietários. [1] Metron software. www.eponatech.com [2] Mansmann, R.A., King, Christine, and Stewart, L.: How to Develop a Preventive Foot Care Program – A Model. The 46th Proceedings of AAEP, 156-161, 2000.