Provinciana e elegante ´Não chego a chamar o que houve de golpe, mas de movimento político, porque admiro muito Vargas´, afirma o advogado Thomaz Pompeu Gomes de Matos, hoje com 89 anos, referindo-se ao Estado Novo. Membro de família tradicional de Fortaleza, ele conta que, nos anos 30, a cidade era muito limitada: ´morria onde acabava a linha de bonde´, mas nem por isso era desanimada, pois contava com praças, cinemas, cafés e clubes disputadíssimos. Estudante do Colégio Universitário, da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, apesar da família influente, o jovem Thomaz Pompeu Gomes de Matos não escapou de viver uma pequena aventura, ao ser confundido com um comunista. ´Quando cheguei ao Rio, não tinha muita noção do que ocorria´, conta, destacando Nos anos 30, a vida social de Fortaleza estava limitada às praças (como a Praça do Ferreira ao lado) cinemas e clubes, freqüentados por pessoas elegantemente trajadas de branco. (Foto: Arquivo Nirez) que foi morar com o tio Caio Pompeu de Sousa Brasil, diretor geral da Central do Brasil. Era maio de 1938 quando o tio avisou que não saísse de casa porque o Movimento Integralista havia atacado o Palácio do Catete. Sem dar ouvidos, arrumou-se e pegou o ônibus Barata Ribeiro - Centro, para ir ao cinema. Durante o trajeto, um indivíduo começou a puxar conversa sobre o que estava acontecendo. Percebendo que tratava-se de um ´secreta´, disse que o assunto não o interessava e, aproveitando que estava com uma carta que o pai enviara ao ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Valdemar Falcão (há três meses na carteira), disse que estava indo ao seu encontro. Sentindo-se seguido, dirigiu-se, então, ao prédio do Ministério. ´O gabinete do ministro ficava no quarto andar, mas não fui para lá. Subi até o 20°, livrei-me da Thomaz Pompeu: ´a gente se divertia muito naquela época e não corria os riscos de hoje´ (Foto: Denise Mustafa) gravata verde para despistar e fui embora´, conta. Esse momento de pânico foi em que o jovem Thomaz mais se aproximou do Estado Novo. Depois, em 1943, liderou, em Fortaleza, um movimento para erguer o obelisco, em frente à Faculdade de Direito, em homenagem às Nações Unidas. Antes do fim da Segunda Guerra Mundial, seus pais receberam cartas e telefonemas , atribuídos a integralistas, ameaçando faze-los derrubar o monumento a picaretas. Elegantes e divertidos Nos anos 30, paletó e gravata eram usados costumeiramente, seja qual fosse a classe social. Nem mesmo no futebol o traje completo era dispensado, incluindo chapéu e bengala para os homens; e chapéu, luvas, meias e sapatos para as mulheres. ´Quem vestia com cores escuras não era visto com bons olhos. Só o Jararaca, figura popular, que pedia esmolas com uma cartola, vestia preto, e ficava furioso quando chamado pelo apelido. Então, quem vestia preto, também era chamado de Jararaca´, conta. A diversão não se resumia às retretas na Praça da Lagoinha às quartas, no Passeio Público às quintas e na Praça do Ferreira aos domingos. Rapazes e moças freqüentavam, sábado à tarde, as vesperais, no Cine Majestic e no Moderno. Na época, havia o café Nice, ao lado do Excelsior; e a sorveteria Cristal, ao lado do Cine Moderno. No cinema, os chapéus, muito elegantes, atrapalhavam, mas ninguém tirava. O pessoal que ficava na ´geral´ do Cine Majestic costumava encher uma luva branca com milho e pendurar para assustar o pessoal de baixo e, de lá, não dava para ir ao banheiro quando a sessão começava pois toda a fileira teria que levantar. Ainda tinha a sessão colosso do Majestic, quando se tinha acesso a dois filmes pelo valor de um ingresso e terminava às 11 horas. Ao final, uns iam para o café ou à sorveteria; outros corriam para os bondes. ´Eu e meus colegas costumávamos brincar nessa hora. Um fingia que estava chamando uma pessoa prestes a pegar o bonde e, quando ela ia atender, acabava perdendo´, conta. ´A ´Esquina do Pecado´, onde hoje funciona a Tok Discos, ao contrário do que se conta, revelava a transparência dos vestidos quando o sol ia se pondo, apesar de as moças usarem combinação. O vento levantava os vestidos logo mais à frente, onde hoje está o São Luiz´, explica o advogado. Fortaleza dormia cedo, por volta das 9 horas. As festas, no Clube dos Diários, Ideal e Iracema, começavam cedo e terminavam cedo. Como poucos tinham automóvel, quando se perdia o último bonde, das 11 horas, saíam em grupos pelas ruas. ´Nessa época não havia perigo algum´, lembra. Além dessas diversões, os jovens da época tinham as festas de aniversário como opção. ´Meu companheiro de banco da Praça do Ferreira, Ângelo Albano, tinha uma caderneta completa, com datas, horários e endereços. Não sei como ele fazia, mas era muito eficiente´, comenta. Entrevista - Maria Helena Rolim Capelato* ´Um dos maiores estadistas do Brasil, mas, ao mesmo tempo, controverso e contraditório´ Quem foi Vargas? Getúlio Vargas pode ser considerado um dos maiores estadistas do Brasil. No entanto, sua política é controversa porque esteve à frente de uma revolução que pôs fim à Primeira República e do golpe que estabeleceu o Estado autoritário, promotor da centralização do poder e de um projeto econômico baseado na industrialização, voltado para o mercado interno. Ao longo do Estado Novo, assumiu posições contraditórias: num primeiro momento, orientou-se por uma modelo político anti-democrático. Mas, em 1942, promoveu a entrada do País na Guerra ao lado dos Aliados, que empunhavam a bandeira da Democracia sob a liderança dos Estados Unidos. Quando foi eleito, em 1951, deu continuidade ao projeto econômico anterior, desta vez, marcado por medidas nacionalistas, no que se refere às indústrias de base, mas procurou conciliar tal a política com outra de viés liberal proposta por seus opositores. O que foi o Estado Novo? Que marca deixou? Com o golpe de novembro de 1937, estabeleceu-se, no País, um regime autoritário legitimado constitucionalmente. A nova Carta abolia as instituições democráticas (partidos políticos, eleições e demais direitos políticos). Além disso, legitimou a intervenção estatal na economia e o controle social, através de sindicatos ligados ao Estado. Vargas foi ditador ou beneficiador da classe trabalhadora? Vargas foi identificado como ditador por seus opositores. Ao promover uma política trabalhista, contou com a oposição de movimentos operários organizados que perderam a liberdade de participação política autônoma. Mas teve, também, a adesão de setores trabalhadores que se sentiram beneficiados pela legislação social. Quem foi perseguido e quem foi beneficiado por seu governo? Vargas perseguiu, sobretudo, os comunistas, mas também os operários que resistiram à nova política social. Também foram perseguidos os liberais que fizeram oposição ao Estado Novo, principalmente os paulistas que se insurgiram contra a perda de autonomia e hegemonia de São Paulo no conjunto da federação. Sentiram-se beneficiados os trabalhadores que adquiriram direitos sociais, mas também empresários, que puderam usufruir dos resultados positivos da nova política econômica. Além disso, Getúlio Vargas, ao assumir o poder em 1930, acudiu os proprietários rurais, cafeicultores, que foram atingidos pela crise de 1929. Quais são os sentimentos que Vargas desperta na população brasileira? O legado de Getúlio Vargas está, até hoje, centrado nos benefícios trazidos pela legislação trabalhista e pela política nacionalista. Os que defendem a manutenção desses direitos e preservação das empresas nacionais criadas pelo Governo Vargas, procuram preservar uma memória positiva do estadista. Os que, atualmente, defendem um novo perfil de Estado, liberal/antiintervencionista e aberto ao capital externo, apresentam uma memória negativa desse momento histórico e defendem o fim definitivo da Era Vargas. * Professora Titular do Departamento de História da USP, autora dos livros ´Os Arautos do Liberalismo. Liberalismo e Imprensa Paulista´ e ´Multidões em Cena. Propaganda política no varguismo e peronismo´ Fonte: Diário do Nordeste – 10 de novembro de 2007 – Cardeno 3