A INSPIRADORA LITERATURA DE
MARIO VARGAS LLOSA*
Maria Gonçalves Pereira (FACEQ)**
Introdução
Este trabalho de pesquisa tem como objetivo mostrar como a literatura pode
influenciar a vida de uma pessoa. Neste caso, Mario Vargas Llosa foi o alvo desta análise.
Para desenvolvê-la, foi necessária muita investigação em livros e vídeos da internet, além de
entrevistas cedidas pelo escritor a várias emissoras de TV. O resultado foi conhecer vida e
obra de uma das melhores descobertas do mundo literário. A literatura de Vargas Llosa é
mágica, inspiradora. Ora leva o leitor a viagens fascinantes, ora pode ser transplantada para a
vida real.
A vida de Mario Vargas Llosa pode ser descrita como uma novela: nasceu em
Arequipa no Peru, foi criado pelos avós maternos na Bolívia, pois seus pais se separaram
antes mesmo dele nascer e a mãe lhe disse que seu pai havia morrido. Aos dez anos de idade
sua mãe lhe conta a verdade e naquele mesmo dia ele vai conhecer seu pai. Até os dez ano foi
criado com todos os mimos por ser considerado como órfão paterno. Quando passa a viver
com o pai no Peru, conhece o outro lado da vida real, um pai tremendamente autoritário e
ditador. A partir daí, inicia uma vida mergulhada na literatura, vive experiências
extraordinárias, viagens ao espaço, viagens no tempo e tudo isso o inspira a criar seus textos.
Nas cartas que escrevia para Papai Noel, sempre pedia livros de presente. Nessa época,
conhece o trabalho dos grandes escritores mundiais e, ao mesmo tempo, escreve os seus
primeiros textos. Sem dúvida, a leitura evitou o desenvolvimento de uma frustração pessoal
na vida da pessoa que viria a ser o Prêmio Nobel de Literatura de 2010. Seu pai, contrário às
*
Artigo orientado pela Professora Ms. Elizângela Fátima Nogueira Godêncio e pelo Professor Ms. Geraldo
Carlos Barbosa, no ano de 2013.
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A autora é Licenciada em Letras pela Faculdade Eça de Queirós (Faceq – Uniesp Jandira)
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suas manifestações literárias, tenta de todas as formas desviá-lo desse caminho e, para isso, o
envia ao colégio militar Leôncio Prado. Para qualquer outra pessoa, essa nova fase de vida
seria motivo para cair na marginalidade, criaria verdadeiros traumas psicológicos. No caso de
Llosa, seu pai só contribuiu para aflorar sua verdadeira vocação; aliás, a vida no colégio
militar lhe rendeu as novelas La Ciudad de los Perros e Batismo de Fogo. Esta última obra
foi queimada no pátio do colégio Leoncio Prado por ter sido considerada como uma afronta.
Anos depois, por volta dos dezesseis anos, ele vai trabalhar com o pai e é o início da vida de
jornalista. Ao mesmo tempo, as notícias colhidas e apresentadas no jornal se tornam fontes de
inspiração para suas futuras obras.
Às vezes, a profissão de jornalista é obstáculo na vida de pessoas que desejam ser
escritores. No caso de Llosa, esse ofício só facilitou o seu desenvolvimento como escritor:
todas as suas experiências jornalísticas, se converteram em obras literárias; as pessoas citadas
nos jornais, as cenas registradas no dia a dia, situações cotidianas, viraram subsídios dos seus
livros. Sendo assim, o leitor de Tia Julia e o Escrevinhador ou Peixe na Água, pensa no ato
da leitura, em estar diante de uma novela narrada em primeira pessoa, tamanha é a facilidade
em contar as facetas e histórias da sua própria vida.
Muitos escritores, em determinadas fases da vida declararam em seus livros fatos
verídicos e isso lhes causava certo mal-estar por tornar público algo pessoal. Vargas Llosa,
não parece nem um pouco preocupado com esses detalhes, mesmo ao declarar publicamente
fatos picantes de sua intimidade sexual e familiar. Poucos escritores tiveram a coragem de
expor o fato de terem sido objeto de tentativa de sevícia. Isso ocorreu com o escritor em uma
das escolas que frequentara na adolescência. A vida desse Prêmio Nobel de Literatura pode
ser mesmo uma novela, porém, uma novela da vida real onde o contexto histórico, cultural e
econômico do seu país faz parte da sua fantástica literatura.
A literatura na vida de Mario Vargas Llosa
Jorge Mario Vargas Llosa nasceu em Arequipa em 28 de março de 1936 e foi criado
pelos avós maternos até os dez anos de idade. Sua vida envolve uma conturbada história
familiar em que seus pais são os protagonistas. Eles se separaram antes mesmo de Mario
nascer e quando recebeu a notícia do nascimento do filho, o pai tratou de pedir o divórcio que
foi realizado sem a presença dos interessados. Tudo feito por procuração. Llosa declara (1993,
p. 13):
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Fui descobrindo depois, à medida que a reconstruía com dados colhidos
daqui e dali e adendos imaginários nos locais onde não conseguisse
preencher as lacunas, havia envergonhado a minha família materna (minha
única família, na realidade) e destruído a vida de minha mãe quando ela era
pouco mais que uma adolescente.
Essa separação, aparentemente sem maiores explicações por parte do pai, causou em
sua família materna muita vergonha. Cada vez que chegavam parentes em sua casa, sua mãe
se trancava no quarto. Só saia de casa para ir à missa. Uma mulher sem marido e com um
filho pequeno era motivo de muita vergonha. Esse foi sem dúvida, o maior motivo que fez
com que seu avô Pedro aceitasse um emprego na Bolívia com um contrato de dez anos. Ao
fim desse contrato, e com a nomeação do avô para a prefeitura de Piura, toda a família retorna
ao Peru.
O fato de ser órfão, não causou nenhum trauma, ao contrário, Mario desfrutava de
muitos privilégios. Era uma criança extremamente mimada pelo avô e os tios Lucho, Juan,
Jorge e Pedro. Tantos mimos, o transformou no verdadeiro terror da família. Por ele ser tão
arteiro, a mãe o matriculou aos cinco anos de idade numa escola e rapidamente, aprendeu a
ler. Llosa diz em Peixe na Água (1993, p. 21):
Aprendi a ler pouco depois, e isso, foi a coisa mais importante de minha vida
até aquela tarde do cais Eguiguren, sossegou um pouco os meus ímpetos,
pois a leitura dos Billikens, Penecas e todos os tipos de historinhas e livros
de aventuras se transformaram e me mantinha muitas horas quieto.
O amor à leitura, não o impedia de brincar muito, de levar para casa um batalhão de
amigos para tomarem o lanche da tarde. A vida para ele era festa o ano inteiro. Era o
nascimento do grande escritor. Vovô Pedro, uma das pessoas mais apaixonada por leitura o
incentivava. Aliás, seu pai havia publicado um livro de poesias. Por isso, toda a família se
deliciava com as manifestações literárias do pequeno diabinho. Enchiam a família de orgulho.
Uma carta mudou completamente a vida do aspirante a escritor. Sua tia Orieli ficou
sabendo da nomeação do avô Pedro a prefeitura de Piura e conseguiu o endereço de Dorita.
Enviou-lhe uma carta e marcaram de se encontrarem em sua casa. Neste encontro, Dorita dá
de cara com Ernesto (pai de Mário). Com o susto, a mãe desmaiou e em poucos minutos, se
esqueceu de todo o sofrimento vivido ao lado do marido em um casamento que durara apenas
cinco meses e meio e os onze anos de mudez de Ernesto J. Vargas.
Ela jamais contou a alguém da família sobre esse reencontro, pois eles tentariam de
todas as formas persuadirem-na a desistir de tamanha maluquice. E assim, contou para o filho:
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“Você sabia, que seu pai não morreu?” (LLOSA, 1993, p. 13). O menino ficou meio zonzo e
se perguntava o tempo todo onde o pai havia estado nesses onze anos que ele pensava estar
morto. Naquele mesmo dia foi com a mãe conhecer o pai.
Daí em diante, o que aconteceu, foi a reconciliação de seus pais. Assim, o autor era
inserido no mundo real e sua vida mudou completamente a partir daquela data. Nesta nova
fase de vida, tomou conhecimento do medo, do autoritarismo, da reclusão, do ciúme, etc. Para
ele, a mãe o havia abandonado para viver com um ditador. Seu pai era extremamente violento
e, ao mesmo tempo, ciumento. Por diversas vezes, presenciou o pai investindo violentamente
contra a mãe. Seus protestos eram em vão. Claro que fazia isso na ausência de seu pai. Por
sua vez, sua mãe Dorita sempre pedia paciência ao filho.
Proibido de sair para brincar na rua como fazia quando morava com os avós e tios, ele
passava os dias trancado em seu quarto. Por várias vezes, seu pai o surrou em público. Uma
dessas surras ocorreu em num dia em que o pai o havia posto de castigo. Ele pensou que
poderia ir à missa. Errou feio. Não poderia ter ido. Ao sair da missa, o pai o levou para casa
sob socos e pontapés. Essas atitudes matavam o menino de vergonha.
Em seu quarto, escrevia poesias e lia compulsivamente. Quando não tinha dinheiro
para comprar livros e revistas, o dono da livraria emprestava livros a ele com o prazo de vinte
e quatro horas para entregar. A leitura era o refúgio para as atitudes violentas do pai. Era um
meio de passar o tempo e sofrer menos. Quando seu Ernesto tomou conhecimento das
manifestações poéticas do filho, se tornou seu principal opositor. Para ele, poesia e literatura
estavam associadas diretamente a boemia e vagabundice. Literatura era perda de tempo para
quem lia e para quem escrevia. Llosa diz (1993, p.72):
Pois eu gostava muito de ler poesia, que decorava ˗ Bécquer, Chocano,
Amado Nervo, Juan de Dios Peza, Zorilla ˗ e escrevia, antes e depois dos
deveres de casa, e de vez em quando ousava ler esses poemas, nos finais de
semana, para tia Lala, tio Juan ou tio Jorge. O fato de que meu pai pudesse
enfurecer-se comigo caso me descobrisse compondo poemas cercava o ato
de escrever poesia de uma aura perigosa e isso, evidentemente, era um
poderoso estimulante.
O escritor declarou diversas vezes em entrevista, que de certa forma, o pai o
influenciou na escolha de sua carreira como escritor. Pois, quanto mais o pai o proibia, mais
estimulo ele tinha para desafiá-lo e insistia escrevendo. Durante todo o tempo vivido ao lado
do pai, esse tentou de todas as formas afastá-lo do mundo literário e, por isso, inculcou o
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desejo de mandá-lo para o colégio militar. Essa era a seu ver, a única forma de desviá-lo de
um mundo boêmio e por fim, consertá-lo. A esse respeito diz Llosa (1993, p. 102):
Desde que fui morar com meu pai, ele não tirava uma ideia da cabeça: eu
tinha que estudar no Colégio Leoncio Prado. Ele me anunciava isso quando
ralhava comigo e quando se lamentava do fato de que me tivessem criado
como um menino mimado. Não sei se ele estava muito a par de como
funcionava o Leoncio Prado. Creio que não, pois nesse caso não teria
esperado tanto. Imaginava o mesmo que muitos pais de classe média com
filhos desordeiros, rebeldes, inibidos ou suspeitos de veadagem: que um
colégio militar, com instrutores que eram oficiais de carreira, os
transformaria em homenzinhos disciplinados, corajosos, respeitosos da
autoridade e com os colhões no lugar.
Nessa época, apesar das manifestações literárias, Mario ainda não havia decidido sua
profissão do futuro e sempre dizia que seria marinheiro. Quando o pai anunciou sua matrícula
em um cursinho preparatório para realizar os exames de admissão para o Leoncio Prado, ele
se empenhou ao máximo e foi aprovado. Com a cabeça cheia de sonhos de trabalhar em
grandes embarcações da marinha naval, ele também não sabia que o esperava pela frente. Só
tinha certeza de uma coisa: iria ficar longe do pai e isso lhe dava muita satisfação, mas a
realidade do colégio militar era ainda pior que a vida ao lado do pai.
Ao ingressar para o colégio militar, conheceu o lado obscuro da vida militar. Em seu
primeiro dia de Leoncio Prado, após o almoço, os Perros (iniciantes) seriam batizados pelos
cadetes da quarta série. Era o chamado trote, praticado em dezenas de universidades. Esses
trotes consistiam em levar os perros para o alojamento e pedir que ficassem em pé com o
tórax envergado para frente e chutassem o traseiro do companheiro da frente, tirar o pênis
para fora da calça e se masturbar, quem terminasse por último, sofria um castigo ainda maior.
No caso de Llosa, foi levado para um campo e teve de nadar de costas.
Em cenas do filme A Cidade e os cachorros (filme peruano de 1985), baseado na obra
do autor, aparecem cenas que chocam profundamente o público; os cadetes fazem com que os
perros fiquem de quatro imitando cachorros e falam: “Como os cachorros fazem quando se
encontram nas ruas? Eles brigam”. Assim, os perros teriam que brigar como verdadeiros
animais, caso não agradassem teriam que se lamber como fazem os cachorros quando se
deparam com uma cadela. O filme apresenta cenas humilhantes.
Esses batismos duravam dias. Eram cerimônias selvagens e irracionais que, sob a
aparência do jogo viril, de rito de iniciação nos rigores da vida castrense, serviam para que os
ressentimentos, invejas, ódios e preconceitos que havia dentro dos iniciantes, pudesse
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exprimir, sem inibições, um festival sadomasoquista. Esse batismo se prolongou por dias. Os
dois anos passados no Leoncio Prado foram os piores de sua vida, porém, esse par de anos foi
de grande proveito. Naqueles dias e noites cinzentas, nascia o premio Nobel de literatura de
2010. Lia e escrevia como jamais havia feito e mesmo sem saber, começou a ser (muito
embora não soubesse) um escritor.
No Colégio Leoncio Prado, quase tudo era proibido, mas, ler e escrever não eram e
Vargas Llosa lia e escrevia em todo tempo livre e nos finais de semanas que ficava recluso.
Até descobrir uma nova função: escrever cartas e poemas de amor para as namoradas dos
cadetes. Desta forma, ficava sabendo da vida dos companheiros e recebia cigarros como
pagamento. Em suas saídas, gastava todo o seu dinheiro na compra de novos livros. Além
disso, seus tios tratavam de providenciar sua fonte de distração e prazer. Nesse intervalo de
dois anos, leu todos os livros de Alexandre Dumas. Viajava nas histórias de D’artagnan e os
três mosqueteiros e também nas de outras obras de grande importância mundial.
Muitos anos mais tarde, já na fase adulta da sua vida, não teve coragem de reler esses
livros com medo de que perdessem o encanto que tiveram em sua juventude. Em Peixe na
Água, Llosa (1993, p.117) reforça seus agradecimentos:
Quase todos os seus livros haviam sido editados na coleção Tor (editora) ou
na capa de cartão escuro com capa e sobrecapa da Sopema: O conde de
Monte Cristo, Memórias de um Médico, O Colar da Rainha, A Tomada da
Bastilla e a longuíssima série dos mosqueteiros, que terminavam com os três
volumes de O Visconde de Bragelonne. O fantástico é que seus romances
tinham continuações. Quando um livro terminava, você sabia que havia
outro, outros, prolongando a historia.
Ele viajava junto com os personagens dessas obras, sofria junto com eles e assim, esse
mundo imaginário de ilusões e fantasia fazia com que sua reclusão fosse menos desastrosa e,
ao mesmo tempo, o inspirava na sua tarefa de escrever para si e para os companheiros de
colégio. Um belo dia, O Loco Cox, um dos seus companheiros, tomou de um de seus livros de
Alexandre Dumas e passou a arremessá-lo para um e outro. Mario avançou contra ele como se
a sua vida estivesse em jogo e esse foi o motivo da sua primeira briga dentro do Leoncio
Prado. Llosa relata em Peixe na água (1993, p.117):
A Dumas, aos livros que li dele, devo muita coisa que fiz e fui depois, que
faço e ainda sou. Das imagens daquelas leituras nasceu, tenho certeza, desde
aquele tempo, essa vontade de saber francês e de algum dia ir viver na
França, país que foi, durante toda a minha adolescência, meu desejo mais
caro, um país que eu associava em minhas fantasias e desejos a tudo aquilo
que eu teria gostado que a vida fosse: beleza, aventura, audácia,
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generosidade, elegância, paixões ardentes, sentimentalismo deslavado,
gestos desmesurados.
Dessa forma, a leitura pode ser não apenas uma obrigação ou um dever exigido nas
disciplinas de língua portuguesa, mas uma fonte de prazer e distração e assim, Mario Vargas
Llosa fez da literatura a sua maior e melhor arma contra o tédio, a violência, a alienação e a
ditadura do colégio militar e, posteriormente, se tornou o seu principal ofício.
Entre a ficção e a realidade
Realidade e ficção caminham lado a lado nas obras de Vargas Llosa. Em Tia Julia e o
Escrevinhador, ele conduz a narrativa com uma mescla entre a sua autobiografía e as histórias
de Pedro Camacho, um novelista boliviano. Os capítulos autobiográficos foram os que mais
deram trabalho ao escritor, pois era acometido de uma grande ansiedade para terminá-los e
passar, em seguida, para os imaginários do novelista boliviano.
Tia Julia e o Escrevinhador apresenta traços autobiográficos: Mario foi casado com
sua tia Julia Urquidi, doze anos mais velha que ele e o personagem central Varguitas se refere
a como o escritor era chamado quando criança; fala também da história das novelas de rádio,
no Peru dos anos 50. Como veem, entre a ficção e a realidade, há um mar de acontecimentos
reafirmando a literatura uma recriação da realidade, ou, a realidade como ficção. A precisão
dos fatos e falar de si mesmo foram, sem dúvida, as preocupações de Llosa nessa obra, em
que o autor mescla fatos reais e imaginários. O leitor por sua vez se depara ansioso por
terminar os capítulos imaginários para ler os autobiográficos. Ocorre uma divergência
autor/leitor. Se Mário desejava terminar rápido o capítulo autobiográfico, o leitor deseja o
contrário. É a chamada curiosidade do leitor em saber um pouco mais sobre a vida do escritor.
Após a leitura desse livro, seu pai, uma pessoa extremamente autoritária, rompeu
definitivamente com o filho. Neste livro, a realidade caminha lado a lado com a ficção em
todos os sentidos. Seja em se tratando da vida do autor, seja na realidade peruana dos anos 50.
E qual era a realidade peruana dos anos 50?
No Peru dos anos 50, as novelas radiofônicas eram um verdadeiro marco.
Exportavam-se novelas de Cuba, Argentina e México. O próprio novelista Pedro Camacho era
boliviano e atuava em Cuba quando foi contratado pelo dono da Radio Central, para escrever
e comandar o setor de radionovelas. Neste período da história do Peru, as novelas de rádio
eram a grande diversão das pessoas. Todos paravam para ouvi-las. Elas faziam parte da
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cultura do povo local. Em uma rádio, as novelas eram responsáveis por uma parcela
considerável de audiência.
Outro ponto importante do contexto histórico de Tia Júlia e o escrevinhador era o
comportamento social de época. O personagem Varguitas não era sobrinho de tia Júlia. Ela
era na verdade, cunhada do seu tio Lucho. Em uma sociedade moderna, esse fato nada teria de
novidade ou de constrangedor. Porém, para a sociedade peruana dos anos 50, isso foi motivo
de muito escândalo. Segundo Llosa escreve em Tia Julia (1977, p. 247):
A família sabia de tudo desde o começo e tinha mantido uma atitude discreta
pensando que era uma bobagem, uma coqueteria sem importância de uma
mulher desmiolada que queria acrescentar ao seu prontuário uma conquista
exótica, um adolescente. Mas como Tia Julia não tinha mais nenhum
escrúpulo em se exibir por ruas e praças com o garoto e cada vez mais gente
amiga e mais parentes descobriam esses amores ˗ até os meus avozinhos
tinham se interado, por uma intriga de tia Célia ˗ , e isso era uma vergonha,
uma coisa que deveria estar prejudicando o rapazinho (quer dizer, eu), que,
desde que a divorciada tinha lhe enchido a cabeça, provavelmente não tinha
mais ânimo para estudar, a família resolvera interferir.
Se Mario não tinha uma relação tão amável com o pai, o respeito prevalecia. Muitos
anos depois, Vargas Llosa estava morando na Europa e seus pais nos EUA, mas todas as
semanas, o escritor telefonava para a mãe, e às vezes passava férias com a família em Los
Angeles. O pai tentava a todo custo uma aproximação maior, desenvolver uma relação
afetiva, mas Llosa mantinha a distancia. Numa dessas ligações, sua mãe lhe disse que o pai
queria falar com ele a respeito de Tia Julia e o Escrevinhador. Desligou o telefone assim que
se despediu da mãe. Dias depois, recebeu uma carta do pai agradecendo por reconhecer
naquele romance que ele havia sido um pai severo, mas no fundo o fizera para seu bem.
Mario não respondeu a carta. Tempos depois, recebeu outra carta, essa era muito violenta,
acusando-o de ressentido, rancoroso e de caluniá-lo num livro sem dar-lhe chance de defesa.
“Informava-me que faria circular aquela carta entre meus conhecidos. E, efetivamente, nos
meses e anos que se seguiram eu soube que ele havia enviado dezenas de cartas, talvez
centenas de cópias a parentes e amigos e conhecidos meus no Peru” (VARGAS LLOSA,
1993, p. 334).
Após esse episódio romperam definitivamente. As descrições do livro onde narra a
caçada do pai aos pombinhos (Varguitas e Tia Julia) são absolutamente denunciadoras. A
Família estava em pânico. Todos tinham medo do pai do escritor que os perseguia armado,
caso não desistissem da loucura de casar-se. Se por um lado denuncia o autoritarismo paterno,
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por outro, evidencia o comportamento patriarcal da época. Mesmo morando com os avós,
pois, seus pais moravam nos Estados Unidos, ele devia obediência aos pais. No trecho de Tia
Julia e o Escrevinhador o autor descreve a ação do pai, quando aborda Javier (o melhor
amigo de Varguitas), à procura de informação sobre o filho. Vargas Llosa (1977, p. 357):
Tinha se aproximado dele, lívido, havia lhe mostrado o revólver, ameaçado
dar-lhe um tiro se não revelasse onde estávamos eu e tia Julia. Morto de
pânico (“até àquela hora eu só tinha visto revólver em filme, compadre”),
Javier jurou e rejurou por sua mãe que não sabia, que não me via há uma
semana. Por fim, meu pai havia se acalmado um pouco e deixado uma carta
para que me entregasse em mãos.
Um rapaz de 19 anos em uma sociedade moderna é considerado independente. Porém,
na Lima dos anos 50 era mero engano. A obediência aos pais deveria prevalecer mesmo que
para isso, fosse necessário usar uma arma de fogo. E seu pai, não teve o menor problema em
ameaçar a família Llosa caso apoiasse o romance do filho com a tia divorciada e balzaquiana.
Vinte e poucos anos depois, quando o livro foi lançado, se torna a gota d’água para o final
definitivo do relacionamento conturbado entre pai e filho. Não se sabe o que o pai ditador
pensou naquele momento. A realidade, é que ele deve ter sido tomado por uma fúria tremenda
a ponto de romper com o filho.
Além de desobediente e rebelde, Mario afrontou e feriu a honra de um pai
“preocupado em preservar o futuro do filho” e consequentemente, o expôs por meio de sua
autobiografia exibida em todas as livrarias do Peru e da America Latina. Se as atitudes de seu
pai eram ou não corretas, vale a pena lembrar, que esse era o comportamento daquela geração.
O patriarcalismo era uma característica da época. Essa autobiografia deixa evidente, o estilo
de ser de Vargas Llosa, uma pessoa descomprometida com a ditadura e o autoritarismo. Dois
pontos muito criticados em suas obras e que fizeram dele um grande escritor e cidadão
polêmico.
O estilo Vargas Llosa
Vargas não é simplesmente um escritor focado em obras de ficção. Sua arte vai além
de escrever criando uma realidade fictícia: a sua realidade se torna uma ficção. Segundo ele,
não é uma obrigação do escritor denunciar a realidade social com todas as suas truculências,
mas são o dever do cidadão estar engajado em combater injustiças, todas as formas de
ditadura e autoritarismo.
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Nem todo o escritor tem os mesmos pontos de vista de Vargas. Ele é um caso à parte.
Une em sua obra ficção e realidade. Fez junção daquilo que se afirma literatura, realidade e
história. O contexto histórico de suas obras não é meramente parte da literatura estudada à
parte, como um fragmento. Está inserido dentro de suas obras de forma indissolúvel,
inseparável, é algo muito aflorado. Mario de imediato mostra ao leitor qual é o contexto
histórico daquele momento da sua obra. Não é necessário embarcar em pesquisas profundas
para deduzir os acontecimentos mais importantes da história no momento em que escreve.
Veja como esse fato se comprova no trecho abaixo:
As duas estações de rádio pertenciam ao mesmo dono e eram vizinhas, na
Rua Belén, muito perto da Praça San Martín. Não se pareciam em nada.
Eram mais como essas irmãs de tragédia que nasce uma, cheio de graça, e a
outra, de defeitos, identificadas por seus contrastes. A Rádio Pan-americana
ocupava o segundo andar de um edifício novo, e tinha, em seu pessoal,
ambições e programação, certo ar estrangeirado e, pretensões de
modernidade, de aristocracia. Embora seus locutores não fossem argentinos,
mereciam ser. [...] a radio central, ao contrário, ficava espremida numa velha
casa cheia de pátios e desvão, e bastava ouvir seus locutores informais, que
abusava da gíria, para reconhecer sua vocação pelas multidões. Ali se
divulgava poucas notícias, a música peruana predominava. (LLOSA, 1977,
p. 10)
Percebe-se a preocupação em fazer rádio para públicos diferentes. Uma era mais
informativa voltada para o público culto, enquanto a Central se ocupava em distrair as
pessoas. Evidencia também, o grande sucesso de entretenimento do Peru dos anos cinquenta:
as radionovelas. Nesse contexto, as pessoas paravam das 14h00min às 18h00min para ouvir
as radionovelas. Em Tia Julia e o escrevinhador descreve com todos os detalhes como Pedro
Camacho elaborava as suas radionovelas: como eram reproduzidos os sons como o de um
cavalo trotando, batidas nas portas, a ventania. Enfim como os novelistas produziam esse
gênero tão famoso para a época.
Esse gênero, durante décadas mudou o estilo de vida de toda uma população. O
próprio Vargas Llosa ouvia na Rádio La Cronica as historias fantásticas de Don Quijote de La
Mancha, El Caballero Carmelo, Paco Yunque e outras obras de reconhecimento
internacional. Se as radionovelas eram no Peru dos anos cinquenta a principal fonte de
entretenimento dos peruanos, em outros países do mundo como o Brasil e Estados Unidos,
por exemplo, as telenovelas surgiram exatamente nos anos cinquenta a partir da adaptação das
radionovelas, quase sempre feitas no México e Argentina e não demorou muito para
conquistar novos fãs.
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Além de evidenciar a realidade social peruana dos anos cinquenta, esse fato denuncia
o atraso peruano frente a outros países. Segundo Genaro filho, um dos personagens do livro
“No dia que inaugurarem a televisão no Peru, não vai restar para eles outro caminho que não
seja o suicídio. Mas, a chegada da televisão ao Peru, ainda estava longe e o discreto sustento
da fauna radioteatral parecia garantido no momento” (VARGAS LLOSA, 1977, p.11).
Além de deixar explícito em suas obras o contexto histórico da época, ao leitor
sensível, também é perceptível a qualidade narrativa do escritor; ele narra como quem degusta
algo delicioso. Vargas Llosa se revela um verdadeiro contador de história. Fatos tão sem
importância, na conversão da realidade para a ficção, se tornam algo encantador. Desenvolvese no leitor atento, um sentimento de curiosidade intrigante: “O que aconteceu com Julia
após a separação? Como o escritor conseguiu sair do colégio militar?” Uma explosão de
desejo e curiosidade toma conta desse leitor.
O estilo Vargas, tem esse poder: tirar o leitor do sofá e sair em busca de novas
informações, de novos livros. Vargas Llosa sempre foi um romancista hábil, usando bem os
recursos do flashback e da mudança de foco narrativo, personagens secundários num capítulo
assumem o papel principal em outro, jogando sempre com o interesse do leitor. Uma das
particularidades de sua obra é que sua escrita transcorre com suavidade, como se ele tivesse
uma facilidade extraordinária para contar histórias. Segundo ele mesmo, é mero engano.
Para contruir um texto, livro, conto ou novela, ele escreve e reescreve várias vezes. O
resultado final, nunca é exatamente o que ele desejaria. Ao concluir uma obra, fica o
sentimento nostálgico: acabou! É estranho o fato de o escritor passar tanto tempo se
dedicando a um trabalho e após a conclusão, esse já não lhe pertence mais. É um sentimento
estranho. O escritor peruano destila toda a sua capacidade de contar uma boa história, narrá-la
de uma maneira que parece descompromissada, mas que, na verdade, carrega toda uma
bagagem social nas páginas; uma literatura compromissada, sim, compromissada a todo
instante com seu povo, seus eventos e suas particularidades. Ler Tia Julia e entender seu
contexto deixa qualquer um com uma pontinha de orgulho por ser latino-americano, no final
das contas.
O grande escritor x cidadão polêmico
Se Mario serve de orgulho para os peruanos, esse mesmo povo, talvez se orgulhe
apenas de ter o nome de seu país citado mundo afora por conta do Prêmio Nobel de Literatura
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de 2010. Sendo a sociedade peruana uma das mais conservadoras do mundo, a relação dele
com a nação é uma relação adultera. Em 1990, Mario se candidatou a presidência do país
sendo derrotado pelo candidato Alberto Fujimori num jogo sujo que envolvia entre outras
coisas, a sua literatura. Todos os dias no horário nobre da televisão peruana eram lidos trechos
do livro Elogios à madrasta, em seguida, uma bancada debatedora discutia o assunto. A
conclusão final era que Mario não poderia ser presidente por ser um pervertido.
Elogios à Madrasta narra a história de Lucrecia e dom Rigoberto, eles vivem em
perfeita felicidade. Ela, apesar de estar completando 40 anos, ainda conserva a frescura e
beleza da juventude. Ele, no segundo casamento, recuperou o gosto e prazeres da vida a dois.
Juntos, acreditam que nada pode afetar essa união e as fantasias sexuais. Entre o casal, um
empecilho: Afonso (Fonchito), o filho de dom Rigoberto. No entanto, até o garotinho foi
enfeitiçado pelos encantos da madrasta. O amor de Fonchito por dona Lucrecia, entretanto,
vai além do que se espera de uma criança, ficando entre a paixão e a inocência que mudará a
vida de cada um deles. Veja o que escreve Llosa (1988, p.15):
“Amo você muito, madrasta”, sussurrou a vozinha junto a seu ouvido. Dona
Lucrecia sentiu dois breves lábios que se detinham ante o lóbulo inferior da
orelha, aqueciam-no e o mordiscavam, brincando. Pareceu-lhe que ao
mesmo tempo em que acariciava, Alfonsito ria. Seu peito desbordava de
emoção. E pensar que as amigas tinham lhe vaticinado que este enteado seria
o obstáculo maior, que por culpa dele jamais seria feliz com Rigoberto.
De fato, esse livro não é um livro para uma sociedade puritana, cheia de preconceito.
Segundo alguns críticos literários, essa novela erótica foi escrita sob encomenda por um
amigo. Até hoje, esse suposto amigo nunca se identificou e a sociedade peruana ficou
horrorizada e espantada. Para uma sociedade conservadora como a peruana dos anos 50 e 60,
Elogios da madrasta, uma novela erótica comparada com Lolita e exposta ao público da
maneira que foi, contribuiu para a derrota do escritor aspirante a político, e caiu na cabeça dos
peruanos como um balde de água fria. Pois, não é um livro para moralistas e, sobretudo, para
uma sociedade cínica.
Para uma sociedade conservadora como a peruana dos anos 50 e 60, Elogios da
Madrasta, uma novela erótica comparada com Lolita, e exposta ao público da maneira que
foi, contribuiu para a derrota do escritor aspirante a político, caiu na cabeça dos peruanos
como um balde de água fria. Pois, não é um livro para moralista e, sobretudo, para uma
sociedade cínica. Essa derrota levou o a uma reflexão: “onde arrumaria tempo para continuar
escrevendo? _ Escrever é minha vida e o que eu sei fazer melhor”. A partir dessa reflexão, ele
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concluiu o equivoco que estava prestes a cometer e lançou seu livro Peixe na água com suas
memórias.
A derrota não causou nenhum impacto negativo a Mario como escritor. Porém,
Fujimori tentou de todas as formas sujar as páginas de sua vida pessoal. Dizia nos comícios:
“Como pode um pervertido como ele ser presidente de um país?” Após tantas acusações,
inclusive de homossexualidade, e os seguidos aborrecimentos com os políticos corruptos do
Peru, o escritor passou a ser tratado com tremenda hostilidade a ponto de pedir a cidadania
espanhola. E mais uma vez, um episódio dramático deu origem a uma nova obra: Peixe na
Água, um livro de memórias que vão desde a sua infância até a derrota de 1990, para a
presidência.
Sem fugir desse subtítulo, mais uma vez ficção e realidade se encontram, mesmo que
isso seja uma mera confusão daquele que lê. No caso, a confusão entre ficção e realidade, era
um jogo sujo de marqueteiros empenhados em derrotar o favoritismo de Vargas. Por outro
lado, ao contrário do que ele imaginava nada conhecia da realidade social do seu país. O Peru
é uma conjunção de vários povos unidos em um único lugar. É um dos países mais pobres e
atrasados do mundo, vive assolado por uma política corrupta aniquilando qualquer tentativa
de reconstrução.
Assim como de Elogios à Madrasta, Batismo de Fogo foi outra de suas obras
terrivelmente criticada pelos militares e queimada no pátio do colégio Leoncio Prado.
Segundo os militares, Mario denegriu a imagem da instituição descrevendo entre outras
coisas, o batismo dos perros e as torturas sofridas durante os dois anos que lá permaneceu. E,
não se deve esquecer que Tia Júlia e o Escrevinhador provocou a ruptura definitiva entre pai
e filho. Sua última polêmica foi criticar a política de atraso da Presidenta Cristina Kirchner.
Como podemos ver a literatura de Vargas Llosa, está diretamente ligada à vida do autor,
como com a realidade dura, pobre, corrupta, conservadora de um país oprimido por políticas
sociais voltadas somente para uma minoria e pelo terrorismo, outra moléstia peruana.
A literatura de Vargas Llosa é a história do Peru
Diversas vezes, o escritor declarou ser a literatura, uma forma de reorganizar a
desorganização da vida. De fato, ele levou isso ao pé da letra: sonhou para o povo peruano um
país onde as coisas funcionassem. O Peru vivia uma das piores crises da sua história (se é que
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algum dia o país esteve bem). As empresas pesqueiras estavam quebradas, as cooperativas
agrícolas falidas e o povo enfrentava o pior desemprego de todos os tempos.
Diante dessa situação, ele desenhou no seu imaginário como seria o Peru ideal para
um povo tão sofrido. Traçou um novo país onde teria de criar novas oportunidades de
emprego e desenvolvimento. Para isso, o país deveria abrir mão de políticas protecionistas,
abrir as portas para o mercado estrangeiro. Tanta inovação assustou o empresariado e logo
começaram a retirar o apoio ao aspirante a político. Para melhor entender a economia
Peruana, teve aulas de economia duas vezes por semana com dois grandes economistas do
Peru. Um dele seria o seu ministro, caso, ganhasse as eleições. Viajou para quatro países da
Ásia (Japão, Coréia, Taiwan e Singapura), para ver como eles se levantaram após as ruínas.
Conseguiu junto a esses governantes simpatia e apoio. Pois, esses países careciam de
recursos naturais que poderiam facilmente ser sanados numa aliança com o país latino.
Porém, dois entraves prejudicariam os investimentos estrangeiros no país: a política corrupta
e o terrorismo. O grupo Sendero Luminoso aterrorizava e derrubava a autoestima do Peru. Ao
falar com os empresários do país, sobre as suas propostas de abertura de mercado, estes
ficaram apavorados. Os representantes das indústrias automobilísticas ficaram desesperados,
“Quem ia comprar um Toyota montado no Peru, que custava 25 mil dólares, quando podia
comprar carros coreanos da Hyundai a 5 mil?” (VARGAS LLOSA, 1993, p. 260). Jamais
escondeu do empresariado que esse plano de reconstrução exigiria algum sacrifício de início,
que o sucesso não seria imediato a exemplo de Cingapura. Trinta anos antes, o país era um
pântano e hoje está rodeada de arranha-céus com butiques que não devem nada às de Paris.
Fonte de riqueza de conhecimento e distração
É possível fazer da leitura uma fonte de prazer e entretenimento. As experiências de
vida de Vargas Llosa o transformaram numa pessoa tremendamente contrária à ditadura, seja
ela política, religiosa e familiar. Essa postura foi inserida na construção de suas obras. Para
ele, a literatura é entre outras coisas, uma forma de organizar a desorganização da realidade.
Era através da literatura que ele reorganizava a desorganização da sua própria vida. Llosa
dizia que sua vida teria sido muito diferente sem a literatura. Pois, para fugir da ditadura
paterna, ele refugiava-se nos livros. Nunca se viu na vida uma pessoa falar de literatura com
tanto entusiasmo como Mário. É como se respirasse literatura, vivesse, sentisse, enfim
literatura é toda a sua vida e sem ela, seria outra pessoa. Como diz sua esposa Patrícia: Mario
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você só presta para escrever. Frase que fez todos os presentes rirem no discurso de premiação
do Nobel.
Cronologia de Vargas Llosa
Jorge Mario Pedro Vargas Llosa nasceu em Arequipa (Peru), em 28 de março de 1936,
e passou a infância na Bolívia. De volta ao Peru, estuda Direito e Letras. Sua amizade com
Gabriel Garcia Marques fez com que ele defendesse uma de suas obras (cem anos de solidão)
no curso de doutorado, realizado na França. Em 1959 vai para Madri, onde fez doutorado em
Filosofia e Letras. Muda-se para Paris, como redator da France Presse. Seu primeiro livro, Os
Chefes, é de 1959. Obtém sucesso internacional com o romance Batismo de fogo (1962),
traduzido para várias línguas. Paralelo a isso, trabalha como tradutor para a UNESCO, na
Grécia e prossegue escrevendo suas obras. Assim, lança em 1973 seu livro Pantaleón e as
visitadoras. Nos anos seguintes reside em Paris, Londres e Barcelona.
Em 1981, publica a Guerra do fim do Mundo, no qual narra a história da Guerra de
Canudos. Segundo Llosa, “escrever esse livro foi uma experiência inesquecível”, pois, teve de
viajar ao Brasil e entrevistar várias pessoas, onde se deparou com o regionalismo e o dialeto
nordestino brasileiro. Falar de uma cultura diferente da sua, não é uma tarefa das mais fáceis.
Por isso, Guerra do Fim do Mundo foi uma das obras mais difíceis de escrever. Quando
perguntam para Llosa qual sua obra preferida, ele diz ser Guerra do Fim do Mundo e
Conversas na Catedral. Foram as obras mais trabalhosas e fica um tom de decepção na feição
dele. Afinal, gostaria que fossem as duas obras, as mais lidas e, no entanto, não são. A
preferida do público, sem dúvida alguma é Tia Julia e o escrevinhador. Todos se perguntam,
quais foram os motivos que levaram um peruano a escrever sobre uma obra onde trata da
realidade de outro país? A resposta é simples, Mario foi convidado pelo cineasta Rui Guerra
para escrever o roteiro de um filme baseado em Os sertões de Euclides da Cunha. Esse filme,
jamais viria a ser concluído.
A experiência de escrever o roteiro de um filme que ficou engavetado, não foi algo
decepcionante e nem mesmo perda de tempo, pois lhe rendeu um dos seus melhores
romances: A Guerra do fim do mundo. Como se diz por aí, de um limão, ele fez um limonada,
pois, o fato despertou nele uma grande curiosidade em conhecer um pouco mais sobre a
Guerra dos Canudos e embarcou nessa nova tarefa. Sendo Vargas, um escritor meticuloso que
é, não se pode esperar dele uma obra superficial; embarcou numa pesquisa profunda , viajou
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para o sertão brasileiro, e se deparou com dois aspectos inseparáveis: literatura e história.
Conheceu a realidade da guerra, entrevistou muitas pessoas e conheceu outras ligadas ao
acontecimento. No início, houve certa resistência das pessoas em falar sobre o assunto, até
conhecer um historiador e profundo conhecedor da Guerra dos Canudos. Além disso,
conheceu uma parte da realidade social, a cultural de um país extremamente diversificado em
todos os seus aspectos e ficou cara a cara com as diferenças sociais e regionais do Brasil.
Volta ao Peru em 1983 e concorre às eleições presidenciais (chegou ao segundo
turno). Porém, Fujimori usa cenas de uma das obras de Vargas para derrotá-lo nas urnas.
Segundo ele, a literatura foi uma faca de dois gumes; “perdi a eleição e fui inserido de volta
ao meu habitat natural (livros e papéis)”. Todos os dias no horário nobre, a TV peruana exibia
um capítulo do seu livro Elogios da Madrasta, uma novela erótica. Se esse episódio fez dele
um perdedor nas urnas, nas livrarias ele bateu recordes de venda. Todos queriam conhecer a
novela erótica e experimentar de capítulos não expostos na TV. A novela, virou febre
peruana. Elogio da madrasta, com o tema polêmico e suas reminiscências, pode ser vista
como uma novela erótica. Mario Vargas Llosa emprega a costumeira prosa elegante em
primeira, segunda e terceira pessoas, e, em um experimento que funciona excepcionalmente
bem, mescla capítulos que contam a história de dom Rigoberto, Lucrecia e Alfonso, com
capítulos cujo ponto de partida é uma obra de arte: assim, ora com vislumbres do núcleo
familiar pouco ortodoxo, ora narrando cenas aleatórias evocadas pelas imagens, Vargas Llosa
compõe um todo que é ao mesmo tempo perfeito e premeditadamente inconclusivo.
Considerações finais
Entre os muitos títulos de ficção de Vargas Llosa, jornalismo e ensaios, cabe
mencionar os mais recentes: a linguagem da paixão (2002) e Paraíso na Outra Esquina
(2003). O conjunto de toda a sua obra lhe valeu em 2010 o Prêmio Nobel de Literatura. De
acordo com a Academia Sueca que concede o prêmio, o autor recebeu o prêmio “por sua
cartografia de estruturas de poder e imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota
individual”. A vida de Vargas Llosa é uma novela interminável: de criança mimada e
chorona, ao lado do pai passa a se dedicar exclusivamente à leitura e escrita como forma de
refúgio.
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Referências bibliográficas
VARGAS LLOSA, Mario. Peixe na água. Companhia das Letras: São Paulo, 1993.
________________. Tia Júlia e o escrevinhador. Folha de São Paulo: São Paulo, 1977.
________________. Elogio à madrasta. Francisco Alves: Rio de Janeiro, 1988.
________________. Desafíos a la libertad. Madrid: El País/Aguilar, 1994.
RODA VIVA (13/5/2013). Entrevista ao programa, disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=qHCLGsvNsBQ&feature=share Acessado em maio de
2013.
A CIDADE E OS CACHORROS. La ciudad y los perros (Peru, 1985).
Filme disponível em: http://youtu.be/RCT79BdF-tE . Acessado em maio de 2013.
DOCUMENTAL. Mario Vargas Llosa: el inconquistable. disponível em:
http://youtu.be/RY1BrKAnlLo . Acessado em maio de 2013.
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1 - A Inspiradora Literatura de Mario Vargas Llosa