2 Copyright © 2011 by Li Mendi Mendi, Li, 1985 Aurora / Li Mendi. – Rio de Janeiro. História de amor. 2. Ficção brasileira. I. Título Todos os direitos reservados à autora. Criação de capa: Rodrigo Ribeiro, Agência 2RD. Site: limendi.com.br E-mail: [email protected] Facebook: Escritora Li Mendi Twitter: @limendi Autora Oi, Leitores. Podem me chamar de Li. Sou Jornalista, Publicitária, Escritora e Geminiana. Meu grande prazer é escrever romances. Eles começam na internet e terminam na prateleira, na cabeceira e na tela dos tablets e celulares de leitores de todo o Brasil. Trabalho com Comunicação durante o dia e escrevo diariamente, à noite, em meu site. A criação é conjunta com meus leitores, pois cada opinião, comentário ou sugestões são levados em consideração para elaboração das estórias. Espero que você se divirta muito com esse livro e entre em contato depois para me dizer se curtiu. Combinado? Aurora Li Mendi 4 Sinopse Aurora mora em uma pequena cidade no ano de 3010 e guarda um segredo sobre sua natureza, não pode receber partes biônicas em seu corpo, nem modificá-lo pra retardar sua morte. Como os antigos humanos, é frágil e precisa se cuidar pra passar desapercebida entre os superhumanos que estudam em sua escola. Só que a tarefa fica mais difícil quando Douglas aparece na pequena cidade e chama a atenção das supermeninas, perfeitamente preservadas pela avançada tecnologia cosmética da qual Aurora não pode tomar mão. Um livro que vai te emocionar com a força do amor que dura apenas uma curta e breve vida. Aos meus leitores sempre, pelo amor com que recebem minhas estória. Aurora Li Mendi 6 1 Mortalmente atingida (Aurora) A fome não vinha, tinha que forçar, como chuva que precisamos produzir quando o período de seca é longo. Eu era uma garota normal de 18 anos. Esse era todo o problema: normal entre os superhumanos significava ter o dobro de cuidado que eles, já nascidos com gens mapeados para terem os melhores remédios, produtos de beleza e todo tipo de benefício do avanço da natureza. Eu precisava me acostumar com a fome para parecer sempre magra e bonita e ninguém na escola me descobrir. Parece que meu pai leu meus pensamentos quando comprimi meus lábios por alguns segundos ao fitar o copo de leite. Seus dedos deslizaram sobre o tampo da mesa e empurraram o recipiente de vidro, forçando que eu o considerasse: -Beba, Aurora. Você precisa. _lembrou-me. Virei o rosto para o lado. As flores rosas estavam lindas brotando no jardim em plena primavera, mas não era por elas que um sorriso distraía meus lábios. A mensagem codificada do meu pai sobre a importância do cálcio para o meu corpo humano era por enquanto exagerada. Com tanta juventude, não tinha que preocupar com artrose, artrite, etc. Mas, desde pequena ele me adiantava a memória do futuro. _Por nós! Aurora? _ agora era a voz da minha mãe, facilmente se deliciando com uma torrada coberta de geléia. Sua beleza impecável aos 40 anos em deixavam em dúvida, se sozinha, por minha própria genética, conseguiria tal feito. Minha mãe já fizera tantas intervenções cirúrgicas pra ser perfeita que pensei por um momento não ser fácil pra ela também. _ Querida, precisa se cuidar, está estranha há uma semana. Alguém lhe falou algo na escola, descobriram que não é nossa filha biológica, que você não pode receber modificações...? _desesperou-se. _Não! _respondi, minha voz saindo mais alto do que costume por falta de medida. Afaguei-lhe a mão. Jamais gostaria que se sentisse aflita pela possibilidade de que eles me achassem e fizessem mal. _Eu estou perfeitamente disfarçada. Vou conseguir me formar. Estou com ótimas notas. _peguei o copo e caminhei até a pia rapidamente. Engoli de uma só vez, sem respirar e bati a base de vidro no granito. Só eu sabia o esforço que tinha que fazer para estudar dezenas de vezes mais que meus colegas, apenas para parecer mediocremente habilitada a passar de ano. Eu não podia contar com os chips implantados atrás da minha orelha para buscar toda a gama de informações na nuvem da internet a qualquer hora. _Eu não estou preocupado com sua bolsa, sou o professor de lá e não fariam isso comigo. _ meu pai respondeu, levantando-se com o jaleco branco já abotoado e pasta na mão. _Eu só não quero que ninguém a machuque... _Está tudo ótimo. _apoiei as mãos atrás de mim na pia e mordi os lábios._ Mesmo! _reafirmei. _Meu cabelo, minha pele, meu corpo, não está tudo perfeito? _Está pra você?_ minha mãe questionou. Levemente balancei a cabeça, encontrando as sobrancelhas na testa. _É alguém que a está fazendo se sentir feia? _pressionou ela. Virei-me, meus olhos lhes diriam. Pus-me a deslizar o dedo sobre a tela na porta da geladeira, clicando nos itens que precisávamos comprar pela internet para abastecê-la, como forma de distração. _Aurora, você está apaixonada? _ o seu tom de imediato susto com a própria hipótese requeria toda a minha ênfase: _Não, mãe! _quase gritei. _Eu só estou em períodos de prova e preciso estudar muito. A ansiedade me tira a fome. É normal. Normal pra mim... _ suspirei e peguei minha bolsa. Ela certamente teria o remédio certo pra isso e eu precisava agüentar firme pra não enlouquecer ou comer todo o chocolate da despensa, mantendo minha fome em níveis quase dolorosos. _Minha carona chegou. _ anuncei num falso tom alegre ao ouvir a buzian do carro de Sandrinha. Se não saísse logo dali, meus pais adotivos começaria uma daquelas discussões: “não vai ser bom pra você ficar com um superhumano, eles vão machucá-la.” Meus pulmões aspiram o ar úmido e fresco da manhã, florindo minha alma com o cheiro doce das pétalas. O aroma era tão bom. Coloquei os dois micropontos no ouvido e liguei o som bluetooth do meu celular no bolso. O playlist tinha as minhas músicas preferidas. Sentei no carro de Sandrinha que passava maquiagem no espelho. Enquanto seu carro estava no piloto automático e automaticamente regulava-se com os outros a nossa frente, não tinha com que se preocupar. O veículo encontrava sozinho o seu caminho. O problema é que seu GPS estava com problemas e acabamos fazendo um percurso mais longo essa manhã. _Ainda bem que estou com você. _ ela aliviou-se com a segurança de que estando com a filha do professor e diretor da escola, ninguém nos barraria na entrada. Mas, será que isso ainda tinha efeito uma hora de atraso? _Eu esqueci uma coisa no carro. Droga, me espere aqui. _ pediu e eu continuei parada no meio do corredor do estacionamento ao ar livre, trocando de música com a ponta dos dedos enfiados no bolso. A música nos meus ouvidos estava alta, mas não foi suficiente pra abafar um ruído estridente de motor e depois de pneus cantando. Foi, em um reflexo de segundo, que meu rosto virou para trás e viu a caminhonete cinza Aurora Li Mendi 8 seguir em minha direção em toda velocidade. Como disse, era um relance, um frame de segundo, não havia chance de me mexer... E tudo aconteceria. Um só golpe me mataria. _Aurora! _ ouvi o grito da minha amiga, que previu a cena que estava prestes a ver. Eu podia fingir ser uma superhumana, mas ficaria claro quando me levassem para o hospital que eu não era apta a receber transplantes biônicos ou fazer intervenções complexas, pois sabe-se lá por que meu corpo rejeitava qualquer procedimento desses quando nasci. Eu era uma fina e frágil película de bolha de sabão. Sempre pensei que a morte chegaria bem rápido pra mim, mas não há 120 por hora e a 4x4! Uma descarga de adrenalina inundou minhas veias e eu só consegui encolher os ombros quando o veículo virou noventa graus sobre o meu eixo e num drift perfeito entrou na vaga que eu nem reparava estar ao meu lado. O motor desligou e o silencioso foi quebrado pelas passadas rápidas de Sandrinha em minha direção. Só entendi que não tinha morrido quando ela tocou meu braço e me sacudiu. _Tudo bem? Quem é esse maluco, alucinado? _ gritou e ameaçou um xingamento, quando a porta destravou-se e ele pulou pra fora. Era alto, provavelmente quase dois metros, ombros muito largos e braços tão fortes que eu juraria ter uns cento e vinte quilos de músculos. Seu cabelo raspado e o rosto duro, de ossos retos e firmes só não estavam em harmonia com o doce par de olhos azuis mais lindos que eu já vira em toda a minha vida. Era incomum as mães escolherem olhos azuis para os filhos, a moda andava sendo lilás, vermelho, dourado. Mas, aquele azul claro e límpido era pacífico e amigável. _Te assustei? _a voz grave e rouca me fizera engolir em seco. Agora estava tão perto que podia sentir o perfume delicioso vindo de todo o seu enorme corpo. Eu senti que isso sim podia me matar, pois meu coração estava desgovernado como aquele carro possante. _Eu costumo dirigir bem, não ia te atropelar. _piscou e sorriu. _E, se eu tivesse dado um passo a frente e saído dos seus cálculos? _ meu cérebro foi rápido em contra argumentar. Ele ousou dar o passo que diminuía a distância mínima a estranhos. Pegou a minha mão com a sua palma sobre as costas da minha e o dedo mindinho tocando meu ponto de pulsação. _E o que faço por ser tão ruim de matemática? _beijou com os lábios febris e levemente úmidos a zona abaixo do meu polegar, na lateral da minha mão, escorregando a carne macia da sua boca por aquela região, o que eriçou todos os pelos do meu braço. _Acha que pode me perdoar? _a sedução em sua voz, os olhos fitos em meu rosto e o seu hálito tão perto era como estar diante de uma grande fera faminta, aguardando a sua hora. Eu não podia em qualquer hipótese me encantar por um superhumano como aquele, mas os efeitos estavam sendo devastadores. _Eu estou atrasada... _tentei puxar minha mão, mas a sua não largou o meu pulso e isso me assustou mais ainda. _... Tome mais cuidado por onde anda... _ virei o rosto. _Meu nome é Douglas, os amigos me chamam de Doug. _apresentou-se. _E o seu? Virei o rosto só um pouco e através do meu cabelo olhei pra trás: _Que importa? _Sou novo por aqui e é bom conhecer as pessoas... _deu de ombros e pela primeira vez mostrou o sorriso aberto, o que me fez mudar de opinião sobre seus olhos, isso sim era de amolecer as pernas. Perfeitamente brancos, moldados, lindo. _Eu me chamo... Aurora. _Aurora. _repetiu e eu sabia que o tempo que dera pra concluir seu pensamento significava que estava buscando na rede o significado disso. Seu cérebro aguardava a varredura do seu chip interno. _Como aurora boreal? _É. _respondi com um sorriso que saiu agora de mim facilmente. Não tinha mérito ele saber daquilo, mas a simples curiosidade em buscar o significado me deu um frio na barriga. _Acho que já está bem agora... Desculpe pelo susto. _ acenou e partiu. _Quem é o cara que acaba de quebrar o gelo do coração de iceberg da Aurora? _ Sandrinha satirizou, grudada no meu braço, soltando risinhos. _Sem chances... _ ri de nervoso. Aurora Li Mendi 10 2 Menina de fogo (Doug) Minha irmã, Gisele, mordeu o pão e balançou a cabeça em desacordo. Ela não aprovava que eu aparecesse na mesa do café da manhã, quando era dia da faxineira, sem camisa e suado depois da minha corrida diária. Você precisa ficar se exibindo? Pousa logo para o outdoor da esquina. Reclamou através da nossa comunicação mental. Nossos pais eram bastante ricos para nos dar o luxo de ter aquela mais nova geração de chip que permite a conversa por telepatia. Eles não imaginavam o quanto era útil para nós poder trocar informações em silêncio. Ela é uma delícia. Ri alto e bebi o suco de laranja. A garota que limpava o chão não entendia nada e nos olhava como loucos. Coitada, é uma humana. Não pode ficar explorando esse tipo de meninas, elas são pobres e doentes, vão morrer como cigarras. Olha pra essa pele doente de espinhas. Urrgh, mal posso olhar. E quando tirar a roupa vai ver aqueles buracos de celulite e estrias, meu deus, isso é uma visão do inferno! Fez uma careta. Você podia ser uma delas, se a mamãe não tivesse te feito em laboratório, nem bancado todas as suas injeções de juventude. Lembrei-a e sua reação foi atirar um pão na minha cabeça. Parecia que tinha dito que ela nasceria como um monstro. E você ia gostar de não ter nascido com esse músculo todo? Metade da escola já fala de você. Acho bom andar na linha porque a mamãe é a nova diretora e qualquer coisa que faça vai chamar a atenção. Avisou. Tipo perder o primeiro tempo de aula? Revirei os olhos. Vou andar de moto. Ela nos obrigou a vir pra essa cidadezinha, prometendo que nos divertiríamos muito. Eu vou tentar fazer isso do meu modo. E o que eu ganho com o segredo, caro Doug? Essa era a primeira desvantagem da mente aberta: ela podia me comprar descaradamente. Eu vou pensar bem e te cobro depois, ficou de pé. Ela inflacionaria o pedido depois de mais meia dúzia de planos que ouvisse na minha cabeça. Não vai ter esse trabalho de bolar, eu vou pra escola. Era tão divertida sua cara de desapontamento. Subimos na minha caminhonete e ela ligou para sua amiga Isadora. A imagem da garota foi projetada na sua frente por holografia virtual. O assunto era superficialmente concentrado nos novos produtos contra envelhecimento que retardavam 20 anos e a coleção primavera verão. Eu aumentei o volume dos meus fones de ouvido pra não contaminar meu cérebro com aquilo. Antes que entrasse no estacionamento, pediu pra descer na entrada do colégio, pois tinha visto de longe uma amiga. Eu queria entender que tipo de rede social ela já começara a fazer um mês antes de nos mudar que mais parecia ser a cidadã de honra desse lugar com tantos conhecidos. Eu ouvi isso! Querido, aprenda comigo, a rede é tudo. Ela piscou, antes de pular para fora. Revirei os olhos com tédio e acelerei o carro, pisando com força no acelerador. Virei o volante para girar a roda do carro para a esquerda a fim de derrapar a traseira para a direita e encaixar o carro na vaga. Eu adorava correr em alta velocidade. Aprendi o Power Slide com meu amigo Ricardo, o cara que mais conhece carros que já vi. É um lunático. Tem gente que confundi isso com drift. Mas, é diferente, drift é deslizar o carro de lado e manter isso por uma boa distância, não, girar e parar. Quando realizei o último movimento, me dei conta de que o estacionamento não estava completamente vazio. Olhei através do retrovisor a garota pálida de cabelos ruivos que parecia em estado de choque. As ondas de fogo de seu cabelo tinham finas tranças douradas entrelaçadas no meio. Seus olhos verdes emitiam medo, mas não foi sua voz que comecei a ouvir na minha cabeça: Você está maluco? Que matar a minha amiga? Eu vou denunciar você pra sua mãe! Procurei com os olhos a dona da voz e encontrei a provável dona de um chip igual ao meu, capaz de enviar mensagens pelo pensamento. Era uma garota de cabelo liso preso em um coque, baixa e de olhos vermelhos. Pode ver que ela está inteira, sorri e saí do carro. Isso por uma sorte do destino. Ela não está acostumada a esse tipo de emoção, seu idiota! Te assustei? Perguntei pra garota de fogo, agora bem mais perto. Ela não consegue te ouvir! Não tem essa marca de chip ainda. Aurora é de uma família mais simples, seu pai é um professor cientista daqui. _Te assustei? _ perguntei, usando minha voz matinal grave. O efeito desse som sobre ela me deixou em dúvida se gostou ou assustou mais, pois engoliu em seco e depois abriu os lábios para soltar o ar. Era bem possível que tivesse medo, mas eu não tinha cara de um maníaco atropelador. Talvez não colaborasse nos últimos minutos com essa imagem, então, sorri amigavelmente. _Eu costumo dirigir bem, não ia te atropelar. _tentei abrir um diálogo pra ouvir sua voz. _E, se eu tivesse dado um passo a frente e saído dos seus cálculos? _ desafiou com aqueles olhos de cílios ruivos ainda mais abertos, com um tom de quem pedia piedade, mas mantinha indignação. Aurora Li Mendi 12 Estiquei o braço e peguei sua mão. O toque me permitiu calcular sua temperatura. Estava mais alta do que é o padrão e sua pressão sanguínea me preocupou. Deixa de ser convencido. Não acha que ela está alterada, por causa de você, não é? A amiga falou em silêncio. Ignorei-a. _Acha que pode me perdoar? _perguntei a garota que quase atropelara, mas o medo não desanuviava de seus olhos e retraiu-se em fuga. _Eu estou atrasada. Tome mais cuidado por onde anda... _ virou-se pra sair. _Meu nome é Douglas, os amigos me chamam de Doug. E o seu? _insisti, tomado por uma vontade de não deixá-la ir embora. _Que importa? Ai, que fora... Sua amiga riu em silêncio. _Sou novo por aqui e é bom conhecer as pessoas... _usei minha cordialidade para ganhar sua difícil confiança. _Eu me chamo... Aurora. _Aurora. _repeti e busquei o significado que não era estranho. Aurora é um fenômeno que acontece no céu das zonas polares, quando poeira espacial trazida pelo campo magnético e o vento solar se chocam com a atmosfera. Varri mais um pouco a rede por outra resposta: Galileu Galilei batizou o colorido espetacular do céu com o nome de uma deusa romana do amanhecer: Aurora. _Como Aurora Boreal? _ perguntei, me questionando agora porque escolheram esse nome. Podia ter a ver com seus cabelos ruivos flamejantes. _É. _ sorriu, abertamente, e me senti vitorioso por aquele pequeno ganho. Doug, o que faz aí embaixo? Vá já pra aula!Encrenca, era minha mãe da janela atrás de Aurora, no segundo andar do prédio, me olhando irritada e gritando em minha cabeça. _Acho que já está bem agora... Desculpe pelo susto. _ acenei e parti em retirada. _Quem é o cara que acaba de quebrar o gelo do coração de iceberg da Aurora? Ouvi aquela última frase pelos meus poderosos ouvidos, virei o rosto pra trás e dei um misterioso sorriso. A amiga mordeu o lábio, entendendo que eu tinha percebido sua elétrica alegria feminina. Estou sendo irônica... Aurora não gosta de caras como você. Aquela revelação não parecia incoerente com os olhos de medo da menina ruiva. Ela parecia temer que a jantasse hoje, à noite, como um assassino sanguinário. Mas, pode ter sido também o choque do quase atropelamento. 3 Frágil borboleta (Aurora) Olhei o alaranjado do horizonte e me dei conta de que estava perto do anoitecer. Eu tinha subestimado meu cansaço, a tarde caia e eu não acabara a corrida diária. Puxei o ar dos pulmões, emitindo um ruído asmático pelo cansaço. Apertei os olhos para buscar concentração, mas não deixei os pés pararem, apesar da queimação na batata da perna, aquecida pelas meias até os joelhos. A umidade da floresta mantinha a temperatura agradável, apesar do calor próximo a estrada onde deixara o carro do meu pai. Eu vinha todos os dias para essa trilha correr 15 quilômetros. No início da adolescência, quando me parecer uma superhumana se tornara uma escolha de vida, eu tive que aprender com meu pai a como transformar o meu corpo hipersaudável da maneira mais animal e menos biotecnológica possível. Era uma técnica de mil anos atrás, quando a nonobiologia ainda não tinha inventado os nanoreguladores de gordura e formadores de músculos que conferem os corpos perfeitos às minhas amigas. Ao contrário delas, ser linda e perfeitamente esculpida era muito doloroso e cansativo. Mas, ganhei também com isso um tempo só pra mim, em que eu podia aproveitar o barulho do rio e dos pássaros voltando para a copa das árvores para pensar. Na solidão daquele recanto verde, minha mente pode ter a liberdade de sentir novamente um desejo latente: namorar. Eu já fantasiara paixões impossíveis com diversos garotos da escola e depois chorava as incompatibilidades. Nunca aprendia a impedir que voltasse a pensar neles. Dessa vez, a lembrança trazia o rosto do novo aluno da escola, Doug. Ele quase me matara, mas também me devolvera um pouco de vida aos nervos. Quando passava por mim no corredor, era como se um campo de energia me atingisse com cargas elétricas, por mais que eu tentasse emitir a mensagem “eu ignoro sua existência”, enquanto abaixava a cabeça, apertava meu livro e mantinha os passos apressados. Porém, na aula de biologia dessa manhã, eu não consegui fingir concentração quando ele entrou pela porta e veio direto em minha direção, como se fosse falar comigo, mas não o fez, apenas sentou-se ao meu lado. Soltei o mais discretamente possível o ar dos meus pulmões e mantive os rabiscos no meu caderno. Eu trazia sempre um computador comigo, mas tinha uma necessidade de desenhar e mexer com as mãos enquanto os professores ensinavam todas as maravilhosas descobertas científicas dos últimos séculos que permitiram a humanidade dominar o DNA, criar órgãos mecânicos, interferir no Aurora Li Mendi 14 metabolismo celular e criar superhumanos. Nada disso servia pra mim, que nascera com uma fragilidade genética que não permitia esse tipo de intromissões. Mas, meu pai me explicara desde pequena que era possível ser feliz e saudável como uma humana normal, se eu seguisse todos os seus ensinamentos secretamente, o principal deles: nunca deixar um superhumano perto o suficiente pra que me descubra. E não era exatamente esse sinal que eu estava dando com minhas mãos suando ao lado de Doug. Vi pelo canto do olho sua cabeça virada pra mim, com a cabeça encostada no ombro e isso fez o meu rosto queimar. Por que ele não me deixava em paz sob o manto do anonimato? Que tipo de diversão queria comigo? Eu não era uma da sua espécie. Os traços se tornaram mais fortes e eu rasgaria a folha, se não fugisse dali. _Me empresta?_ a voz ao meu lado me fez estancar no meio do coração o desenho que eu começara como um c incompleto. Depois, sua mão repousou sobre a minha, provocando o meu encolhimento e descarga máxima de adrenalina pelo meu corpo. Virei o rosto pra encarar o seu e seus olhos azuis se apertaram em um sorriso que nasceu em seus lábios vermelhos. Era uma visão da perfeição que meu coração não podia lidar bem, sem contrair-se no peito. O professor continuava a falar, movendo-se pela sala naquela dimensão virtual de projeção holográfica, mas eu já não conseguia prestar atenção em sua voz ao fundo. A sua discussão proposta com os alunos já o detinha, não precisava de mim. Estava tão longe, do outro lado do mundo na frente de um computador, enquanto eu tinha o calor e a presença física de Doug ao meu lado, escrevendo alguma coisa com a minha caneta na mão. Contrai a testa e quis saber, curiosa, o que estava aprontando. Meus dedos tocaram os seus e eu virei a palma para mim. Ele, então, mostrou um boneco desenhado com o braço delineado sobre o polegar de maneira que ao movêlo, parecia que estava dando tchau. Eu ri baixinho daquela inimaginável brincadeira infantil do cara que quase me esmagara com sua caminhonete. Mas, eu nunca tinha chegado tão perto assim de um superhumano e não sabia que a sensação de prazer e euforia era tão prazerosa. Peguei a caneta e desenhei uma garota com uma flor no cabelo na minha mão também, levantei os olhos pra conferir a intensidade do debate entre os alunos a frente e voltei para a brincadeira particular. Mostrei-lhe a minha mão sobre a perna e Doug estendeu o antebraço, tocando seu polegar no meu. Reparei, neste instante, que abaixo da sua pele havia uma superfície rígida. Ousei deslisar as costas da minha mão sobre a região do seu pulso e nossos olhos se levantaram no mesmo segundo pra se encontrar. _É mecânico. _ele respondeu. _Não parece, não é mesmo? Foi em uma diversão de carro que meu punho partiu... _Você sente, não é?_passei os dedos agora por seu antebraço e ele sorriu. Eu devia estar bancando a completa idiota humana. Óbvio que a rede neural era completamente restituída. Que pergunta de “superhumana frajuta” era essa que eu acabava de fazer. _Eu preciso ir._ agarrei o caderno, amassando um pouco as folhas. A situação de perigo me ensinava a fugir. Nem tomei o cuidado de passar pelo canto da sala, meu corpo atravessou a projeção do professor e eu agarrei a maçaneta da porta. Agora, eu estava ali correndo ao entardecer, com meu particular prazer de relembrar o mais perto que chegara de um contato físico... Tudo foi rápido como um choque do meu corpo contra um paredão. Será que eu não tinha visto no dia anterior que construíram uma barreira de aço na virada daquela trilha? Balancei a cabeça para os lados e senti pelo alfinetamento nas mãos que minhas palmas estavam sobre o carvalho. Então, eu caíra? Sim, meu corpo estava sentado no chão. Entre abri os olhos e vi contra a luz a parede, mas não era nada assim, tinha pernas brancas. _...stá bem?_a voz pareceu mais próxima e na próxima vez que abri os olhos concluí que eu devia estar sonhando. _Doug? Eu tinha dormido no sofá e não viera correr, então, caíra no sono e agora achava que Doug estava segurando meu punho. _A gente trombou, desculpe... _mas a voz insistia em parecer tão real como nas alucinações noturnas perfeitas. _...você está sangrando. Aquela palavra subira minha pressão arterial e o oxigênio voltara a minha cabeça. Era Doug mesmo, pois, nem em meu sonho, seu rosto de preocupação conseguiria ser tão alarmante pra mim. Passei a mão na minha testa úmida e entendi de onde vinha o sangue. _Você bateu o supercílio na minha cabeça. _sua mão estava no meu rosto e tudo que eu conseguia pensar era que tinha que correr o máximo que minhas pernas cansadas pudessem conseguir. Ele logo descobriria que minha pele não se refazia em questão de segundos e que o sangue não pararia de coagular tão rápido. _Tudo bem, está tudo bem. _levantei e caminhei ladeira abaixo feito um bicho ferido procurando salvar a própria vida. _Aonde você vai? Meu carro está aqui perto... eu posso te ajudar... Ele não podia me ver sangrar tanto. Puxei a camiseta branca e fiquei apenas com o top por baixo. Enrolei na palma de uma mão e tampei a face com o pano. Por favor, coagule rápido. Comecei a pedir baixinho. _Está tudo bem, meu carro está logo ali. Vai parar de sangrar já. Eu sabia que era uma mentira, então, que entrasse logo no carro do meu pai para acelerar. Mas, Doug não queria se dar por vencido e mantinha o passo atrás. Até que sua mão mecânica forte agarrou o meu braço e me virou com toda força, fazendo os meus cabelos ruivos grudarem no rosto. Ele descobrira tudo, ele agora sabia que eu era uma humana, o que faria? Contaria para toda a escola, riria da minha fraqueza? Sua mão afastou com cuidado meu cabelo e seu rosto sério era o sim para todas as minhas perguntas: sim, ele sabia; sim, ele me esganaria; sim, ele... Aurora Li Mendi 16 O nó de choro em minha garganta ia romper a qualquer momento. _Seu corpo é perfeito. _ seu fio de voz não seria mais sinistro, se seu rosto não parecesse dispersivo contemplando todo o meu físico malhado com muito suor e dor. Ele estava demonstrando uma contradição? Como eu podia ter corpo perfeito, sendo só uma frágil borboleta? Ri diante da morte. Ser descoberta era quase como morrer: _Como pode falar do meu corpo, quando eu estou machucada...? _Desculpe, eu achei que podia correr aqui, mas não sabia que ia achar uma companhia. Eu não preciso, mas é só pelo prazer de ficar sozinho, faz bem pra cabeça. _É... eu entendo, a gente não precisa, mas faz bem... _tentei representar o mesmo discurso. _Tenho que ir. _ abri a porta do carro e acelerei, sem ter coragem de olhar para o retrovisor. Em casa, sentada na cadeira da cozinha, meu pai costurava minha testa com suas mãos de cirurgião: _Não vai poder ir a escola por um tempo. Vai perder as provas. _Eu sei. _Ninguém viu isso, Aurora? Por que aquele tom parecia uma afirmação? _Não, eu já disse que escorreguei e bati em uma pedra. Deitada em minha cama, eu fechei os olhos angustiada. Se Doug não tivera certeza que eu era uma humana, agora teria boas razões para questionar a minha ausência na escola. Mas, será que ele lembraria de mim a ponto de sentir a falta? Eu ficava com o benefício da dúvida. 4 Meu coração não é mecânico (Doug) E aí, pegou?, era a voz da minha irmã Gisele na minha cabeça e seu olhar zombeteiro do outro lado da mesa de jantar. Eu dei um suspiro de cansaço e olhei para a empregada, arrumando as travessas na mesa e com medo de nós, perguntou se podia sair mais cedo. Parecia assustada com o modo que as pessoas daquela casa se comunicavam. Era ignorante para entender que falávamos em pensamento por meio dos chips que implantamos. Não vou fazer mal a essa pobre mulher, respondi-lhe, remexendo a comida no prato. Eu estou falando da garota da escola, a ruiva. Levantei os olhos e a encarei em total silêncio. Por que estava se metendo nesse assunto? Sim, porque isso já virara a sua especulação preferida. _Querida! _minha mãe entrou pela porta saltitante, largou a bolsa de compras na cadeira e beijou o topo da cabeça de Gisele. _O que achou? _ficou com um sorriso aberto, esperando que matássemos a charada. Nós dois paramos de mastigar e engolimos de vagar, tentando ganhar tempo. O que foi dessa vez? É o brinco? Ou foi uma plástica nova? , Gi estava confusa diante daquele jogo de adivinhação e eu não tinha muita criatividade pra ajudá-la. Minha mãe fazia um retoque em seu rosto a cada viagem de congresso. Rejuvenesceria tanto que não duvidaria encontrá-la mais nova que a gente qualquer dia desses ao passar pela porta. Ela aproveitava sempre a distância pra se recuperar das intervenções rápidas e chegar novíssima. _Eu é... que te pergunto: ficou como gostaria? _Gisele tentou ganhar pistas que confirmasse, se estava falando de uma plástica nova. _Como assim? Eu ensaiei tanto aquele discurso. Ficou maravilhoso! _ela respondeu e pegou um pouco do suco. Então, estava nos questionando se gostamos da sua apresentação! _Saiu na televisão, não vai dizer que não viram?! Trocamos olhares e eu senti que o silêncio seria a pior resposta e resolvi deslizar para fora da mesa: _A gente não entende daqueles termos técnicos, mas você pareceu ótima! _ sorri afetuosamente e ganhei o corredor tão logo pude. _Vai correr? _Gisele falou da janela de cima do seu quarto, vendo-me alongar a perna no jardim. _Pensa que vai encontrá-la novamente? _perguntou debruçada. Aurora Li Mendi 18 Como sabia sobre o que acontecera? Eu provavelmente devo ter pensado alto e ela captara _Ela não foi pra escola esses dias, será que está mesmo se escondendo pra não vermos sua cicatriz? Eu franzi o queixo de raiva e olhei-a com as pupilas quase encostadas nas sobrancelhas. Gi levantou as mãos no ar e saiu em retirada da janela, entendendo que eu não queria tocar naquele assunto. Eu definitivamente não poderia ter cometido a besteira de deixá-la ler meus pensamentos sobre a garota ruiva. Mas, eu chegara muito agitado aquele dia. Estava certa sobre desconfiar se eu correria para reencontrá-la, porque era o que eu tinha feito nesses últimos cinco dias de frustradas tentativas. Já não tinha mais certeza de que ela apareceria por lá Peguei meu carro e dirigi até a trilha verde próxima a mata. Deixei-o ali e comecei a correr. Era minha maneira de ficar sozinho, respirar um ar puro e com cheiro de terra. Uma arte milenar que poucos apreciavam agora. Eu vinha da metrópole, onde o ar era muito poluído. Li um pouco sobre os antigos supercorredores de mil anos atrás e comecei a admirá-los. Ninguém hoje em dia dava valor para esse tipo de coisas, pois há um remédio para tudo, uma perninha de DNA que muda a composição genética de qualquer bebê. Contudo, havia um pouco de superação naqueles homens fracos. Não tendo nossos superpoderes da genética, no entanto, aproveitavam mais o tempo livro pra ter paz mental, pelo menos, nas longas corridas. Peguei a montanha e lembrei-me da última vez que encontrei com a garota ruiva. Eu, primeiramente, estacionara meu carro perto de outro na parte baixa da elevação e até supus ser de um caçador e temi correr por ali com medo de alguma bala perdida. Mas, ao olhar mais para cima, constatei que havia uma figura pequena correndo ao longe e vi que tinha uma companhia de corrida. Resolvi me aproximar, porém, na virada de uma curva nos chocamos. Seu corpo caiu para trás como se tivesse batido contra um muro. Foi, então, que me dei conta de que a garota ruiva, como se chamava..., Aurora, estava diante de mim, com as mãos machucadas pelo carvalho. _Está bem? _agachei-me para ajudá-la, prontamente, pois parecia tonta. _ A gente trombou, desculpe... _afastei o cabelo do seu rosto e minha mão se sujou de um líquido vermelho como seu cabelo, como se este pudesse ter se derretido com o calor. _...você está sangrando Seus dedos encostaram em seu supercílio e a preocupação que adiara até então tomou seus olhos como um horror. _Você bateu o supercílio na minha cabeça. _informei-lhe e tentei ver melhor, mas ela me afastou insistindo que estava “tudo bem”. _Aonde você vai? Meu carro está aqui perto... eu posso te ajudar... _ tentei seguir seu ritmo, preocupado com o fato de tê-la machucado, mas um gesto seu me fez estancar. Suas mãos puxaram a camiseta que passou pela sua cabeça deixando revelar costas perfeitamente torneadas. Duas covinhas acima da sua bunda redonda me fizeram sentir a garganta seca. As costas também definidas revelavam as mãos mágicas do melhor cirurgião escultor. Aurora enrolou a camisa no punho e levou ao rosto, virando-se para fazer um gesto com a outra mão pra que eu não a seguisse. _Está tudo bem, meu carro está logo ali. Vai parar de sangrar já. _ tentou fugir, mas em uma reação rápida, puxei-a com mais força do que desejei, e seus cabelos voaram no ar até grudar em seu rosto úmido de suor. Seus cílios e sobrancelhas eram mesclados de tons castanho claro e ruivo. Meus olhos desceram por seu colo redondo e apertado no top curto que não cobria o abdômen mais definido e lindo que já vira. Era como se segurasse um coelho fraco pelos pés de ponta a cabeça, pois seus olhos tinham medo e tive impressão de que tremia. Me dei conta de que era melhor soltá-la, apesar de não querer. _Seu corpo é perfeito. _ pensei alto baixinho. Era a forma de super mulher mais linda do mundo. Não sei se pareci muito idiota, mas isso a fez rir. _Como pode falar do meu corpo, quando eu estou machucada...? Claro! Que comentário sem cabimento o meu?! Estava admirado com sua perfeição quando se machucara. _Desculpe, eu achei que podia correr aqui... _comecei a falar coisa com coisa. _ mas não sabia que ia achar uma companhia. Eu não preciso ..._ dei-lhe explicações que nem me pedira. _... mas é só pelo prazer de ficar sozinho, faz bem pra cabeça. _É... eu entendo, a gente não precisa, mas faz bem... _repetiu com uma voz um pouco vaga, olhando o chão. Por que não parava de sangrar rápido? Seus super coaguladores não iniciavam a formação de pele rápido como todos os super humanos...? Meu cérebro foi interrompido por uma constatação que ela pareceu ler nos meus olhos: Era uma humana disfarçada? _Tenho que ir. _ desceu correndo a colina, abriu a porta do carro e fugiu. Ainda voltei várias vezes desejando o mesmo encontro, mas não consegui. Ela não me saia da cabeça, se era humana, como seria possível aquele corpo tão torneado e perfeito? Nos dias seguintes, eu vi sua cadeira vazia na classe e, de repente, aquela cidade parada me dera uma certa emoção. Tomei a decisão de perguntar para os professores se sabiam do paradeiro da garota. A Eliza de matemática me ajudara com a pista: _O pai disse que ela teve um problema de saúde, mas que vai voltar. Está levando todos os dias o trabalho dela, não se preocupe, meu caro... _Eu posso levar pessoalmente. _me ofereci. Ela olhou-me sobre os óculos e parou de mexer no papel em sua mesa. Aurora Li Mendi 20 _Mas, eu posso enviar por e-mail em um milésimo de segundo e, mesmo que quisesse impresso, o pai dela é professor daqui e poderia levar em mãos... _Não, não, é diferente. _ cortei-a e cheguei mais perto de seus olhos amarelados. _ Eu, como filho da diretora dessa escola, tenho que dar o exemplo de espírito comunitário. _Ãnh... E? _E queria eu mesmo levar o trabalho e fazer uma visita, se é que me entende. _E comer a chapeuzinho disfarçado de vovozinha? Não me canse... _Ela vai se sentir melhor. Quem aqui se propôs a isso? Quem saiu do seu próprio individualismo e pensou em ir lá visitá-la? _Tudo bem. O trabalho eu já enviei, agora é só você pegar essa lábia toda, essa cara de pau e aparecer lá dizendo que vai ajudá-la a tirar as dúvidas. É só isso que posso fazer. _Obrigado. Só mais uma coisinha, onde fica a casa dela? _Não me pergunte isso. Sabe que eu não falaria... _ela escreveu no papel uns rabiscos e me deu. Beijei-lhe o rosto e sorri em agradecimento. _ Só pelo seu lado bonzinho cheio de segundas intenções. _Como pode pensar isso de mim? _ ri e sai pela porta carregando a chave para a próxima fase de um jogo excitante. Peguei o meu carro, atravessei a cidade e encontrei o endereço perto de uma zona arborizada. As câmeras captaram a minha presença e eu me identifiquei no fone próximo ao portão que se destravou. Uma empregada veio receber-me e pediu que entrasse. _Aurora deve estar nos fundos fazendo aquelas coisas estranhas. Mas... vou dizer que é você, espere aqui. _pediu. Coisas estranhas? Que tipo? A minha curiosidade falou mais forte e eu procurei segui-la alguns passos atrás. Nunca teria a chance de descobrir que tipos de coisas esquisitas seriam essas, se não bancasse o mal educado. Foi quando me deparei com uma grande varanda envidraçada e uma garota socando um saco de areia vermelho como seu cabelo. Era realmente destoante, mas surpreendente a forma como surrava o saco com mãos e pés. Quem era aquela maluca?! Por que despejava sua raiva ali? Seu corpo era naturalmente perfeito, não tinha por que se esforçar. _Eu não quero vê-lo porque deixou que entrasse? _ meus ouvidos captaram sua voz baixa _Desculpe, mas pensei que pudesse ser seu namo... _Ficou maluca?! _gritou. _Nunca! _Não precisa bater nela. _ eu apareci na porta da varanda e a mulher ficou desnorteada por ter permitido minha entrada. _Pode nos deixar. _ pedi e ela sumiu receosa por causa da bronca que acabara de tomar por imaginar que eu era bem vindo. Aurora virou o rosto e se escondeu atrás do saco de areia. _Eu não te convidei, como aparece na minha casa, poderia vir outra hora?_ sua voz invocada era a energia para implicar com ela. _Não. _afastei o saco de areia e vi seu rosto, ainda com um curativo no supercílio. Meu coração feliz bateu aliviado por constatar que estava mais saudável que pensava, por mais que não houvesse motivo para ainda estar de curativo. _Vá embora. _expulsou-me sem me convencer direito que queria isso. _Não posso ir. Eu te fiz mal, te machuquei. Me disseram que estava doente. Mas, parece ser feita de ferro. Ela soltou uma risada e seus olhos cintilaram. _Tudo bem, mas meu pai não pode te ver aqui. _ olhou para os lados e a ponta dos seus dedos tocaram o meu abdômen enquanto se certificava sobre o território e depois olhou-me rapidamente, escolhendo tomar alguma atitude em relação a mim. _O quê? Ele não é do tipo antiquado? _usei de toda a estupefação. _Isso é coisa das cavernas! Você não tem amigos? _Não! _irritou-se. _Não entende... Você n-ã-o pode estar aqui! _perdeu a paciência de uma maneira que conseguiu me convencer de que estava com muito medo. _Se eu não posso estar aqui, onde posso? Vamos sair daqui?! _Está louco?_franziu a testa. Ela chutava um saco de areia e estava contestando minha sanidade? _Se você não está salva na sua casa, vamos sair daqui! Onde?_pressionei. _Por favor, por favor... _ implorou mais perto, testa franzida. _... Sai por aquela porta e não me faz perguntas._seu olhar me pedia lá dentro pra insistir só mais um pouco. _Sem perguntas, eu saio por aquela porta, mas vem comigo. _segurei sua mão. _Eu?_ recuou um passo atrás. _Sem perguntas, prometo, estou de carro._puxei-a comigo. Respirou fundo. _Pra onde? _O caminhar faz o caminho, vamos. _ tomei a frente e olhei pra trás. Aurora hesitou, mas logo seguiu-me. Na sala, cruzamos com a empregada que recebeu o recado de que pra todos os efeitos ela tinha saído sozinha pra correr. Entramos no meu carro e só aí Aurora pareceu-me mais aliviada. _Não entendo, parece que você estava com medo que nos matassem. _brinquei, mas ela não negou. _Sem perguntas. _lembrou-me de suas regras. _Mas, foi uma afirmação. _corrigi. Aurora Li Mendi 22 Ela sorriu um breve sorriso e colocou o cabelo atrás da orelha, deixando o curativo da cor da pele aparecer. Mas, cumpri o meu juramento de não questionar. _O que estava fazendo correndo aquele dia? _ ela quis saber. _O mesmo que você, correndo pra sei lá, espairecer a cabeça _dei de ombro e parei o carro perto da trilha. _Quer andar? Dei a volta no carro e notei suas pernas musculosas apertadas no short colado. O olhar nada discreto a enrubesceu. Caminhamos na trilha. _Você é novo na cidade? _manteve o assunto. _Sim, minha mãe queria uma vida mais calma longe da poluição da cidade. É meio bucólica. _E está gostando? _ fez uma careta repentina de dor. Parei e perguntei se tinha algum problema._Não... só uma tensão muscular... _ pareceu concentrar-se, respirou fundo e encostou as mãos em uma árvore, esticou a perna para trás e alongou. _Pegando pesado? Não precisa, você é perfeita. _É sempre bom aperfeiçoar a natureza. _ sentou-se em um tronco e fiz o mesmo. _Ela não está sendo tão boa com você. _ passei a ponta do dedo na sua testa, em torno do pequeno curativo, sendo muito difícil não perguntar. _Está sim. Eu estou aqui... _ sorriu como se isso não fosse perfeitamente possível. _Eu não vou poder perguntar nunca nada? _Isso já é uma pergunta. _O que eu posso então? _olhei direto para o centro do seu rosto. _Fica quieto. _ pediu baixinho, olhou-me longamente e não parecia feliz. _ Doug, por que veio atrás de mim? _Eu não tenho resposta. _Nenhuma que seu superchip possa trazer? _Ele ainda não está no meu coração, mas na minha cabeça. _O que te falta? _questionou. _Perguntas. _ sorri. _Você precisa ter certezas pra gostar de mim? Como amiga. _Não. Aurora ergueu o rosto para a luz do fim de tarde, de olhos fechados, cabelo para trás. _Primeiro eu quase te atropelei de carro, depois te atropelei com meu corpo naquela trombada, acho que eu tinha que atropelar o seu caminho. _Como você que é quase um robô pode acreditar em destino? _ironizou. _Eu já falei que meu coração ainda não é mecânico. _Temos que ir, meu querido robô. _ brincou e soltou uma gargalhada que trouxe uma força inexplicável para o ar. _Eu... _apontou para o peito. _ Posso chegar antes que você lá no carro. _ começou a correr, deixando sua cabeleira de ondas de fogos pelo ar. Corri também, sem o mesmo esforço, admirando seu rosto virando para trás sorridente. Quando chegou, levantou os braços para o alto em vitória, pulando e gritando. _Você não é normal por tudo que já vi. _ abri a porta pra que entrasse. Mas, ela continuou lá brilhando, irradiando tanto vida que eu podia agarrá-la tão fácil, só que não me jogaria na vertigem daquele sentimento. Ela não era convencional. Depois, como boa menina, passou por mim e sentouse. _Doug. _ela disse antes de sair do carro, na frente da sua casa. _ Obrigada. Não precisa mais... _Te pego amanhã. _atropelei suas palavras. _Não, eu vou pra escola com meu pai. _Eu disse que te pego pra corrermos. Sozinhos. Sem perguntas. O que teria de errado com isso? _Nada. _ falou pra baixo, destravando a porta. Segurei sua mão que escapava do banco e beijei na região do seu pulso, sentindo em meus lábios seu coração pulsando e umedeci ali minha marca. Aurora Li Mendi 24 5 Me leve pra onde possa amá-lo. (Aurora) Minha mãe organizava junto com nossa empregada Alice as compras que o supermercado acabara de deixar com o carrinho em nossa porta. Era tão prático poder receber tudo em casa e não poluirmos o ambiente com sacolas plásticas. Eu mastigava meu pão integral e pensava sobre isso, enquanto olhava nossa empregada, humana como eu, tratar-nos como superhumanos perfeitos e saudáveis. Ela não entendia muito porque eu me esforçava tanto para fazer exercícios. Dizia sempre que eu fazia coisas malucas em prol da beleza e que não podia ser escrava desse mundo. Eu não podia dizer-lhe que não fazendo isso terminaria enrugada e feia logo como ela. Estar bonita e perfeita me permitia estudar em uma escola de superhumanos, só não me dava a liberdade para me apaixonar por um deles. Esse era um dos problemas dos quais meus pais não me arrumaram uma solução, mas já começavam a perceber que chegara a hora de lidar com isso. Minha vontade era não tocar no assunto, mas meu coração também queria solução para um assunto que não me importara até dois anos atrás. _Já viu como a Aurora está com cara de quem viu um passarinho, senhora? _ Alice piscou para minha mãe e as duas riram. Mas, vi no olhar da minha mãe para mim uma pitada de preocupação que só eu pude captar. Levantei da mesa e fui para a varanda. Alice tinha bastante intimidade conosco por todos seus anos de trabalho e dedicação e logo captaria que dera o tiro certo. Sentei em minha esteira de meditação, alonguei o pescoço de um lado para o outro e, em posição de lótus, comecei a controlar minha respiração. Ninguém viria me perturbar enquanto eu estivesse ali de olhos fechados. Meu pai sempre me ensinara a sabedoria milenar dos gregos sobre mente sã, corpo são. Porém, minha mente estava em conflito com meu coração e isso me trazia um aperto no peito. Eu não queria pensar nele, mas nem a ausência na escola por conta do machucado me ajudara a pelo menos esfumaçar sua visão da minha lembrança. Eu rezava, por pura fraqueza, pra que me esquecesse quando eu retornasse ou, ao pra o universo ser mais bondoso comigo, o mandasse embora dali pra bem longe, quando tudo que meu coração queria era mantê-lo perto! Irritada por não meditar, levantei-me e coloquei minhas luvas emborrachadas. Comecei a chutar o saco de areia. Havia muita energia retida em mim e eu tinha que gastá-las. _Você quer conversar? _minha mãe sentou-se na espreguiçadeira da varanda com seu fino computador na mão e foi ler sua revista de fofoca de artistas. Continuei calada e chutando. _Acho que já poderá voltar pra escola. Está tensa por causa disso? _ perguntou, tocando várias vezes com o dedo indicador e polegar na tela de led. _Não, a cicatriz está quase boa, vou usar um penteado que cubra e sentar no fundo da sala... _respondi sem fôlego, entrecortadamente. _Está ansiosa? _Por quê? _ abracei o saco pra que parasse de balançar no ar e a olhei. _Deve ter alguém esperando por você... _Eu não tenho... _Sabe que não pode mentir pra mim, eu te conheço, Aurora. _Senhora, tem uma visita na porta. Não conheço. _ Alice anunciou. _Parece jovem... Meu coração encostado no saco pareceu querer socá-lo, pois bateu no peito com força e eu senti o suor esfriar. Não pode ser ele?! Nem sabe meu endereço! _Hum... Interessante, vamos ver. _ Minha mãe acessou as câmeras de segurança na tela em sua mão e sorriu. _ Que gato! Uau. Aurora está escolhendo bem seu namorado! Deixa ele entrar... Eu vou lá para o quarto tomar um banho e não vou atrapalhar os pombinhos... Era melhor não segurar o saco de areia pra não cair no chão. Minhas pernas estavam moles. _Mãe, não... _sussurrei pra ela, de costas pra Alice. _ Ele é um superhumano... _ tentei fazer com que lesse meus lábios. Ela levantou a sobrancelha com um ar “e daí?”. Minha mãe estava querendo subverter as regras do meu pai? _ Não posso, ele vai descobrir... Ela se aproximou de mim e falou ao meu ouvido: _Querida, você vai viver menos, então, que viva mais que puder. E só o amor faz o tempo ter sentido. Ninguém precisa saber se você souber fazer direito... _Eu não quero me machucar... _Não há como não se machuca, nem os superhumanos podem estar imunes a isso. _Se meu pai souber, ele vai ficar muito bravo. _Ele vai viver mais tempo que você pra superar isso. _ acariciou minha bochecha. _Alice, mande o namorado da Aurora entrar... _minha mãe falou alto e foi para seu quarto. Aurora Li Mendi 26 _Alice, não deixe ele entrar. _pedi. _Alice, manda ele entrar! _minha mãe gritou do alto da escada. _Não! _ainda implorei sem moral e me vi em pleno estado de nervos. Soquei o saco de areia várias vezes. _Aurora, ele está chegando.... _Eu não quero vê-lo, por que deixou que entrasse? _Desculpe, mas pensei que pudesse ser seu namo... _ respondeu, levada pelas insinuações da minha mãe. _Ficou maluca?! Nunca! _ franzi a testa. Queria poder lhe explicar o quanto era complexo ter que me esconder dos superhumanos me fazendo passar por um deles. _Não precisa bater nela. _ a voz grave de Doug me estremeceu o coração. Alice olhou para ele preocupada por ter entrado até ali ao meu contragosto. _Pode nos deixar. _ ele pedi com seu ar de comando que me faria também seguir todas as suas ordens. Transmiti pelo olhar meu consentimento pra Alice que saiu sem entender mais nada. Dei um passo a frente, ficando o saco de areia entre nós e me dei conta de que o curativo estava em minha testa. Ele logo faria questionamentos sobre isso. _Eu não te convidei. Como aparece na minha casa? Poderia vir outra hora?_ comentei seca pra desestimulá-lo. _Não. _ele afastou o saco de areia e seus olhos se fixaram diretamente no meu supercílio. Já sabia as perguntas que deviam estar passando em sua cabeça e não queria ter que me esforçar para respondê-las. _Vá embora. _pedi com cansaço. _Não posso ir. Eu te fiz mal, te machuquei. _ explicou. Se soubesse que não fizeram nenhum mal ainda do que era capaz enquanto me achasse uma super humana. Eu conhecia muitas estórias ruins de garotas mortas e que sofreram violência quando tentaram bancar a esperta e dar o golpe. Caras como ele não iriam querer um tipo de gen como o meu para suas futuras gerações. _ Me disseram que estava doente. Mas, parece ser feita de ferro. _comentou. Eu ri daquela visão míope. Não, eu era feita de gens fracos e não tinha nenhuma maquina dentro de mim me sustentando a longo prazo. Minhas células morriam e envelheciam a cada dia. _Tudo bem. _ suspirei. Já que tinha me visto, precisava tirá-lo daqui. Era perto da hora do meu pai chegar. _ Meu pai não pode te ver aqui. _pensei um pouco. _O quê? Ele não é do tipo antiquado? Isso é coisa das cavernas! Você não tem amigos? _Não! Não entende... Você n-ã-o pode estar aqui! _Se eu não posso estar aqui, onde posso? Vamos sair daqui?! _propôs e eu parei de respirar por alguns segundos realizando aquele pedido. Eu iria para um lugar bem longe da civilização pra poder ficar com ele. Mas, esse planeta ainda era impossível de chegar. _Está louco?_chutei o saco de areia e tentei não demonstrar muita empolgação por tê-lo na varanda da minha casa, quando na verdade parecia que tinha sido trazido pela força dos meus pensamentos. _Se você não está salva na sua casa, vamos sair daqui! _Por favor, por favor... Sai por aquela porta e não me faz perguntas. _Sem perguntas, eu saio por aquela porta, mas vem comigo. _segurou minha mão e estremeci, mordi meu lábio com a boca seca. _Eu? _Sem perguntas, prometo, estou de carro._puxei-me. _Pra onde? _O caminhar faz o caminho, vamos. Aqueles olhos azuis me levariam pra dentro da armadilha e eu estava perdida pelo feitiço que se apoderava de mim. Sua mão quente apertando meus dedos me cortou o fio de sanidade que tentava se ligar ao meu coração. Falei pra Alice que sairia pra correr. Eu não podia estar vivendo aquilo, era um sonho, mas eu estava na porta de casa, diante do carro do cara mais supergato da escola? _Não entendo, parece que você estava com medo que nos matassem. _ele se divertia com fogo. _Sem perguntas. _cortei-o, apertando os cintos. _Mas, foi uma afirmação. _lembrou-me com aquele jeitinho doce que me quebrava. Sorri. _O que estava fazendo correndo aquele dia? _ perguntei pra ouvir mais sua voz. _O mesmo que você, correndo pra sei lá, espairecer a cabeça. _ falou e logo depois estávamos perto da trilha onde tivemos nosso primeiro encontro. _Quer andar? Como poderia exigir mais que aquilo? Era um lugar vazio, calmo e distante. Ao mesmo tempo, temi que se descobrisse tudo, resolvesse me fazer algum mal onde ninguém ouviria meu pedido de socorro. Como eu me arriscava tanto? Sai do carro e desenrolei a borda do meu short e o peguei já do meu lado me admirando. Senti minhas bochechas esquentarem. _Você é novo na cidade? _tentei ficar dentro das obviedades. _Sim, minha mãe queria uma vida mais calma longe da poluição da cidade. É meio bucólica. _ revelou, iniciando a caminhada. _E está gostando? _ perguntei e senti uma fisgada na minha perna. Tentei andar mais um pouco e vi que não ia parar. _Que houve? _Não... só uma tensão muscular... _ respirei fundo e tentei alongar a perna. _Pegando pesado? Não precisa, você é perfeita. Aurora Li Mendi 28 Virei o rosto para o lado, que estava entre os braços esticados e apoiados na árvore para que eu alongasse a perna. _É sempre bom aperfeiçoar a natureza. _ disse-lhe tentando não parecer irônica e sentei-me em um tronco tombado. _Ela não está sendo tão boa com você. _ encostou o dedo em minha têmpora e li todos os seus questionamentos angustiantes nos olhos que não paravam de ir para um lado e outro tentando captar qualquer expressão minha. _Está sim. _ Como eu podia reclamar da minha natureza? Eu estava linda o suficiente para enganá-lo de superhumana e ter esse pequeno momento de normalidade. _ Eu estou aqui... _ sorri. _Eu não vou poder perguntar nunca nada? _Isso já é uma pergunta. _O que eu posso então? _olhei direto para a minha boca. _Fica quieto. _ pediu baixinho quando ameaçou o rosto para frente. _ Doug, por que veio atrás de mim _Eu não tenho resposta. _Nenhuma que seu superchip possa trazer? _Ele ainda não está no meu coração, mas na minha cabeça. _O que te falta? _Perguntas. _ sorriu com os dentes perfeitamente brancos. _Você precisa ter certezas pra gostar de mim? Como amiga. _corrigi e estabeleci os limites. _Não. O céu estava lindo. Alaranjado e azul. Fechei os olhos e tombei o pescoço para trás. _Primeiro eu quase te atropelei de carro, depois te atropelei com meu corpo naquela trombada, acho que eu tinha que atropelar o seu caminho. _Como você que é quase um robô pode acreditar em destino? _Eu já falei que meu coração ainda não é mecânico. _Temos que ir, meu querido robô. _ ri _Eu... _apontei para mim. _ Posso chegar antes que você lá no carro. _ apontei e começou a correr. Ele sorriu fazendo rugas nos cantos dos seus lindos olhos e correu atrás, sabia que podia fazer melhor, mas queria me deixar vencer. _Você não é normal por tudo que já vi. _ disse quando abriu a porta pra que entrasse. Eu fiquei parada no meio daquele campo verde e tive vontade de dar alguns passos, puxá-lo e beijar seus lábios pra sentir seu gosto. Mas, me resignei a só entrar no carro. _Doug, obrigada. _ agradeci quando parou na frente da minha casa. Eu sabia que aquele dia de doces ilusões era uma exceção em minha vida._ Não precisa mais... _Te pego amanhã. _cortou-me. _Não, eu vou pra escola com meu pai. _Eu disse que te pego pra corrermos. _ corrigiu. _ Sozinhos. Sem perguntas. O que teria de errado com isso? Tudo. Tudo daria errado. _Nada. _ destravei a porta. Segurou minha mão e me beijou daquele jeito que fazia meu coração virar uma gelatina de morango. Quando entrei, minha mãe veio correndo até mim. Senti um pânico. Meu pai estava bravo com algo? _Eu disse que estava lá em cima no seu quarto estudando. Deixei a luz acesa. Corra pra lá que seu pai está no banheiro. Precisava ter demorado tanto! Eu ri e corri na ponta dos pés descalços pela escada. Meu celular tocou em cima da minha cama. Era uma mensagem da minha amiga dizendo que Doug pedira meu número. Depois, outra de Doug: “Cuide dessa perna.” Eu tinha que cuidar do meu coração que não podia ser substituído por um mecânico menos burro. Aurora Li Mendi 30 6 Virando o jogo para o meu lado (Doug) Eu estava com o coração mais acelerado que o meu carro pra chegar à casa de Aurora. Isso suava infantil quando eu podia beijar e transar com qualquer garota da escola. Mesmo assim, me excitava a idéia de sair com a menina de fogo. Claro que minha irmã tirara sarro de mim, correndo atrás como um cachorrinho possessivo. _Vão fazer um programinha juntos? _ se jogou na poltrona do meu quarto e começou a me olhar com a inspeção de uma estilista. _Que tal aquela calça ali meio desfiada no joelho, ela ressalta sua bunda. _apontou pra o meu guarda-roupa aberto diante de mim. _ Ela vai querer te agarrar, confia em mim. _piscou o olho e resolvi seguir sua intuição por não ter mais tempo pra escolher. _A branca. _puxou do cabide a camisa e empurrou contra o meu peito. _Esse perfume aqui e tire essa pulseira ridícula de couro do braço! _tomou todo o controle e isso era sinal de barganha. _Agora, me conte qual vai ser? _cruzou os braços e sorriu. _Hum, cinema. _falei baixinho na esperança de não entender o meu resmungo controverso. _Ela sabe disso? _questionou sem a menor coerência. Franzi a testa e ela emendou. _Se você levou dois minutos pra se arrumar, irmãozinho, a sua garota vai levar umas três horas para combinar todos os sapatos, vestidos, maquiagens e acessórios. Isso significa que, se bancar o idiota que faz surpresinhas, ela vai querer te pegar. Só que, dessa vez, eu quero dizer enfiar uma faca bem aí no meio! _gesticulou como se enterrasse um punhal na palma da outra mão. Pensei na promessa de que correríamos e na minha intenção de trocar o programa para o cinema através de uma ligação no meio do caminho da sua casa e, de repente, minha irmã pareceu um pingo razoável. Mesmo que Aurora não fosse discípula escrava da moda como minha irmãzinha do esquadrão da beleza, ela poderia ficar indisposta com a idéia de estar de moletom para ir ao cinema. _ Vou avisar. _Você sempre precisa de mim. _suspirou e continuou apoiada na minha escrivaninha estudando o meu semblante. Relutava por eu ter fechado seu acesso a minha mente nos últimos dias. _Conseguiu matar a charada sobre ela ser humana ou não? Eu posso ajudá-lo, se quiser. _Nem pense nisso! _levantei e seus olhos se ergueram por eu ser mais alto e forte que seu corpo miúdo. _ Eu não preciso de uma protetora. _Mas, ela vai precisar de um protetor quando todos descobrirem quem ela é. _Não me importa. _O que disse? _falou alto e pegou meu braço. _ Sabe o que isso pode significar? Aurora está em uma escola de super-humanos e vão expulsá-la de lá! Pra você não faz diferença, porque é super em tudo, super gato, super rico, super saudável, super inteligente... Não tem que fazer o mesmo esforço que ela pra jogar tudo por terra por um puro capricho hormonal de levá-la... _Não é isso que quero!_botei um fim naquela conversa. Era isso que eu queria, mas não dessa forma, nessa seqüência comum, eu queria alguma coisa diferente que não sabia explicar. _ E estou atrasado. _Então, vai ser pior ainda. _balançou a cabeça para os lados. _ Já pensou quando nossa mãe souber que seus gens vão ser propagados por uma humanóide fraca que morrerá logo? _É só um cinema. Me deixe em paz. _pedi, sem deixar minha mententransformar sua profecia em imagens. Não queria que Aurora desaparecesse. Desci a escada da entrada da minha casa aos pulinhos querendo correr da realidade tão óbvia. Aurora se machucara e não se curara rápido, tinha dores musculares, se preocupava demais com a saúde e queria se afastar de mim. Era a equação equivalente a uma humanidade frágil. Agora, eu dirigia com a única vontade de vê-la e, droga, não ligara pra avisar. _Alô? _ disse quando ela atendeu. _Oi. Eu queria saber se podíamos ir ao cinema... Seus dois segundos de mudez me fez pensar que eu podia ter trazido uma roupa de corrida e tênis como plano B. Agora era começar a torcer pra aceitar. Nem que eu tivesse que incentivar: _Tem um filme legal passando e... _Tudo bem. Pode ser. _aceitou facilmente e eu agradeci a sorte. _Estou no caminho da sua casa. Eu posso esperar você se arrumar... _Não, tudo bem, eu me arrumo muito rápido. Quando chegar, me espera no carro e me liga, ok? _Ãnh, ok. Como preferir. _respondi, suspeitando ter algo que ver com seu pai. O que começava a ter total ligação com a possibilidade de ela ser mesmo uma humana. Mas, como era possível com um pai cientista e uma mãe superhumana, também? Como pedira. Desci do carro na frente de sua casa e fiquei do lado de fora. Liguei pra avisar que chegara e me apoiei com a mão no bolso. Quando menos pensei, a vi sair do portão me fazendo piscar duas vezes pra acreditar. Usava um vestido solto, com as mangas caídas e um colete de couro marrom meio envelhecido e muitos cordões prateados pendendo entre seus seios. O cabelo brilhante emoldurava tudo em uma fogueira de cachos vermelhos. Aurora Li Mendi 32 _Oi. _ela cumprimentou-me com um sorriso amplo e brilhoso. Minha resposta retardada foi o silêncio e então correspondi: _Oi. Foi rápido mesmo. Já estava pensando em correr assim? _ lembrei-me da conversa com minha irmã. _Ah! Esse é meu look de terças e quartas pra correr. _olhou-se de cima abaixo em tom de brincadeira e riu, passando o polegar na alça de argolas douradas da bolsa atravessada no seu peito como um sinal pra eu me tocar e fazer alguma coisa, tipo abrir a porta do carro. (...) Ela com os ingressos do filme na mão, eu agradeci por estar abraçado ao saco de pipoca, pois não saberia onde colocar as mãos, se na sua cintura ou nos meus bolsos. Pedi pra que ela pegasse minha carteira na parte de trás do meu jeans e com uma risadinha ela se divertiu tentando tirá-la e foi inevitável me questionar, se minha irmã estava certa sobre querer agarrar a minha bunda. _Esse filme é bom? _ela perguntou enquanto caminhávamos para nossa vez de passar pela inspeção das carteirinhas. _Pra dizer a verdade, escolhi pelo horário... _respondi vagamente enquanto eu me questionei rapidamente se ela tinha uma identidade de super-humana. Eu devia esquecer aquelas dúvidas, mas era impossível. O governo tinha um banco de dados central que guardava nossos dados como cartões de crédito, movimentações bancárias e compras de qualquer gênero. Era difícil tecnicamente falsificar, por exemplo, uma carteira de estudante que nos isentava de pagar o cinema. Uma vez que estávamos em fase de aprendizado, era óbvio que devíamos ter o máximo de acesso a cultura de graça pra ganharmos o máximo de conhecimento. _Não é possível. _Ãnh? Desculpe, não prestei atenção no que perguntou. _voltei a realidade e observei em sua expressão que não gostara nada dos meus devaneios. _Nada. _passou a frente, entregando as carteiras, em uma rápida manobra passou a roleta e me deu as costas. _Sério, desculpe, o que falou? _Que não é possível que não checou na sua cabeça aí poderosa o trailler, roteiro... _ comentou com voz entediada e baixa, devolvendo-me dessa vez com frieza. Suspirei e senti que suava com tanta pressão de possibilidades. Eu tinha que relaxar. _Eu posso fazer isso. _concentrei-me buscando na rede com ajuda do meu chip dados sobre o filme. _Esquece. _ disse aquilo com o mesmo tom de “morre!” e partiu marchando para a sala. Entrei na sala redonda e me juntei ao grupo de pessoas que esperavam a projeção de 360º começar. Logo as holografias começariam a aparecer e o cenário nos envolveria completamente. _Pode comer a pipoca, pelo menos ela não está tão ruim quanto eu. _dei um gole no refrigerante e senti que havia muito gelo. Eles deveriam descontar os 250 ml de gelo naquele combo. _Foi mal, eu só... _ela balançou a cabeça para os lados e senti que era sua vez de tentar relaxar. _... Está boa mesmo? _mastigou um punhado de pipoca e fez um sim com a cabeça. Deixamos nossas coisas em cima de uma bancada e nos sentamos. Eu podia baixar qualquer filme em casa, mas nada substituía a sensação de estar completamente imerso na estória, vendo os personagens passarem por mim como se eu fosse parte do enredo e estivesse no local. Agora, melhor que isso era ter uma super garota como aquela como companhia. Parece que a nossa fome estava maior que a demora do início da sessão, pois acabamos rápido com a pipoca. _Eu só não gosto de terror. Nada pior do que filme de espíritos. _ ela comentou e senti que dera a mancada do dia, pois fora justamente sobre isso que eu estava tentando lhe contar quando entramos. Acho que eu estreava nosso encontro com uma grande mancada. _Hum... _levantei os olhos, estudando se a porta já havia sido trancado pra escaparmos. _Não pode ser! _parece que Aurora entendera minha expressão de fuga. _É dos terror de pegar no nosso pé? A luz se apagou e era como se eu a tivesse jogado no inferno de dantes sozinha, pois agarrou o meu braço e imediatamente pude medir sua pressão arterial. _Acalme-se, é tudo mentira, você vai achar até divertido. _ri e me dei conta de que tudo se virara ao meu favor. _Eu estou aqui. _envolvi-a com os dois braços por trás até que minha respiração ficasse em seu ombro. Ela abaixou mais a cabeça e fechou os olhos, esfregou a nuca com uma mão e me questionei se era algum sinal para que eu progredisse para aquela área agora nua, sem a cabeleira deslocada para o outro ombro. Aurora Li Mendi 34 7 Perdendo ou ganhando (Aurora) O teto do meu quarto parecia uma tela por onde eu projetava várias cenas nunca filmadas pela memória, apenas criações solitárias. Foi uma manhã inteira inútil de sábado assim sobre a cama. Minha mãe apareceu na porta do quarto preocupada por eu não ter descido para o almoço. _Precisa se alimentar, querida. _passou a mão na minha testa, afastando o cabelo do rosto. _Alguma coisa a ver com aquele belo par de olhos azuis? Fechei as pálpebras e suspirei. _Céus, muito pior do que eu pensava. Chega pra lá. _pediu e deitou no travesseiro que eu acabava de ceder. Quem não soubesse nosso grau de parentesco poderia dizer que era uma irmã mais velha com um corpo incrível e uma vivacidade de garotinha. Deitadas sobre essa cama king, já resolvemos boa parte dos meus conflitos existenciais. Minha mãe sempre conseguia tornar mais emocionante o que meu pai me fazia acreditar ser perigoso. _Em que ponto vocês estão agora? _perguntou como se eu estivesse em alguma parte de um livro de estórias para dormir. _Estamos na parte em que ele dá em cima e eu fujo. Depois, me sinto uma grande fraca. _Eu também ficaria com medo! Imagina ter um cara lindo e gostoso daquele na minha cola! _ abanou-se. Virei o rosto franzido pra o lado e quase gritei “Manhê!”, mas ela pediu desculpas antes disso. Como conseguia fazer parecer que todo o dilema se resumia a popularidade de estar com o aluno mais incrível da escola quando o real problema era que eu nem podia estudar lá misturada a eles! _Eu ouvi dizer que uma garota foi morta por tentar se passar por uma superhumana em outra escola. Bateram nela e fizeram outras coisas... _minha voz mostrava o quanto minha alma estava mortalmente preocupada. _Pelo que já conhece dele, acha que te mataria? _ fez pouco caso. _Só se fosse de amor... _Não entende? Quando decidiram me fazer passar por uma superhumana, me tiraram o direito de me apaixonar por um humano pra que não desconfiassem, nem por um superhumano pra que não me descobrissem. Eu sou um ser indefinido, híbrido... _Querida... _pegou no meu rosto e aproximou o seu do meu. _ Você pode escolher o caminho que quiser, cada um terá as suas conseqüências. Ficar aqui trancada sem fazer escolhas é a pior escolha. _Ele vem me buscar pra corrermos hoje. _anunciei. _Então, já fez uma escolha. _sorriu, exultante com meu progresso. _Desculpe por eu falar essas coisas, não quero que se sinta culpada de nenhuma forma. Eu agradeço por poder estudar na melhor escola e ter direito a uma super vida. Meu celular começou a vibrar de baixo de alguma parte do edredom e das almofadas. Começamos a tatear a superfície fofa e macia da minha cama e rimos. A luz do aparelho nos ajudou a achá-lo. _É ele. Os superhumanos já podem nos ouvir a quilômetros de distância? _ perguntei retoricamente e atendi, sentada sobre as minhas pernas. _Alô? _Oi. _sua voz meio rouca me arrepiava até o cabelo da nuca. _ Eu queria saber se podíamos ir ao cinema. Tem um filme legal passando. Cinema?! Mas, não era corrida? Isso muda completamente o roteiro! É como se eu tivesse me preparando para um casamento de dia e descobrisse no convite que era festa à noite de gala. _Tudo bem. _tentei colocar simpatia na voz. _ Pode ser. _acho que me sai bem com o tom de pouco caso quando queria apertar seu pescoço. _Estou no caminho da sua casa. O quê? Já? _ Eu posso esperar você se arrumar... Qual é? Achava que eu não podia ser uma mulher prática? Olhei para o meu guarda-roupa enorme e pra fileira de sapatos na estante perto do banheiro e tive certeza de que ele começava a me conhecer muito bem. _Não, tudo bem, eu me arrumo muito rápido. _segurei meu último pingo de orgulho. _Quando chegar, me espera no carro e me liga, ok? _Ãnh, ok. Como preferir. _disse. É o mínimo que pode fazer depois de me aprontar essa Desliguei. _Mudança de planos? _ minha mãe com a cabeça apoiada na mão, deitada de lado, me viu saltar pra fora da cama e abrir meu guarda-roupa. _Ele teve a capacidade de me informar que está a caminho e quer ver “um ótimo filme que está passando”. _ carreguei de ironia. _ Agora, me diga como vou fazer uma mínima combinatória em vinte minutos, se é que ele não está chegando?! _meu mau humor e nervosismo extremo podia azedar tudo, então, ela se levantou em um ato de compaixão pela minha momentânea crise de estilo. _Você quer um look “é hoje”, “vai com calma”, “não é o que você está pensando”...? _Eu estava imaginando roupa e sapato, não algo mais complexo que isso! Aurora Li Mendi 36 _Querida, a roupa passa uma mensagem... _Eu não tenho tempo de aula de moda contemporânea, o que devo usar? _puxei um cabide com força e botei na frente do seio. _Totalmente promíscua. _torceu o nariz. _Ele disse cinema pornô? _Esse vestido? _ Você quer beijar na boca ou que ele te leve a um templo religioso? Quem te deixou comprar isso?! _Eu ganhei. Arrggghhhh... _grunhi, sapateando no assoalho de madeira com meus pés descalços. Meu pai passou pelo corredor, avisando que havia chegado do seu jogo e perguntou sem tom de que queria resposta sobre o que estávamos aprontando. Que bom, porque eu podia facilmente lhe dizer: “Estou querendo ficar linda para um superhumano”. _Coloque esse vestido solto, tem um ótimo decote. _esticou o cabide. _ E joga um colete por cima. Valoriza seu corpo sem parecer “quero tudo logo no primeiro encontro”. Agora, o resto é com você porque vou ter que tirar seu pai de longe daqui pra poder sair com seu príncipe superhumano. _Não acha que isso é totalmente loucura- insano-suicida? _perguntei, esperando de alguém como a minha mãe, um pingo de juízo pra me botar com os pés no chão. _Insano é ficar na cama, linda como você é. Ele vai duvidar sempre de que você é super perfeita como é pra mim. Sorri. Não diminuía meu nervosismo, mas levantava meu pobre e restrito ego humano. Quando eu terminara a maquiagem e fechara o rímel, o telefone vibrara na penteadeira, eletrizando meu coração que entrou quase em curto. Chegara. Abri a porta com a certeza de que eu ia me meter em uma grande, muito grande enrascada e que estava adorando. Doug estava com uma calça jeans perfeita que realçava a curva das suas pernas fortes e o rosto parecia mais lindo do que qualquer ator de cinema dos meus velhos pôsteres da porta do guarda-roupa. _Oi. _sorri. _Oi. Foi rápida mesmo. Já estava pensando em correr assim? _brincou e apesar de merecer uma resposta “eu procuro sempre correr de salto agulha pra fortalecer a batata da perna”, achei fofo e encarei como um elogio. _Ah! Esse é meu look de terças e quartas pra correr. _segui seu bom humor pra quebrar o clima tenso de primeiro encontro. Eu já estava imaginando um filminho de comédia ou de romance bem gostoso que desse a deixa pra pegar na sua mão, mas a notícia de que Doug não tinha preparado tudo tão perfeitamente assim, me trouxe um arrepio. Ele, como típico homem prático que nem parece ter um chip super potente em sua cabeça, comprou pelo horário. Mas, tarde demais descobriu por uma busca mental na internet que era sim o que eu temia, um filme de terror. Entrei na sala de cinema com indisposição pra aquela sessão de tortura. _Acalme-se, é tudo mentira, você vai achar até divertido. _riu do meu pânico quando as luzes se apagaram _Eu estou aqui. _abraçou-me carinhosamente por trás e, por três segundos achei que seria como a descrição nos livros de que o mundo parou de girar e que eu já não ouvia mais nada além da sua respiração... Mas, durou só os três segundos mesmo porque o filme começou com uma música pesada de suspense que me fez tremer. Dali pra o vexame público foi questão de chegar alguns minutos depois quando os espíritos deformados e assustadores começaram a andar entre nós e eu dei um grito de pavor. Empurrei-o pra longe com tanta força que quase caiu. Corri para a saída, tateei a porta e sai para a luz forte e estourada do corredor encapetado de vermelho. Passei a mão na testa suando frio e tentei me acalmar. Ao abrir os olhos encontrei o rosto preocupado de Doug que acabara de sair pela porta a minha procura. Dei as costas. Eu queria correr dali e nunca mais vê-lo, tamanha vergonha. _Eu não sabia que ia levar tão a sério. _riu. _Desculpe, eu tenho o péssimo defeito de levar as coisas a sério. _ aquilo soou como uma indireta e meu humor o fez engolir em seco. Droga, estava se esforçando pra ser fofo e eu estragara tudo! _Eu quero ir embora, pode ser? _ pedi, sem coragem de olhá-lo. Chegando ao meu quarto, enterrei o rosto no travesseiro e ouvi a porta abrir. Minha mãe ia querer detalhes e eu só gostaria esquecer que aquela noite patética tinha existido. Contei-lhe ainda com a voz abafada no travesseiro o resumo daquele encontro de terror e ela riu como o Doug. _É um sinal. Só pode ser um sinal pra que eu não me meta nisso. _Você até acabou acertando, sem saber o que estava fazendo. _garantiu e isso me fez desenterrar a cara do travesseiro, olhei-a, fazendo bico de raiva e frustração. _Você disse pra ele com bastante indiferença “Vamos embora agora?”. _Em qual a parte eu faço um ponto nisso? _Bom, você pode tê-lo deixado ficar com mais vontade de te conquistar, afinal, nada que é fácil é tão emocionante... _Mãe, você está falando da pessoa certa? Ele é tipo o cara mais divino, lindo, incrível, perfeito, super, ultra, mega, extra galáctico Doug e eu acabei com a nossa noite. _É só uma questão de aprender a ficar no controle. Você consegue. _ piscou o olho. A sua teoria não pareceu tão válida assim quando eu cruzei o portão da escola e dei de cara com uma garota loira pendurada sobre os ombros de Aurora Li Mendi 38 Doug lhe dando um beijo que eu devia ter tido a mínima capacidade de roubar ontem. Meu coração pareceu freiar e eu estanquei naquele ponto, vendo-o segurar sua cintura. Eu quero vomitar! Entrei a passos firmes e desapareci pelo corredor cheio de alunos. 8 Um veneno na dose certa (Doug) Minha irmã pedira carona aquela manhã para a escola e eu sabia que isso significava mais que uma obrigação fraternal com sua pequena irmãzinha mais nova e sim um trajeto repleto dos pequenos detalhes sórdidos. Seria um prato cheio contar o grito de Aurora e seu pedido pra cair fora do cinema. Bastava manter minha boca calada e o som nas alturas tocando música eletrônica. O problema é que a cabecinha de Gisele não parava de fuçar as redes e não foi difícil ela sozinha descobrir vestígios da noite ruim. Seu primeiro gesto foi diminuir o volume do som. _Sua ruiva está meio confusa hen? Que música é essa que ela postou? “É como se eu vivesse 1000 vidas/ Ainda procurando por aquela que é a certa/ Veja, seguir em frente não está funcionando; /Você acendeu o fogo que eu estou queimando./ E tudo que eu estou fazendo é proteger isso, /uma mentira pelo bem do meu orgulho/ Enquanto todos os outros me deixaram pensando/ Nós poderíamos ser mais do que apenas maravilhosos." _Para de bisbilhotar a vida dela. _Isso não é bisbilhotar, seu antiquado. É parte da vida social! Ontem, antes de dormir ela escreveu: “Quero voltar atrás.” O que você aprontou? _Sua escolha da calça não fez muito efeito. _Como assim? Você esperava que a calça sozinha falasse, abraçasse e fizesse tudo? É como uma garota que chega no salão pra lavar o cabelo e quer sair de lá com ele tão sedoso como se tivesse feito um tratamento de mil reais com base em... _Por favor, pode se manter no nível da coerência masculina? _Se não me contar, não poderei ajudar. _ cantarolou aquilo com fina perversão. _Ela simplesmente pediu pra ir embora quando achei que tudo estava começando! _Querido, com dois ovos e farinha não se faz um bolo, fale mais! _Ãnh, não tem mais, foi isso! Ela fugiu! _Está dando de difícil... _Não... _Confie em mim, a PhD nisso sou eu. Está fazendo de difícil. Então, você tem que jogar o mesmo jogo. _ ela continuou usando sua voz de treinador na beira de quadra passando os comandos mais óbvios com um ar de profeta. Saímos do carro e caminhamos para a entrada da escola. _ Aurora Li Mendi 40 Rosaniiii... _gritou e fez um gesto para que uma menina loira sentada um degrau acima de outras garotas mais novas que pareciam suas discípulas veneradoras viesse até nós. Ela tinha lindas pernas sob a saia curta pinçada. _ Esse é meu irmão Doug. _Oi. _ ela me olhou de cima abaixo em um exame de raio X rápido. _Que tal você passar lá em casa hoje para ver o meu guarda-roupa? Lembra que na aula de finanças domésticas ficamos de montar um site de troca de roupas entre garotas? Eu estava tentando entender a união entre o site, eu, ela, minha irmã e Aurora. Mas, me mantive calado porque podia não ter coerência alguma e eu tinha a deixa pra cair fora. _Será ótimo. _Mas, antes eu preciso de um favorzinho seu... _ minha irmão pegou na ponta do seu cabelo e o alisou. Sua voz mais baixa me fez crer que ali estava a cola que uniria todas as pontas dos personagens. _... Tem uma pessoa precisando de um castigo e eu acho que você será perfeita pra isso... Pessoa=Aurora? Ou meu cérebro fora rápido demais? _Não... _segurei o braço de Gisele. Mas, seu rosto focou em alguém atrás de mim. Pude ver pela sua mente aberta para minha intercepção que era Aurora chegando. Ela sussurrou o comando para a amiga, que simplesmente se apoiou nos meus ombros, ficou na ponta dos pés e me beijou. Por quê...? Questionei em silêncio, não negando o beijo. Pude ver pelos olhos da minha irmã transmitindo imagens para minha mente que Aurora estava chocada me vendo com outra garota. Eu alimentava meu ego masculino idiota por mostrar que ela não podia me esnobar, mas parecia uma dose cavalar demais. Eu sei que está doendo nela mais que em você, mas confie em mim, o veneno está na dose correta e Aurora vai se curar desse orgulho bobo de te dar um gelo. Segure na cintura com vontade agora, Doug. Se ela está usando a técnica do sapateado de pisar em você, então, você irá pisar com um salto alto agulha, quanto menor a superfície de contato, maior a força do pisão. A voz de Gisele parecia de uma bruxinha invadindo minha mente. Aurora desapareceu e eu afastei o rosto. O que eu diria pra a garota? Obrigado pelo beijo sem sentido e pode ir com a minha irmã curtir as roupas? Meus olhos se fixaram em Gisele e lhe perguntei em silêncio se machucar Aurora valia uma tarde discutindo moda. Não, claro que não. É bem mais caro que isso, na verdade, você me deve. Pois quando Aurora acordar que não pode deixar Doug, o cara mais legal dessa escola, de castigo, você vai me agradecer. Falou com toda a sua arrogância, piscou e deu as costas. As duas saíram rebolando e eu fiquei parado por alguns segundos. De repente, meu olhar se encontrou com o de Sandrinha, amiga de Aurora, que deve ter visto todo o joguinho. Ela não precisou emitir nenhuma opinião à distância, seu balançar de cabeça para os lados me fez me sentir um troglodita ridículo filha da mãe. Aurora Li Mendi 42 9 Levantando a moral (Aurora) Ver Doug beijando outra garota logo de manhã era tão indigesto. Isso podia não significar nada. Nem que eu o beijasse não significaria nada (pra ele). Afinal, hoje em dia, beijar virou quase um aperto de mãos. Eu começava a querer reivindicar a posse do que eu não tinha direito, a posse da exclusividade. _Aurora! _ouvi o berro do meu treinador no meu ouvido quando pedira tempo pra falar com a equipe. _Onde você está com a cabeça?! Nós vamos ou não vamos ganhar esse jogo? _estava tão feroz que eu podia medir o quanto de passes errados eu perdera por conta daqueles pensamentos. _ Isso aqui é coisa séria! Eu sabia que as prévias para o campeonato juvenil de handbol (onde eu era a pivô) eram tão sérias pra tradição de campeã da escola que eu não podia estar flutuando em outra dimensão pensando em Doug. Mas, pela primeira vez eu estava também me apaixonando e perigosamente levantando a possibilidade de ficar com um superhumano, isso era realmente importante para mim, que tinha a tradição de perdedora no amor. _Seja lá em que planeta você está hoje, volte já pra quadra. _ordenou. _Limpe sua mente, esqueça, ok? Jogo, jogo, jogo. _Vamos lá! _gritei para as garotas da equipe e bati palmas. Elas me olhavam como a rainha de um clã. Eu tinha as pernas e braços perfeitamente definidos e jogava mais do que todas juntas, sem que elas soubessem que eu também sofria mais do que todas juntas pra atingir aqueles índices com minhas limitações humanas. _Acho que o treinador vai ter que passar o recado para ele também, se quiser que você jogue bem hoje. _Sandrinha falou baixinha virando sua cabeça para o meu ombro quando estávamos no esquema de defesa 6x0. Olhei para onde ela estava indicando e vi na beira da quadra o grupo dos meninos se aquecendo pra entrar para a próxima partida e, claro, “o meu planeta”, Doug. A bola passou por mim e foi direto para o gol. As coisas que deu pra ler nos lábios do treinador indicavam que ele agora realmente queria me matar e eu ficaria esquentando o banco pro resto do ano, se não agisse já. A jogada começou a ser armada e eu me dirigi pra o lado do ataque, onde as 5 jogadores adversárias formavam uma linha de defesa. Nossas meninas começaram a passar a bola de um lado para o outro enquanto eu tentava abrir um espaço pra penetrar na defesa. Posicionei-me como havíamos treinado inúmeras vezes, recebi da armadora, girei e arremessei com uma força que fez a bola estourar no gol. O treinador não sorriu, apenas fez um gesto de fechar o punho. Eu precisa me esforçar um pouco mais para conseguir sua simpatia. Mas, foram os assovios do grupo dos meninos que me trouxeram emoção as veias. Vamos dar um pouco de exibicionismo para eles. Retomamos a bola, que me foi entregue livre para eu voar sobre a linha e arremessá-la como um tiro de canhão que quase rasgou a rede. Agora sim um sorriso do treinador, que não me importou tanto quanto Doug que se aproximou da grade e debruçou-se pra me observar com seu cabelo molhado, os brilhantes olhos azuis e os braços fortes saltando da camiseta vermelha. Abaixei a cabeça pra não sorrir e me segurar. Ele não podia ter a vaidade de saber que minha atuação conseguia melhorar consideravelmente por conta apenas da sua presença. Eu poderia ter arrasado de goleada se não fosse uma falta que me deixou no chão. O treinador correu até mim e perguntou se eu conseguia continuar. Falei que não depois de pensar que era injusto isso acontecer quando estava com Doug ali me admirando. Mas, se eu pegasse pesado teria que explicar a eles porque minhas recuperações não eram tão rápidas. Saí mancando e muito chateada, peguei minha mochila em um ombro só e fui pra o corredor do vestiário. _Hei, precisando de ajuda aí? _ouvi a voz que tocava meu coração nos últimos dias e por um momento me esqueci da dor. _Acho que amanhã eu chego à enfermaria com esse passinho de tartaruga filhote desengonçada... _ri, apertando o saco de gelo na coxa. _Por isso que eu perguntei se estava precisando de ajuda. Franzi ligeiramente a testa quando ele se aproximou. Mas, o que estava faz... Aurora Li Mendi 44 10 Qual será o tratamento? (Aurora) Doug se aproximou e meu coração pareceu querer dar a última batida porque era impossível realizar um corpo tão perfeitamente sexy e atraente querendo me tocar. Segurem minhas pernas porque meus joelhos vão se dobrar e não é pela pancada, mas por conta da fraqueza feminina. Quase mandei um tchau e um beijo pra a menina que me fizera falta, eu praticamente a devia pro resto da vida. Seu braço passou pelas minhas costas e me envolveu. Sua mão puxou a minha pra ficar apoiada sobre seus ombros. Eu podia perfeitamente a passos de manca chegar ao meu destino, mas precisei colocar meu lado de atriz carente pra fora e até fiz força pra mostrar que estava realmente precisando me apoiar em seu corpo modelado pelos anjos. Eu podia jurar que metade das meninas tinha os olhos na minha nuca e que em segundos as fotos estariam na rede pra todos da escola saberem que o novo rei escolhia sua preferida. Eu mais que nunca queria estar no páreo e procurava esquecer o quanto isso era inofensivo. _Seu time vai sentir sua falta. Belas jogadas. _elogiou. _Elas são muito boas também. _Eu não disse que você era muito boa. _Não sou? _perguntei com um certo tom de convencimento virando meu rosto para o lado de forma que ficou muito perto do seu. _Eu acho que a enfermaria é ali. _disse e eu quase lhe perguntando se ia me largar bem ali no meio do corredor, mas preferi fazer um doce levantando a dúvida se tinha alguém naquele horário para me atender. _Deve ter. Se não, eu ligo pra minha mãe. Ele quase não usava essa vantagem, parece que tentava se passar ao máximo como o aluno normal. Não tentava tirar vantagem do cargo de diretora da mãe. _Não tem ninguém, mas a porta está aberta. _ ele inspecionou e veio ao meu reencontro oferecer apoio. Caminhei até uma cadeira e com excesso de ajuda me fez sentar. Seu rosto inclinado sobre mim quase roçou o meu quando levantei o queixo. Percebi que suas pupilas se fixaram no meu supercílio ligeiramente marcado e quase lhe pedi pra deixarmos por um momento essa coisa de super humanidade de lado e apenas curtirmos o momento. _O que está sentindo? _agachou-se e retirou o saco de gelo, deixando a superfície arroxeada e cheia de gotículas da minha coxa exposta. _Você... _apontei pra ele com minha unha grande e vinho, reclinei meu busto pra frente e a voz saiu mais rouca do que eu quis. _... vai ser o médico? O vento que entrava pela janela fez os fios do meu cabelo vermelho dançarem no ar. _Qual o tratamento que você prefere? _ sorriu e eu semi cerrei os olhos com um sorriso de lado. _ Desde que tentou me matar até agora está se saindo bem em me salvar... _Não parece que eu fui tão bem ontem à noite. _Ah, você também escolheu aquele filme idiota! _saiu sem pensar e suas sobrancelhas se levantaram. _Você também não precisava ser grosseira querendo ir embora. _acho que ele também falou mais rápido do que escolheu as palavras, mas, pelo que eu tinha entendido o clima acabara e descambara para uma troca de farpas. _Pode voltar para o seu jogo que já deve estar começando... Deve ter alguma coisa aqui pra dor nessa droga de lugar que não tem um enfermeiro! _tentei me levantar, mas senti uma fisgada na minha perna e não foi pra chamar sua atenção. _Senta. _me empurrou delicadamente de volta para o assento. _Chamo seu pai? _Por favor, não! _E como vai voltar pra casa? _Eu já agüentei coisas piores. _falei e imediatamente prometi que deixaria minha língua impulsiva dentro da boca pro resto do dia. _ Digo, ser atleta não é fácil... _Se me esperar jogar, posso te levar em casa... _ofertou. Ok, eu vou falar com a minha amiga Sandrinha pra não me oferecer carona hoje. _Hum, não quero atrapalhar... _Eu só não queria te deixar aqui sozinha... _Doug interrompeu sua fala e pareceu prestar atenção em alguma coisa. Ficava tão bonitinho quando usava seu chip pra ligar pra alguém. Seu rosto se tornou mais sério e contrariado. Virou-se pra porta, como se premeditasse a chegada de uma pessoa. _Oi. _uma garota apareceu e sorriu pra nós dois. _Sou irmã do Doug, Gisele. _Oi. _correspondi com um sorriso. _Pode ir... _ela lhe falou e fiquei assustada com o seu grau de preocupação. Tinha chamado a irmã pra ficar comigo e não me deixar sem cuidados? Aurora Li Mendi 46 11 Amigas, não! (Doug) “Doug, pode voltar para o seu jogo. Eu fico aqui com a sua deusa humana de fogo.”, Gisele disse. Eu não gostava nada do modo como minha irmã encarava aquilo como a mais nova diversão. Já estava atrasado para o jogo. Ameacei-a com um só olhar pra não pegar pesado com Aurora, mas só revirou os olhos e sentou-se de pernas cruzadas. _Se não correr, vai ficar no banco. Estou bem... _ Cabelo de fogo sorriu, um bichinho inocente perante aquele urso babando de fome ao seu lado. Mais um olhar pra Gisele: “Nada de publicar qualquer coisa sobre isso.” Lembrei-a com uma última frase fincada em sua mente. “Como acha que descobri onde estavam? Todo mundo está falando sobre isso. Já são vinte mensagens postadas e duas fotos enviadas para a grande rede. Quem é a garota que está se fazendo de machucada para ficar com Doug? Você está colocando a luz em cima dela, maninho.” Gisele tinha uma voz irritante e eu saí de perto para não ouvir mais nada. Estava contra mim ao meu lado? Voltei suado do jogo e não encontrei-as na enfermaria onde havia visto pela última vez. Parecia cena de filme de terror, eu realmente estava com medo em excesso do desastre da escola descobrir que Aurora era humana. Mas, quem provava sua natureza incorruptível? Eu tinha sido envenenado pelas teorias de Gisele e ela provavelmente tinha um dedo no sumiço. Acionei uma ligação para o chip da minha irmã e atendi sem muita paciência: cadê vocês? Para o que respondeu: “Aurora e eu? Estamos ótimas. A propósito, você vai precisar de uma carona.” Eu senti minha boca secar. Carona? Meu car... Virei-me para a janela do corredor e olhei o estacionamento. Minha caminhonete não estava mais lá! “Qual é a brincadeira, Gisele? Você não sabe... não pode dirigir.” Eu não duvidava das suas habilidades. Desci até a vaga onde deixara o carro, ainda sem acreditar que aquilo não era um ilusão de ótica. Encontrei um bilhete pendurado na grade: “Estávamos precisando do carro mais do que você. Bjs, Gi.” “Estamos em casa. Há lugar mais seguro que a nossa casa?”, gargalhou e eu fechei os olhos para não perder a cabeça. Sacodi a grade com força e minha mão metálica a contorceu. “Doug, você vem almoçar conosco?”, perguntou com inocência. “Quem está aí, Gi?”, questionei e fiz sinal para o táxi que passou pela rua da escola. Joguei minha mochila no carro. “Como quem? A Aurora, eu e a empregada humana. Mamãe não está dessa vez, ela tem uma reunião do conselho de professores e preferiu fazer presencialmente, você sabe que ela ainda é muito antiquada e não quer reuniões em videoconferência 3D.” Gisele está prenunciando que eu me preparasse logo para o momento em que colocaria Aurora de frente com nossa mãe?! O táxi parou na porta de casa. Digitei rapidamente o número do cartão de crédito no aparelho e olhei para o visor que identificou a minha íris. Pronto, pago, pulei do carro. Eu parecia um pouco desesperado abrindo a porta, por um segundo me critiquei. Logo, porém, percebi que estava certo, havia algo de assustador: as gargalhadas das duas vindo do andar de cima. Gisele e Aurora estavam começando a ficar amigas?! Aurora Li Mendi 48 12 Uma estranha amizade (Aurora) Gisele ofereceu-me carona como quem segue um ritual comum entre amigas de infância e aquilo só não me pareceu mais estranho que eu compactuar com a criação daquela cena irreal e aceitar. Seria algum encanto sobre mim que ela começava a exercer desde o primeiro instante? A mesma energia magnética que partia de seu irmão? Seus olhos vermelhos estavam claros quase rosa e sua roupa ainda cheirando a perfume das lojas da avenida Roier, onde só as garotas muito ricas poderiam encostar os narizes na vitrine. Melhor, elas nunca precisavam se sentir gordas nos cabines de roupa apertadas com um espelho que te dá 10 cm de cada lado. Elas experimentavam tudo em casa e devolviam o que não queriam depois. Eu já soubera da fama de seu mágico guarda-roupa pela boca das outras garotas recém discípulas que conheceram sua casa na festinha que deram durante a viagem de seus pais. Por que agora queria que eu a acompanhassem? Não achava realmente que eu pegaria seu lanche ou passaria respostas das provas pelo chip que eu nem tinha? Poderia eu, então, dizer logo que não tinha chip, que era humana e nunca poderia receber mutações genéticas? Não, claro que não! Arggghhh. _Você vem?_ ela bateu no banco de couro já dentro da caminhonete no lugar do motorista e eu ainda estava virada, olhando para grade onde ela deixara um bilhete. Se não havia qualquer problema de estarmos pegando o carro do seu irmão emprestado, por que precisava avisar? Ou não seria mais prático avisá-lo por seu chip? Eu não entendi bem sobre essa tecnologia, quem sabe a marca deles não pegava com tanta distância? O que deu pra notar é que Gisele não sabia bem por onde começar e quase achei que me pediria pra pegar algum manual básico de primeira- pilotagem- no- carro- doirmão no porta-luvas. Ia oferecer a minha pouca experiência guiando o carro do meu pai, mas ela superou a própria hesitação e deu partida. _Ele faz tudo, não é mesmo?_ programou o GPS e eu rezei pra que tivesse tão certa disso quanto a segurança de que sua blusa lilás combinava com o cinto azul e a bota marrom. Eu queria mesclar peças tão desconexas com uma assinatura perfeitamente fashion o meu look de todas as manhãs. _O que vamos fazer na sua casa mesmo? _ perguntei, querendo um pouco de obviedade naquela prematura amizade de meia hora. _Ora, esperar meu irmão. Eu não ia te deixar lá sozinha. _Claro... _ completei, um pouco desconcertada com a agilidade com que juntou as duas peças. _ Quero dizer...err, claro que não quer me deixar sozinha. _ Teria a ver com Doug a idéia de me raptar pra sua casa? Não parecia loucura, desde a última vez que eu dera a entender que na minha não podíamos ficar na minha. _Seu irmão pediu pra me trazer? _o pensamento incômodo se expressou mais rápido que minha vontade de recolher as palavras já lançadas no ar. _Não. _ Gisele riu uma mistura de sarcasmo e diversão pelo que interpretei. Ela realmente devia pensar que eu não era nada a altura de Doug. Onde apertava o botão pra descer imediatamente?_ Chegamos._ disse, parecendo ler meu pensamento. Foi quando meus olhos pararam em uma belíssima casa em meio a mata e a visão daquele lugar lindo me impediu de pensar em qualquer outra coisa. O jardim florido com muitas cores e a grama perfeita como em estádios de futebol em final de campeonato mundial. Iríamos parar com aquela investigação sobre o motivo da minha vinda daquele ponto em diante, porque agora eu mesma gostaria de entrar! Gisele passou na minha frente tão rapidamente, que eu só ouvira o som da porta do carro batendo atrás de nós. Eu estava estado de slow motion? Pisquei os olhos e umedeci os lábios entreabertos. Ela sorriu, parece que entendendo pelas minhas feições que ficara encantada com sua maravilhosa casa. Assim, fui atraída para segui-la. A graciosidade como andava me fazia me sentir uma pata gorda e feia. Seus cabelos loiros brilharam no sol ameno. Quando aproximou-se da porta de madeira grande e pesada, um pequeno ponto luminoso reconheceu sua íris e se abriu para uma ampla e bela sala em tons branco, com piso de madeira. O teto era muito alto de telhas, com vigas de madeira escura cortando os ambientes, mas com muitos pontos de luz iluminando tudo na medida certa. Era um choque entre uma arquitetura clássica de castelo com mobília ultra moderna. As paredes eram de vidro em alguns ambientes, mas com o acender da luz incidindo sobre a superfície, a transparência dava lugar a um enorme espelho que refletiu a nós duas no grande quarto em que entramos, duplicando o ângulo de profundidade. _Essa hora o seu irmão já deve ter acabado a aula, deve estar vindo pra cá, acredito... _comentei, sem acrescentar que estava um pouco preocupada com o fato de estar íntima da sua casa sem seu convite. Ela suspirou, parecendo não me ouvir, com o olhar perdido. Eu já estava acostumada quando as pessoas faziam aquela cara ao usar seus chips e tentava sempre parecer natural, mesmo sem poder imaginar como seria. Será que falava com Doug? Mas, ela não me revelou nada, apenas retirou a pulseira de couro e argolas de ouro do pulso, que parecia incomodá-la e deixou na cômoda branca. _Vamos dar um mergulho?_sugeriu. Aurora Li Mendi 50 _Agora? _ dei-me conta de que se referia a uma piscina e logo pude ver o azul vindo de uma das amplas janelas atrás do seu ombro. Definitivamente dar de cara com Doug em trajes mínimos seria o abuso máximo, sem contar que eu não era como aquelas garotas que contava com as maravilhas genéticas de ter quase nenhum pêlo nos lugares certos. Precisava me depilar na quinta, coisa que adiei no sábado por conta de estudar para a prova de história. Aposto que roupa e biquínis não seriam problema dentro daqueles guarda-roupas de 12 portas que se escondiam atrás de nós. _Não estou com meu joelho bom ainda. Podemos fazer algo menos agitado? _Ok._ colocou as mãos na cintura e suspirou. _Não sabia quais planos tinha pra mim, mas pareceu que eu estava dando tanto trabalho quanto uma criança arteira, quando eu só queria ir embora. Ao mesmo lado, minha outra parte queria ver Doug, apesar de ser totalmente contra as regras de humanos não são amigos de super humanos. _Você quer uma roupa pra vestir? Eu me olhei pra ver se não estava enrolada em trapos, mas ali estava o uniforme de educação física. Seria tão aterrorizante algumas horas a mais com eles?! Não perguntei, ela se explicou: _Roupa é o que não falta. _suspirou e disse para o armário: _ “abrir”. Este comprimiu as portas em formato de sanfona até a lateral e o que vi me fez quase tossir! Era uma arara gigantesca dourada repleta de todos os vestidos, blusas e calças mais fashion que eu já vira. Nenhuma garota tinha um armário daqueles. No chão, sapatos se enfileiravam em todos os tamanhos, formas e cores. _Não fui eu quem comprei. Por que ela me contava aquelas coisas e me mostrava seu armário? Procurei no tom morno da sua voz uma justificativa. Estava com tédio por sua mãe ter comprado a última coleção de todas as lojas mais incríveis do shopping em seu número? O que importa? Eu a entendia por não conseguir ficar algumas horas a mais com roupa de educação física. _Eu faço propaganda. _Ãnh? _voltei a olhá-la, sentada na beirada da sua cama alta e larga, repleta de travesseiros e almofadas felpudas. Não lembrava de Gisele como garota propaganda de nenhuma campanha. Nem ela parecia exatamente bonita o suficiente de corpo... _Não é como está pensando. _impediu-me de continuar o pensamento. _Eu sou uma Garota Alfa. _ Garota Alfa? _repeti arrastadamente, na expectativa de que aquele alfa ganhasse algum sentido, como nas provas de matemática em que eu murmurava baixinho as variáveis da questão pra tentar lembrar das fórmulas. _Sim, Garota Alfa. _caminhou até a arara graciosamente, pinçou um cabide com uma blusa bordada a mão, com rendas nas costas e um tecido acetinado, meu Deus, era seda pura?! _As empresas escolhem garotas que são influentes, as vestem completamente e exigem que elas influenciem as demais meninas de maneira “subliminar”. _revelou e estendeu pra mim o cabide. Isso queria dizer que eu tinha que guardar seu segredo? O que esperava? Que contasse os meus também? Ela ficaria muito decepcionada, se soubesse que eu tinha muito a esconder sobre minha fragilidade física e intelectual? _ Dá muito trabalho convencer as pessoas, estar “in” na sociedade, freqüentar todas as festas... _Ter todos os caras que quiser? Que tarefa difíciiiil. _ ri e abracei a blusa contra minha cintura, enquanto encostava o cabide no queixo, me deparando no espelho. _O garoto que eu quero não ligaria se eu estivesse vestida de roupa de educação física._ revelou. (Ela quis dizer “como se eu vestisse trapos”). _Seu irmão é um garoto Alfa? _ perguntei e calculei que já havia gastado minha cota de perguntas imparciais que não quer dizer que estou dando em cima do seu irmão. _Sim, toda minha família é. Mas, cada um com um tipo de público pra atingir. _A companhia que “patrocina o luxo de vocês” também escolhe seus namorados? _Você quer saber, as namoradas do Doug Alfa? Eu prendi a respiração por um tempo, sentindo as bochechas queimarem. _Algumas sim, mas Doug é um Alfa difícil de se controlar... Já trocou três vezes de empresa por conta de probleminhas de relacionamento com amigos e mulheres erradas. _Hum. Mas... eles ficam... tipo fiscalizando a vida dele? Sabendo de tudo tudo...? _Com-ple-ta-men-te tu-do. _falou pausadamente e eu senti vontade de correr. Vi no brilho dos seus olhos vermelhos, cor de sangue e na voz maquiavélica, que tudo aquilo não me cheirava bem. Por que eu estava ali, ganhando roupas, sabendo de seus segredos? Aquela era uma armadilha pra quê? Aurora Li Mendi 52 13 Alfas (Aurora) Aquela história toda sobre os Alfas me deixava ainda mais apreensiva. Será que precisavam de um escândalo pra poder popularizá-los ainda mais? Já farejava em mim o cheiro de humanidade? Por que Gisele queria ficar comigo era a segunda pergunta a me preocupar, a primeira era: “O que diabos eu ainda fazia ali, odiando- e ao mesmo tempo adorando - sua conversa maluca sobre roupas, moda, influenciar pessoas?”. Éramos os opostos. Eu andava sempre à sombra, margeando a vida sob um capuz de casaco, incógnita. Ela era o símbolo, a referência, apesar de mais nova e mais imatura, era mais safa. Sua superhumanidade ajudava, mas conseguia ser a super das super. E seu ar de tutora fashion me deixava completamente submissa e serva de suas vontades. Como era ridícula, mesmo assim, vesti a blusa apertada preta e a saia xadrez vermelha curta em um biombo de madeira no canto do quarto. _Não coube em mim._comentei e antes que eu voltasse pra meu velho confortável pijama- uniforme, ela apareceu em um pulo do meu lado. _Como não?! Fechou perfeitamente em você. O conceito de se vestir pra ela era fechar os botões? Eu sentia meus seios pulando do decote e as pernas envoltas em um cinto que ela confundia com saia. Sairia daquilo agora, mas Gisele me impediu: _Espera!_ espalmou as mãos na minha direção e eu bufei, me sentindo sua bonequinha. _vasculhou uma caixa e colocou um colar de corrente, onde por dentro passava uma fita rosa e pendiam algumas pérolas e penduricalhos de cobre. Eu não era um manequim pra ficar brincando com a composição. Mas, eu estava gostando. _Deixa eu ver o que faço pra tampar suas pernas, anhhhh..._mordeu o canto da unha de porcelana enorme. Como assim tampar minhas pernas?! Era mais perfeitas e naturais que as suas recém lipoaspiradas e cheias de hormônios. _Coloca essa meia grossa preta aqui com listras. _estendeu na minha frente e eu gostei da idéia. Era só pra brincar, não? Algumas horinhas não iam deixar meu pai completamente furioso, hãn?_ Coloque esses sapatinhos aqui de boneca. _ jogou aos meus pés e o som do salto no assoalho fez um estalido oco._Olha só, agora você é uma das minhas. _ colocou o braço no meu e sorriu como um anjo para o espelho a nossa frente. Olhei-me completamente sexy e ingênua naquela composição que era muito sensual e muito discreta ao mesmo tempo, como uma ilusão de ótica, que dependia do ângulo. Eu nunca poderia ser uma das suas, mas tentei manter o sorriso no rosto e curtir o momento. _Eu vou tomar um banho. _avisou. Era o sinal soando para o fim-tiraa- roupa- vamos- acabar- com- essa- palhaçada? _Podia me fazer o favor de descer e avisar a empregada que chegamos? Ela vai colocar a comida na mesa. _Hum, ok. _ concordei em fazer aquele favor e, na volta, tirar a roupa._ adiei por alguns minutos o fim daquela brincadeira de colocar roupa em boneca. Quando atravessei o corredor em direção a escada que dava para o primeiro andar, ouvi uma música com voz rouca surgindo de alguns pontos no teto. Enruguei a testa. Escorreguei a mão no corrimão dourado como ouro e olhei para cima, deixando meus pés sozinhos por inércia procurar o espaço dos degraus. Assim fui descendo enquanto descobria micropontos de fones nos cantos do teto. Meu corpo oscilava, deslocando o peso do corpo ora para um pé, ora para outro, pisando pesadamente. Meus olhos, de repente, se depararam com Doug na base da escada, apoiado nas costas de um sofá, com as duas pernas cruzadas e os braços fortes e apertados no abrigo do time, me admirando descer. Enquanto eu estaquei, meu coração rolou escada abaixo e parou inconsciente lá embaixo, pois fiquei lívida. Foi minha vez de dizer “oh, my god!” mentalmente. Era uma ilusão, Gisele deve ter me dado drogas injetadas na malha da roupa que atravessou a minha pele. Ele não estava ali e eu não estava ali. Enquanto pensava sobre essa possibilidade física de invisibilidade, seu canto da boca levantou em um meio sorriso que me fez fechar ainda mais a cara e a respiração alterar. Doug deu um impulso pra frente e num relance de segundos subiu os dois degraus que nos separavam e segurou uma mão no corrimão, impedindo-me de passar. _Vocês dois combinaram alguma coisa? _ perguntei, irritada com essa chance. _Acha que posso ser o coelhinho de estimação de vocês? _Não sei o que está falando..._ abaixou o queixo e de boca entreaberta e olhos arregalados, passou a mão no cabelo da nuca e fez um suspense, até soltar o ar. _ Você está... _Ridícula! _revirei os olhos e virei-me para subir, mas sua mão de ferro puxou-me, me fazendo chocar-me contra o paredão do seu corpo, provando um terremoto em meu corpo. Eu provavelmente cairia junto com ele se fosse humano, mas era extremamente forte para me segurar. _O que quer? _Eu não sei o que queria até então, mas agora tenho certeza! _olhoume com tanto desejo que a voz saiu grave demais e felina. Franzi a testa e balancei a cabeça para os lados. Aurora Li Mendi 54 _Fique longe de mim. _continuei a subir a escada, voltando a dar-lhe as costas. Era para seu bem. Por que tinha me escolhido desde o primeiro encontro de quase atropelamento? _Aonde vai? _perguntou-me, seguindo meus passos. Bati a porta do quarto no seu nariz e vi Gisele sair do banheiro enrolada no roupão branco, ainda de cabelo seco. Ela tomava banho à vapor ou voltara porque esquecera de pegar alguma coisa? Sem dar-lhe qualquer explicação, comecei a desabotoar a saia e a blusa. _Está tudo bem? O que houve? Parece que tem um bicho na roupa._riu. _Obrigada, foi muito divertido, mas..._pulei de um pé só, busquei a minha roupa, fui para trás do biombo me trocar. _Você pode me explicar o que está acontecendo? Viu algum fantasma? _não se importou de invadir a área do biombo e me ver de costas nuas e calcinha. _O seu irmão acabou de chegar! _quase gritei, mas o tom foi suficiente para entender o quanto eu estava com raiva. _E? _com tranqüilidade levantou as sobrancelhas. _Isso não estava previsto? _Hum... _procurei meu tênis. _Aquele idiota fez alguma coisa com v...? _Não, não fez nada._cortei-a. _Ele não fez nada, a única coisa que te incomodou foi o fato dele chegar... Ela era tão idiota ou isso era um joguinho pra que eu dissesse com todas as letras de que estava com vergonha de ter sido vista vestindo suas roupas como alguma cabeça mole facilmente influenciável? _Você previu que ele estava pra chegar e me mandou descer vestida daquele jeito? _Olha, eu acho que realmente você está confundindo as coisas. _fezse de magoada._ Desculpe se tem algum problema em parecer interessante e prefira se vestir assim, mas não tenho como prever a vida do meu irmão, se entra ou não em casa na hora que deseja. Podem almoçar sozinhos que vou sair. Licença, vou voltar para o meu banho. Dei um passo a frente na direção das suas costas, mas desisti de pedir desculpas, lá no fundo eu desconfiava daquela raça que tinha poderes que eu não dominava. Desci as escadas rapidamente, prevendo que o encontraria em seguida. Mas, Doug não estava por ali. Abri a porta facilmente por dentro, ganhei a luz do sol e escapei sem dar explicações. Fugindo. Eu sempre fugiria? 14 Ela é dona do jogo (Doug) _“Doug, vou ganhar uma viagem fabulosa de férias! _ A voz de Gisele parecia de uma trabalhadora árdua que esperava suas férias com um fundo de hino de Aleluia. Na verdade, minha irmã se vangloriava de ter o duro trabalho de colocar emoção na minha vida. _ Já estou até me vendo num resort do Caribe tomando drinques na piscina.” Enquanto eu estava a caminho de casa de táxi por conta de Gisele ter pego meu carro sem minha autorização, ela vinha zumbindo na minha cabeça através da nossa comunicação por chip aquele papinho de férias garantida. _ “Você está no topten. Todos só falam de você agora.” _anunciou como se abrisse o envelope do Oscar emocionada e esperasse de mim um belo discurso de agradecimento no palco. _“Os nossos seguidores estão adorando sua estória.” _ vangloriou-se. Porém, eu podia calcular que Aurora estava sendo usada na sua estratégia de barganhar as férias, sem se importar com a possibilidade de machucar os sentimentos da garota, que não devia sonhar que milhares de pessoas acompanhavam agora seu encontro entre amigas na minha casa. Nossa família foi convidada a entrar no clã Alfa de pessoas bonitas, ricas e influentes com uma sonhada vida patrocinada por marcas que nos fazem experimentadores de todos os objetos de desejos que saem da fabulosa indústria do luxo. Somos verdadeiros cabides e vitrines ambulantes. Você pode estar achando uma vida triste e infeliz. Mas, Gisele e eu não somos do tipo revoltados com o destino que nossos pais escolheram para nós. Pelo contrário, até agradecemos muito pela educação com até certa liberdade e privacidade que nos deram. Nossos desejos foram levados em consideração mais do que muitos Alfas que conhecemos. Claro que, no início foi difícil perceber isso. Como todo bom superhumano, aprendemos desde os cinco anos a usar nossos chips pra nos comunicarmos com a velocidade que a nuvem de informação da internet nos permitia. Achávamos que éramos sortudos por ter todos os lançamentos de brinquedos, roupas, sapatos e eletrônicos e creditávamos apenas à aparente riqueza de nossos pais que faziam tudo parecer presentes diários. Eles tinham a habilidade de colorir o mundo com um filtro de fantasia e ilusão de pureza. Assim que a adolescência chegou, julgaram já estarmos grandinhos pra entender a revelação quer fariam. “Sabe o carro esporte que temos, Aurora Li Mendi 56 aqueles eletromésticos que trituram até madeira na cozinha e aquele colar de brilhantes? Não foram comprados por nós, mas trazidos por algumas empresas para nos emprestar. (Eles ainda usavam palavras doces “emprestar” pra atenuar o golpe que não podia prever a reação.) Na cabeça de Gisele que pude ler, só havia uma questão: “vamos parar de ter tudo isso?” Era como se o mundo se tornasse muito pior sem suas roupas, bolsas e maquiagens de marca. Minha mãe sorriu: “não querida, pode ter até mais.” Eu estava certo que Gisele aceitaria matar, se minha mãe dissesse que “basta agora sair por aí matando uns humanos fracos que ganhará em dobro todo o luxo que já tem.” Mas, a regra era estranhamente mais fácil (aparentemente e vão entender por que). Só tínhamos que seguir a vida como sempre fora, usando tudo que chegasse para nós. Gisele e eu achamos muito suspense para a conclusão ser “siga sua vida e saiba que o que usa foi um presente de alguém”. Franzimos a testa desconfiados. Meu pai fez um sinal de olhar pra que minha mãe parasse de esconder todo o jogo. Eu sabia que existia um preço muito alto que estava prestes a ser colocado na mesa. “Acho justo que saibam que não estão sozinhos”, ela começou a explicar e Gisele abriu a boca e depois de alguns segundos sem falar, ficou penalizada pela falta de exclusivismo, “há outros de nós? “, quis saber. “Sim, meu anjo, eles tem a tarefa de divulgar as empresas assim como nós temos esse trabalho. “ (trabalho? toda minha vida fora um trabalho?). “Mas, nossa importância não está apenas em ser a demonstração viva dos produtos. Nós fomos eleitos para participar de um reality show dos Alfas.” Reality Show? Estávamos em um programa de TV? As pessoas nos assistiam o tempo inteiro? O mais rápido apreensão do significado disso me trouxe de imediato náusea e calafrios. De quantos milhares de pares de olhos estamos falando? Eu seria visto fazendo xixi no banheiro ou dormindo com uma namorada por todos os amigos da escola? A corrente de pensamentos meus e de Gisele cruzados preocuparam nossos pais que se levantaram do sofá e sentaram ao nosso lado na outra poltrona de oito lugares. “Não funciona assim! Não na nossa família. Não podemos negar. Há sim alguns Alfas que não fazem qualquer censura e abrem 100% da sua vida para outros observadores. Mas, no nosso caso, só mostramos para as pessoas que querem nos acompanhar aquilo que desejamos. Basta dar acesso aos seus chips pra que elas vejam através dos seus olhos. Você pode falar de coisas legais, passar bons ensinamentos, trazer exemplos saudáveis.” Eu ainda sim queria ficar no meu quarto trancado sozinho, sem ninguém me vendo por dentro da minha cabeça. A escolha existia, mas era tão esmagadora que parecia impossível: se pedíssemos total privacidade, deixaríamos de ser Alfas. Eu não tinha direito de privar toda a família. Havia a chance de mostrar só o que eu quisesse, certo? Era só essa minha tarefa? _Vocês conhecerão várias pessoas que irão lhe dar sempre conselhos. _minha mãe tentou dessa vez forçar a barra. O que ela chamava de sugestões eram ordens de comando. _É divertido, vocês estão participando de uma espécie de jogo. Existem muitas pessoas do outro lado que vão aconselhar vocês a fazer certas coisas. O livre arbítrio de escolher ou não seguir com a sugestão é de vocês. Não perdem o comando. Agora, se aceitarem, todos saem ganhando. Vocês vão ter mais presentes e os jogadores ao acumular pontos também são bonificados pelas marcas. Eu tinha que agora entender que nossas vidas eram um game em que eu entrava na fase 1. _Como vou conhecer essas milhares de pessoas?_Gisele questionou, preocupada com espectro de popularidade. _Ter um Alfa é coisa pra gente muito, muito rica e poderosa. Assistir já é para um segundo nível de pessoas que podem pagar pelo acesso a esse “filme contínuo”. Só poucos podem interferir e enviar mensagens de direcionamento pra nós Alfa. São pessoas selecionadas pelas marcas. Era um pouco apreensivo para um adolescente que já tentava administrar ordens de dois pais, acompanhar os pedidos de algumas dezenas de ricos com um hobby estranho de jogar com a vida de pessoas de verdade. A adaptação a essa realidade foi mais divertida e natural para Gisele. Talvez porque o efeito colateral mais difícil para ela fora o excesso de popularidade por ser sempre in e deixar suas jogadores patricinhas felizes no tabuleiro de jogo. Mas, nossos amigos da vida real não sabiam que éramos Alfas e que havia pessoas nos assistindo por meio das imagens de nossos chips que liberávamos acesso de vez em quando. Isso fazia com que não se afastassem de nós. Poucos eram aqueles que tinham dinheiro pra se interessar por esse tipo de jogo. Da minha parte, levei tudo com proveito até o fim do ano passado, quando me apaixonei por uma Alfa sem saber. Era muita coincidência, mas nossas marcas rivais ganharam bastante com isso e nossos jogadores se divertiram enquanto nos manipulavam um contra o outro sem sabermos, até nos levar ao maior índice de destaque no portal do reality. Foi assim que descobri que ela estava com outros caras ao mesmo tempo em que parecia curtir nossas saídas. Foi uma fase crítica da minha família, onde pensei em abandoná-los. Mas, nossos jogadores nos aconselharam ir para uma cidade menor, onde podíamos viver uma vida mais tranqüila. Agora que já tinham recebido seus presentes e, eu, minha caminhonete nova, consideravam que podíamos passar para a próxima fase do jogo. Meu coração porém, não era uma máquina que podia sofrer um reset. A garota Alfa sumiu e eu peguei o carro e a mudança e segui com minha família pra longe. Não sozinho, nossos jogadores nos acompanhavam sempre de algum lugar do panótipo virtual. Eu não queria que Aurora virasse um tema de discussão dos jogadores e que Gisele se divertisse editando nossa estória com cortes e colagens de cenas como se montasse ao seu bel prazer nosso enredo. Ela Aurora Li Mendi 58 sabia como ninguém chamar atenção para os maiores lances. Os seus níveis de recompensa já estavam tão altos quanto uma viagem em grande estilo no Caribe. Acessei direto a mente de Gisele pra acompanhar o que aprontava. O campo estava aberto para mim, sinal de que todos os jogadores podiam ver o que se passava diante dos olhos da minha irmã. Acompanhei Aurora encolhida no banco do meu carro, saindo da escola com Gisele. Ela era muito magra, meu banco muito grande ou estava mais encolhida que o normal por retração diante do convite incomum? Gi esboçou não saber o que fazer direito com o volante e duvidei se não fora isso que a deixara Aurora tão recolhida e apreensiva. Mas, logo um jogador lançou a frase no chip de Gisele pra ajudá-la a fazer o óbvio: ligar o GPS pra pilotar automaticamente. Outros deles comentaram que tinha que ser uma loira burra mesmo. Nem todos eram bonzinhos. _Seu irmão pediu pra me trazer? _Aurora quis saber e eu quase agradeci a Gisele por ter dado um empurrão tão ousado quanto este. A garota, contudo, estava com a respiração mais alterada que o normal e a sua pele parecia suar pelo que dava pra perceber com minha supervisão. Não confiava na minha irmã, que não parecia ajudar com tanta simpatia e falsa hospitalidade. Chegou a ser ridícula quando a convidou pra tomar banho em nossa piscina, por mais que eu adorasse a possibilidade de ver o palito de fósforo mergulhar na água. Apagaria todo o seu fogo? A menina parecia só pensar em mim, nem que fosse pra tirá-la daquela, pois comentou alto: “Essa hora o seu irmão já deve ter acabado a aula, deve estar vindo pra cá, acredito.” Minha irmã e suas jogadoras invisíveis achavam que roupas eram como comida para famintos, podia conseguir qualquer coisa com elas. O efeito fora imediato aos olhos de Aurora. A menina era bonita o suficiente pra qualquer roupa, mas não parecia ter dinheiro para ser uma top como Gisele. Eu não queria que aquele velho costume dos Alfas de se aparecerem como leões imperiais a constrangesse. Porém, Gisele mostrou-se atenciosa como não era com todas as suas discípulas seguidoras. Estendeu uma roupa na frente de Aurora, naturalmente escolhida por suas jogadoras que queriam se entreter com a cena. Cada uma escolheu uma peça e eu não estava preocupado na composição e sim em ver Aurora sem nenhuma delas. Abri um canal de comunicação particular com Gisele e disse-lhe pra fechar o acesso dos jogadores ao corpo de Aurora, pois não merecia ser exposta assim. Ela respondeu: “quer ter a exclusividade e deixá-los furiosos? Você não vai acabar com as minhas férias!”, irritou-se. A imagem de Aurora na saia de pregas e na blusa preta com uma renda me fez esquecer por um momento os jogadores, as mensagens frenéticas que os espectadores enviavam, o ibope subindo. Eram apenas letras, frases, em um pano de fundo atrás do belo quadro que me irmã me permitia ver por seus olhos. Aurora não devia sonhar que tínhamos esse poder, senão, estaria preocupada. Mais não era só eu que estava em adoração, todos aquele marmanjos e garotas riquinhas sem ter o que fazer também curtiam a situação. Ordenei pela última vez pra que Gisele fechasse o seu campo visual. Foi nesse momento, que Gisele revelou o que nunca falávamos a ninguém, que éramos Alfa. Gritei em sua mente que era louca. Mas, ela retornou de volta que sabia ser honesta com as pessoas. Eu ri irônico e perguntei por que não contava a história completa sobre a nossa vida telepaticamente transmitida e jogada. _Seu irmão é um garoto Alfa? _Aurora questionou e eu também fiquei interessado na sua reação à resposta positiva de Gisele. Um dia até pensaria me lhe revelar, mas Gisele já me suprimira a possibilidade de decepcioná-la com alguma mentira e explicou todo o significado do que era ser Alfa. Quando toquei na maçaneta da porta, Gisele tirou o time de campo e correu para o banheiro, entregando para mim a presa, inofensiva, caminhando a passos quase suaves de bailarina. Gisele enviou um pensamento privado de que desejava que eu fosse feliz, depois daquela decepção horrível com a garota Alfa, mas que não tirasse suas férias paradisíacas. O paraíso, porém, já estava vindo a minha frente na escada. Gisele lançou a pergunta aos jogadores sobre que música poderia ser o fundo daquela cena e eles rapidamente escolheram. Gi colocou, então, a canção nas caixas de som de nossa casa, o que chamou atenção de Aurora, tão absorta com a procura pelos alto falantes que quase caiu da escada, mas segurava com uma pressão excessiva o corrimão dourado. Suas pernas pareciam maiores olhando de baixo, seu queixo mais arrebitado e seu cabelo ainda maior e mais vermelho. Tudo naquela garota vermelha era fogo incandescente. Seus olhos verdes brilharam quando me viram e o jogo da vida deu uma pausa para mim, pois esqueci de tudo e subi rapidamente nos degraus para chegar até ela. _Vocês dois combinaram alguma coisa? _ ela perguntou. Eu quis dizer “eu, nada. Eles, quase tudo”. _Acha que posso ser o coelhinho de estimação de vocês? _Não sei o que está falando..._ tentei fazer parecer com que entendera tudo errado. Mas, eu tinha que confessar que estava certa por não termos o direito de colocá-la naquele jogo. Deveríamos afastá-la de nós. _ Você está... _Ridícula! _bradou e percebi que considerava a roupa ingenuamente seu maior problema. Muitos jogadores começaram a me dar ordens: “beija ela”, “está esperando o quê? Pega ela”, “Puxa agora”... As frases em seqüência tinham o poder de me controlar quando eu estava emocionalmente mexido. Puxei-a pra mim e pude ouvir a sua respiração, sentir na pele do meu ombro por meio da minha supersensibilidade a direção do seu hálito quente. _Fique longe de mim. _Aurora deu-me as costas e subiu as escadas. Senti-me um monstro, mas, mesmo triste, acompanhei sua chegada no quarto Aurora Li Mendi 60 através dos olhos da minha irmã que tentou persuadi-la sobre não ter sentido desconfiar de mim. Mas, alguma coisa naquela casa parecia normal? Tudo dava sinais pra Aurora que era melhor que fosse embora. Agora com tristeza pedi pela última vez que Gisele fechasse seu campo visual e ela atendeu, para a vaia geral dos jogadores irados. Apenas me enviou privadamente a imagem de Aurora retirando a roupa com furor, enquanto eu estava encolhido em um canto da sala no andar de baixo. Não falou nada, ficou em silêncio, dando-me a chance de admirá-la. Vimos algumas cicatrizes em suas costas e continuamos sem compartilhar nossas indagações por um tempo. Até que Gisele pareceu confusa sobre sua certeza de que Aurora era humana. Pode ser das cirurgias de mutação? Não podiam ter feito uma plástica? Se ela for humana, você vai usar disso pra entreter os jogadores? Eu perguntei, mas ela não respondeu e Aurora passou pela escada correndo, deixando seu rastro no ar. Meu coração apertou. 15 Alguém tem que pagar as contas de casa (Doug) Desci os degraus da arquibancada do ginásio coberto da escola, fazendo o mínimo de barulho possível. Já eram 8 horas da noite e não havia mais nenhum aluno. Quase nenhum. Logo meus olhos encontraram o que vieram procurando por todos os corredores. Já fazia dois dias que eu lia os pensamentos dos outros na escola falando sobre o novo lance entre mim e Aurora e ela mesma fazia que nem me conhecia ou me permitia tirar alguma pista do seu rosto. A atualização das redes sociais da minha irmã andava informando mais sobre nós dois do que as suas novas coleções de roupa. Não importava o assunto com quanto que desse ibope, Gisele faria bem seu trabalho de paparazzi. E a fofoca era o cimento social naquela escola. Coisa que Aurora parecia ignorar. Eu ficara esperando minha mãe sair da diretoria para dar uma carona de volta pra casa, mas no fim viu que realmente precisava ficar mais e eu saíra de sua sala um pouco irritado. Por que não percebera isso antes? Esse bolo ao mesmo tempo veio com uma grata surpresa. Vi uma mensagem de uma amiga na minha página pessoal que dizia “treino acabou, agora só ficou Aurora tentando dar o triplo de si. Tchau, não quero tanto ser vencedora, vou pra casa.” Eu tinha criado filtros pra que tudo escrito sobre o nome de Aurora chegasse rapidamente a mim. Então, se estava treinando só podia estar no ginásio. Andei até o fim do corredor de madeira e abri vagarosamente o portão de ferro vermelho. O lugar era uma obra olímpica para uma simples escola do interior. Havia quatro blocos de divisões da arquibancada com mais de cem degraus, descendo em cascata até a quadra polivalente. A luz era baixa naquele horário, apenas o canto superior direito estava com um refletor ligado na direção da minha procurada. Ali, ficavam os aparelhos de exercício físico feito para aquecimento. Alguns colchonetes azuis e barras de ginástica olímpica sujos do pó branco de magnésio indicavam que houvera um treino ali pela tarde. Mas, só sobrara a garota de fogo. Não sei por que Aurora preferia a sombra, o silêncio e a solidão, mas independente do seu motivo, eu respeitei seu retiro e me mantive também no outro extremo. Minha visão era suficientemente poderosa que podia a muitos metros de distância enxergar seus cílios e ouvir sua respiração mais ofegante. Se ela tivesse um chip como o meu certamente já teria dado por minha presença. Nem por isso se tornava menos desafiadora. Aurora Li Mendi 62 Eu não sei o que buscava, mas Aurora estava já fazia 20 minutos desde que eu chegara subindo e descendo pesadas barras de ferro que contorciam seus músculos em curvas firmes e definidas. Pra que precisava de tanta força física com exercícios de repetição? Era alguma técnica milenar que os antigos humanos faziam pra se manterem mais jovens por algum pouco tempo? Havia remédios e mutações pra isso. Mas, sua obstinação me intrigava. Se antes eu tinha muita pressa pra que minha mãe acelerasse para ir embora, agora eu queria ficar ali quieto, sem vontade de ir pra casa. No jantar de ontem, discutimos por conta da visita de Aurora a nossa casa, que viera a tona. Enquanto eu tentava comer a salada de macarrão, meu pai elogiou minha performance entre os Alfas. Imediatamente meus olhos cruzaram com os de Gisele que parou por alguns segundos com o garfo apontado para a boca, mas disfarçou e comeu o pedaço de carne. Minha mãe espetou com força de mais seu legume, fazendo um ruído metálico na louça. _Vocês querem que aconteça de novo o que houve da última vez?_ olhou primeiro pra Gisele e depois pra mim, como se compartilhássemos a culpa de uma travessura. _Nós já sabemos que todos só falam do seu novo caso, Doug. _Meu? Não há nada! _fiz pouco caso e peguei a taça de vinho. _Querida, nós precisamos, já conversamos sobre isso... _ a mão de meu pai sobre a da minha mãe tinha o poder de calá-la, mas não de impedir seu leve tremor. _Será bom pra toda a família, é só eles... se controlarem mais dessa vez..._ voltou a divisão de responsabilidades para nós e foi a vez de Gisele e eu não termos tanta segurança assim para devolver-lhe. Eu pude ler a mente da minha mãe que se abriu exclusivamente para mim: “seu pai está com muita dívida pra pagar, se descontrolou um pouco e agora a marca de carro ofereceu quitar tudo se você conseguir levar a garota na sua caminhonete mais uma vez. Os jogadores querem vê-la e as garotas querem saber como vocês vão ficar juntos. Eu não sei que pó mágico jogaram sobre você, mas atrai os dois públicos. Eu não quero que se sinta obrigado a mostrar nada pra eles, se...” Gisele e meu pai perceberam pelo olhar fixo entre mamãe e eu que estávamos nos comunicando descaradamente excluindo-os da conversa. “Ok, eu posso fazer isso. O que tem demais levá-la de carro algum dia se isso resolve o problema financeiro de vocês?”, aceitei mais pela boa desculpa que pelo meu pai. Mas, não fora pra manter esse trato com meu pai e o contrato com a marca de carro que eu estava ali sentado no ginásio quieto. Era puramente por mim, apesar de todos os que acessavam por meus olhos a mesma cena. Ocultei suas vozes e mensagens pra que me sentisse mais autônomo. Aurora estava em um ângulo que a placa da base do leg press me impediam de vê-la deitada no equipamento. Ainda sim podia ouvi-la inspirar e soltar o ar fundo quando seus joelhos se flexionavam enquanto os quadríceps tocavam seu tórax. Talvez o cansaço ou um descuido fez com que a trava de segurança se soltasse e a placa desceu sobre Aurora, impedindo que pudesse se soltar do aparelho. Meus ouvidos potentes ouviram seu grito quando eu já tinha pulado três degraus e descia correndo com o coração acelerado. Saltei na quadra e meu tênis já anunciou minha chegada enquanto atravessava toda a quadra a passos apressados. _Calma, vou te soltar. _disse-lhe. _O que..._tentou respirar._faz aqui? Em vez de lhe dar essa resposta, expliquei que tiraria os pesos do aparelho um a um pra que pudesse esticar a placa e controlar a trava de segurança novamente pra escapar do aparelho. Aceitou em silêncio e, mesmo livre, permaneceu deitada, agora com as pernas esticadas, relaxada, olhando daquele ângulo de baixo diretamente pra mim. Seu cabelo ruivo pendia para um lado, preso em um rabo de cavalo. Ofereci-lhe a mão e seus dois grandes olhos verdes primeiro analisaram minha mão na sua direção e depois ficaram admirando a sua própria mão aceitar a minha, como se tivesse ido sozinha contra suas ordens. Estava fria pelo recente contato com o metal ou era a sua frieza corporal? A temperatura caia e ela ainda estava com um colan preto e uma calça enrolada na cintura, apenas com os pés aquecidos por um tênis cinza e lilás. Depois, dei-lhe um impulso pra que se levantasse, o que exigiu uma força que puxou de mim, mas não subiu muito acima da nossa já inegável diferença de altura. _O que faz aqui sozinha?_ perguntei. _Eu acho que fui a última a fazer essa pergunta. _ Aurora caminhou até o pote de pó branco e ficou de costas para mim. _Está há muito tempo ali sentado me vendo? Como ela sabia? Será que a cena do leg press fora proposital e eu caíra como um pato? Nunca desvendaria, mas confesso que aceitaria o papel de tolo para ter um motivo que encurtasse tantos metros de distância. A desculpa não precisa ser nobre quando o fim era um desejo latente. _Está querendo treinar mais que as outras?_ lembrei do comentário da minha amiga, mas ela pareceu achar uma graça debochada. Voltou a formar uma linha reta nos lábios, deixando apenas por alguns segundos aquela meia lua de ironia. Brincou pensativa com o pó entre os dedos, passou por mim e pareceu se contentar com a pergunta, como se eu não tivesse dado o tom certo de que queria que respondesse. Deu de ombros. Ela caminhou entre o cavalo com alças, as argolas, as barras paralelas, a fixa e assimétricas, a trave olímpica e pensei por um segundo que estava brincando de se achar no labirinto, ou ela achava que o aparelho a escolheria? Ficou olhando para as próprias mãos e como por uma decisão repentina (ou predestinada que eu não tenha captado). Aurora Li Mendi 64 Sua empunhadura era tão forte agarrando-se à barra que eu podia entender porque tanto exercício, mesmo assim não explicava a escolha dessa forma tão dura e antiga pra si mesma que por outros métodos. Eu estava mais concentrado em suas pernas carpadas, formando com suas coxas torneadas um ângulo com o tronco. Seu corpo brincava no ar em um pêndulo delicado e perfeito. Aquela exposição era só um treino alheio a mim, ou, pelo contrário, era exclusivo? Aurora largou a barra por alguns segundos, passando de costas por cima dela de pernas abertas o que me fez imaginar que cairia. Senti a minha mão suar com a idéia. Mas, antes que eu pudesse ver seu tombo, graciosamente pegou a barra novamente e fez outro giro. Imaginei que duraria mais tempo, só que Aurora chegara ao limite do cansaço e caíra com pouco de desequilíbrio em um salto nada gracioso à frente. Ela deitou sobre o colchonete e fechou os olhos, parecendo dormir. Eu fiquei ali ainda mais sem saber o que dizer ou fazer. Era um convite para ir embora, apontando que eu a estava desconcentrando? Ainda bem que logo falou: _A culpa é a falta de música... _ falou baixinho. Ela procurava uma desculpa? Então, que as máquinas falassem. Meu chip se comunicou com o equipamento de som. O sistema tinha um esquema tão fraco de segurança que não foi difícil fazer uma rádio começar a tocar nos alto falantes. Aurora não só abriu os olhos como enrugou a testa e levantou a cabeça procurando o dono da travessura. Mas, dois segundos depois pode descobrir que era obra minha e finalmente fixou seus olhos verdes em mim. Ela sentou-se graciosamente, com as pernas flexionadas para um só lado. Não pude conter e com a força do pensamento liguei um dos holofotes que estouraram sobre ela, iluminando toda sua beleza. Meu corpo como eclipse impediu de ofuscar seus olhos. _Melhor não ter tanta luz..._ disse-me rouca. Melhor não ter tanta luz quer dizer que...? Atrapalhadamente pela a ansiedade acabei desligando tudo, permanecendo apenas os fachos que vinham pelos buracos dos tijolos abaixo do teto de aço. Ficamos só com a música de fundo tocando. Sentei ao seu lado. Não estava agüentando mais segurar. Queria beijá-la agora. Não havia nada demais em beijar a boca de alguém, mas em Aurora isso parecia representar os beijos românticos do início do antigo milênio anterior aos superhumanos. Talvez porque eu esperasse dela uma aceitação que não tinha mais paciência de esperar chegar. Estendi o braço e toquei sua bochecha, aprofundando a mão por seu cabelo vermelho. Não foi toda a minha força que trouxe sua cabeça pra mim, foi seu sim também. Abri um sorriso que talvez ela não viu. Meu cérebro era todo dopamina e eu nem tinha injetado nada. Aurora tinha o poder natural de me deixar salivar por satisfação. Eu podia fechar agora meu campo visual, mas isso pagava as contas de casa e não era difícil esquecer os outros quando eu me concentrava em sua boca vermelha e úmida tão perto. Aurora ajoelhou-se na minha frente e suas mãos demoraram a decidir, mas tocaram o cabelo da minha nuca, massageando-a. Era uma técnica pra me relaxar. _O que está acontecendo aqui? _pensei ter ouvido a pergunta de Aurora, mas seus lábios não se mexeram e eu ainda não tinha o poder de trocar pensamentos com ela. Então, de quem...? Minha mãe ainda na escola! Olhei para o portão e vi o pequeno corpo à distância. Por favor, pode ir na frente de táxi que vou levar Aurora de carro! Lembra sobre o contrato? Acabei a encontrando. Pedi mentalmente e ela aceitou. Nesses poucos segundos em que pareci pensar demais, Aurora levantou-se e foi buscar sua mochila. Eu tinha parecido desistir? Que idiota! Eu podia consertar: _Posso te levar em casa?_ saiu mais como pedido que como uma afirmação. _Estou de carro novo. _E daí seu carro novo?! Agora dá pra acender a luz que eu preciso sair? A marca não ia gostar nada de seu comentário e eu quase ri. Ela ficara irritada por eu não ter lhe dado o beijo que começara com as promessas dos meus gestos? _Você não vai pensar nisso quando chegar em casa super rápido e bem... aquecida, está frio lá fora. _caminhei ao seu lado. Não fora bem esse o pedido de propaganda que eu recebera. Falar do aquecedor?! Eles cobrariam todo o dinheiro de volta. _Qual é, Doug? _ela parou. Eu quase falei uma frase sobre os atributos do motor, mas ela não entenderia nada. Neste momento queria saber minha intenção e eu estava preocupado em pagar uma conta. _A minha?_senti que puxara o fio que explode a granada. Aurora Li Mendi 66 16 Meu super amor humano (Aurora) Eu segurava com uma mão um livro de páginas velhas que parecia pinçado de um sarcófago e a outra mão apoiava a cabeça. Estendida na minha cama, meus olhos fixaram em um ponto atrás do livro, o pensamento suspenso com as palavras que acabara de ler. Era uma estória de romance secular sobre um amor impossível entre dois humanos com uma vida curta. Era o tipo de livro que não saíra da biblioteca da minha escola de superhumanos obviamente, mas de uma velha livraria do bairro de humanos. Será que minha mãe morava em um desses lugares e tinha vivido alguma estória de amor? Já havia morrido, já havia partido? Mais do que uma saudade que eu não costumava ter, gostaria de saber que conselhos daria pra mim? Qual seria o papo de humana pra humana? Eu amava meus pais superhumanos e sentia culpa pelo simples desejo de desapontá-los. Mas queriam pra mim um roteiro de vida tão anticéptico e cirurgicamente comedido que a casca do ovo começava a apertar e rachar. Minha segunda mãe era mais complacente e queria me deixar curtir tudo que a idade me reservava. Porém, meu pai sempre estava ali pra me lembrar que se minha rebeldia custasse descobrirem que não tinham uma superhumanidade, eu poderia ser completamente expulsa e até linchada pela mesma sociedade que me ensinaria muito. Só que não era uma questão de aprender, desafiar, sobreviver. Era amor. Tão perigoso e violento quanto a própria ousadia de ser humana entre superhumanos. Ele me machucava por tentar prendê-lo em um espaço muito pequeno no peito. Nenhuma superhumana amaria alguém em tão pouco tempo. (ok, que esse alguém não fosse tão lindo, sexy e inteligente quanto Doug). No máximo, aceitaria dizer que era paixão. Rápida, arrebatadora, quente e passageira como todos os relacionamentos deles. Amor era um sentimento humano, porque implica a perda, quem ama sabe que pode perder. Os superhumanos têm super saúde, super vida, super chances, super auto-suficiência. Eu sabia que amava Doug porque apesar de não poder nem querer tê-lo, eu o desejava relutantemente à distância, sob o fardo da condição de que eu seria um sopro em sua vida 3 vezes maior do que a minha longevidade. Mas, o jovem só consegue ler a hora que o relógio marca. E agora e tínhamos os ponteiros no mesmo lugar. A única solução era uma intervenção que trocasse meu coração e cérebro. Mas, como eu não podia ser submetida a cirurgias assim por conta de problemas genéticos raros de rejeição a mutações, eu tinha que controlar o meu ser inteiro pulsando e reagindo à cada vez que Doug estava por perto. Ir até sua casa fora um total ato de irresponsabilidade, mas que fizera descobrir a revelação sobre a família alfa. A explicação que Gisele dera sobre o assunto fora mais superficial do que o que procurei na internet assim que chegara em casa. As empresas ainda não assumiam publicamente por questão de ética o uso dos Alfas, mas já havia dissidentes da prática que contavam terem vivido realidades de filme de TV em lugar de suas vidas. Agora, havia uma geração menos amoral dos Alfas, em que famílias inteiras eram convidadas apenas a expor as marcas naturalmente em seu dia-a-dia. O problema era que a prática anterior ainda realizada por empresas menos preocupada com o que os consumidores pensam e mais desesperadas em influenciar, ainda faziam coexistir as duas formas. Ironicamente parecia um pouco com a minha situação, ser humana entre humanos era um paralelo entre os Alfas do bem e os Alfas do mal. Como eu podia ser tão ingênua em querer achar um ponto em comum entre Doug e eu? Até onde esse amor me levaria? Eu digo apenas “me” levaria sozinha, pois Doug não aceitaria viver nada mais que um fortuito caso, se não viver vários em que eu era um deles. Eu gostaria de ter nascido na época em que os humanos eram violentamente monogâmicos. Mas, isso se enfraquecera com a morte do amor pleno no último milênio. Fechei o livro e lembrei-me que o treinador marcara um treino bem para essa linda tarde de sábado de sol. Eu tinha que malhar e retardar meu envelhecimento se quisesse que ao menos meu tempo corresse mais de vagar que o de Doug. Certifiquei-me com minha amiga Loren que tinha um namorado no time de futebol se havia pra eles treino também e a resposta positiva me deixou mais animada pra ir pra escola. Só tentei transparecer menos para meus pais quando passei pela sala. Eu começava a ficar neurótica com isso. Infelizmente, o treino dos garotos fora fechado por conta do treinador ter achado que as escolas vizinhas mandariam espiões para verem suas táticas antes do campeonato. Sábado perdido. Depois do treino de handebol, as meninas foram embora e eu ficara sozinha me exercitando. Não queria voltar pra casa, sentia-me triste, com um vazio que era parecido com as minhas abstinências de chocolate quando precisava emagrecer. Enquanto eu corria na esteira, percebi uma pessoa entrar no ginásio vazio. Primeiro estranhei o motivo de alguém sábado a noite querer ficar ali sentado. Meu coração de repente disparou e não era por conta da velocidade 10 da esteira. Eu estava tendo visões ou eu conseguira desejar tão forte ver Doug que ele aparecera ali pra me ver? Ele tinha marcado encontro com alguma outra garota do time? Por que só havia eu ali... Aurora Li Mendi 68 Tomei fôlego com a boca seca e diminui a velocidade. A esteira mais sua presença me enfarariam. Sequei o rosto, bebi água e deitei no leg press. Esperei o sangue correr até a cabeça e oxigenar meu cérebro pra que eu voltasse a ter pensamentos mais conseqüentes. Estava tendo visões. Olhei novamente e tive certeza. Era muito longe e escuro. Mas, eu podia reconhecer a cor do abrigo, da mochila, do cabelo. Eu estudava Doug de longe que era capaz de saber seus perfumes, roupas, sapatos tudo. E não era por conta de ser Alfa e eu desejar seus produtos. A embalagem não era o que importava. Apesar de ser efeito que as empresas desejassem, que percebêssemos as marcas como uma escolha preferida dos Alfas atrativos. Eu não queria que ele fosse embora! Como chamaria sua atenção? Apenas passando por ali e dizendo Oi? Não podia ser tão oferecida assim. E se fizesse vir até mim? Dando um gritinho: “Hei, você aí, vem aqui?” Não! Minha ansiedade fazia minhas mãos suarem. Planejei uma coisa insensata. Eu deixaria ficar travada no aparelho e pediria ajuda. No mínimo se não fosse ele, teria uma boa alma qualquer pra me tirar dessa. O amor nos levava ao ridículo! Vamos à tarefa de atraí-lo pra cá... Peguei a alavanca e... Aiiii... Esqueci-me que havia peso demais e me dei conta de que talvez não desse tempo pra que alguém me ajudasse antes de ter uma contusão. O treinador me mataria... Meu pai reclamaria meses porque eu não poderia aparecer na escola daquele jeito e não ir a escola era não ver mais Doug. _Calma, vou te soltar. _era o próprio Doug, como eu desconfiava, já do meu lado. Sentindo o seu perfume maravilhoso masculino de banho recém tomado após seu treino, tive certeza que agüentaria mais um pouco só pelo prazer de revê-lo. Eu tentara nos últimos dias fingir que era alheia ao impacto da sua fama na escola, mas não havia uma célula do meu corpo que não ficava túrgida de emoção quando o via em algum corredor conversando com alguém. _O que faz aqui?_procurei parecer assustada e surpresa. Estava virando boa atriz. _ Eu vou tirar os pesos pra que puxe a trava. _ respondeu compenetrado em sua tarefa e prontamente me libertou do aparelho. Daquele ponto, conseguia ver tão bem seu lindo rosto preocupado em me livrar daquela trapalhada secretamente premeditada. Seus olhos azuis era um mar onde eu gostaria de me atirar de cabeça e me deixar loucamente ser tragada pela maré alta pra qualquer lugar longe e fundo dentro dele. Acho que fiquei nesse pensamento poético por muito tempo, pois demorei alguns segundos pra me dar conta de sua mão estendida em oferta. Prontamente deixei-me levar por aquele forte e quente toque de sua pele. _O que faz aqui sozinha?_ perguntou-me e eu lhe cobrei a resposta pra essa mesma pergunta que fizera há pouco pra ele. _Está há muito tempo ali sentado? _cansei um pouco do jogo “eu sei que está me vendo”. _Está querendo treinar mais que as outras?_ quis saber. Será que me achava prepotente? Queria lhe dizer que eu precisava dobrar meus esforços humanos pra ficar como elas. Não poder revelar e deixá-lo pensar mal de mim me fez morrer meu sorriso. Concentrei-me em passar pó nas mãos pra fazer meus exercícios de ginástica, prática que eu fazia desde muito pequena. Não era nisso que eu competia, mas gostava de não perder a prática e aproveitava o silêncio do ginásio pra treinar. Fiz alguns giros sem muita classe nas barras e não tive a melhor das minhas paradas no final, mas já estava cansada e era o fim do treino. Deixei-me ficar caída no colchonete, relaxando os músculos exauridos. _A culpa é a falta de música... _ murmurei só pra mim. _Eu me saio melhor com música... _ falei num fio de voz e não imaginei que captaria de longe. De repente, uma música começou a sair dos alto falantes do ginásio, como se meu cérebro pudesse se comunicar com elas e emitir um comando. O meu não, mas o de Doug. Virei o rosto para o lado e encontrei seu belo rosto travesso. Juntando forças, apoiei o cotovelo, depois o antebraço e sentei-me de lado. Era como se quisesse me ver ainda mais, pois ligou um holofote em cima de mim. Ok, é estranho dizer que tinha ligado uma coisa sem nem piscar os olhos. Isso tinha um efeito de disparar meu coração. Era bom que ele não chegasse mais tão perto ou eu o beijaria de uma vez por todas. Só não seria bom ter nenhuma testemunha. _Melhor não ter tanta luz..._ pedi e ele desligou tudo e sentou-se ao meu lado. Eu não me mexi nenhum centímetro pra que não o intimidasse. Mas, Doug estava bem vontade quando esticou o braço e acariciou minha bochecha, dedilhando meu cabelo. O clima era perfeito. A música, a pouca luz e mais ninguém. Era o momento e o que eu tinha mais que esperar? Ele era só um cara lindo superhumano que fala com máquinas, tem corpo biônico e logo teria três namoradas incríveis superhumanas pra me esquecer. Não era em nada parecido comigo, nem me amaria. Quais os impactos de um beijo que só eu sentisse realizar a consumação de um desejo tão humano e apaixonado? Era só em mim que aconteceria o céu de fogos e eu guardaria muito bem a lembrança. Aproximei-me de joelhos, até que fiquei na sua frente há um palmo mais alta que seu rosto. Toquei seu cabelo e experimentei o toque, registrando a seda dos fios escorrendo por meus dedos pra me lembrar pra sempre. Ele tinha o poder de ouvir o meu coração de longe? Porque eu ficaria vermelha se soubesse que sim. Que importa, está escuro, a música estava tocando e era o nosso momento... Doug olhou para o lado em alerta e eu senti como se alguém desse um tapa no meu rosto pra me acordar quando eu acompanhei sua atenção e vi um vulto no portão do ginásio. Só podia ser sua mãe, o que era aterrorizador. Bastaria o próximo café com meu pai que ela lhe diria que Aurora Li Mendi 70 estava ficando muito perto de seu filho. Pra ela, seria um inocente comentário incentivador de mãe e pro meu pai seria a previsão de castigo eterno em cativeiro domiciliar! Mas não sei como Doug fizera aquilo, sua mãe simplesmente foi embora e era hora de eu fazer o mesmo. Fiquei de pé pra pegar minha mochila. _Posso te levar em casa? Estou de carro novo. _E daí seu carro novo?! Agora dá pra acender a luz que eu preciso sair? _eu juro que queria não continuar naquele fingimento de rejeição, mas ele precisava ficar longe. _Você não vai pensar nisso quando chegar em casa super rápido e bem... aquecida, está frio lá fora. Não, Doug! Você não tem que ser legal comigo. Pára já com isso! _Qual é, Doug? _parei na frente do portão, sendo seguida por ele. _A minha? Só estou tentando ser educado com você! _aquilo era uma chantagem emocional! E funcionava muito bem, porque me senti uma grosseira. _Tudo bem. _ eu não devia, mas aceitei. Quando eu decidiria qual posição tomar? Pra isso, ia precisar de sua ajuda mantendo-se bem longe, o que não cooperava em nada. Caminhamos até sua caminhonete, onde joguei minha mochila para dentro e fechei logo a porta por conta do frio. À noite, a temperatura caía bruscamente. _Podemos parar no caminho pra comer alguma coisa? _ ligou o carro e programou um caminho antes que eu respondesse. _O treino foi puxado e preciso repor. _explicou pra não parecer um encontro. Já sabia muito bem que eu ia bancar a difícil. _ Já estamos infringindo os horários ou ainda dá tempo? _perguntou. Infringindo? Depende do que o seu mundo pensaria em sair com uma garota tão normal. _Ok, acho que posso te ver devorar um sanduíche. Oh, céus! Eu podia fazer qualquer coisa ao seu lado, se tudo não fosse tão complicado! _Sanduíche? Não... _ riu e eu senti um ligeiro medo. _Eu não te levaria a uma lanchonete gordurenta. Aquilo era voltar a ativar meu senso de proteção. Pensei em mudar, mas Doug captou: _Ãnh-ãnh, você já aceitou! _virou o carro e ganhou estrada. _No banco de trás sempre tem coisas da Gisele. Veja se tem alguma coisa que sirva por aí? Do que estava se referindo? Virei pra trás e puxei um sobretudo que eu venderia o cabelo pra comprar e um sapato alto largado sobre o acento. Mas, por que eu usaria aquilo? _Só tem umas coisas aqui formais. Não serve... _falei com a voz abafada, tentando pinçar o outro par do salto. _Claro que vai servir. _acelerou mais o carro. Doug estava me levando para um lugar não só público, mas totalmente em evidência? Por isso, eu precisava do casaco? Minha casa estava já muito longe pra trás e eu queria muito seguir aquele caminho... Então, vesti o salto de cinderela por uma noite. Aurora Li Mendi 72 17 Eles pensam em tudo por mim (Doug) Começava a desconfiar seriamente de que Aurora me forçava nosso afastamento. Se ela queria tornar as fases desse jogo mais difícil pra me desestimular, não sabia que havia incansáveis jogadores por trás interessados em um ótimo desafio. Expliquei-lhe que a oferta de levá-la em casa não passava de uma questão de educação. Pareceu simplista depois que argumentei, mas surtira efeito. (Quando eu digo que é difícil prever suas reações!) Enquanto Aurora pegava no vestiário as roupas e toalhas do armário pra poder levar pra casa na mochila, verifiquei o que os jogadores pediam. Eles queriam que eu a convidasse pra jantar. Mas, como? Fora uma luta conseguir convencê-la a ir pra casa comigo! Cocei a cabeça e olhei a hora. Aceitei, iria chamá-la para... Logo surgiram algumas sugestões de lugares. Eles pensam em tudo por mim. Abriu-se um foro de como Aurora deveria ir vestida. Revirei os olhos. Eu só queria ir a uma lanchonete e começavam a travar uma guerra de marcas de roupa e sapato?! Esperava que fossem rápidos, pois Aurora não podia desconfiar que estava sendo manipulada. Até que ponto todos nós não somos guiados pelo que as empresas querem que achemos bom pra comer, pra vestir, pra usar. Por que achamos que a escolha é nossa só pelo fato de que apenas pagamos o que oferecem pra nós? Recebi uma mensagem de que as roupas e sapatos já fora escondida no banco de trás do meu carro. Era muito estranho saber que sempre estavam por perto e me amparavam como sombras. Mas, naquele momento, só queria estar com Aurora, não importava o que usasse. Caminhamos até o meu carro rapidamente, pois o frio estava forte. A temperatura do planeta nunca fora tão instável. _Podemos parar no caminho pra comer alguma coisa? _ usei a voz mais displicente que achei e torci pra que aceitasse. _O treino foi puxado e preciso repor. _ era preciso levar para o lado prático. _ Já estamos infringindo os horários ou ainda dá tempo? O tempo que Aurora custou pra pensar me trouxe dez segundos de desamparo. _Ok, acho que posso te ver devorar um sanduíche. Ótimo! Segurei o suspiro pra não parecer desespero. Sanduíche? Eu não conseguiria pedir sanduíche no lugar onde eles planejavam que eu fosse... _Sanduíche? Não... Eu não te levaria a uma lanchonete gordurenta. _Olhei-a e vi que sua veia no pescoço pulsava. Estava em fuga? _Ãnh-ãnh, você já aceitou! _coloquei o carro no caminho do vale Rotsu. Agora era o momento de descer o pano do acaso forjado sobre a cena. _No banco de trás sempre tem coisas da Gisele. Veja se tem alguma coisa que sirva por aí? Ela virou-se pra procurar e achou que aquilo não lhe serviria, pois era muito formal. Ai ai, as notícias devem ser dadas em doses homeopáticas. _Claro que vai servir. Gisele é conhecida por ser a mais atualizada em moda... _Uma garota Alfa?_ perguntou e senti que olhava pra mim. Cocei o queixo e não lhe respondi. Era um pouco estranho saber que Aurora me via como Alfa. Por que diabos Gisele lhe entregara o ouro? Será que queria testála pra ver se estava comigo por gostar de fato ou para ficar próxima de um cara que tem tudo? Seja lá a intenção de Gisele, nos juntar ou repelir, ou onde quer que os jogadores nos levariam, havia uma certeza: eu gostava de estar ao seu lado. _Está muito frio, o casaco vai te aquecer. _ falei-lhe sobre utilidade, mas quando ela colocou os dois braços e ajeitou a gola, percebi porque uma roupa de alta grife com um corte perfeito em uma garota linda como ela significava a perfeição. Depois de calçar os sapatos, no lugar do tênis, ela procurou o espelho a sua frente e passou o batom que tirou da sua bolsa. Seu cabelo vermelho que estava enrolado no coque ganhou ondas sobre seus ombros e o perfume do seu xampu ficou no ar. _Aonde é que vamos? Caçar alguma coisa pra comer?_ questionou quando percebeu que íamos pegar o caminho da colina. _Você verá a vista mais bonita de toda sua vida. _dei um clima de suspense que achei que já pudesse suportar sem reclamar, estávamos suficientemente longe de tudo. Aurora inclinou a cabeça e procurou na nossa frente o restaurante todo envidraçado e iluminado no topo do monte voltado para o lago norte. A lua estava linda, deixando o facho de luz sobre o lago prateado. _Não era só comer alguma coisa?_agora estava quase sendo chata! Eu ia levá-la para o restaurante mais caro e mais incrível que veria em toda sua existência! Vestia um sobretudo que pagava a anuidade do colégio e um sapato feito a mão, por que não simplesmente começava a se sentir uma bem aventurada entre todas as garotas?! Entramos no estacionamento e meu chip foi lido pelo scanner da entrada. Sabiam que um Alfa estava ali. Eu podia imaginar como todos se colocavam a postos pra me receber como uma celebridade a fim de me proporcionar a experiência do melhor jantar que eu pudesse reverberar Aurora Li Mendi 74 depois. No meu GPS já começou a piscar o lugar pra estacionar próxima a entrada. Eles sabiam ser eficientes. _Vamos nessa. _desliguei o carro e dei a volta pra abrir a porta pra Aurora. _Hum... Como faço? Devo levar a mochila...? Não tenho uma bolsa. Não estava preparada para isso..._ olhou pra frente e vi que a maître já estava ansiosa nos observando. _Não se preocupe, tudo que precisamos está comigo._ fiz com a cabeça um sinal pra me seguir. Quem precisava de qualquer coisa com um cartão black no bolso? Eu estava um pouco informal, calça jeans e blusa estampada. Mas, eu sabia que não importava que fosse de pijama, meu chip com meu limite bancário e meu histórico de compras diriam quem eu era. _Boa noite, Douglas. _ a maître sorriu e olhou pra Aurora sem entender por que não conseguia ler seu chip para saber todos os seus dados. Era como se eu andasse com uma incógnita e até começava a gostar disso. Ela era uma porta fechada e eu uma janela aberta pra qualquer um espiar. _Temos uma mesa lá fora para vocês admirarem a noite. _sinalizou com a mão pra passarmos. _Você reservou? _Aurora murmurou baixinho. _Não, não, ela sabe dos meus gostos... _ dei de ombros. _Hum, ela sabe que sempre traz garotas aqui pra ver “o luar”?_ era ironia ou nojo no tom da sua voz? Ok, os jogadores começavam agora a travar uma aposta sobre se eu a beijaria ou não com aquele humor tão arisco. Pra começo de conversa eu decidiria quando e se eu queria beijá-la! Aurora parou diante da sacada e vislumbrou a vista espetacular, seus lábios se entreabriram pra recuperar o fôlego. Minha perfeita visão noturna pode capturar o cintilar dos seus olhos. Era emoção? _Eu nunca trouxe ninguém especial aqui. _ quase menti. A última pessoa não fora especial. Não mais. _Foi uma boa sugestão da Maître. _ na verdade, dos jogadores. Aurora virou o rosto pra mim e seus olhos verdes escuros brilhavam o fogo das tochas próximas. Ela era o próprio calor da noite. _Se isso é um lanchinho rápido, o que seria um grande encontro? _ riu. Eu imaginei rapidamente pirâmides, resorts, montanhas, castelos, mas Aurora enrubesceu e retirou a pergunta. _Quero dizer..._gaguejou. _Como amigos, imaginei uma batata frita e..._sua voz sumiu da garganta com o movimento que fiz de segurar sua cabeça pela nuca por baixo de seu cabelo vermelho. Seus olhos dilataram-se ainda maiores. Inclinei o rosto pra beijar seus lábios úmidos, mas virou o rosto ligeiramente pra trás, deixando apenas o gosto do canto dos seus lábios. _Doug, melhor não... _gemeu baixinho, apertando minha camisa. Era tão doloroso assim um beijo? Eu não fora criado com negativas. _O que falta pra ser um encontro? _ segurei seus cabelos com a mão fechada e olhei com dominação seus olhos verdes agora miúdos. _ Isso?_ beijei-a com toda a vontade que ela vinha retendo em mim, agora eu desaguava abrupto, deslizando lábios sobre lábios. O que podia fazer se não entreabrir mais a boca e me receber. Sua cabeça reclinou pra trás e eu a apertei em um abraço fechado, não a deixaria cair, não deixaria que nada pudesse pô-la em risco. Seus braços recolhidos em proteção uniam seus dois punhos e a ponta dos dedos tocava meu queixo. Não queria derrubar seus muros se já tinha conseguido que abrisse a porta para mim. Afastei um pouco o rosto e sorri. _Está com fome? Aurora abaixou um pouco a cabeça e levemente a balançou recobrando a vida, se situando no espaço. _Acho que é pra isso que viemos, não? _sorriu um meio sorriso. Sentamos em uma pequena mesa iluminada com pequenas velas quadradas. _Quer pedir alguma coisa em especial? _deslizei o dedo sobre a fina tela no canto da mesa e com poucos toques pude ver o menu. _Confio em você. _ disse e seus olhos estavam perdidos no céu estrelado atrás de mim. Confiar em mim parecia ser uma decisão conflituosa pra ela. Escolhi uma massa e um vinho, coloquei o tempo estimado que eu esperava que chegasse e selecionei um estilo musical de música lenta que começou a tocar abaixo da nossa mesa, vindo de um pequeno dispositivo no teto que permitia que apenas nós pudéssemos apreciar a canção sem que outras pessoas a ouvissem. _Está gostando da cidade? _perguntou, bebendo o vinho que acabara de chegar. _É legal... _assenti. Cidades como aquelas eram poucas no mundo com água pura, árvores, animais. As megalópoles possuíam toda a tecnologia e indústria avançada, mas não tinham a paz desses recantos. Era muitíssimo caro viver aqui, pois o lugar era disputado. Os humanos ficavam nas cidades servindo de empregados para as fábricas e montadoras. As ofertas de trabalho eram bem reduzida na era das máquinas que podem se comunicar e se reprogramar sozinhas. O pai de Aurora não era rico como os meus, mas um grande cientista que conseguira ao longo da sua vida unir reservas pra manter sua família aqui. Por suas aulas na escola eu podia imaginar a educação que ela recebia. Ele estava muito mais preocupado com respirar o ar puro, com o sol, a lua e o rio do que meus pais com plásticas, chips e remédios feitos na medida da necessidade dos nossos gens. _Você sempre morou aqui? _ perguntei, já sabendo a resposta. Eu era a pessoa que mais prestava atenção nas exposições do seu pai em sala. Aurora Li Mendi 76 _Não consigo me imaginar em outro lugar. É tão tranqüilo, bonito..._ olhou o lago e a lua e suspirou. Por um segundo achei que era tristeza, mas ela me enganava com sorrisos bondosos. _... Você pretende voltar para o lugar de onde veio? _Estamos bem aqui. _dei de ombro. Percebemos um leve flash. Aurora e eu viramos o rosto pra ver quem tirara a foto, mas nenhum rosto se denunciou. Podia não ser com a gente, a noite estava bonita e qualquer um poderia tirar uma foto. Aurora, no entanto, estava menos relaxada que eu e pediu licença pra ir ao banheiro. Eu sabia que estava com o celular no bolso e iria ver na rede o que publicaram sobre nós. Joguei o guardanapo com força na mesa e meu punho se chocou contra o vidro, produzindo um leve tremor nos pratos e talheres. As câmeras eram os outros. Eles viam, teciam e escreviam a nossa estória. Enquanto alguns jogavam, outros assistiam. Recostei-me na cadeira e olhei o lago ao lado. A lua estava menor. Varri a Rede e logo encontrei um vídeo do nosso beijo. “Doug teve que apostar alto hoje com aquela garota, qual o nome? Hum... rapidinho vão lembrar, porque agora ela está na fatura do preto e brilhante cartão de crédito de Doug Toulevar. Será que é só por uma noite? Doug, querido, tem um lugar bem gostoso no pé da montanha, estrategicamente te esperando. Ou escolheu esse lugar por causa da lua? rsrs” Se Aurora tinha lido aquelas fofocas sem fundamento, era bom que eu ficasse longe da sacada pra que não me empurrasse ali de cima. Surpreendentemente, ela voltara sorrindo e de cabeça erguida Acompanhei todos seus movimentos com desconfiança e o rosto tenso. Sentou-se ao meu lado, tomando o cuidado de puxar a cadeira mais para perto. Isso estava me dando medo! Quem ela encontrara no banheiro? Aurora pegou a taça balançou levemente e bebeu o vinho. Seus olhos eram uma floresta verde de um verão quente. Era pra eu fazer algum movimento agora ou se me mexesse estragaria tudo? Por que eu temia que Aurora estivesse querendo chamar atenção? Sua mão encontrou o cabelo da minha nuca e o afagou. Seu olhar sobre a minha boca era o sinal pra que eu não perdesse mais nenhum tempo. Beijei-a com vontade e o contato quente e macio de sua boca só fora interrompido pelo jantar que acabava de chegar. _A gente podia depois ver a lua mais de perto. _sugeriu. Em qualquer lugar a lua tinha a mesma distância, não? Ela queria dizer longe de todo mundo? _Quer alguma coisa de sobremesa? _Não..._falou com a veemência de um ex-dependente nervoso. _Ok... Ela balançou a cabeça para o lado, punindo-se, mas tentou me dar um sorriso pra não ficar má impressão. Eu tirei o cartão Black do bolso e entreguei ao garçom. Senti seus olhos alguns segundos sobre ele e não exerceu o mesmo feitiço que acontecia com todas as garotas. Aurora não reagia com a mesma previsibilidade que as outras. Entramos no meu carro e ela respirou fundo e soltou o ar. Aquilo era alguma espécie de alívio? Inclinei-me um pouco sobre o volante e perguntei qual o caminho. _Qualquer lugar por aí... _deu de ombro e ligou o som do carro. Desci pela estrada sinuosa com cuidado enquanto ouvíamos uma música antiga que ela escolhera por qualquer motivo que eu não me importava, com quanto chegasse no lugar que queria. Ganhamos a estrada e em um dado momento, ela pedira que parasse. Aqui? Havia floresta de um lado, estrada, céu limpo e estrelado. A lua, nós, ninguém mais. _Pode ser perigoso a gente aqui... _comecei a falar, mas ela já tinha descido do carro. Estava frio, por que não era mais convencional e escolhia um lugar menos a ermo? Desci também e a encontrei encostada no carro, ao lado da minha porta. Não viemos ali pra conversar. Não imaginei que terminasse assim, mas foi Aurora que me puxou primeiro e nos beijamos com muita vontade e desespero. Fazia calor como se ela emanasse uma fonte própria de aquecimento mais forte que o normal. De repente, ouvimos grunhidos de um animal raivoso e nossos lábios se descolaram com um leve estalido. Aurora viu sobre meus ombros algo que a apavorou. _Não se mexa..._ela sussurrou. _Parece ser um cachorro mutante... _Não tinham exterminado...? Os cães modificados em laboratório pra que tivessem maiores habilidades de proteção, caça e força nem sempre davam certo. Uma espécie ruim e muito perigosa havia sido produzida e tentávamos lutar pra exterminála. Mas, seu maior perigo era justamente não aparentar esses sinais enquanto pequenos, o que fazia com que famílias facilmente os adotassem e depois descobrissem que criaram monstros. _Entra primeiro no carro... _instrui-a. Aurora conseguiu entrar, mas não demorou alguns segundos pra sentir a mordida em meu ombro. _Doug! _ela gritou e eu usei a força do meu braço metálico pra cotovelá-lo. Foi só aí que me virei e pude ver o bicho de pelos pretos, olhos vermelhos e dentes afiados pingando sangue. Ele tinha a altura do meu peito de pé e podia me matar se conseguisse me derrubar no chão. Minha camisa começava a ensopar de sangue. Aquele animal arrancara um pedaço da minha carne com uma só mordida. _Aurora, não saia daí! _pedi e pensei como fazer pra entrar no carro o mais rápido possível. A luz dos faróis que Aurora acendeu pra afugentá-los me permitiu ver que eram uma matilha de cães famintos em uma fileira. Eu não sobreviveria ao ataque de todos eles e isso me deu um terror de morte. Aurora Li Mendi 78 Quando dei um passo atrás pra entrar no carro, tropecei e caí de costas, o que agora os deixavam na posição perfeita pra pularem todos de uma vez sobre mim e arrancarem cada membro em pedaços. _Doug! _ Aurora gritou e desceu do carro. _Não! _ berrei pra que ficasse onde estava, seria burrice morrermos os dois, se ela já estava a salvo. Mas, não me ouviu e me deu a mão pra que levantasse. Os cães correram em nossa direção em linha, eram oito grandes feras negras e babando de fome por nossos corpos. Eu já havia acionado minha irmã pelo chip, mas eles não chegariam a tempo. Encontrariam só nossos ossos. _Vão embora... _ Aurora gritara com uma voz rouca e forte. Eles diminuíram o galope, mas não deixaram de estar perto demais. Foi quando ela berrou muito alto. _ Vão! _ uma linha de fogo formou-se em sua frente e todo o mato começou a queimar em labaredas. Eu estava petrificado. Onde conseguira um isqueiro e coragem pra incendiar tudo? Os cães latiram e sumiram para dentro da floresta novamente. Aurora cambaleou e desfaleceu no chão. Não havia nenhum objeto em suas mãos, mas essas estavam muito vermelhas e quentes. _ Aurora?_segurei seu rosto e seus olhos se abriram novamente._Eles já foram. _E seu ombro? _sentou-se ainda tonta._Vamos sair daqui. Ela abriu a porta do carro e sentou-se no volante. Pediu que eu cobrisse o ferimento com o seu sobretudo e eu notei quando o tirou que estava suando. Não ousei perguntar, ela estava dirigindo a 160 por hora na estrada vazia e suas mãos começavam a dar bolhas. _Eu sou uma grande idiota!_gritou, fora de si. _A lua? Droga! _virou em uma curva cantando pneu e chegou no hospital quase quebrando a grade da entrada. Eu perdera muito sangue e uma sonolência me deixou com a última lembrança da sua voz pedindo pra que eu agüentasse firme. 18 De volta a realidade (Aurora) Eu saí do sono profundo como se fosse o fim de um pesado cochilo após os treinos exaustivos de temporada de campeonato. Mas, não era minha cama, nem havia meus quadros na parede, tampouco o travesseiro era fofo como o meu. Meu nariz reconheceu o éter antes que meus olhos distinguissem as formas e sombras do hospital que se desanuviava por trás da fumaça turva. Estava tudo sob meia luz e o barulho do bip de um aparelho atrás da minha cabeça foi a primeira coisa que pude ouvir. O que acontecera...? Tentei rapidamente me lembrar de alguma contusão em um jogo, acidente de carro, uma queda no banheiro de casa...? Respirei profundamente pra oxigenar o cérebro e fui golpeada com mais uma lufada de vida. Abri ainda mais os olhos e me dei conta das minhas mãos sobre o peito, enfaixadas. O fogo. A memória física ardeu as vistas e fez as pálpebras se recolherem novamente em proteção. Sozinha, na escuridão do pensamento, vi os cães. O maior de todos lambia o sangue de Doug e estava prestes a devorá-lo. Eu não seria capaz de sobreviver após vê-lo ser extirpado por feras assassinas. Enquanto meu cérebro antevia a cena de morte em uma projeção horripilante, meu coração menos racional bombeava meu coração como um aquecedor potente. O fogo começou dentro de mim, irradiando pelos músculos, concentrando nas mãos que começavam a arder. Eu sabia o que iria acontecer. Esperei muitos anos com o medo de que isso viesse a se repetir. Mas, agora era a melhor hora e, contraditoriamente, eu desejava que se sucedesse outra vez. Quando eu era apenas uma garotinha levada brincando no quintal de casa, passei pela cerca de arbustos para buscar uma pequena bolinha que rolara para o jardim do vizinho. Seu cão de guarda não fez distinção entre mim e um ladrão e veio em minha direção com os mesmos olhos das feras salivando pelo corpo de Doug. O meu pavor foi sucedido pelo fogo que se lastreou pela grama que minhas mãos tocavam e o animal se afastou. Eu ficara de castigo por um mês e não havia como convencer minha mãe de que eu não estava fazendo nada além de buscar minha bola. Ela ainda tentou explicar para a vizinha que toda a criança tem uma fase de fascinação com fogo e que iria pagar para recuperarem seu jardim. Eles não acreditavam, mas eu tinha as marcas nas mãos enfaixadas de que o fogo começara dentro de mim. O meu medo solitário de que viesse Aurora Li Mendi 80 ocorrer de novo e fazer algum mal a alguém me acompanhou por todos esses anos até que vi Doug prestes a morrer na minha frente. Eu não sabia como era o gatilho para começar, mas parece que meu instinto fez sozinho e logo sentiu uma febre violenta. Agora eu sentia cansaço e fraqueza, como se tivesse dormido em uma sauna. Se eu tinha problemas para explicar a Doug que eu era só uma humana, como seria se soubesse que eu posso me descontrolar e incendiar tudo? Eu era uma anomalia como aqueles cães mutantes? _Aurora?_ ouvi a voz grave do meu pai no meu lado direito. Abri os olhos e enxerguei o teto, lentamente virei a cabeça em sua direção e o borrão logo focou o seu rosto. Devia estar há muito tempo na poltrona vigiando meu sono. _Filhinha? Acordou? _Levantou-se . Engoli em seco. Era hora de falar sobre o superhumano, o beijo, o fogo, a fera, o jantar, a parada no meio do caminho. O que escolher primeiro? _Como está o Doug, o amigo que estava comigo?_ perguntei, sentindo minha garganta muito seca e os lábios rachados. _Oh, está bem. Alguns pontos no ombro. Superhumanos, superforça, super recuperação... _ balançou a cabeça como se falasse pra eu não me preocupar com uma dor de cabeça do garoto. Mas, não era esse super homem que eu vira no chão sangrando e com medo das feras. Eu é que o salvara de alguma forma sobrehumana... _Mas, você, querida, precisa se recuperar... _O que aconteceu? _ eu sabia de tudo, mas era melhor que escutasse sua versão porque talvez fosse mais fácil que a minha. _Eu não me lembro bem... _A irmã do seu amigo me disse que precisaram parar para que visse um problema no carro e apareceram umas feras loucas. Ainda bem que você conseguiu afastá-los com fogo. Sorte a sua que conseguiu achar um isqueiro. _Ãnh... _engoli em seco, olhando minhas mãos. Eu deveria contar que, quando criança não tinha isqueiro nenhum no quintal, assim como hoje eu também provocara o incêndio de mãos limpas? _Amanhã já poderei levá-la pra casa e logo ficará boa... _beijou minha testa e eu sabia que aquele beijo era um aviso de que me afastaria com carinho pra me proteger. Na troca de turno entre meu pai e minha mãe, falei-lhe que queria ver Doug. Sabia que encontraria menos resistência se destinasse meu pedido a ela. Ainda tentou o argumento de que teríamos todo tempo do mundo para nos vermos, mas era só insistir mais uma vez. Riu nervosa e perguntou se eu iria ver aquele garoto gato vestida com aquela roupa amassada que trouxera sem nenhum escolher na pressa e que colocara em mim. Eu não respondi, mantendo minha posição. _Você quer encontrar com os pais dele agora? Estão lá, encontrei a sua mãe no café... Não me importava mais. Eu tinha decidido no banheiro do restaurante, enquanto tinha uma breve crise de decisão que era hora de arriscar mais. Quem poderia ter mais direito a curtir mais a vida do que aquele que tinha uma vida mais curta, mais frágil, senão o que tinha menos anos pra aproveitar. Era uma visão completamente egoísta, mas o que eu ganhava sendo altruísta? Não ter nenhuma memória, nenhuma cicatriz, nenhuma lembrança? Minha mãe ajudou-me a ajeitar o cabelo e pôs um casaco em mim, enquanto eu manejava no ar as mãos enfaixadas. _Isso é totalmente contra as regras do hospital! _ela falava como se pulasse o muro da escola. Aquilo era totalmente contra as regras da sociedade. Eu estava querendo ver meu adorável superhumano me fazendo me passar por mais forte do que era. O que importava andar no corredor fora da hora? _ A qualquer hora que quiser voltar, é só me falar. _ sussurrou, me sustentando com seu braço de apoio. Eu não podia retroceder no tempo, mãe. Ele era a força motriz que me fazia sentir muito viva, apesar do corpo débil. A porta abriu e a mãe de Doug virou o rosto para nós. Minha mãe desculpou-se pelo incomodo e olhou pra mim. “Você não queria vir, agora diz alguma coisa!”. Estava um pouco fraca para pronunciamentos, eu tinha salvado sua vida, precisava fazer sermão diplomático? Dei alguns passos sozinha e vi Doug sonolento. Seus olhos azuis me encontraram e seu sorriso surgiu como um pequeno risco no rosto. _Que tal outro café?_ minha mãe propôs e as duas saíram depois de checar que podíamos ficar sozinhos. _Suas mãos..._balbuciou. _Como fez aquilo? _franziu a testa. _A única coisa que tem que lembrar é “por que eu fiz aquilo”. Ele não perguntou, esperando que eu lhe entregasse o motivo logo em seguida. _Doug... _ aproximei meu rosto do seu e com uma mão em forma de luva de boxe acariciei seu rosto. Falei ao seu ouvido com voz de sussurro: _ Você pode imaginar um sentimento maior do que esse? _Olhei novamente seu rosto lindo. _ Ninguém mexe com o meu Alfa. _sorri e encostei a mão no seu peito liso com o ombro enfaixado. Puxei seu cordão de couro e o beijei delicadamente. Aurora Li Mendi 82 19 Garoto de ferro (Doug) Doug, Doug! Eram gritos no escuro e a voz não era minha. Eu queria ver, mas não podia me debater no espaço infinito, adimensional, negro, fundo e frio. Senti que forçava só porque doía, mas não havia corpo, matéria contra matéria, muito menos gravidade. Como se a força contra o nada pudesse ter sucesso, eu começava a distinguir uma voz. Antes de chegar ao nome de Aurora, eu senti uma leve descarga de prazer e ansiedade como se meu corpo primeiro a encontrasse. Em seguida, veio a imagem do seu rosto, saindo da primeira fonte de luz vermelha e amarela. Ela era envolta por uma áurea incandescente e tinha olhos de fera, verdes, grandes e brilhantes. Como se o obturador da câmera da minha mente se abrisse, permitindo mais luz, a cena se ampliou em um ângulo maior, trazendo profundidade e dimensão. O mato ardia em labaredas e os cães se foram. Eu só podia lembrar deles, já não os via mais. Aurora havia me salvado com aquela idéia genial de afugentá-los com uma rapidez precisa e oportuna. Senão, o que seria de nós? Eu. Eu era o que agora? Tinha morrido e estava no túnel escuro que leva para o outro lado? A idéia me trouxe pânico, vontade de acordar do pesadelo. Apertei a garganta, puxei o ar e a luz finalmente entrou pelos meus cílios e consegui forças pra empurrar as pálpebras para cima. Ali estava o mundo outra vez, no mesmo lugar e era do tamanho de um quarto de hospital. Senti uma fisgada no ombro e com o canto de olho vi que estava enfaixado. Aquilo me demandava muita força. Deixei os olhos caírem pesados outra vez, mas chamei Gisele pela minha mente e ela não demorou para responder. _Oi! Você já acordou?! Estamos tomando café com a mãe de Aurora. Vamos voltar... _Aurora? Onde está? _Ela estava muito mal, mas vai se recuperar. Doug, a Felícia veio te visitar... Não se surpreenda se te procurar... _Qual humor dela? Tive a desagradável lembrança de quando nossa controladora me trouxe da última vez a notícia de que iria me expulsar dos Alfas pelo meu comportamento rebelde. Eu queria dizer que esse era meu desejo também, mas não podia ter minha liberdade e ficar longe da minha família. Era preciso ter uma coisa e pagar o preço alto da outra. _Felícia cumprimentou meus pais porque, afinal, você está no top, do top do interesse pelos Alfas e agora vale ouro pesado, maninho. Aquela sua brincadeirinha com fogo foi sensacional. Nossa amiguinha não poderia ter sido mais circense! Agora, todos querem acompanhar vocês. Nossos jogadores ganham, nossa família Alfa ganha... e as empresas faturam muito investindo em nossa vida glamorosa. _Um momento, é a Felícia. _interrompi minha conversa quando recebi uma ligação de Felícia. Permiti que ela aparecesse em holografia do meu lado esquerdo, ao lado da maca. Seu corpo translúcido continuava bonito e esguio. Era uma ambiciosa gerente de experiência de marca de cabelo azul curto e olhos gelo. _Como está, meu garoto? Fazendo arte? Tivemos que repor seu osso do ombro por uma parte mecânica. Aquele animal nos assustou. Olha por onde se mete. _Eu tenho certeza de que os jogos da noite pagaram a internação. _lembrei-a sem muito humor. _Eu vim vê-lo e lembrar a você e sua irmã de que devem ter mais cuidado quando inventarem uma mentira. Precisavam ter dito ao pai da garota que houve um problema no carro?! Doug, o carro era zero, levamos dois meses negociando a exclusividade do seu uso no lançamento. Sabe lá como vou resolver essa questão diplomática agora! _dramatizou como se fosse impedir um conflito entre países. Gisele se saíra muito bem adiantando essa desculpa. Ela não era do tipo que podia se esperar medir as conseqüências quando confiava na minha popularidade pra trocar de marca de carro como troco de roupa. Gi não deixaria que Aurora ficasse em encrenca com seus pais. _Eu vou postar para os jogadores uma mensagem de que estou bem e que Gi teve que mentir para o pai dela para que não achassem que estávamos ali nos pegando sem motivo..._ falei com voz fria e arrastada, me passando pela cabeça agora de que Gisele não fora tão genuína assim. Sabia que depois teria que citar seu nome como salvadora e ganharia com isso também. _Não precisa mais. Já outra marca oferecendo o dobro. Você precisa entender que nem sempre teremos uma sorte assim. Como administradores da sua vida, nós precisamos ter um portfólio com muita credibilidade e confiança! Você mais parece uma bomba relógio. Nunca tive alguém que me desse tanto trabalho... _E tanto dinheiro. _completei. Ela olhou-me de braços cruzados com seu terninho apertado que contraía os seios, que formavam uma leve curva na brecha da blusa social branca. _Como está a garota? _ perguntou em contra gosto. Aurora Li Mendi 84 _Por que me pergunta, se já sabe? _Teremos que ajudá-la a se vestir melhor. Como posso montar o seu perfil e vendê-lo, se tenho que explicar que junto vem uma garota estranha? _ franziu a testa. _Consiga as marcas, eu te dou o destaque de que precisa, mas Aurora fica fora disso. Não quero que ela seja agenciada, ela não é uma Alfa e não saberia lidar com a situação. Ouvimos o barulho da porta se abrindo e minha mãe apareceu. _Não pense que acabamos esse assunto. _Felícia prometeu. _ A chave do seu carro novo está na cabeceira da maca. _ desapareceu. _O que ela queria? _ minha mãe me perguntou. _ Gi me contou que acordou. _ fez um carinho no meu rosto. _Logo vou te levar pra casa. Não sabe o como estou arrependida de ter te pedido pra seguir as ordens de Felícia de levar a garota pra passear com o carro. Não estou nada satisfeita com o dinheiro que ganhamos, se isso te custou quase a vida... _Estou bem. Tenho uma saúde de ferro. _Se continuar assim, você vai ser todo de ferro! _ sua voz perdeu um pouco a ternura. Dei-lhe um largo, branco e amigável sorriso de filho arrasador. _Você é meu maior bem, Doug! _ acariciou meu braço. _Agora, descansa mais um pouco... _ abaixou a luz do abajur e eu fechei os olhos. Ainda ouvi o barulho da maçaneta e o ranger da porta outra vez. _Oi, Desculpe chegar assim..._era a voz da mãe de Aurora. Minha mãe virou-se e eu abri os olhos mais um pouco quando vi quem estava atrás da mulher: Aurora. Nossas mães saíram com a desculpa de outro café e nos deixaram a sós. Sorri-lhe. Aurora estava pálida, frágil e suas mãos, enfaixadas. _Suas mãos... Como fez aquilo? _perguntei, ansioso pela oportunidade de saber. Ela pensou demais, o que denunciava que não falaria a verdade. _A única coisa que tem que lembrar é “por que eu fiz aquilo”. _disse, agora muito perto, com o rosto inclinado sobre o meu. _Doug... _ passou a mão na maça do meu rosto e falou bem baixinho. _ Você pode imaginar um sentimento maior do que esse? _lambeu os lábios e depois mordeu o inferior, deixando-o mais vermelho. _Ninguém mexe com o meu Alfa. _sorriu e pegou com a ponta dos dedos não enfaixados o meu cordão. Seus olhos de novo subiram do meu peito para minha boca até parar nos meus olhos. Felícia ficaria feliz e mais calma agora com o resultado da repercussão do que estava prestes a acontecer? A valorização do meu personagem naquele jogo era totalmente devido a Aurora e é por isso que ela viera ali atrás da garota. Me ver fora só uma desculpa. Aurora beijou-me e eu esqueci Felícia com o contato quente de nossas bocas. A adrenalina me dera impulso pra levantar o peito e agarra-lhe os cabelos por baixo da nuca. Sua cabeça se inclinou para o lado e o beijo tornou-se mais profundo, quente, prazeroso. Eu podia imaginar um sentimento maior que o seu: o meu. Aurora Li Mendi 86 20 Proposta tentadora (Aurora) Deitada de bruços sobre a minha enorme cama boxe de casal, eu deixava o queixo afundado no travesseiro fofo e olhava através da janela as folhas secas das árvores caindo. Essa era a hora em que eu devia estar vasculhando meu guarda-roupa para ir a escola. Mas, eu não tinha como aparecer por lá enquanto minhas mãos enfaixadas denunciassem minha fraqueza humana. Minhas recuperações eram muito lentas e eu só podia me contentar em escolher qual seriado de televisão iria me dedicar a assistir embrulhada no edredom. Fazia dois dias que Doug e eu saímos do hospital. Ele devia estar preparado para outra, enquanto eu rezava para não precisar mais contar com a sorte. Pra mim, a vida podia acabar tão repentinamente como as folhas retorcidas que se despendiam dos galhos. Doug existiria por três gerações a mais que a minha; tinha mais beleza, dinheiro, sucesso, fama e eu ainda me sentia egoísta em não contar toda a verdade, mesmo sendo eu a maior perdedora, no final das contas. Se ao menos estivesse frio pra justificar o uso da luva. Nem assim, um pedaço de couro não encobriria todas as perguntas que me fariam. Fui ensinada a sempre recuar, fugir. (Quando beijei Doug no hospital, eu sentia que quebrava essa regra natural.) O meu celular vibrou ao meu lado e eu com a cara amassada apenas fechei o olho e esperei a identificação da música. Eu tinha uma canção para cada pessoa. Fora muito difícil escolher a de Doug, mas a antecipação do prazer pré-toque sonoro injetava adrenalina em doses cavalares assim que enchiam meus ouvidos. E era ele! Respirei fundo em hesitação, não era bom atender. O que eu podia perder, se viveria menos que ele? Apertei o botão. Estava cada vez mais impulsiva, isso se tornaria insustentável a qualquer momento e eu faria uma besteira: _Oi. _ disse-lhe, me lembrando em seguida que o melhor era um alô impessoal. Mas, hei, eu beijei sua boca e aquele gato-mais-desejado-dacidade me ligava! _Oi, Aurora. Como está? Não apareceu na escola. _Melhor, melhor... _Te busco hoje? _aquilo parecia uma proposta de amigo de infância corriqueira, quando eu estava sendo o pensamento matinal do cara mais lindo e perfeito que já sonhei na vida. Rolei na cama e sorri. Idiota eu, não podia sair. _Ãnh. Ok. _respondi. Eu de fato estava aceitando dar as caras no colégio só por causa de Doug? Como “só”? Ele era tudo! _Mas, vamos precisar chegar um pouquinho atrasados, porque eu não estou pronta ainda... _pulei da cama. Se isso pareceu papel de difícil não foi a intenção, eu realmente não conseguiria me arrumar na velocidade da luz. _Eu posso esperar. Já estou à caminho. _Tudo bem. _desliguei sentindo um frio na barriga de me fazer perder a fome. Enfiei-me em um jeans justo, e uma blusa de mangas comprida longa. Precisava disfarçar as luvas que encobririam as faixas nas mãos. Parei diante dos meus pais na mesa do café da manhã me olhando como se a casa fosse uma bolha a prova de todos os vírus mais potentes do mundo e eu estivesse prestes a sair da incubadora. _Eu não posso perder mais aula. _disse-lhes com um tom de quem já vai ficar reprovada, mas havia um sentido mais amplo e revolucionário. _Um amigo vem me buscar. _O mesmo do hospital? _meu pai quis saber. _Sim._estiquei o braço para pegar um pouco de suco, mas minha mãe adiantou-se e me ofertou. _ Obrigada. Esse é o último ano pai, logo não vou mais precisar me esconder por causa da bolsa. Vou estudar em casa e fazer faculdade à distância. Preciso me adaptar a minha realidade. _Namorando um superhumano? Acha que ele vai querer apresentar uma humana em casa? _meu pai sabia ser duro comigo quando queria me dissuadir. _Eu não lembro de ter dito que ele é meu namorado, mas, um amigo. _Já viu superhumanos andarem com humanos como amigos? _Vocês até adotaram uma! Por que não ter amigos tão bons quanto? _dei de ombros, pisquei, joguei um beijo e abri a porta. Meu coração estava pela boca quando cheguei no portão. Meu pai era a pessoa mais inteligente e sensata que eu já vira e o meu coração na proporção oposta burro. Doug parou o carro e eu subi com um sorriso radiante e, não, o diminuiu nem quando ele encarou minhas mãos, não queria levantar dúvidas do quanto estava bem. _Vamos precisar acelerar... _Doug aumentou a velocidade e eu aproveitei a deixa para apreciá-lo esta manhã no jeans claro, blusa verde musgo, blusa gola v verde musgo com a beira da manga descolorida estilosamente e um perfume que fazia todo o resto perder a diferença com aquele estado de dormência que me provocava. _Então... _começou a puxar assunto. Será que eu o incomodava com meu estado de mudez? _... Mexer com você é como mexer com fogo? _ Aurora Li Mendi 88 brincou, se referindo a noite em que afastei os cães. Abaixei um pouco o queixo e dei um risinho. Ele não podia realmente acreditar que seria possível atear fogo daquela forma com um isqueiro ou fósforo. A ignorância era reconfortante, nesse caso. E se eu tivesse poderes? Isso me daria mais chances com o Super Doug? Outra idéia tola. Era melhor abrir a minha boca pra não desesperá-lo mais. _Chegamos. _ o motor do carro desligou e eu percebi que estava próxima do pátio apinhado de alunos. Era só a escola e eu estava prestes a sair com Doug para a surpresa de todos?! Óh que idéia genial a minha, que não batia em nada com o plano de não deixar que notassem minhas luvas. Ok, já me achavam estranha, no mínima, me chamariam de careta. Doug me olhou, já sem o cinto de segurança. Eu devo ter passado tempo demais pensando. Abri a porta e pulei pra fora. E agora? Ele pega na minha mão e andamos juntos? No meu braço? Ou ficamos totalmente indiferentes? Eu estava tão insegura que podia sentir minhas mãos suarem dentro das luvas. Vi os rostos virarem pra mim, mas não era comigo que se importavam. As pupilas estavam fixas naquele garoto lindo que acabava de encostar a boca pra falar no meu ouvido com voz rouca: _Acho que estamos atrasados, vamos?_ afagou o meu braço, encostando sua barriga na minha. Não pude ver a reação das pessoas, pois meus olhos se fecharam e me senti meio mole. Podia ter certeza que minhas bochechas queimavam. Ótimo, eu devia estar muito pálida. _Hum... que vontade de matar aula. _ gemi e dei um risinho. _Não me faça esse tipo de proposta que eu aceito. _ sorriu e mexeu no meu cabelo. Podia ver sobre seus ombros, de costas para a platéia que tentava disfarçar testas franzindo. Aposto que tentavam lembrar meu nome, falando em leitura mental um para o outro como uma grande rede de dúvidas. Era bom não saber o que pensavam. _Estou brincando... _ pisquei e toquei no seu ombro e depois no pescoço com carinho. _Não se brinca com fogo, ãnh? _Você agora vai me perseguir com essas piadinhas, não é?_ri alto e o belisquei, o que o fez me envolver com um braço forte e pronto, estávamos colados, com nossos rostos tão próximos que eu já me sentia na zona de segurança de atacá-lo com um beijo. Calma, Aurora, se contenha. _Doug, falo sério, vamos entrar? _ eu tentava manter a responsabilidade, mesmo que a real intenção não fosse essa. _Podemos passar o dia juntos hoje. Eu posso pegar as aulas depois..._piscou. Eu não disse não de imediato. Engoli em seco. Já não iria pra escola mesmo e teria que pegar a matéria de qualquer forma! Mas, hei, não foi bem isso que falei pros meus pais quando saí! Matar aula me pareceu tão tentador quanto errado. Do que eu estava preocupada? Era uma aluna muito aplicada e poderia culpar os dias anteriores que fiquei em casa pelo baixo rendimento... _As pessoas já nos viram aqui. Podem comentar... _Com quem? Seu pai e minha mãe? _ pensou. _Minha mãe não vai achar anormal não cruzar comigo, já que tem um monte de coisas pra fazer. E você? Tem alguma aula com seu pai hoje que note sua ausência? Voltam juntos pra casa? _arquitetou. _Está falando sério mesmo? _ri, desconfiada que estivesse só me testando. _E pra onde iríamos que as pessoas não vissem? _Meus pais estão viajando. Podemos ficar na minha casa. Beeennrrrr. Sinal vermelho com som de buzina de navio nos ouvidos! Pra sua casa? Eu tinha um grau loucura, né?! Mas, que intenções eram essas? Era a última chance de entrar, o portão fecharia. Dei um passo a frente, mas Doug me puxou de volta com sua força como se eu fosse uma pena. Agora, eu estava séria. Entrar poderia despertar atenção das pessoas para minhas mãos. Isso era tudo que meu pai não queria. Eu tinha uma vida muito curta pra ficar toda ela na margem de segurança. Ali na minha frente, estava o garoto mais lindo que já conhecera acelerando meu coração em uma medida preocupante. Mesmo com todas as desculpas, ainda tinha medo de estar me precipitando. _Hei, lá tem piscina, podemos almoçar com calma, ver um filme, o que quiser. À tarde, fazemos o que você quiser. A aula hoje vai ser muito chata. Todos os dias tudo era muito chato. Olhei o portão ser fechado. Eu mesma já tomara minha decisão quando hesitara. _Isso não é certo... _deixei soltar. _Se fizer tudo que é certo, que graça tem a vida? _abriu a porta, mas eu continuei parada, recostada na sua caminhonete. Ele viu que era preciso o último lance de inspiração de coragem e me beijou. Seus lábios estavam quentes e macios e entendi que só aquilo era importante pra mim agora. Afaguei seu cabelo de leve, sem poder mexer muito com os dedos e o abracei mais, sem querer que o beijo acabasse. _Podemos continuar desse ponto depois... _sorriu pra que eu entrasse. Respirei fundo, balancei a cabeça para os lados em silêncio e entrei. _Doug dirigiu calmamente para sua casa e paramos no estacionamento ao lado do jardim gramado. Aurora Li Mendi 90 Eu estava com medo do que ele queria dizer com “continuar daquele ponto”. Entramos na mansão e não estávamos sozinho como prometera. Havia uma mulher de cabelo azul curto e olhos acizentados quase brancos sentada no sofá com uma xícara de café que acabava de ser servido por sua empregada. _A Senhora Felícia o estava esperando, senhor. _falou a empregada. Doug não respondeu nada, sua cara era tão dura que tive medo. Como ela sabia que ele estava prestes a chegar? Lera seu pensamento? Quem era aquela mulher? _Felícia, o que quer? Podemos falar depois? _Eu vim falar com ela. _ olhou para mim. _Comigo?_ encarei Doug com a testa franzida, não lembrava de conhecê-la. _Felícia, já discutimos isso antes. Aurora, não, ok? _Eu não o quê? _perguntei, muito confusa e agora com medo. _Nada, meu anjo._ sorriu pra mim com dureza e me envolveu com um braço. Ela representava tanto perigo que precisasse fazer aquele gesto de segurança? _Sim, já falamos, eu lhe expliquei o nosso ponto Doug. _Tudo bem, podem me dar um tempo pra falar com Aurora e depois eu e você nos falamos novamente? _Vou aceitar sua oferta._levantou-se, olhou-me longamente e saiu. _Doug o que está acontecendo? _questionei quando a porta bateu e ele coçou com força o queixo. Estávamos com planos para ficarmos tranqüilos e sozinhos em sua casa e de repente, ele estava uma pilha por conta de uma mulher que nunca vi querer tanto falar comigo. Qual era a surpresa que eu teria agora? Era bom que começasse a falar! 21 O mundo complicado dos Alfas (Doug) Eu tinha tantos poderes além dos humanos e ainda queria mais um: poder apagar do chip da cabeça de algumas pessoas algumas coisas que se passaram, por exemplo, deletar da memória de Aurora a visita de Felícia. Mas, além da garota não ter chip, o que só me atrapalhava em muitas outras situações, ainda estava curiosa e já quase irritada por não entender o que queria aquela estranha com ela. Explicar seria uma hora ou outra um evento provável. Adiá-lo significava estragar toda a nossa tarde. Contar também não era garantia de que ela gostasse. Eu estava cogitando de mais que perdi a noção do tempo em que Aurora ficou me olhando de braços cruzados. Ela olhou para os lados, soltou o ar e sentou. _Doug, por que não começa me explicando sem rodeios? _ela tinha a capacidade de prever meus pensamentos, isso sim era um super poder. Sentei ao seu lado, mas continuei olhando pra frente, aquele assunto me fazia mal: _Você já sabe que eu sou um Alfa, certo? _Sim. E isso significa que deve ter que seguir alguns protocolos..._ ela me encarava com o rosto virado para o lado, mas eu só podia sentir isso por sua respiração perto no meu pescoço, porque meus olhos estavam concentrados em um ponto fixo. _Felícia é a gerente de conta da minha família. Eu sei que pode soar muito estranho... _Não estou fazendo julgamentos. _tocou na minha perna e a descarga de satisfação que me causou me fez olhá-la. _Eles me observam o tempo inteiro e não daria pra te esconder... _Esconder? _Desculpe, não foi isso que quis dizer, não quero te esconder, mas... _Ok, entendi. Continue. _ estava já irritada, droga. _Eu simplesmente não posso evitar que saibam com quem estou saindo. _E isso esta representando um problema pra você? _Não, pra mim não! _Pra eles, então? _Sim, também não. _eu estava me atrapalhando nas próprias palavras, era melhor que pensasse melhor em quais usar. _Ouça. _virei todo o corpo pra ela, apoiando a perna dobrada sobre o sofá._ Eles precisam Aurora Li Mendi 92 vender roupas, carros, móveis, coisas... Enfim, eu sou o garoto propaganda que tem uma imagem. _Eu estou atrapalhando sua imagem?_ ela tentava ajudar a chegar no ponto, mas parecia me dificultar mais tornando tudo tão duro e cruel. Os meus jogadores que ouviam toda a conversa e me observaram propuseram que eu revelasse os planos de Felícia. Só que não seria precipitado? Nós nem tínhamos algo sério para pedir uma coisa como aquelas... Enquanto eles me perturbavam com esse pedido, Aurora quis saber: _O que eu teria que ter ou fazer pra não ser um problema pra Felícia, Doug. _Eles querem que, se eu tiver que ficar com alguém, seja uma garota mais... descolada, com estilo, roupas de grife... Aurora levantou-se e se afastou. Eu já sabia que estragaria tudo. Que raiva. Mas, não rebateu, parecia pensativa. Eu precisava lhe dar esse tempo. _Eu não quero que você tenha que fazer nada, gosto de você como é. Por isso, não queria que Felícia te fizesse essa proposta. Não estou dizendo que é sem estilo, ok? Só to falando que eles querem um manequim ao meu lado. _E se eu topasse._considerou, virando-se pra mim. Se Aurora topasse seria uma grande prova de que seus sentimentos por mim não eram nada superficiais. _Se topasse, tenho medo que ficasse escrava das ordens e comandos de troca de produtos. _Eu poderia ficar com você? _Bom, não teria nenhum impeditivo. _Eu não preciso virar uma Alfa, apenas não “atrapalhar sua imagem”, certo? _Hum... posso dizer que “certo”. _E o que falta pra isso? _Bom, não sei... Eles podem te fornecer tudo... Mas, como vai explicar para os seus pais? _Eu teria que pensar como. Mas, eu preciso de alguém que me ajude a me arrumar... uma personal style. _riu e sentou ao meu lado._E sua irmã, que tal? Ela estava cogitando mesmo isso? Eu pressentia que não iria dar certo! _Eu não quero que um dia você vire uma Alfa..._suspirei com pesar. _É só pra te ajudar, ou melhor, não te atrapalhar. _tentou pôr assim. _Você me surpreende a cada vez. _peguei uma de suas ondas vermelho fogo do cabelo e depois olhei seus lábios que se abriram em um sorriso. Beijei-a. 22 Mudança de identidade (Aurora) A tarde caía com um sol fraco e um vento úmido entrando pelas janelas altas da casa de Doug. Estávamos deitados abraçados no sofá com minha cabeça em seu peito ouvindo as batidas do seu coração. Isso me fazia lembrar que ele tinha um pouco de humano e não era de todo biônico. Mesmo que seu coração fosse mais resistente ou substituível, diferente do meu. Fechei os olhos, tentando impedir o pensamento de que eu viveria menos tempo que ele. Ultimamente essa dor era o toque de recolher dos meus escrúpulos e virara justificativa para todas as medidas inconseqüentes. Digo, pra mim, porque não havia nada demais para as outras garotas da minha idade ter um namorado. Mas, se não bastasse eu me dar a esse direito, ainda escolhera o cara mais lindo, sexy e divertido da escola! Claro, ainda era um superhumano e Alfa. _Acho que já deve estar na hora de te levar em casa. _ sua voz soou grave, um pouco rouca, vibrando por todo seu corpo. Aquela sensação me fez ficar com os olhos um pouco mais abertos. Aquele cara que da primeira vez me irritara muito quase me matando atropelada agora me fazia suspirar ao sentir o contato da sua pele quente. _É... sempre chega a hora da partida. _ coloquei o queixo em seu peito e brinquei com seu lábio na ponta dos dedos, vi seus olhos cintilarem e, então, eu o beijei. Sua mão fechou em meu cabelo e sua força me apertando me tirou o fôlego. Tentei escapar e acabei escorregando no chão. Rimos, pois sabíamos que agora era hora de partir ou não iríamos nos controlar mais. Saímos da casa de mãos dadas, mas logo Doug me colou ao seu corpo e me apertou contra a lateral da sua cintura. Parecia que me queria como posse. O dia tinha sido perfeito, com música, filme, almoço maravilhoso, conversas nada importantes, beijos, carinhos. A visita da mulher de cabelo azul azedara um pouco, mas eu já estava começando a me acostumar com a idéia de que para ter Doug, teria que quitar seu preço. Antes de entramos no seu carro, avistamos Gisele entrar. _Eu já sei... _ ela falou pra Doug, como se eles estivessem conversando e eu acabasse de interromper a conversa. Era estranha a capacidade telepática deles. _Estão se referindo a... como se chama? Felícia? _ perguntei, querendo participar. Aurora Li Mendi 94 Eu imaginei que Gisele ficaria muito feliz em me ajudar como personal style, mas parecia com o rosto muito sério. _Não, ela não vai virar uma Alfa!_Doug gritou e eu achei que os dois fossem se engalfinhar bem ali na minha frente. Franzi a testa e pedi que parassem. Não ouvi o que Gi disse para ele em silencia, mas, não sei porque eu podia jurar que aquela mexida de sobrancelha fora um “É mesmo? Quero ver você impedir!” _Enquanto estiverem comigo, eu quero saber o que falam! _pedi. _Não me ignorem. Os dois abaixaram os olhos, pareciam tensos e eu queria compreender por quê. _Gisele, se não puder me ajudar, não tem problema. Sempre há uma segunda solução. _De jeito nenhum. _cortou-me. _Vamos fazer isso dar certo. _Ok, mas não quero os dois se matando por minha conta! _Não tem nada a ver com você, Gi. Mas, com eles... _falou baixo. _Eles quem? _Vamos entrar, Aurora._Doug abriu a porta do carro e tive a impressão de que estava me forçando pelo braço a entrar. _Eles quem, Doug? Alguém pode me explicar! _falei alto. _Eles, eles...As pessoas que gerenciam nossas vidas. Não somos livres, ok? _disse-me com um tom “não faça mais nenhuma pergunta”. Deu a volta e sentou-se ao volante. Gisele me pareceu com um rosto arrependido quando colocou a cabeça na janela e apoiou o braço. _Sim, você é livre pra gostar de quem quiser. _seus olhos diretos para o irmão eram como um raio. _ Só temos que facilitar para isso dar certo. Conta comigo. _ela dizia isso pra ele, não para mim. _Eu te devo essa. Não sei o que ela devia, mas fez muito sentido pra Doug, pois ele virou e a encarou também. _Aurora... _pela primeira vez ela me dava atenção. _Amanhã, depois da escola nós viremos pra cá pra casa pra você fazer as provas. Não se preocupe com o que está por fora, por dentro você sempre será você mesma e os dois serão livres para se gostarem._ sorriu, um pouco triste, como se não pudesse partilhar disso também, parecia guardar algum segredo de amor. Será que eles aceitariam a minha natureza interior um dia? Eu estava abdicando da minha exterior pra ficar com Doug e não me preocupava mais com isso: _Ok, depois da escola. Tudo bem pra você, Doug._virei-me pra ele. Não respondeu, ligou o motor do carro, coçou a testa e fez a ré para pegar o caminho da saída. _Nós sempre podemos parar de algum ponto, Doug. Só é me dizer. _abri-lhe a oportunidade, já que não estava muito exultante. _Não entende, não dá mais para parar. _Não dá mais para parar, porque eles agora vão querer me usar um pouco para vender marcas ao seu lado ou porque você não consegue ficar mais longe de mim? Ele engoliu em seco e ligou o som do carro, entregando que estava mais relaxado. _Eu sou seu Alfa, lembra? _apertou minha perna, me fazendo lembrar do que lhe dissera no hospital. _Não dá mais para entregar de volta. _Eu não disse que queria devolver. _ ri baixinho e ele também. _Eu vou gostar de te trazer comigo amanhã de novo. _revelou. _Finalmente ouvi os fogos de artifício, estava esperando essa explosão. _exagerei irônica e rimos mais alto. Eu só tinha que passar uma noite em claro para explicar minha futura mudança aos meus pais. Aurora Li Mendi 96 23 Contra parede (Aurora) Depois de almoçar na casa de Doug, ele se explicou que precisava sair. Enquanto isso, eu resolvia o meu “problema de estilo” com sua irmã. Perguntei o que era aquilo em sua mão, obviamente já sabendo que era uma agenda. _Meus compromissos. _respondeu. _Posso ver?_cheguei mais perto. Ele só levantou os olhos pra mim, mas não afastou a fina película eletrônica em sua mão. _Ainda usa uma dessas, pensei que podia guardar tudo em sua cabeça._brinquei. Ele sorriu como seu eu tivesse dito uma coisa muito infantil e me deu um beijo complacente, afastando com desdém o aparelho, na tentativa de me dissuadir da minha curiosidade. Se eu quisesse saber cada vez mais sobre ele, deveria manter minhas portas abertas também pra quando viesse vasculhas meus segredos. _Eu vou agora a um jogo com os amigos, usando uma roupa que tá escolhida pra mim lá em cima da cama, com o carro que está estacionado lá fora, com o relógio que acabou de chegar e ainda está em cima daquela mesinha na caixa. _falava com paciência, mas sem empolgação, como se detalhasse a rotina burocrática de um escritório. _E não precisa de uma garota ãnh..._beijei-lhe a boca e fiz carinho em seu abdômen._... pra te entreter mais... e ir com você?_ disse as palavras entrecortadas de beijos. _Nesse caso... _afastou meu cabelo e me inclinou sobre o sofá gostando muito da brincadeira. _... É melhor eu ficar e pegar essa garota pimentinha vermelha. _Ah! _dei um gritinho e ri com a cabeça pra trás enquanto beijava meu pescoço. _Eu tenho que ir, mas prometo levar você amanhã pra escola e a partir daí você estará sempre ao meu lado. Você realmente ainda quer fazer isso, certo? Eu não quero te pressionar a nada. _ disse com os olhos azuis claros como um mar quente do Caribe. _A única coisa que eu quero é não ficar longe de você. _ sorri agora sentada e ele puxou meu pescoço com um gancho formado pelo seu braço forte atrás da minha nuca pra beijá-lo novamente agora com muita vontade, apertei meu punho na sua camisa. _Você gosta de brincar com fogo, né? _ sussurrou no meu ouvido baixinho, me arrepiando os pelos da nuca. _Ah, você não tinha mandando essa ainda hoje. _desdenhei e ele me abraçou mais carinhoso, me deixando tão aconchegada em seu corpo._Não vai não, fica aqui..._ implorei melosamente aspirando o cheiro bom da pele do seu pescoço, friccionando meus lábios por ali. Dedilhei seu cabelo em uma massagem relaxante. _Isso é alguma técnica de hipnose pra me prender ao sofá? _brincou. _Hum...Já descobri seu ponto fraco?_ fiz cócegas em sua barriga e usei o pior método, pois tentou evitar e ganhou o espaço necessário pra ficar longe das minhas mãos e se levantar._Chamei a minha irmã e ela está vindo aí. _anunciou de pé e olhei para trás dele, esperando que Gisele aparecesse de alguma porta. Eu esquecia que ele podia conversar sobre qualquer coisa enquanto estivesse comigo que eu não perceberia. _Volto à noite e te levo em casa._ inclinou-se para o beijo de despedida e subiu as escadarias que davam para o seu quarto. Fiquei sozinha na sala por alguns instantes e Gisele apareceu, me chamando pra ir até o seu quarto. Aceitei e paramos lá, onde havia muitas sacolas de todas as cores e tamanhos que nem a maior árvore de natal comportaria na copa do pinheiro. Eu pensei que estaria ali para uma aula de estilo. _Presentinhos pra você. _ela sentou na cama e ficou me avaliando. Será que estaria tentando me imaginar com outras cores de cabelo? Sentei-me em uma poltrona e puxei uma das sacolas, de onde tirei uma jaqueta incrível. Minha boca levemente se abriu. _Aurora, eu vou te fazer umas perguntas e você responde se sim ou se não, ok? Senti medo daquele tipo de proposta mais do que a tarefa de usar todas aquelas roupas. Antes que ela começasse a falar, Doug entreabriu a porta para um tchau. _Uau, vai para um desfile, não? _assoviei e ele riu. Estava matador, com o cabelo bagunçado uniformemente e uma calça que realçava suas pernas fortes. O relógio prata brilhante no braço e um perfume sedutor. _É isso o que fazemos... _sorriu e me deu um beijo de despedido. _Volto daqui algumas horas. _Tchau. _pisquei o olho e fechei a porta, ainda com um sorriso aberto na boca. _Você gosta muito do meu irmão? _Claro. _Você faria qualquer coisa por ele? Que tipo de perguntas de cobrança era aquela? Já sei, Gisele tinha muito ciúmes do irmão mais velho. Acho que eu podia lidar bem com isso. Aurora Li Mendi 98 _Bom, acho que sim, veja que estou aqui... participando do plano. _Qualquer coisa é quaaaalqueeeerrr coisa?_ insistiu. _Não estou entendendo. _pisquei o olho e balancei levemente a cabeça para os lados. _Você é humana? 24 Meio segredo (Aurora) Gisele estava de pernas cruzadas, perfeitamente brilhantes e firmes, terminando em uma linda sandália vermelha coberta por um fino tecido, com uma pedrinha brilhante na fivela. Sua boca perfeitamente desenhada com lápis rosa me esperava com um sorriso, depois de uma pergunta que para mim era o fim da linha. Se eu era humana? Lógico que neguei, o que me restava senão perguntar de onde tinha tirado aquilo? Gisele não rebateu com palavras, aquela garotinha era muito mais astuta. Levantou-se e veio requebrando, num passo de modelo meio afetada, parou na minha frente, pegou com gentileza meus dois pulsos e me guiou pra levantar. Inspecionou teatralmente uma mão, depois outra ainda com luvas: _Eu poderia listar todos os seus deslizes. Mas, esse aqui é o que vai me dar mais trabalho! Como pode demorar tanto tempo para ficar boa, Aurora? _ sua voz era doce, melodiosa, quase enlouquecedora. Em rápido estado de fuga, procurei a porta com os olhos e ouvi o clique desta sendo trancada. Era pior que filme de terror saber que podiam controlar tudo com os chips de suas cabeças. _Não me respondeu ainda, Aurora. Procurei a minha bolsa no meio de tantas sacolas. _Aurora, você não pode voltar atrás. _ cruzou os braços. _ Não entende? Agora todos já sabem que você está com meu irmão. Ok, ele era lindo, incrível, mas não era o filho de Deus! Depois, eu viria a descobrir que “todos” era muito mais gente do que eu imaginava na minha vã ingenuidade. _Gisele, o que você quer com essas perguntas sem sentido?_ perguntei com voz dura. _Só sua confissão. _deu de ombros como se me pedisse a coisa mais lógica do mundo. _ Deixa eu imaginar, está gravando tudo aí na sua cabeça? E depois vai mostrar pro Doug._ minha voz já estava descontrolada. Ela iria me matar. _Não. _sentou-se. _ Ninguém pode nos ouvir. Só eu posso te ouvir. Anda, diga. _O que quer em troca? Vai me chantagear? Vai... fazer me expulsarem da escola? Aurora Li Mendi 100 De repente, tudo viera à tona e as conseqüências se tornaram tão claras que me dava pavor. Podia ver meu pai saindo algemado da escola matricular uma humana em escola de superhumanos. Nunca me perdoaria por não ter seguido seus conselhos. _Não. Não vou fazer nada disso, nem contar para o meu irmão. Pisquei o olho, meneei levemente a cabeça. O que aquela malvada gostaria, então? _Aurora, eu só quero jogar limpo. Você está entrando em um jogo de muitas regras e não dá para fingir que não sei de nada. Suspirei, deixei os braços morrerem ao longo do corpo e procurei a luz da janela. Respondi ainda de costas pra ela: _Sim, eu...sou humana. _ pensei que não fosse sair da minha garganta. Virei o rosto para o lado. _ E o que vai fazer com isso agora? Ela sorriu em vitória, quanto tempo estava esperando por essa oportunidade de me ter em suas mãos? _Agora que eu tenho seu segredo e você terá um meu. Esperei, nem ousei perguntar, pois tinha medo do que podia vir dela. _Conhece o Bili? Bili? Repeti o nome na minha cabeça, mas não precisei buscar muito. Claro que o conhecia! Ele era um queridinho das meninas do ano anterior. Gente boa, engraçado, nadador, por quê? _Ele é como você, Aurora, humano. Veja como os muros daquela escola guardam tantos segredos. _Sim. E, como meu irmão, eu também vou fingir que não sei de nada. Um meio segredo ainda deve ser um segredo, não? _E você precisa de mim pra quê?_ perguntei duramente. _Eu te ajudo e você me ajuda. _ pôs assim. _O que quer fazer com Bili? _Nada além de, como você e Doug, curtir o momento. Afinal, Aurora, você sabe que não vai durar muito tempo. Meu irmão não vai poder ficar com uma humana. Se ele não fosse um Alfa, talvez. _ deu de ombros. Aquilo me machucava. Mas, que opção eu tinha? Estava completamente em suas mãos, nem ao menos podia desfazer o nó que eu já havia dado, ela usaria a corda pra me enforcar. _Ok, eu trago o Bili pra você e você...? _Eu te ensino tudo sobre os Alfas. _retrucou rapidamente. Naquele momento, eu quase achei injusta a troca, mas eu viria a precisar muito daquele intensivo sobre eles para um futuro bem próximo. _O que posso dizer é que tudo pode ficar mais intenso, já pensou sobre isso? _Você relevou quando entrou nesse jogo de mentiras? _levantou as sobrancelhas. _E o que temos que fazer agora?_ eu queria acabar aquele assunto. Gisele ficou atrás de mim olhando para o espelho na penteadeira à nossa frente. _Vamos fazer uma obra de arte perfeita. _disse. _E aparar essas arestas..._afastou o meu cabelo ruivo do ombro. _Você vai ter dúvidas da sua humanidade. _piscou o olho pintado de verde e preto e senti os pêlos da minha nuca arrepiados. _Esse é seu passe. _entregou-me um cartão. Franzi a testa e peguei o pedaço de plástico preto. _Você faz parte de uma agência de modelos. Não queira saber como comprei isso com gotas de sangue com um amigo! Você deve a ele um book urgente de fotos. _Pra que eu preciso de...? _Querida, como vai explicar as roupas e sapatos que vai levar pra casa? Você agora é uma modelo fotográfica que ganha muitos presentes, portanto, comece a perder seis quilos. Não sei como vocês humanos fazem, mas pare de comer! Eu estava meio zonza, mas pelo menos tinha uma boa desculpa. Gisele pensava em tudo. _E o que eu faço...? _perguntei meio perdida. _Nada, eles vão fazer... _ sorriu. _Podem subir, rapazes. _ ela falou sozinha e não entendi nada. Enquanto eu aguardava pra ver quem passaria pela porta, começou a tocar uma música. My mama told me when I was young/ We are all born superstars /She rolled my hair and put my lipstick on/ In the glass of her boudoir/'There's nothin wrong with lovin who you are'/ She said, 'cause he made you perfect, babe'/'So hold your head up girl and you'll go far/Listen to me when I say/'I'm beautiful in my way/'cause god makes no mistakes/I'm on the right track baby/I was born this way/Don't hide yourself in regret/Just love yourself and you're set/I'm on the right track baby/I was born this way. Aurora Li Mendi 102 25 Era tudo para protegê-los (Doug) Estacionei o carro próximo ao gramado da entrada, não colocaria ainda na garagem subterrânea, pois precisava levar Aurora de volta pra casa. Sorri ao olhar o perfil de duas silhuetas atrás da cortina do quarto de Gisele. As duas deviam estar se dando bem e eu estava ansioso pra vê-las e fugir daquele jogo. Mas, o trabalho já estava acabado. _Quem bom que chegou. _era a voz de Gi, me chamando pelo chip. _ Aurora ainda não está pronta, te encontro na biblioteca. Podemos falar? Falar? Não poderia ser amanhã? Porque eu pretendia passar o resto da noite com Aurora. Mas, Gisele só acrescentou “Sozinhos. Desligue seu sincronismo.” Sabíamos que não devíamos ficar off muito tempo, mas havia no nosso contrato esse direito, então, não gastávamos as chance de fazê-lo se não fosse muito importante. Isso explicava porque eu devia adiar um pouco minha programação. Encontrei minha irmã sentada no sofá verde musgo de veludo comum, mexendo na pulseira de ouro com penduricalhos. Seus olhos pintados levantaram-se para mim, tinha o rosto perfeitamente maquiado e a boca brilhante de gloss. Aposto que tinha chamado o serviço express de embelezamento. Não era raro ver bater na porta aqueles três homens vestidos de branco com suas maletas prateadas atravessar o corredor e encontrá-la em seu quarto. Provavelmente, estavam com Aurora agora. _Tudo bem? _perguntei só pra introduzir, não estaria se não estivéssemos ali em silêncio para nossos jogadores para um diálogo particular. _Nós somos irmãos e eu não esconderia nada de você. _ sua voz era carinhosa e doce, mas não atenuava a gravidade do seu rosto e seus olhos procurando outros lugares que não os meus para preparar o que fosse dizer. _Nós sempre nos protegemos, lembra? Desde pequena, eu poucas vezes tive medo, porque você sempre estava lá. Mesmo que não fosse por perto, eu podia chamá-lo por minha voz e você estaria na minha mente me dando as instruções. Não era para eu dizer nada, porque agora ela realmente estava me dando medo. _Doug, eu quase enlouqueci quando você tentou sair dos Alfas por causa daquela garota. Nós sempre seremos uma família, porque nós temos a nossa própria verdade. Ela estava com medo de que eu deixasse tudo por causa de Aurora?! Ciúme? _Não vai acontecer outra vez. _sorri e toquei a ponta do seu nariz fino com o indicador e segurei sua mão pousada no vestido florido de babado._ Eu amo vocês. E como disse, sempre estarei por perto pra protegê-la. _Eu também. Sempre! _abraçou-me, envolvendo meu pescoço com os dois braços finos e me beijou o rosto. Espero que não tivesse deixado marca! _Sempre vou estar por perto pra quando precisar. _sorriu e olhou diretamente nos meus olhos. _ Por isso, que eu quero te contar uma coisa. Somos só nós dois, certo? _Ninguém pode nos ouvir._sussurrei. Ainda havia mais? _Doug, eu não vim aqui te pedir pra desistir de nada, ok? _suas palavras estavam saindo com cuidado. _Eu só quero que se proteja. _Do quê? _... _ela contraiu os lábios uns sobre os outros e soltou o ar. _Eu conversei com a Aurora. Ela realmente te ama muito. _Amor? _franzi a testa. _Sim, amor. Não é como nós superhumanos que ficamos com várias pessoas e que não temos pressa de fazer as coisas acontecerem. Não é assim, ela te ama. Amor. De verdade. Aquelas feridas que ainda estão em sua mão é porque tentou te salvar arriscando tudo. Eu sabia de tudo que estava explicando, mas era como se não fosse da forma que estava tentando me dizer e eu não conseguia acompanhá-la. _Eles vão ser muito cruéis com Aurora. Posso fazer tudo que puder pra ajudá-los, mas se não contar o que sei, você não vai conseguir protegê-la completamente. _Gisele, por favor, você está me deixando preocupado. _Doug... _ segurou meu rosto e alinhou nossos olhos. _... É como imaginei, Aurora é... uma humana._a última palavra foi um sussurro pra me agredir o menos possível. Engoli em seco. Eu não queria saber, eu não queria que me contasse. Tentei levantar, mas Gisele me segurou pelo braço e me fez ficar, pegou meu rosto com força. _Doug, é verdade, ok? Ela me contou. É mesmo uma humana infiltrada na escola. Se eles descobrem podem linchá-la. Sabemos que serão muito cruéis! Fechei os olhos e apertei meu maxilar, travando os ossos da face com força. _Não sinta raiva dela, não quer mentir pra você, só não pode te contar. _antecipou-se aos meus sentimentos. Ouça... _segurou minha mão e me enviou um arquivo de voz e áudio da conversa que tivera com Aurora Aurora Li Mendi 104 enquanto eu estava fora. Eu agora podia ouvir a voz da garota: _ “É muito duro não poder querer ninguém, não olhar pra não sentir, impedir que qualquer sentimento cresça, procurar o chão, andar com o capuz sobre a cabeça e fones no ouvido. Mas, o Doug chegou me atropelando e não há como resistir aos seus olhos de oceano, a sua voz vibrando em todo o meu corpo. Eu inteira sigo os seus comandos. Naquela noite, senti que podia me atracar com aquelas feras para salvá-lo. Eu não quero fazer nenhum mal a ele, Gisele. Jamais gostaria de prejudicar seu irmão. Eu sei que viverei muito menos tempo. Por sorte do destino, talvez, nasci tão perfeita e bonita que por muitos anos serei como vocês, aparentemente sem qualquer necessidade de retoque. Só preciso tomar cuidado com a minha saúde. E agora, eu tenho que aprender algumas coisas sobre o mundo dos Alfas. Eu aprendo tudo, eu me transformo no que quiserem que eu seja. Só não conte ainda, pois Doug pode não entender. Não me afaste dele, por favor. Me prometa que não vai destruir a maior felicidade que já tive em toda a minha vida. Me ensine como proteger o mundo dele. Eu escondo o meu como for possível.” Gisele e eu nos olhamos ao final da lembrança que me entregara para eu entender completamente do que estava falando. _O que queria me contando e quebrando o segredo que Aurora lhe pediu? _perguntei. _Não é justo Aurora tomar todos os cuidados sozinha. Já viu um doente cuidar-se sozinho em um hospital? Ela é humana e precisa de cuidados. Se eu não lhe contasse, você não atenuaria seu inferno e isso será a prova do que realmente sente. Você vai precisar silenciar suas perguntas para poder aproveitar todos os momentos, sem se preocupar com os “se”. Ela é humana e precisa querê-la assim. Mas, ao te dar a verdade, também te dou a liberdade de decidir antes de tudo e não jogar na cara dela lá na frente que foi a única responsável por fazer esse sentimento crescer dentro de você. _Nós dois então mentiremos um para o outro? _Os dois terão uma mentira bondosa para com o outro e isso será uma verdade, porque o amor que sentem é uma verdade. Você pode negá-la? _Gisele sorriu fraternalmente. _Você disse que não queria me ver fora dos Alfas, nem longe de vocês. Se algo der errado, isso será muito provável. _Então, essa é a outra parte da explicação do por quê eu contar o segredo, pois eu não quero que me culpe quando isso acontecer. Mas, eu já sei que terei contribuído de todas as formas pra evitar isso. Eu não quero que esse dia chegue, Doug. Mas, eu não posso pedir que vocês não vivam o que querem viver, porque você e eu somos mais forte que a Aurora, mas há uma coisa que une a todos: nós ainda não somos imortais. Suspirei profundamente e fiquei com a cabeça vazia de pensamentos. Flutuando, era como se um peso saísse de mim e eu pudesse dividir aquele fardo que já carregava. _Vou ajudá-lo. Serei a sombra de Aurora, como a mamãe fazia comigo. Ela será linda, sedutora, perfeita. Só não faça muitas perguntas. E aproveite o tempo pra se amarem. Faça isso. _Eu te amo, sabia? _apertei sua mão. _Você é a irmã mais perfeita do mundo. _Eu vou te cobrar. Rimos, sentindo uma descarga de alívio. _Agora, se quiser ver as primeiras lições que ela aprendeu. Vá lá em cima. Meu esquadrão da beleza já saiu. Lembre-se, sem perguntas. _Não a transforme em outra coisa. _pedi. _Eu vou contar com você pra isso também, pois há uma linha muito tênue pra perder o controle. Você sabe o quanto nosso mundo é sedutor. Mas, não se golpeie com o machado do futuro. _encolheu os ombros. Levantei e fui até a porta. _Doug. _chamou. Virei-me pra ela ainda sentada. _Se fosse comigo, você faria o mesmo, não faria? _Não, na verdade, eu daria umas porradas no cara que fosse mexer com a minha irmãzinha. _apontei pra ela e sai. Já na escada, subindo para o segundo andar, falei por pensamento. “Claro que faria o mesmo por você. Mas, se eu pudesse escolher, não lhe daria essa provação”. Ela respondeu: “A gente não pode escolher”. Aurora Li Mendi 106 26 Amanhã, Amanhã e Amanhã (Aurora) Eu tinha desistido do meu corpo, mas o meu melhor estava todo ao seu dispor: minha alma. E ela ia contigo e me deixando vazia quando partia. Só voltava a ser inteira quando você reluzia, acendendo todas as luzes do meu corpo foto sensível ao seu sorriso. Foi assim que meu pulmão voltou a se encher de ar quando te vi chegar de carro no gramado da sua casa. Gisele pedira que esperasse ali, que iria despachar os cabeleireiros e maquiadores que passaram a tarde me retocando os defeitos que queriam esconder, cada traço, cada marca que o tempo fincaria como pneus escavando a lama na estrada e deixando seus vincos firmes. Mas, eu devolveria meu corpo se fosse possível voltar à loja que me fizera com erro. Por enquanto eu seria minha auto-propaganda falsa. Não me diga que isso não era ético ou certo, eu já não estava a ponto de pensar, só queria sentir ser visitada como flor que espera ser beijada pela abelha em busca de pólen no florecer. Eu era uma flor esplendida, o prelúdio da morte em contagem regressiva, que eles então levassem tudo, peguem de mim o perfume, porque é no miolo, no centro, e, não, na superfície que ele vai encontrar o que precisa para viver. Segurei o pingente do colar novo que ganhara e continuei olhando pela janela, contando o momento em que Doug apareceria. A porta, então, se abriu e em silêncio, com poucos passos se aproximou e encostou-se à lateral da janela. Podia congelar seu rosto para quando ele me devolvesse o meu espírito porque não queria mais ficar com meu corpo velho e fraco? Eu sentarei ao fogo e lembrarei daquela imagem perfeita da sua pele branca e perfeita, seus olhos quentes de mar azul e salgado me convidando pra entrar. E a ponta dourada dos seus cabelos eu poderei recordar como toque de seda. Sua mão escorregou sobre o beiral da janela até ficar sobre a minha e a aceitei querendo e rompendo, desaguando um rio de felicidade em seu oceano. Puxei depois o braço, o corpo, o peito e terminei ali em sua boca quente. Ele não falou nada do meu cabelo mais ruivo com mechas douradas e as tranças, nenhum comentário sobre as roupas, ou os sapatos. Doug era só um manequim cheio de viver a vida disfarçada de um catálogo. _Eu preciso mesmo te levar pra casa?_ sussurrou, ainda roçando seu nariz no meu. _Sim, precisa. _sorri e afastei o rosto. _Está cansado, não? _Não... _encolheu os ombros. _Só não queria ter que te levar embora, se vou te buscar amanhã, não faz sentido. _brincou e eu balancei a cabeça para os lados. _Você sempre volta romântico dos jogos de futebol?_ ri e abracei a sua cintura. _Está mais parecendo que voltou de um filme de drama! _ironizei. _A vida é o próprio drama._agora sim sua voz era pesada e cansada. _Não, baby... _cortei-o com delicadeza. _A vida é o que fazemos dela enquanto tentamos pateticamente fazer dar certo. Ela é uma corda que quando esticamos demais não dá música nenhuma e quando a deixamos solta, também não tem vida..._acariciei seu rosto. _Mas, quando a deixamos perfeitamente tensionada... _arrastei a ponta dos dedos por seu braço arrepiando-o. _Você pode sentir... Doug sentiu vibrar dentro de si, pois agarrou-me loucamente em um beijo efusivo e a porta trancou-se. Três passos e nos derrubamos sobre a cama, não sabia quem tombou o outro primeiro. Eu tinha que levantar e ficar, eu tinha que parar e continuar. Os comandos estavam muito confusos na minha cabeça desordenada enquanto me beijava desesperadamente como se não restasse outra vez. Tomei fôlego pra oxigenar a cabeça. _Precisamos ir... _escapei para o lado, rolei, cai no chão, levantei e senti que minha boca estava dolorida, o queixo arranhado e vermelho. Ri, andei de costas, ajeitei a blusa que subira e deixara a minha barriga de fora. Ele contraiu seu maxilar como se controlasse sua fera e eu dei um sorriso de lado, tirando o cabelo do ombro para trás da orelha. Coloquei a mão na fechadura e fiz um sinal para abri-la para mim. Balançou a cabeça para os lados e fez um sinal para dar um beijo na sua bochecha como chantagem. Semi cerrei os olhos e soltei o ar, mordendo a boca. Revirei os olhos e engatinhei sobre a cama, cuidando para não sujar o edredom com meu novo salto. Ele não se mexeu como eu pensei e deixou que eu o enquadrasse com minhas mãos apoiadas entre seus ombros. Beijei sua testa e olhei seus olhos azuis querendo me jogar nua neles, mas arrastei meus lábios sobre os seus, deixando o beijo em sua bochecha. _Eu vou cobrar caro agora todos os seus pedidos._riu. _Eu sou rica dessa moeda pra te pagar bem sempre... _apertei seu queixo. Levantamos e eu o trouxe pelas escadas, onde descemos abraçados e encontramos Gisele sentada no sofá ao telefone. Piscou para nós. Eu deveria agradecê-la por tudo que estava fazendo por mim. Era muito importante que guardasse meu segredo. _Ohh... Está frio! _esfreguei meus braços e corri para entrar em seu carro. _Vesti o casaco que trouxe comigo assim que bati a porta. Doug ligou o aquecedor e dirigiu em direção a minha casa. _Quando vai me apresentar aos seus pais? _ perguntou. _Hum...E eu deveria dizer o quê? _Como... o quê?_ franziu a testa quando parou na minha porta. Aurora Li Mendi 108 Segurei o botão da fechadura e dei de ombros: _Você não decidiu o que é. _Eu sou o que você quiser... _beijou-me. _Quem pode ser qualquer coisa, não chega a ser alguém importante. _E o que eu devo ser? _Meu? _Então, já tem o que dizer. _sentenciou. _Você quer mesmo isso?_perguntei. _Eu quero tudo, até a parte que as pessoas não querem, eu quero completamente. Meus olhos se encheram e eu engoli em seco. Podia pedir pra que repetisse? _Te vejo amanhã, amanhã e amanhã._ disse-lhe. Saí e abri o portão de casa sorrindo. 27 Até o néctar (Aurora) Saquei minha grande nécessaire na pia do banheiro do colégio e tirei meu novo e caríssimo arsenal de maquiagem. Suspirei, só era para ter ali nada além de escova de dentes e pasta e eu tinha mais maquiagem que uma atriz de teatro! Podia lembrar de todas as aulas extensas de Gisele que não cansava de me ensinar a forma de deixar o rosto perfeito. Retoquei a sobrancelha com um lápis marrom pra deixar meus fios perfeitamente alinhados. Enquanto fazia uma careta para executar bem meu desenho, uma garota ao meu lado ficou me observando, enquanto escovava seus dentes. Pensei por um segundo que se fosse Gisele teria que convencê-la sobre as maravilhas daqueles produtos. Eu já a vira atuando como garota propaganda e senti uma instantânea vontade de testar meus dotes por diversão: _Legal isso aqui... _ falei pra mim mesma no espelho. _Olha a diferença de um olho pro outro?! _ mostrei. _Comprei na minha última viagem. Eu sou simplesmente louca por essa florzinha. _mostrei o ícone da marca e suspirei procurando a máscara de cílios. _Sabia que você tem um olho ótimo pra aproveitar essa parte da cavidade aqui? _pedi licença e mostrei-lhe onde. _ Devia levantar esse olhar! _ apontei o dedo como o melhor conselho da sua vida. _Ãnh...acha? _ela se viu e senti ali o brilho do desejo pelo que lhe falei. _Dá uma olhada... _entreguei-lhe um estojo de sombras. _Hum, vou procurar. _ saiu sorrindo e cruzou o caminho com Gisele, que entrou feito uma perseguidora sanguinária e era a mim que queria. Como bem me ensinou, fiz um ar de ignorância, continuando a me maquiar. Ainda estava me sentindo magicamente muito poderosa por ter jeito para influenciar as pessoas. Daria uma boa Alfa! _Aurora, onde você está com a cabeça? Está bebendo água da privada? _Querida, você está com muito blush, não acha que exagerou? Ôh, você está vermelha de raiva? _franzi a testa e senti que ela só não avançou porque era mais baixa e ultimamente andava intimidada com a forma como eu Aurora Li Mendi 110 estava aprendendo rápido demais as lições sobre eleger meu pequeno mundo da escola para meu reinado. _O que foi, Gisele? _ ajeitei minha blusa nos ombros e mexi no cabelo. Hum, eu precisava arrumar aqueles cachos ali com uma pomada. Onde estava?! Aqui, neste potinho verde redondo. _Aurora, o Bili não pode ir com a gente naquele passeio de barco. Simplesmente não pode! De onde tirou isso? Perdeu a razão?!_cruzou os braços e quase gritou, ecoando pelos ladrilhos do banheiro vazio. _Está com medo? _ sorri de lado, desafiadoramente. _Medo de... _dei a volta e falei no seu ouvido como um sussurro. _... De ficar muito perto daquele gato... _Não! Não! Não entende?! _perdeu o controle. _Ok, se você não dá conta... _levantei as mãos para o ar, encolhi os ombros e fechei a minha nécessaire, devolvendo-a a minha bolsa de couro, pendurada no braço. _Querida, eu fiz minha parte, coloquei-o no seu caminho, agora ninguém me avisou que você não sabe o que fazer com aquele carinha gato e quente... _sai andando, largando-a pra trás. _Aurora, volte aqui! _correu atrás de mim em pânico. _Sabe bem com o que eu estou preocupada. _sussurrou, após agarrar meu braço e me puxar para um canto do corredor dos armários. _Gisele... _quebrei a cabeça para o lado e falei muito baixo. _Nós somos seres humanos, mas sabemos nos cuidar. Só vamos morrer mais cedo, mas sabemos como lidar com vocês. Por que não aproveita a chance que criei? _Não quero que nada dê errado..._bateu o pé, fazendo um pequeno terremoto em todo seu corpo e ameaçou roer a unha impecavelmente feita. _... Tinha que ser na frente de todo mundo?! _encolhi os ombros. _Se preocupe só com você. Já viu nossos vestidos?_tentei animá-la. _Sim. _sorriu finalmente. _São perfeitos! _deu três pulinhos. _Ah! Bom. _segurei seu braço entre o meu e a puxei para continuarmos caminhando pelo corredor, requebrando com nossos saltos e esbanjando sorrisos e desenvoltura. _Eu sei como vou me vingar de você! _riu alto. _Por que eu deveria ter medo? _mexi no cabelo e abri a porta do ginásio para ver o jogo de Doug. _Só há 2 quartos reservados. Um para mim e outro pra você e meu irmão. _Eu disse que era pra fazer três reservas! _briguei. _Desculpe, não tinha quartos reservados. _sentou-se na arquibancada. _Mas, eu podia resolver isso bem. Você dormia comigo e Doug ficaria com o outro quarto. Só que você mudou os planos sozinha. _Mas, espera aí! O Bili pode dormir com Doug e está tudo resolvido! _Aurora, eu lamento muito, querida. _olhou alguma coisa atrás de mim e eu poderia jurar que era seu irmão vindo, depois do apito de final da partida. _Eu vou ter que deixar a porta trancada, não me atrapalhe! Oh, desculpe, se você não dá conta daquele carinha que está vindo ali... _levantou-se e tentei acompanhá-la, mas ao me virar dei de frente com Doug suado e sem camisa. Eu realmente tinha dúvida se podia lidar sozinha com todo aquele corpo perfeito. Ele tinha o corpo definido e o rosto angelical que me faria derreter como gelatina descongelando. _Malas prontas para o nosso fim de semana? _quis saber e me beijou com a boca muito salgada. _Prontíssima. Vai ser o melhor, prometo. _mordi o lábio. _Eu vou tomar um banho e voltar para você me contar o que se passa nessa cabecinha. Ri e sentei novamente na arquibancada com o coração aos pulos como a bola que quicava nos pés do garoto do outro lado da quadra fazendo embaixadinha. Doug precisava cumprir um compromisso Alfa com sua irmã. Havia um casal de amigos ricos que estavam dando uma festa de aniversário na praia da ilha particular de seus pais. Haveria muita gente importante e Doug tinha que chegar com seu barco e aparecer usando alguns produtos. Esse era o briefing do seu fim de semana, mas, para mim, a versão fora contada de uma forma muito mais pessoal e divertida como um momento particular para aproveitar juntinhos. Olhei para o lado e o vi caminhando para mim com seus braços expostos pela camiseta apertada e o cabelo molhado. O perfume era tão bom quanto eu podia já prever quando me abraçou e me beijou com gosto de pasta de dente e a pele quente pelo banho recém tomado. Acariciei os fios úmidos da sua nuca por um longo tempo que não pude determinar. _Eu vou ter que trabalhar um pouco, mas curtiremos muito juntos. _avisou. _Não se preocupe. _dei um soquinho em sua barriga. _Eu te entendo. (...) O tempo que não era meu fora muito maior do que ele havia me prometido. Mas, eu ainda o tinha por perto, então, poderia dizer que não podia contar aqueles momentos em que me mantinha pendurada em seu braço sorrindo. _...Pô, eu também adoro aquele motor. Já dirigi um desses... _ falou entusiasticamente para um homem ao meu lado, mas eu não prestava a atenção em suas palavras, olhei meu reflexo em um dos espelhos. O vestido Aurora Li Mendi 112 branco justo ficara completamente perfeito com a tiara de couro trançado e pedrinhas na minha cabeça. Eu tinha que agradecer a Deus por minhas mãos estarem boas, nenhuma luva iria combinar com a minha roupa, pensei enquanto me desgrudava de Doug e aproveitava um tempo sozinha em torno da fogueira, sentada em um tronco de madeira. Gisele passou rapidamente por mim pra avisar que estava pedindo pra ser seqüestrada por Bili. Ela sorriu, mas não consegui devolver o mesmo. Apenas continuei olhando o fogo, como se fizesse parte de mim aquela chama fervendo as brasas. _Eu vou levar a chave, hen. _ainda advertiu. Eu dei de ombros, dormiria em qualquer lugar. A areia estava quente próxima a chama. Lembrei dos meus pais longe e pensei se estava dando o melhor de mim pra ser o que queriam. A resposta deveria agradar mais a mim do que a eles a partir daqui, pois eu era agora a responsável pelos meus atos, não era mais uma garotinha. Suspirei, aquela noite não estava realmente saindo como eu previa. Fechei os punhos e depois abri os dedos com a palma espalmada para o fogo. As labaredas subiram alto e por um segundo achei que provocara a chama com meu desejo. Olhei para os lados, mas ninguém reparou com um evento que não fosse provocado pelo tempo. Olhei disfarçadamente para as palmas das minhas mãos. Estavam vermelhas, mas só poderia ser por conta de tê-la aquecido. Eu não seria capaz de incitar o fogo... _Aurora? _Ãnh? _assustei-me com a mão de Doug no meu ombro. _Desculpe. _sentou-se ao meu lado. _E aí, eles vão comprar o barco? _minha voz saiu dura. _Não, eu não tenho que fazê-los comprar... _Desculpe... _Eu entendo, acabei te deixando um pouco sozinha. Toda noite era pouco no seu conceito? _O que acha de irmos para o hotel? _ofereceu a mão e tive medo de oferecer a minha, será que podia machucá-lo se de repente acontecesse algum incidente... Balancei a cabeça para os lados. Que tolice, jamais machucaria Doug. Entrelacei meus dedos nos seus. _ Gisele me contou do arranjo nos quartos. _Não acha que sua irmã é maluca? Ela é só uma garota pra dormir sozinha...! _Eu impediria, se não fosse conveniente. E ela não está sozinha..._riu. Paramos na porta do seu quarto que ficava em um chalé. _Eu sei que te deixei algumas horas sozinha, mas posso te dar o dobro de atenção agora... _abriu a porta. Entramos e acendemos as luzes. Havia flores, champanhe, algumas velas em um móvel. Será que pedira pra Felícia preparar tudo? _Vai acontecer alguma festa aqui também? _perguntei meio mal humorada ainda. _Não... _segurou minha cintura. _Quando vai me perdoar? _A melhor pergunta não é quando, é como. _Hum. Como? _ sorriu e facilmente me suspendeu pela cintura para cima de uma mesa de madeira rústica, como um passo de balé. _Eu posso tentar todos os métodos? _afastou o meu cabelo para trás do ombro e cravou os lábios ali, arrepiando meus braços. _Desculpe... _desceu as alças do vestido com a ponta dos dedos. _Desculpe..._ puxou minha nuca com sua mão forte e me beijou com muita vontade. A cama nunca me pareceu tão macia e funda quando delicadamente fui depositada sobre ela com os braços para trás. Fechei os olhos e lembrei das labaredas da fogueira, eu era toda um tronco em chamas flamejando de amor. Acariciou o contorno do meu rosto e suas mãos entrelaçaram nas minhas enquanto descia os lábios para o beijo da abelha que suga todo o néctar. Aurora Li Mendi 114 28 Eu não me canso de você (Doug) Ela estava dormindo e seus cílios ruivos subiam e desciam com o movimento da sua respiração. Podia perceber o tremor quase invisível do ar que eu expirava próxima ao seu rosto. Aurora tinha sido tão doce e delicada na noite anterior. Eu não poderia jamais compartilhar esse momento sublime com ninguém, nem um dos meus jogadores poderiam se divertir com esse momento tão único e particular. Desliguei-me no máximo de tempo off que era permitido no mês praticamente. Eu podia já ouvir a ligação ruidosa de Felícia pra discutir estes termos, mas, eu naquele momento só queria vê-la dormir o sonho dos anjos de bruços na cama ao meu lado. O lençol de seda cobria-a até sua cintura, deixando as costas com um contorno dourado da vela. Havia algumas cicatrizes, pareciam pontos de cirurgia próximo a sua coluna. Seria alguma intervenção em sua medula? Havia muitos mistérios na natureza impenetrável do seu corpo que eu não podia questionar. Essa zona de tempo de conforto era o que eu precisava para me preparar para o momento de tudo vir a tona. Como iria protegê-la quando isso acontecesse? Tirei um caracol longo e vermelho do seu ombro e senti vontade de cheirar seu perfume, aproximei-me e outra vontade me acometeu, de abraçála, mas chegando tão perto, o que era pequena, tornou-se uma vontade intensa de apertá-la e protegê-la ao meu corpo. Passei meu braço pesado ao seu redor e a trouxe pra mim, egoistamente sem me preocupar que a acordaria. Seus olhos levemente se entreabriram com um grande sorriso. _Jura que esse é meu novo relógio?_ sua voz saiu profundamente rouca com um risinho. _ E onde aperto pra desligar? _ repousou a mão no meu rosto e fechou os olhos outra vez. Estávamos colados e eu podia sentir seu coração pulsar na minha pele. Seu sangue correndo bem ali na superfície de contato entre nossos corpos. Me assombrou a idéia de de repente seu coração parar e eu não estar por perto. Aqueles presságios me vinham quando eu precisava me afastar pra trabalhar como agora. Eu tinha que almoçar e ainda havia páginas e páginas de relatórios sobre alguns produtos para ler e oferecer aos meus amigos no almoço de hoje. Não podia acordar Aurora para dizer que não lhe daria atenção hoje, não podia deixá-la sozinha na cama, não podia não ir ao encontro, já que isso pagava toda nossa estadia e o pagamento mensal da minha família, não podia fechar os olhos e me concentrar em ler os arquivos, se só havia Aurora na minha mente. Por fim, eu não queria nada além de ser só eu mesmo, um cara jovem, dormindo na manhã de um sábado com sua namorada linda e apaixonante. O que era fácil pra mim era também impossível. _Meu amor, vamos passar o dia todo abraçadinhos assim?_ Aurora pediu sonolenta, certamente seu cérebro nem se dera conta de ter me chamado a primeira vez de “meu amor.” Eu não tinha como argumentar que já sacrificara um dia inteiro fora do ar e que furar no trabalho em seguida seria uma superdose de irresponsabilidade. Beijei-lhe em uma recompensa silenciosa sua nuca, as costas, abracei-a com força, carinho, posso e entendi que era sofrimento da saudade que eu já sentia primeiro. _Hum... esse será o ritmo da manhã toda. Adoro isso..._ riu e aninhou a cabeça no vale do meu coração, entre meus dois braços. Podia ficar ali, era um lugar unicamente seu. _Doug, você é tão super perfeito._ acariciou minhas costas com sua mão sempre morna e macia. _Meu Alfa eu te..._pausou. _...desejo tanto. Minha vida fez todo sentido depois que você se jogou na minha frente. Ri e deixei meus dedos perdidos nos caracóis de fogo do seu cabelo e massageie sua nuca. _A minha também faz muito mais sentido com você..._apertei suas pernas entre as minhas e depois afrouxei pra não machucá-la, era tão frágil. O que eu estava dizendo é que não tinha sentido: como uma humana fraca, sem ligação com a nuvem, infiltrada entre os superhumanos podia me fazer tão... feliz? É que eu não amava sua natureza, mas o que ela provocava em mim. Era dentro de mim que ela mexia, como se fosse parte viva minha extra-corpo que se eu perdesse podia parar de funcionar. _Já te falei que você é o cara mais lindo... hum do mundo?_elogiou e beijou meu peito, trazendo-me arrepios. _Eu adoro olhar você, estar com você... _Eu também. _puxei o lençol pra nos cobrirmos mais e fechei os olhos. Engoli em seco, busquei ar e minha melhor voz. _Eu sei que não vai gostar disso, mas... Ela levantou sua cabeça e encostou o queixo no meu peito, fazendo círculos com o dedo indicador na minha pele. Seus grandes olhos verdes olhavam diretamente pra mim. _Eu preciso ir. Felícia está me chamando. Aurora não reclamou, apenas fechou por uns segundos os olhos e, depois, virou para o lado. Sentou-se na beira da cama de costas. Seu cabelo caia tão lindo por cima da sua nudez alva e lisa. Eu queria esticar a mão e tocá-la, mas isso não me ajudaria ir. Ela levantou-se e foi até o banheiro sem nada dizer. Aproveitei pra me levantar também. Ouvi o barulho da água do chuveiro caindo e entendi que Aurora Li Mendi 116 precisava esperar que saísse de lá pra me despedir. Mas, ela demorava um pouco. Fiquei um pouco impaciente, abri a porta e coloquei a cabeça para dentro. Mesmo assim, não ouviu, ou não quis. Abri a porta do box embaçado pela fumaça. _Aurora, eu já... _olhei-a entre a fumaça e senti meus pensamentos sublimarem e virar uma nuvem branca. Ela estendeu a mão e me puxou. Quando vi, estava com a roupa completamente molhada e os sapatos na água. _Olha o que fez? Oh, não... Eu tinha que vestir essa roupa agora de manhã, sabia? _Sabia, e isso não me importa. _ arrancou a camisa e deixei um pouco irritado. Ela arremessou para fora e me puxou pelo cós do jeans. _Você não vai trabalhar? Então, eu mereço mais... _sorriu e me puxou para baixo da ducha forte com um beijo longo. Eu queria lhe dizer que precisava ficar online, mas nem eu queria raciocinar. Agarrei-a. Felícia gritou em meus pensamentos e eu prometi que só precisava de vinte minutos. _Doug? _ouvi uma voz masculina ao meu lado e acordei da lembrança do fim de semana. Mexi-me na cadeira da sala de aula e notei que ficara muito tempo ali. Todos já haviam saído depois do debate? Fiz uma careta de dor nas costas e senti as vistas desfocadas pelo tempo em que fiquei olhando a claridade através da janela. Era o pai de Aurora ao meu lado, o professor de ciências mais importante dos últimos tempos. Ele dava aula no hospital universitário, liderava pesquisas genéticas de ponta e era autor de dezenas de vide-books. Sempre me questionei por que se limitava a dar palestras para nós, mero estudantes iniciantes? Agora, a resposta era aquela ruiva dominando toda a memória de terabytes do meu chip, sua filha. Somente estando por perto ele justificaria, protegeria e permitiria que sua garota de criação pudesse estar entre nós. Teriam sido obras suas aquelas tentativas de intervenções nas costas de Aurora? _Oi, me chamou, professor Aquiles? _Tem outro aqui?_ele continuava com as mãos na cintura. Vestia seu jaleco branco com a inscrição PHD e os símbolos de premiações bordados em cinza claro, como era a cor do seu cabelo. _Desculpe, é sobre o e-mail que lhe pedi pra reconsiderar a data de entrega do meu artigo? Eu sei que é difícil pedir isso, mas eu preciso de mais prazo, prof... _Você sabe sobre o que é. _cortou-me e senti que o fato de ter sentado na cadeira a minha frente, alinhando seus olhos na altura dos meus era um sinal de que ele não estava com humor amistoso e pediria meu fígado para mostrar na aula de anatomia sob a bancada. Eu poderia lhe responder: “sim, eu sei, é sobre sua filha humana, vamos falar!”? _Eu vi você com Aurora. Eu olhei para um lado e depois outro, mas não ousei aceitar a intimidação reticente. Que falasse tudo de uma vez e puxasse logo o código legal dos superhumanos e mostrasse algum artigo que eu devesse lembrar que infringi. _Eu quero que saiba que se você fizer algum mal a ela... Ele poderia me esfaquear com um bisturi e entregar o balde de sangue com meu corpo em pedaço aos porcos? _Se ousar fazê-la sofrer... _parou e se deu conta de que estava com um aluno a sua frente e quase perdera o senso do ridículo. Por que um superhumano não poderia namorar uma superhumana? Porque não era, e isso o afligia. _É melhor que ela esteja comigo, pois nunca lhe farei nenhum mal. _ escolhi essas palavras e não sei se sua super inteligência captou, mas foi suficiente para afastá-lo. _Você vai se arrepender. Não ouse fazer nenhuma besteira. _apontou e saiu. Respirei fundo. Ele sempre passava esses recados intimidadores para sua filha? Encontrei Aurora que correu para mim e se jogou em meus braços dando uma risada alta e me beijando. Como podia estar tão linda uma manhã após a outra daquela forma? Minha irmã que viera a passos lentos atrás dela sorriu, mantendo-se mais de vagar. _Doug, você venceu. Eu quero levá-lo lá hoje em casa para conhecer meus pais. _Hum, ficou sério agora. _era a voz da minha irmã, nos escutando à distância. _Conhecer seu pai? _Bom, é ridículo, porque você já o conhece, mas conhecer de outra forma... _ encolheu os ombros. Era conivente contar que seu pai acabara de me ameaçar e não iria querer jantar comigo e passar a travessa de batatas? _Que dia? _Já falei, hoje. Quero dizer, tem algum trabalho? Não tinha. Droga, eu não tinha! _Tudo bem._ abracei-a. Olhei minha irmã diretamente, ela entendeu meu medo e falou em pensamento: _É só um jantar pra você usar tudo que sabe, todo seu charme e inteligência ao seu favor. _Ele é mais inteligente que eu pra não cair nessa._respondi-lhe. Aurora Li Mendi 118 _Mas, você não vai conquistá-lo primeiro, e sim, a mãe da Aurora. Já descobri sua flor preferida e a marca do chocolate que mais gosta na página dela na rede. _piscou o olho. 29 Eu estou aqui (Doug) Enquanto dirigia pra casa de Aurora, minha irmã conversava comigo por conexão mental: _Doug, cuidado pra não ameaçar o pai dela, pois todos os jogadores estão de olho em você hoje. Se sua sogra gostar dos presentes que eles escolheram, ganharão pontuação máxima. Ok, eu estava nervoso, sem saber o que falar e havia pessoas sedentas por suas fichas. Olhei a pequena caixa de veludo e a delicada flor branca rara que Gisele depositara no banco ao lado do carro antes de eu sair. Estacionei e caminhei até a entrada. Respirei fundo e bati na porta. Precisava lembrar de tudo que lera sobre eles para ter assunto suficiente. Agradecia pela minha aptidão trabalhada desde pequeno para envolver as pessoas. Aurora abriu a porta com um grande sorriso brilhante. Estava vestida de jeans claro, camiseta branca e jaleco de couro velho, com um grande cordão pendendo entre os seios. Parecia tentadora quando a abracei e lhe beijei os lábios. _Esse é o Douglas, mas eu chamo de Doug. Doug, essa é a minha mãe Sara. _apresentou-me para uma senhora alta, loira e magra, elegantemente vestida em um vestido azul marinho. _Oi, Doug, seja bem vindo. Fico muito feliz de conhecê-lo. _Espero que goste. _entreguei-lhe a caixa de chocolates e a flor. Seus olhos se abriram de espanto e depois piscou para a filha. _Passou a dica correta, querida. _ riu e Aurora a acompanhou com os polegares no bolso de trás do jeans, me lançando um olhar “boa tentativa, seja lá de onde tirou isso.” _O cheiro da comida parece muito bom._ comentei, enquanto sentávamos no sofá. _Óh, você vai conhecer as delícias de Alice. _Aurora apertou minha mão entrelaçada entre a sua. _ É de comer de olhos fechados. Já estou com água na boca. _ repousou sua cabeça em meu ombro. Envolvi-a com meu braço e senti-me tremendamente bem acolhido naquela casa. _Estamos só esperando o seu pai... _a senhora Sara olhou o relógio, arregalou um pouco os olhos e soltou o ar pesadamente. _Aurora me disse que você é filho da diretora da escola. _ deu continuidade a conversa e respondi que sim, que recém chegamos à cidade. Aurora Li Mendi 120 _E já chegou roubando o coração de ouro da minha filha linda. _ acariciou rapidamente a mão de Aurora. As duas não se pareciam, mas não podia ver mais amor que aquele. O trinco da porta da sala deu um estalido e o Sr Aquiles virou-se pra fechá-la depois de passar. Parecia relaxado, como se chegasse em seu paraíso depois de um dia de trabalho, pronto para descansar e, não, pra receber visitas. Tive certeza da minha suspeita quando se deparou com nós três no sofá e olhou brevemente para cada um. _Estou perdendo alguma festa de aniversário surpresa?_seu humor de gelo só foi escutado por mim e a Sara através de nossos chips. _Oi, pai, que bom que chegou. _Aurora levantou-se, tirou seu jaleco branco e o beijou carinhosamente, mas toda a atenção dele estava em mim. _Quero te apresentar o Doug. _Eu sei quem ele é, é meu aluno nas palestras de genética._ comentou gélido. Aurora implorou ajuda da mãe atrás de Aquiles e eu tentei não rir. Levantei e o cumprimentei. Era uma honra pra mim ser bem vindo naquela casa, pois Aquiles representava um supra sumo das pesquisas de biorobótica. _Vou pedir pra Alice nos servir. _sua mãe saiu pra apressar as coisas, mas não parecia boa idéia nos abandonar ali, pois surgiu um campo de batalha em dois diferentes planos. Em uma dimensão presencial, ele tentava ser amável com sua filha e por nossa conexão mental, falávamos menos afetuosamente. _Desde quando estão juntos?_ questionou-me com o olhar, sentado à cabeceira. Deveria responder também em silêncio? _Querido, por favor, não precisamos saber detalhes, apenas que Aurora está feliz. Sorri pra Aurora e peguei um pouco da sopa de entrada. Sara disse docemente que esperava que eu apreciasse o jantar com eles. Bebi um pouco de vinho para me esquentar, como um motor que precisa se aquecer. _Eu li que o senhor está liderando uma pesquisa para transplante de corpo. _comentei. _Quem me dera, eu não sou Deus. _Desculpe a minha ignorância, mas já estão conseguindo fazer transplante de rosto, de pele, de quase tudo, um corpo completo. _Estamos avançando muito. _Estão usando humanos pra isso?_achei pertinente que Aurora não ouvisse aquela pergunta que subitamente tive curiosidade de fazer, mesmo sabendo que era tolice sair do campo das amenidades, mas não me tirava da cabeça as cicatrizes das costas de Aurora. O que ele já tentara fazer com ela que não conseguira transformá-la pelo menos em uma humana mais forte? _Você fala como se eu usasse seres humanos como ratos._ retrucou. _Os seres humanos não deixam de ser o hardware que nossos poderosos softwares aprimoraram. _Tenho certeza que vai gostar desse molho de maracujá, Doug. _Sara cortou a ave dourada sobre a mesa. Aceitei um pedaço. _Eu estou ajudando a aperfeiçoar os super humanos, isso é nobre. _defendeu-se. _Li que estão fazendo mais do que isso. É verdade que estão dando poderes mais que mecânicos, mas biológicos? Estamos perto da era dos mutantes? _Não dê atenção a mídia. Estou longe disso. Mas, acho que veio aqui mostrar que é namorado da minha filha. Eu já lhe expliquei quais são as condições. _Sim, que vou me arrepender se lhe causar algum mal. Sara olhou o marido com horror e não deu pra fingir mais, pois Aurora largou seu prato de comida inacabado e levantou-se bruscamente. _É assim que vai fazer? _ ele bebeu sua taça de vinho. _Você é culpado disso também! Sabe que não gosto que conversemos assim perto de Aurora! _brigou e atirou o guardanapo na mesa. _Desculpe, senhora. _levantei-me também e fui até a sala e a encontrei de pé, observando a filha sentar-se ao piano. Havia um piano ali?! Hei, Aurora sabia tocar? _Acho que não estragou tudo ainda. _sussurrou. _Você a anda inspirando muito. O som das notas sobre o comando dos dedos de Aurora enchia a casa de paz. É como se ela soubesse a forma certa de atacar nossos corações e silenciar nossas mentes. _Doug? _era a voz de Aquiles. _Não tire minha filha de mim. _poderia ser a frase de qualquer pai, mas ele devia imaginar que eu desconfiava. _Se eu perder Aurora, eu juro que vou ao inferno matar você! Sara engoliu em seco e continuamos os dois a ouvi-la. Aurora Li Mendi 122 30 A verdade que tentamos evitar (Doug) O jantar na casa de Aurora tivera a segunda versão. Meus pais preparam um almoço de domingo maravilhoso e a receberam com efusão e toda atenção. Rimos muito e Aurora encantou a minha mãe com sua beleza e inteligência. Levava consigo um pouco da admiração que as pessoas rendiam ao seu pai cientista. Depois da maravilhosa comida e longa conversa, meus pais se retiraram para um descanso vespertino e Gisele também se refugiara em seu quarto. Restamos nós dois na sala, sozinhos para nos curtir. Aurora acariciou meu rosto com carinho e delicadeza, arrastando o dedo pelo contorno. Sorri e fiz o mesmo em seus lábios. Seus grandes olhos verdes olhavam para minha boca, mas resistiu ao nosso eminente beijo e os levantou para mim, engolindo em seco. Umedeceu os lábios e piscou algumas vezes em desconforto, sentia seu sangue correr mais rápido pelo toque da pele de seu pescoço. _Doug, eu preciso te dizer uma coisa..._sua voz era aparentemente calma, mas a pulsação indicava ao contrário. Meu coração disparou. Não! Ela estava pensando em contar toda a verdade logo agora, estava? Eu não queria saber, eu já estava lindando bem com isso. Eu precisava que continuasse a tentar me enganar. Não ia tentar bancar a certinha tão cedo, por favor! _Por que não paramos de falar? Hum? _ beijei-a com vontade e segurei seu cabelo da nuca com a mão, acariciando-a com vigor, apertei sua cintura contra mim. Mas, não importava o quanto fosse longo o beijo, não poderia durar toda uma vida. _Amor? _ Aurora abaixou a cabeça, colando sua testa na minha pra que nossos lábios desgrudassem. Ela nunca tinha me chamado daquela forma, mas saíra suavemente e me apertou o coração._Só precisamos conversar sobre uma coisa. _Esse encontro com nossos pais já gastou bastante energia, podemos só ficar assim, não falar...? _beijei-a várias vezes. _Doug, você tem que me ouvir..._ Aurora tentou se afastar, mas não deixei, tendo que usar um pouco de força e pressenti que a partir dali eu não teria como contê-la da vontade de se abrir para mim. _Aurora, por que as mulheres têm que ter sempre esse momento de discussão de relação? _agora sim eu demonstrava irritação. _Você nem ao menos sabe do que quero falar!_havia mágoa em sua voz. _Ok, ok mas não agora! _ordenei. _Por que não?_ irritou-se. _Não há ninguém aqui. _Tem sim..._como era tão difícil escutar. _Bom, seus pais estão no segundo andar no quarto e sua empregada, na cozinha. Ninguém pode nos escutar. _Sim, podem. Eles... ãnh, tem ótima audição, somos super humanos, lembra? Ela abaixou o rosto, olhou um pouco para o lado e depois para mim. Droga, por que diabos eu arremessara no ar a palavra chave. _Esse é o problema, eu... não posso ouvir como vocês. _Ok, tudo bem, não me importo._ri, desesperado. _Linda, por favor, pode parar de falar? _eu estava parecendo um louco. _Doug, você... já sabe?_ desconfiou e franziu o cenho. Olhei meu relógio. Eu só tinha dois minutos sobrando para ficar offline. Gastara todo o meu tempo no mês só com Aurora. Isso não seria suficiente para sua conversa particular. _Aurora, não diga mais nenhuma palavra, ok? Nada. _mandei. _Eu não quero ter que tomar nenhuma atitude drástica. _Você sabe ou não? _empurrou-me. _Sim ou não, Doug? Se eu respondesse que sim, a calaria? Provavelmente não, tinha que agir rápido. _Gisele, cadê você?!_chamei-a pelo chip, mas estava tão desesperado, que acabei falando em voz alta. _Gisele?! _Eu te fiz uma pergunta! _Aurora segurou meu queixo para que a fitasse em lugar de procurar Gisele com os olhos pela sala. _Sim. _soltei o ar. _Então, você sabe que eu..._ela não terminou, pois tampei sua boca com a mão, cuidando pra que pudesse respirasse. _Gisele, vem aqui agora, por favor, venha correndo! _implorei. _Hum..._Aurora gemeu, mas a prendi contra a parede com a boca tampada entre as minhas mãos. Eu já havia me desconectado no instante em que a silenciara. O relógio agora retrocedia em contagem regressiva pra voltar a ficar online. _Por favor, fica quietinha para eu não te machucar. Deus, eu não quero te machucar, Aurora! Psiuu...Quietinha, ok? Seus olhos se encheram de lágrimas e correram pelos meus dedos e eu sentia como se fosse o sangue de um inocente em minhas mãos. O que eu estava fazendo? _Gisele, vem aqui, por favor, se desconecte. Vem aqui. _pedi pela última vez. Minha irmã apareceu correndo pelas escadas e nos encontrou na sala. _Meus pais estão lá em cima, certo?_perguntei assim que a vi. Aurora Li Mendi 124 _Sim, estão... _viu-me amordaçando Aurora com a mão. _Você está off, certo? _quis me certificar. _Doug, o que está acontecendo? Eu só tenho 20 minutos disponíveis. _Eu só tenho 1 minuto e meio. O que fez com os seus?!_irritei-me por ter menos tempo de que previa. _Não interessa! Não é da sua conta, eu tenho vida própria! _Gisele, eu pago os seus 20 minutos por qualquer coisa que queira, mas tire Aurora daqui. Leve-a embora. _Eu não posso, Doug. Eu preciso desses 20 minutos. _Por favor, eu te imploro. Salve-a! Meu tempo está acabando... Gisele engoliu em seco e senti que estava lhe pedindo algo muito precioso, mas ela era minha irmã e tinha me prometido me ajudar: _Ok, pra onde a levo?_aceitou, por fim. _Leve-a pra longe e explique tudo._autorizei e agora falei pelo chip._Gisele, convença-a de todo jeito a ficar longe de mim! _Ok, ok. Vou com seu carro. Meu tempo só me dava 20 segundos. Acionei o som da casa bem alto, que explodiram nas caixas de som por toda parte e a soltei. Aurora estava tonta, mas nada que dissesse poderia ser ouvido. Esperei que entendesse o movimento dos meus lábios: _Desculpe, desculpe, mas vá embora, agora! _apontei pra porta. _Você é uma idiota!_Gisele agarrou seu braço e a puxou pela roupa._Vamos correr, meus pais estão vindo. As duas saíram pela porta e eu desliguei o som. Neste instante, meus pais já estavam nas escadas, assustados. _Desculpe pelo susto. Essa empregada idiota deve ter ficado escutando enquanto arrumava a casa e deixou no alto. Os dois se entreolharam aliviados. _Humanos idiotas. _meu pai resmungou._Onde estão as meninas? _Ah, saíram pra fazer compras e eu tenho um evento pra ir. Licença. _caminhei para o escritório e os dois voltaram para o quarto. Bati a porta atrás de mim e senti que meu coração ia sair pela boca. Sentei no sofá e conectei-me a Gisele. Queria saber como estavam. Pedi pra escutá-las, sem que Aurora soubesse. _Você disse que não ia contar nada! _Gi brigava com ela no momento em que interceptei a escuta. _Eu não disse até quando!_defendeu-se. _Sua burra, acha que teria uma hora certa pra revelar que está com um super humano? Eu não teria sido tão duro quanto Gisele. Peguei um copo de bebida na bancada com a mão trêmula. _Por que ele me machucou?_Aurora estava em choque. Oh, droga, eu não queria tê-la machucado. _Ele devia ter te estapeado, sua idiota! Por que foi abrir a boca!? Eu vou te bater quando sair desse carro! _Gisele parecia descontrolada também. _Quer botar tudo a perder? Tudo? _Eu não entendo, se ele já sabia que eu era uma humana, por que aconteceu tudo aquilo...? Você não devia ter contado, eu queria ter dito... _Isso não muda nada! Você continua sendo uma humana! E eu não tenho mais tempo, só me resta 15 minutos. _Que tempo é esse de que estão falando? Parece uma bomba relógio. _E é! Vou parar aqui no acostamento e lhe contar tudo o que puder. Mas, prometa, jure que não vai falar mais nenhuma palavra quando eu disser que o tempo acabou? _Não me resta mais nada. _Aurora, o Doug é um Alfa, ok? _Eu já sabia disso. _Mas, os Alfas não apenas fazem uma propaganda de experiência das marcas. Eles não são só influenciadores. Há um jogo, um grande jogo que envolve muito dinheiro. Nossas vidas são um tabuleiro online e você não podia estar nessa partida. _Como assim? De que jogo está falando? Parece quem são avatares! _Nossas vidas são influenciadas por jogadores online que compram o direito de opinar e interferir em nossas ações. Eles vêem tudo o que fazemos, dizemos e se metem o tempo inteiro. Depois nos acostumamos... _Então, todo mundo viu Doug e eu juntos...? Não, isso não pode ser verdade! _Não todo tempo. Não todo mundo, apenas os jogadores que pagam caro para terem seus avatares. Temos uma cota de horas mensais pra gastarmos desconectados. Seria nossa folga. Por isso que Doug estava com pouco tempo, gastou tudo com você. _Os jogadores não sabem sobre mim? _Sim, sabem. O tempo offline é muito curto. Doug só usou pra quando vocês estavam em momentos mais íntimos, certamente. Todo o resto eles influenciaram. A roupa que você vestiu naquele dia em que jantaram juntos foi escolhida por eles. Tudo, presentes, lugares que foram, tudo foi inventado por outros. _Então, Doug só estava jogando comigo? _Não! O que importa a roupa que escolham pra você? Era o Doug que estava lá e ele realmente gosta de você, independente de outras pessoas estarem se divertindo e ganhando dinheiro com bônus a cada vez que ele te fazia feliz. _Eu entrei para aumentar a audiência de vocês? _Não “para”, mas conseguiu de uma forma monstruosa. Todos querem saber de você. Aurora Li Mendi 126 _Vocês impediram que eu dissesse que eu era humana porque todos teriam ouvido? _Isso. Aurora, prometa que não vai repetir isso nunca mais, para o nosso bem. Não estrague a minha vida, nem a de Doug. Neste exato momento, ele deve estar recebendo uma bronca da nossa gerente. Torça pra que não o expulsem dos Alfas. Aurora, eu sei que não quer isso, mas irá destruir nossa família. _Nada teria acontecido se eu não tivesse tentado contar a verdade... _concluiu. _...Estaríamos juntos..._imaginou. _...Mas, eu não conseguiria mais viver sem a verdade. Verdade? Quase tudo era mentira. Não era? _Quando estava nos braços dele, quando se amaram, era uma mentira? _Não. _A verdade é só o que sentimos, não é um ponto de vista. Aurora, o tempo está acabando e eu tenho que te deixar em algum lugar, enquanto estou no meu blackout. _Você gastou todo o seu tempo... _Eu faria qualquer coisa por meu irmão e minha família. Você também faria? _Acho que sim. _Aurora, por favor, se afaste, fique longe de nós. Não é porque não gostamos de você, é que simplesmente não podemos mais ficar perto de você. _Eu queria ouvir isso do seu irmão. _Ele só terá esse tempo pra falar disso mês que vem. Enquanto isso, simplesmente não diga nada, nenhuma palavra, nem olhe pra ele. _E os jogadores? _Que tem? Doug inventará uma estória. _Dirá que eu era só uma diversão? _Seria uma ótima desculpa. _Eu sinto vontade de vomitar. _Vou te deixar em casa, por favor, não vamos falar mais nada, ok? Acabou o tempo, estarei conectada em segundos. Senti minha garganta apertar como se fechasse com um nó cego. Puxei o ar, mas era dor, uma dor física da extração crua e a sangue frio do meu coração sendo arrancado. As lágrimas pingaram. E eu não podia pronunciar nenhuma palavra. Eu queria estar com Aurora para ampará-la, levá-la no colo e dizer-lhe que nada fora mentira, que nunca havia me divertido tanto e que me sentia muito vivo como nunca. Gisele abriu a porta algum tempo depois e eu já estava no terceiro copo. _Eu sei que está triste porque Aurora te deixou, Doug, mas sabe como é... Essas garotas não querem nada sério... _sentou-se ao meu lado, interpretando uma versão falsa da história para nossos jogadores. Essa era a pior infração que poderíamos cometer, mas não havia saída, era preciso justificar a ausência de Aurora a partir de em diante. Gisele segurou minha mão e não dissemos palavra nenhuma, não podíamos. Isso era real? Eu tinha perdido a garota que mais gostei até hoje e, droga, não me importava que fosse humana! Subi para o meu quarto e encontrei com a minha mãe no corredor. _Você está com os olhos vermelhos, Doug. O que houve? _Nada, estava com um cisco..._bati a porta do quarto. Caí na cama sentindo uma culpa que me mortificava. Eu só queria largar tudo, correr até Aurora e dizer que tudo bem por ser mais frágil, a protegeria e cuidaria por todos os anos que vivesse e ninguém lhe agrediria. Por ironia eu justamente a deixava ainda mais desamparada que antes. Aurora Li Mendi 128 31 O mundo precisa ser injusto só pra alguns? (Aurora) Quando desci do carro e Gisele deu partida, eu senti-me um trapo devolvido. Era o custo da verdade. Eu não queria viver algo real, sincero e transparente? Eu não conseguiria a felicidade, se não fosse ela uma mentira bondosa. Sem voz, meu estado de choque me conduziu até o interior de casa. Meu pai que lia o jornal disse algo que não ouvi, era só um ruído que zumbia na minha cabeça dolorida. Caminhei como zumbi até o quarto e deitei na cama, acho que aquilo era bem perto de morrer. Ele entrou preocupado, examinou-me com suas mãos de médio que procuram o ponto certo. Mas, nem conseguia perceber sua expressão, pois ele mais parecia um borrão. _Pai... _consegui dizer. _Por favor, me dê algo pra dormir, algo bem forte. _Aurora, me diz o que sente? _Eu acho que meu coração vai parar..._apertei o peito._Pai, me faz dormir. _Aurora! O que está sentindo exatamente? Exatamente? Mas, não era reproduzível em palavras. Era bem perto do fim. Como descrever isso? _Eu vou matar aquele super humanozinho idiota. _Por favor...faz doer menos, você é um gênio, deve saber como me ajudar. Ele balançou a cabeça para os lados e saiu por alguns instantes. A tempestade que pesava sobre a minha cabeça caiu e eu solucei, curvada. _Aurora... _ele afastou meus cabelos vermelhos do rosto. _Ele sabe que você é humana? _Acha melhor que a gente não fique junto pra não nos prejudicar... _dizendo isso, parecia uma conclusão idiota a algo que já havia me alertado, anteriormente. _Eu me sinto tão mal..._perdi a voz. _Isso dói. _Me dê seu braço. _ele pediu e o puxou para si._Não vai mudar nada, querida. Mas, vai adiar. Enquanto sua cabeça começa a lidar com isso, você dorme..._enfiou a agulha na minha pele. _Durma bem... Eu senti todo o corpo anestesiar. A sensação era tão boa, nenhum nervo recebia meu comando, apenas minha mente ainda flutuava no espaço oco dentro do meu ser, até que essa fumaça interior se esvaiu e eu dormi profundamente. Doze horas depois, abri os olhos pesados, sentindo a cabeça dolorida, um peso no corpo. A noite já havia caído e a luz da varanda iluminava parcialmente a parede do quarto. Os grandes olhos azuis vieram para dentro da minha mente, me pertencendo com tanta força, como se seus músculos ganhassem força dentro de mim, se apropriando da memória com uma realidade incontrolável. Como seria amanhã? Como era o depois sem Doug? Ele sabia de tudo... e mesmo assim me quis. Eu só precisava continuar sem dizer nada. Chegar na escola na segunda-feira foi como todas as manhãs chatas antes de sua vinda para a cidade. Encontrei-o inevitavelmente, escorado em seu carro, rodeado de amigos. Passei com os polegares presos na alça da mochila, fones no ouvido e cabeça erguida. Gisele estava sentada na escadaria, junto com sua turba de súditas. Seus olhos se cruzaram com os meus, mas ela os abaixou, engolindo em seco. Segurei-me pra não chorar, não ia desmoronar, não podia. Eu iria me formar daqui alguns meses e só precisava seguir em frente, como a humana forte que eu era! _Oi, Aurora._Bili passou por mim e fez um sinal de cabeça. Dei dois passos adiante, mas parei e me virei: _Bili? _Me chamou?_ virou-se também. A vida devia ser injusta só para alguns?, perguntou meu lado menos honroso. _Posso falar com você? _Claro. _deu de ombros. _Ótimo... _indiquei um banco. Aurora Li Mendi 130 32 Quer ser uma de nós? (Aurora) Só faltava alguns meses certo? Eu já havia perdido o cara que eu amava. Então, meu lado responsável parecia menos preocupado. Olhei pra Bili, procurei as palavras, não achei nenhuma especial, então, falei como veio a cabeça: _Somos iguais sabia? _ falei baixo, aspirando o ar junto com a voz, como um som rouco e sussurrante. Ele engoliu em seco, ainda fez uma careta de interrogação, mas sustentei os olhos e alguns segundos depois, abaixou a cabeça e soltou o ar com força, coçando a nuca. _Eu sei, nós somos perceptíveis entre nós, por mais que sejamos muito bons atores para eles. _Como Doug está encarando isso? _quis saber. _Espero que não da mesma maneira que a sua namorada. _Gisele e eu ainda não... _Ok, sua namorada, ou seja lá como a está designando..._ consertei. _Você contou tudo? _Contei pra Gisele, que contou pra ele, que surtou. _Que droga. _Na verdade, ele agüentou bem a verdade, tudo ia muito bem, mas... Eu resolvi ser honesta e estraguei tudo. Quero dizer, eu tentei fazer da forma correta, mas ele me enxotou da sua vida como qualquer um faria com um humano... _Como Gisele reagiu? _Disse que o entendia, que não podia ficar com um super humano... Ele encostou a nuca na parede atrás de si, refletindo sobre suas palavras. _Eu penso nisso todos os dias... _Eu também pensava, mas ele já sabia. E, foi por isso que te chamei. Ele virou o rosto pra mim. _Precisa de ajuda? _Não, você vai precisar. Gisele também sabe sobre você. Franziu a testa. _Ela sabe que eu sou hum... _Hum-hum._ mordi o lábio. _Mas... não comentou nada! _Ah, o Doug também não. Só que depois de ter me chutado de sua casa, eu não duvido que ela faça o mesmo com você. Tome cuidado... _Obrigado. _agradeceu, mesmo não ficando feliz com o que eu acabara de revelar. Levantei-me e parti para o primeiro tempo de aula. No caminho, cruzei com Felícia. O que ela fazia no colégio? Viera encontrar a mão de Doug? Seus olhos, porém, me procuravam e sorriu quando me encontrou. Será que soubera sobre a minha humanidade. Disfarcei e dei meia volta, tentando fingir que não a vira, rumo a outra direção. _Aurora!_chamou. _Droga._gemi baixinho e estanquei no lugar. _Lembra-se de mim? Oh, sim, claro. Se você não gerenciasse a vida Alfa do meu exnamorado- super-humano talvez eu estivesse com ele agora. Pensei. _Felícia, não? _Exatamente. _sorriu mais. _Podemos conversar? Eu aceitei, afinal, ir para a minha aula agora era total perda de tempo, não conseguiria prestar atenção em nada. Depois, faria download da exposição em casa. _Ok. A cantina já está aberta. _indiquei mais a frente e sentamos em um dos bancos e ela pediu um café. _Deve estar curiosa sobre por que estou aqui. Na verdade, eu estava com mais medo do que curiosa. Mas, se a curiosidade fosse bom, ok, preferia ficar com ela. Doug a pedira pra vir até mim? _Devo confessar que sim. _respondi._Aliás, estou assim desde a primeira vez que nos vimos. _Eu observei seu trabalho de fotografia. Você é muito bonita. E também estive lendo os relatórios que me enviaram. Você fez um papel estupendo ao lado de Doug. Papel? Hei, aquela era minha vida, não, uma peça de teatro! _Eu tenho certeza que faria um excelente trabalho se juntando a nós. _continuou. Fato, ela não sabia, então, sobre a minha humanidade. _Felícia, Doug e eu terminamos ontem. _Ele me falou que sim. Mas, eu vim tratar de negócios com você. Eu também não poderia exigir que ela se compadecesse comigo... _Em que consistem os negócios?_questionei, intrigada. _Aurora, quer ser nossa Alfa? Aurora Li Mendi 132 33 Autocontrole (Aurora) Aquela palavra ainda ressoava em minha cabeça ao som de todas as vozes familiares, na de Doug, na de Gisele e agora na de Felícia: “Alfa”. Ela realmente estava me sugerindo que eu me tornasse uma divulgadora secreta de marcas? Isso me dava a absoluta certeza de que não conhecia a natureza de com quem estava lidando. Demorei tanto tempo pensando na ironia da situação, que a deixei incomodada. Tomou o último gole de café e me encarou com os olhos firmes, pedindo resposta: _Eu queria saber... por quê?_permiti-me a oportunidade da curiosidade. _Você é boa. Muito boa em influenciar pessoas. O seu job será esse: influenciar. Não importando qualquer preço, qualquer máscara para sustentar todas as mentiras bondosas. As marcas fazem as pessoas felizes. Soltei um pouco o ar e olhei o sol. Ela sem saber entendia bem da minha habilidade de fingir. Ser humana entre humanos me tornava especialista nisso. Mas, era um jogo muito arriscado, no primeiro dia de trabalho perceberia a escolha errada que fizera. Parece que toda minha demora e silêncio a fez entender que não teria hoje minha resposta. Ela, então, encostou seu celular no meu, em cima da mesa e transmitiu seu cartão para a tela do meu aparelho. _Sabe como me encontrar agora. _Ok, obrigada. _agradeci com um sorriso. Nunca poderia ligar... Ela afastou-se e entrou em seu carro preto estacionado não muito longe. _Você está aí. _ouvi a conhecida voz de Gisele atrás de mim. Pensei em me virar, mas senti um puxão no meu cabelo. _Ai..._gemi. Ela estava realmente puxando o meu cabelo? Demorei alguns segundos pra acreditar que iríamos começar uma briga. A regra inviolável que jamais pensei em burlar: nunca chame a atenção das pessoas em público, evite brigas, evite grandes discussões. Mas, ela estava querendo arrancar meus cabelos. Virei a cabeça na sua direção e levantei-me contorcendo todo meu corpo. _O que você quer de mim ainda?_perguntei, sentindo muita dor. _Não podia ter me deixado em paz? _ seus olhos mudavam de cor com o tamanho da sua raiva. Já devia ter tomado conhecimento da minha conversa com Bili. _Você não contou sobre mim e quebrou minha confiança? O que achou?_disse-lhe. _Ah, eu vou matar você, sua..._as palavras morreram em sua boca quando agarrei seu braço com força. Todo o meu corpo parecia em chamas. Acho que ela sentiu também, pois como que tomando um choque elétrico, me soltou olhando a grande marca vermelha em seu antebraço. _O que você fez? _deu um passo atrás. Respirei fundo. Eu também não sabia como podia ter tido tanta força. Mas, o estranho é que não havia apertado tanto, eu não tinha tal musculatura pra isso, quebraria seus ossos. Ela cuspiu no braço pra aliviar a queimação e eu senti minha pele suar, emergindo o pânico. Mais uma vez eu estava envolvida com algum efeito inexplicável ligado a fogo e calor por reação de autodefesa. _Agora eu acabo com você! _pulou em cima de mim e caímos na grama. Eu precisava me conter ou acabaria tocando fogo em tudo e a matando. Mas, Gisele agarrava meus cabelos e queria rasgar minha roupa. Parecia um animal enlouquecido. _Parem vocês duas. _a voz masculina chegou primeiro em meus ouvidos, depois Gisele foi arrancada de cima de mim e pude ver o rosto de Bili. Ainda em extinto de proteção avancei em cima de Gisele para empurrá-la, mas foi a vez de dois braços me darem um tranco para trás e cai sentada. _Está bem?_a voz soou no meu ouvido como um despertar de uma parte triste dentro de mim, amortecendo minhas reações. _Leve-a daqui pra longe!_era Doug ordenando pra Bili sumir com sua irmã e dissipar a multidão. _Aurora? _seu rosto estava tão próximo que eu podia virar e nossos lábios se chocariam. Suas mãos ainda me agarravam firmes pelos braços, me sustentando, apesar de eu estar sentada. _O que aconteceu? Fala comigo._pediu. _Nada... _respondi quase sem voz, ainda estava com medo de provocar um incêndio a minha volta. Procurava não me mexer e respirava para me acalmar. _Quer que eu te leve para tomar uma água ou quer ir pra casa? Sem olhá-lo, inerte, segurando-me para equilibrar todo o calor, apenas pedi pra que fosse embora. _Não posso te deixar aqui. Está machucada? _Não. Estou bem. Quero ficar aqui. Pode ir. _engoli o choro de medo. Eu não podia aceitar sua mão pra me ajudar a levantar, não queria queimá-lo. _Vai. _agora sooei mais firme. Aurora Li Mendi 134 Doug ainda andou de costas pra constatar se era seguro me deixar sozinha, mas obedeceu e se virou pra dentro do prédio. As pessoas que ainda olhavam nossa briga repentina também entraram. Gastei alguns minutos respirando e respirando pra ventilar meu corpo por dentro. Pronto, eu voltara ao normal. Olhei a palma das minhas mãos que estavam vermelhas, mas não havia bolhas ou machucados. Era como se eu tivesse conseguido controlar aquilo. O que eu era? Não era possível que os humanos tivessem poderes assim. 34 Eu preciso de você agora (Doug) _Desculpem!_Felícia estendeu da mão assustada. _Eu acho que não entendi. _Olhou pra Gisele sentada à minha direita do lado oposto a ela. Estávamos em nossa sala de jantar no que parecia ser uma reunião de feedback pelo nosso último excesso de tempo em off._Podem repetir? _agora fazia uma careta de horror. Na verdade, não tínhamos dito nada, se dependesse de nós. Estava tudo escrito em seu relatório que acaba de ler em voz alta, mas queria que saísse de nossa boca a confirmação das evidências. Felícia clicou no vidro da mesa e expandiu a imagem do seu celular com vídeos e textos. Queria rever todas as cenas, mesmo que já estivéssemos cansados daquele jogo da inquisição. _É neste momento aqui..._bateu duas vezes no vidro com a unha. _...que tudo ficou em off. O que aconteceu? Podem me explicar por que estouraram a cota mensal de privacidade tão cedo? O que isso tem a ver com aquela mágica garota ruiva que deixou nossos jogadores maravilhados. O que fizeram pra sumir com ela? _Na verdade, não sumimos. Ela ainda está estudando na escola normalmente. Foi só um caso e... Doug acabou. _Gisele resumiu por mim, conseguia transmitir com mais frieza. _Olha, não há segredos entre nós... para o nosso bem. _introduziu como se fosse continuar dizendo que nos mataria se não falássemos o que houvera. _Eu hoje ofereci a Aurora que fosse uma Alfa._disse-nos, para nosso espanto. Gisele e eu nos olhamos e engolimos em seco. Aquilo sim nos preocupava e era isso que queria nos provocar. _Não pode chamar Aurora para ser uma de nós. _Gisele caíra na armadilha de confirmar a suspeita de Felícia, não sei se por não querer nenhuma rival ou por ser realmente fraca e ingênua, mas isso me irritou. _ Ela é... _olhou-me ainda pra saber que eu iria impedi-la, não o fiz. _... uma humana. _Hum...mana?_franziu a testa, como se já não soubesse. Então, por que a ofereceu o posto de Alfa. Será mesmo que não suspeitava disso? _Mas... não vamos fazer nenhuma denúncia, nem contar a minha mãe, que é diretora da escola... _falei-lhe com voz suave e firme, olhando bem nos seus olhos. _Não queremos atrair a atenção para nós, certo? Aurora Li Mendi 136 Só estávamos podendo falar sobre isso porque perto de Felícia, ela nos concedia o silêncio e a privacidade, longe dos jogadores. _Humana... Ela parece tão perfeita... _deixou-se recostar na cadeira, traída. _Acho que a vida pode seguir daqui e os jogadores logo vão se divertir com outra coisa que arrumar pra mim. _tentei dar um ponto final pra ela, pra mim sabia que não seria fácil esquecer a minha ruiva “perfeita”, como Felícia mesmo concluía. _Ok, tudo bem, vou arrumar uma namorada pra você. _Não precisa ser tão rápida, não ficaria bem. _Que não ficaria bem o quê? Eu sou sua gerente, garoto! Desde quando vocês têm problemas de trocar de garotas, até parece que estava apaixo... Sustentei os olhos, mas minha boca secou e minha respiração ofegou. _Não, não estava. _menti antes que pudesse me perguntar, como resposta eu talvez não conseguisse pronunciar. Precisava cuspir como um impulso aquela mentira. Eu ainda tinha pesadelos por ter tampado a boca de Aurora e a expulsado daqui. _Que bom, sinal de que não terá problema com sua nova namorada. Vou buscar no book. Você quer escolher no catálogo ou eu escolho? _Fica por sua conta. _levantei da mesa. _Nós ainda não falamos da festa de hoje do perfume... _Deixe o relatório que eu leio o briefing. _ respondi já na escada. Joguei-me na cama de costas e suspirei. Como gostaria de ligar para Aurora. Os próximos dias que finalizavam o mês foram de muito trabalho. Meu outro “eu” parecia exercer minha vida completa. Aquele Doug que só Aurora conhecia estava adormecido. Nossa completa distância durou até o sábado do começo do mês, quando a campanhia tocou. Meus pais haviam saído em viagem e minha irmã estava fora. Busquei pelo meu chip imagens da câmera de segurança para saber quem apareceria ali pra me encher o saco na minha hora de folga. Só faltava ser Felícia com a minha nova namor... Esse pensamento foi interrompido quando a imagem que identifiquei me deu um susto: Aurora? Pulei da cama e desci as escadas correndo sem me preocupar qual a roupa estava vestido, ou que discurso deveria usar. Parei por um instante perto da porta. O que eu estava fazendo? Não, não poderia atender de jeito nenhum! Mais dois toques e a empregada apareceu. Fiz um sinal pra que deixasse comigo. Franziu a testa e deu meia volta para a cozinha, afinal, se eu estava disposto a atender, por que continuava parado na frente da porta? O som parou. Parece que havia desistido, agora era só eu voltar para o meu quarto e deixá-la partira. Hei, não! Pra que eu precisaria de tempo em off sem Aurora mais na minha vida? Felícia ficaria muito brava, mas não havia uma regra explícita sobre usar todo o tempo em um único dia, apenas que não era permitido ultrapassá-lo. Respirei fundo e desliguei-me do mundo virtual, colocando uma meta de que deixaria algumas horas de sobra para emergências futuras. Coloquei a mão na maçaneta com o coração pulando no peito e abri a porta. Vi-a de costas, descendo as escadas. _Aurora? _perguntei e ela virou-se lentamente. Seus grandes olhos verdes me encararam com doçura, quase fundindo meu coração de aço. Aurora caminhou de volta até a soleira da porta e deixou vir um princípio de sorriso. _Hoje já é o começo do mês certo? _lembrou-se das regras. Por certo havia planejado muito aquela visita. _Ninguém está conosco. _ disse-lhe, sabendo que entenderia. _Quer entrar? Aurora respondeu passando por mim, ficando em pé no centro da sala. Indiquei pra que sentássemos no sofá e me senti muito nervoso por não saber que palavras de desculpas usar. Minhas mãos suavam. Mas, quando seus olhos calmos me olharam, todo o medo de um briga eminente passou. _Eu fiquei pensando muito... _disse depois de limpar a garganta. _ Eu sempre achei que a minha vida pudesse ser triste e... _parou e alongou o “eeee” pra pensar melhor. _...E concluí que a sua deve ser pior, Doug. Porque se eu posso viver menos que você, pelo menos eu viverei uma verdade. Hei, viera até ali me dar uma lição de moral? Ter pena de mim? Isso a ajudava a enfrentar a minha rejeição? Não esperava que eu concordasse, certo? _Verdade é o que andou vivendo? _ devolvi-lhe com ironia. _Quando eu te amei e me entreguei era tudo uma verdade. Não a verdade para os outros, era a verdade para mim. _explicou como se fosse uma justificativa plausível por ter mentido sobre sua humanidade. _Está tentando insinuar que quando eu te beijava o fazia por pura aparência ou coisas do jogo? _perguntei. _Não, não era o Alfa que estava com você! Era eu, Doug! E essa também era a minha verdade. _O seu eu pode durar apenas algumas horas no mês? Sua existência, então, pode ser mais curta que a minha e era isso que estava falando sobre ser triste. _Você não sabe de nada... _irritei-me severamente com ela pela primeira vez, na verdade, comigo. Aquela era uma realidade muito dura de se comprar. _Doug. _puxou meu queixo pra ela com suas mãos delicadas e quentes. _ É você que está aí, você mesmo, não o Alfa? _Sim. _respondi soltando o ar forte. Aurora Li Mendi 138 _E você pode ser o que quiser? Só por algumas horas? _Sim... _Ok. _olhou-me por alguns segundos, me estudando. Aurora mexeu no meu cabelo com seus dedos, massagendo da maneira mais gostosa e relaxante possível até chegar a nuca. Sabia me ter em suas mãos. _Por favor, não podemos... Eu não quero que depois..._neguei-lhe em fraqueza. _Depois, não será você e não é esse que eu amo. _foi racional. _Mas, você... _Eu não quero saber de depois. _Aurora beijou-me, me puxando pelo braço e não foi possível recusar com seus lábios quentes, sua língua na minha. Agarrei-lhe os cabelos ruivos e perfumados também, trouxe-a toda para mim. _Aurora, me desculpe por tudo que te fiz... _ disse-lhe, precisando desabafar aquele pedido de perdão. _Não precisa se preocupar pela minha natureza. Um dia você vai perceber que só a sua era uma escolha._acariciou meu rosto, encarando meu lado fraco. _Só que toda a minha família está dentro dessa rede que nos prende. _justifiquei. _Tem momentos que a gente tem que pensar só na gente. _Não posso... Saiba disso. _ avisei. _Mas, quem está me respondendo isso não está aqui agora. Por que está falando por outro? _Você é louca... _beijei-lhe com muita vontade. Sua pele macia e branca despertava em mim toda a saudade que eu estava tentando sufocar. _Eu só preciso de você agora... _puxou minha camisa para cima e a jogou de lado, apertando-me. _Eu te amo..._abaixei-lhe as alças da blusa e beijei-lhe o pescoço. _Desculpe..._abracei-a mais._Eu te amo. _Eu também..._beijou-me com mais vontade, acariciando minhas costas. Todos os intensos minutos de cada hora amando Aurora tiveram o cheiro e o gosto da sua pele e da sua boca. Rolamos pelos lençóis da minha cama, rimos, nos beijamos, nos amamos uma vez após outra e quando silenciei, ela sabia que estava na hora do fim. _Por favor, não me peça nada..._disse-lhe, tocando seus lábios para beijá-la depois. Aurora sentou-se de costas na beirada da cama. _Ok, eu não vim pedir nada. Doug..._ virou o rosto um pouco de lado. _ Eu amo você, mas se quer ser outro, eu vou precisar entender... Você tem muitas vidas além da minha pra viver, tem esse direito de escolher quando quer ser o que quiser... Engoli em seco. Fechou a blusa e ajeitou o cabelo. Ajoelhou-se sobre a cama, engatinhou até mim e inclinou seu rosto, olhando-me profundamente. Ergui a cabeça pra beijá-la em despedida, mas recuou e saiu sem olhar pra trás, batendo a porta com força. Levei as duas mãos ao rosto e olhei o teto. Meu peito se apertou de uma forma dolorosa. Aurora Li Mendi 140 35 Eu não consigo mais viver com isso (Aurora) Corri por toda trilha em um ritmo mais puxado do que o de costume, como se a superventilação do meu sangue pudesse oxigenar meu cérebro e fazê-lo funcionar melhor. Não é possível que ele aprendera a pensar só em Doug. Sentindo uma ligeira dor no peito, reduzi e sentei em um tronco caído, arquejando com as mãos apoiadas nos joelhos. Fechei os olhos e engoli em seco pra umedecer a boca. O corpo foi se acalmando e joguei a cabeça para trás. O que eu podia querer mudar indo na casa dele essa manhã? Tinha deixado claro que não poderia (entenda-se não queria) mudar sua situação pra ficar comigo e eu tinha que lidar com essa rejeição amarga e afetuosamente embalada com beijos. Mas, não tê-lo não era o antídoto para começar a estrangular aquele amor dentro de mim. Era preciso uma ferida maior para despertar os anticorpos. E ela se abriu no meu peito na manhã seguinte, quando eu e minha amiga Sandrinha comíamos um sorvete duplo na nossa lanchonete preferida. Segundo sua teoria, uma dose cavalar de chocolate podia melhorar meu humor. Mas eu senti o sorvete travar na minha garganta como uma bola de gelo quando vi que Doug entrara com dois amigos de mãos dadas com outra ruiva. Comecei a tossir involuntariamente, porém não pareceu que fora tão espontâneo, pois chamei a atenção de Doug, que me olhou longamente. Meus olhos lacrimejavam e era por conta daquela quase convulsão. Sandrinha virou-se, entendeu o que estava acontecendo, depois não conseguiu me encarar, devia estar com pena. Enterrou sua colher de cabo longo na calda quente do sorvete: _Quer bater em retirada? Eu posso viver sem o resto do brownie. _perguntou. _Não está propondo que eu me mostre atingida pela namorada instantânea de Doug, está? _revirei os olhos e lambia a colher. _Não foi essa mensagem que passou agora pouco. _ disse baixinho. _Ok, eu estou me sentindo... _Uma droga? _ajudou. _Tem alguma palavra pior que essa? Ontem, estávamos juntos, fizemos amor e agora ele me aparece com uma nova garota e ruiva?! Idiota. _Não, você não o acha idiota e está completamente apaixonada. Não posso acreditar que ele a deixou e ainda fica tendo recaídas. Se valorize! _aconselhou. A história que contei pra Sandrinha deixava Doug como um vilão, mas eu também não podia dizer que era legal da sua parte me substituir tão rapidamente. Doug passou a mão sobre os ombros da garota e a beijou. _Vou ao banheiro... _levantei-me, empurrando a cadeira para trás. Abri a porta do box e vomitei até os olhos lacrimejarem. Lavei a boca na pia e sequei o rosto com o papel toalha, ajeitei o cabelo. _Ótimo, eu precisava mesmo vomitar toda aquela gordura saturada. Como pretende ficar magra, sua humanazinha fraca? _ murmurei, jogando a bola de papel no lixo e abrindo a porta rapidamente pra aceitar o convite de Sandrinha de cair fora, mas estanquei quando vi Doug encostado na parede oposta do corredor do banheiro masculino. Estava esperando para entrar? Estava aguardando sua nova ruiva que entrara no banheiro sem eu ver? Não, ele me esperava e estava desalentadoramente lindo com um jeans justo nas suas pernas fortes, uma jaqueta preta de couro e o cabelo molhado. Seu perfume seco era tão bom que eu podia dobrar meus joelhos fracos se não me encostasse já na parede. _Tudo bem? _perguntou. _Comigo? _apontei para o meu peito. _Óh, ótimo. _garanti. _Desculpe, deu pra ouvir que... _Está tudo bem! _falei alto. _Por que está interessado em mim, Doug? _irritei-me e tentei ficar na linha rude pra que ele não me atingisse novamente. _Espere... Não gosto que fale assim comigo... _segurou meu braço, me trazendo mais para perto, tocou meu rosto e mergulhou sua mão por baixo do meu cabelo. _Me jure que está bem? Abaixei os olhos. Eu podia falar toda a verdade? Não! Ele podia dizer também o que sentia? Não. Então, qual seria a forma de expressão aquela confusão de sentimentos? _Eu estou cheio de trabalhos, entende? _fez um movimento de cabeça para trás. _Eu não preciso mais entender, Doug. Eu não sou nada sua, lembra? _fiz menção a sair, mas ainda sustentou seus dedos fortes no meu braço e seus olhos azuis lindos sobre mim. _Doug, não se pode ter tudo na vida. É preciso escolher. Saí e encontrei Sandrinha à minha espera. _Seu sorvete derreteu. _avisou. _Tudo bem, eu vomitei a outra parte. _peguei minha bolsa. _Podemos ir? _Claro! _apressou-se a levantar. Aurora Li Mendi 142 Coloquei meus óculos escuros e percebi que os olhos de Doug me seguiram quando passei por eles, mas por sorte minhas lentes pretas não deixavam que soubesse que os meus ficaram fixos nos seus também. Bati a porta de casa atrás de mim e joguei a chave no aparador de vidro da entrada. _Querida, está melhor? _minha mãe largou sua revista e levantou-se do sofá pra vir ao meu encontro, prestes a me abraçar. _Não se preocupe, está tudo ótimo. _fiz um gesto com a mão. Se ela me embalasse, eu não conseguiria manter aquela aceitação mentirosa. _Querida, eu sei que você e Doug terminaram. Não precisa tentar se fazer de forte. _Mãe, eu não tenho como resolver isso, ok? Então, me ajude a não pensar nisso não falando sobre o assunto. _Ele descobriu? _perguntou quando passei por ela. Parei. _Sim, eu tive que contar. Desculpe poder ter arriscado tudo, mas não dava pra viver assim. _Você arriscou tudo, querida. _lembrou-me. _Não o tem. _Obrigada, está me fazendo eu me sentir ótima agora. Vamos brindar? _fui irônica. _Não precisa falar comigo assim! _Desculpe. _voltei até ela e segurei seu rosto. _Eu não tenho mesmo o direito de falar assim. Vocês me amam tanto. Eu não mereço seu amor, mãe. _senti um aperto no peito. _Eu sou uma humana e vou ficar sozinha. Não tenho o direito de cobrar de Doug que queira ficar com alguém fraca como eu. _Querida, você não é fraca. Você é muito forte. _Não! Pare de se enganar, mãe! Eu sei que vou morrer antes de vocês. Eu vou ter que continuar a esconder meus machucados, eu vou ter que fingir ser forte e quando tiverem dinheiro pra comprar um chip, eu terei que arrumar uma explicação para não ter o meu. Essa é a minha vida, a minha... droga de vida! _engoli em seco. _Não precisa ser assim..._ ela estava chorando, enquanto segurava meu rosto com suas duas mãos._Você parte o meu coração querida como se o apunhalasse. _E como está o meu, mãe? Eu acabei de ver Doug com outra garota super humana, superlinda, super forte! Eu me sinto tão inferior... Não é estar longe dele que me mata, me mata saber que o meu coração é tão burro e fraco que não consegue odiá-lo pelo fato de ter, primeiro... _enumerei no dedo._... escolhido não ficar comigo com sã consciência e, dois, estar beijando outra agora. _Então, ele não te merece, querida. _Não, mãe, eu sou uma humana, só isso. Virei-me pra subir para o meu quarto, onde me enterraria no travesseiro. _Não, Aurora. Não! _ela gritou. Voltei-me pra minha mãe, que parecia estar tendo um ataque de nervosismo, suas mãos tremiam segurando o próprio rosto, como se sua cabeça estivesse prestes a explodir. _Eu não agüento, eu não posso mais viver com isso..._soluçou e buscou voz. _Mãe? _franzi a testa, agora muito assustada. Ela não podia estar falando de mim e Doug, aquela cena de histeria não era típica sua. _Eu estou cheia! _passou o braço por todas as louças no aparador e as arremessou no chão. _Eu não posso suportar mais um dia disso! _jogou um dos porta-retratos que restou contra o espelho de vidro da entrada que se partiu em micro pedaços. Eu estava em estado de choque, não conseguia dar um passo em sua direção. _Desculpe, não quis fazê-la se sentir assim. Eu sei que deve ser um peso ter uma filha humana, desculpe, mãe, eu sei que tem que agüentar muitas coisas por mim... _Aurora, se cale. _mandou com os olhos brilhando de descontrole. Eu obedeci agora assustada realmente com o que estava por vir. Podia jurar que me bateria. _Você nunca foi um peso nessa casa, eu é que não mereço seu amor. Não merecemos. _Mãe, do que está falando?_balancei a cabeça para os lados. _Não, querida, não é justo. Você não precisa levar esse peso, nem eu preciso. _Mãe, está falando coisa com coisa... _pisei sobre os vidros e tentei ampará-la. _Só se... _tentei rir. _ Eu me matasse pra resolver isso! Deixa de ser boba. Vamos... tomar sorvete, comer chocolate na minha cama e ver um filme de comédia juntas...ãnh? _Aurora... _ela não me ouvia. _... Você pode nunca me perdoar por isso, mas eu tenho uma coisa pra te dizer, nem que seja a última coisa que eu faça. _ segurou minha mão. Aurora Li Mendi 144 36 Minha natureza era outra (Aurora) Minha mãe ainda segurava minha mão e me olhava buscando um pouco de coragem pra revelar o que estava prestes a dizer. Inclinei a cabeça pra frente, franzi a testa em espera. _Fala._pedi, sentindo um pouco de medo. Ela engoliu em seco e caminhou até o sofá, onde se sentou, ajeitou o cabelo atrás da orelha e se inclinou para frente para se abraçar. Acho que se arrependeu da caixa de segredos que acabara de abrir, mas agora não adiantava recolher-se em seus pensamentos mais. Parei em sua frente, do outro lado da mesinha de centro que nos separava. _Aurora... _ela levantou o rosto pra mim, queixo trêmulo._ você não é humana. Seus lábios pareciam se mexer ainda, mas não distingui o som, meu cérebro deu sina de que iria se desligar e as mãos gelaram. Ela disse que eu não era humana? O corpo perdeu o senso da gravidade e eu tateei o ar, buscando um apoio fixo pra me segurar. Mas, toquei o nada e deixei o peso cair para trás, segura de que o sofá me ampararia. _Querida? _via-a vindo em minha direção como um borrão. _ Quer água? Eu ainda estava de olhos abertos, mas não podia emitir nenhum som. _Aurora, nós te amamos muito. Seu pai te trouxe do instituto de fertilização dos superhumanos para os meus braços e eu fui a mãe mais feliz do mundo... Os móveis da sala estavam girando e se esfumaçando, a ponta dos meus dedos adormeciam, meus lábios estavam secos e assim o silêncio veio. Quando acordei no meu quarto, sobre a minha cama, respirei fundo e desejei que tudo tivesse sido um pesadelo, mas eu tinha meu pai sentado ainda de jaleco branco ao meu lado, mãos entrelaçadas sobre o queixo. Isso não era bom. _Está de volta, meu anjo._ tirou o cabelo do meu rosto e acariciou minha testa. _Eu tive um sonho horrível... Parecia tão real. Mas, não pode ser real... Por que você está aqui em casa a essa hora? Onde está minha mãe? _Ela tomou um remédio e dormiu. Desculpe pela forma que tudo aconteceu. Eu sempre temi e me preparei pra chegada desse dia e não fui eu a conversar com você. _Do que está falando...? Por que minha mãe tomou remédio? _Aurora, ela me contou o que aconteceu entre vocês duas e que você desmaiou. Eu corri pra casa como um louco... _Então, não foi um pesadelo..._sentei-me na cama._ Acho que a mamãe está sofrendo tanto por me ver triste por causa do fim do rompimento com o Doug que acabou querendo acreditar que eu não sou humana... _Aurora, você não é humana. _ele repetiu a mesma frase. Dessa vez eu estava sóbria, mas continuava sem fazer sentido _Está dizendo que eu sou uma... super humana? _Não. Nem eu, nem sua mãe afirmamos isso. _Mas, se eu não sou uma humana e sou uma super humana, por que fui tratada como uma humana fraca a minha vida toda? Por que eu tive que sofrer usando sempre métodos naturais para me curar? Por que... _Aurora, você também não é uma super humana... _O que eu sou, afinal? Que parte do segredo nunca me contaram?! _Ai... É tão difícil explicar... _Então, explique._falei alto e ele voltou a me olhar, soltando o ar pesadamente. _Aurora, eu venho estudando há muitos anos como tornar os humanos não apenas super humanos, mas mais que humanos, super super fortes... _engoliu em seco._... como mutantes. Quando você nasceu eu estava fazendo testes em alguns óvulos._parou um pouco para certificar-se que eu era capaz de absorver aquela história._... você foi uma das tentativas que deu certo. Sua mãe aceitou me entregar você depois de ser sua barriga de aluguel. _Eu sou uma... mutante? _repeti. _Você tem poderes, Aurora. Mas, eu só podia descobrir cuidando muito bem de você e esperando seu tempo. Eram muitas variáveis, eu não sabia como todas as interferências bioquímicas que nós super humanos usamos podiam reagir em você. Eu só conseguiria preservá-la se lhe fizesse acreditar que era uma humana. _Vocês mentiram pra mim todo esse tempo e me trataram como um rato? _Não diga isso, você é a coisa mais importante que eu tenho. _Sou a pesquisa que vai te dar um prêmio da academia de ciências? _Não! Eu não quero te usar pra isso, você é minha filha que eu amo tanto. _Amor? Eu sofri todo esse tempo acreditando que sou uma fraca! _Aurora, ouça. Seu corpo não reage de forma previsível. Pra se curar você é como os humanos, não testei ainda quais tipos de intervenções biológicas você reage... Mas, podemos tentar... _Que poderes eu tenho? _Acho que já descobriu... Aurora Li Mendi 146 _Fui eu mesma que consegui incendiar aquele campo pra salvar Doug? _Foi. Você consegue super aquecer seu corpo e queimar o que está ao seu redor. Entende por que eu precisei te fazer acreditar que era uma humana? Você poderia se matar e matar outras pessoas se algo saísse do controle. _Eu não sou uma super humana, eu reajo como humana as vezes, mas sou uma mutante? _tentei buscar lógica. _Eu não tenho respostas seguras pra dar, cada dia seu corpo foi me provando algumas coisas que eu tinha estudado... Sua evolução aconteceu com tanta saúde... _Quando iriam me contar? _Quando seu dom aparecesse... _Dom? Poder matar uma pessoa e a mim mesma? Você me deixaria ficar triste pelo Doug, sem dizer nada? _Querida, não sei se é bom você ficar com Doug, já lhe disse, sua natureza é uma grande incógnita e não poderá nunca contar isso a ele. _Vocês já tomaram decisões demais por mim. Agora, quero ficar sozinha... _O que eu posso fazer pra você me perdoar? _Me deixe sozinha... _Querida, não pode contar as outras pessoas. Se descobrirem minhas pesquisas, eu serei preso e ganharei pena de morte imediatamente. Por favor, guarde esse segredo. _Não me peça mais nada, nenhum pedido de abdicação, nada... Eu não lhe devo mais isso. _Aurora, esse garoto não é pra você. Ele não te ama. _O que sabe sobre isso pai? Você vive o dia todo no laboratório com seus ratos humanos. Pensa que não leio sobre suas pesquisas de transferências de corpos? _Ela é paga pelo governo, não tem nada de proibido e não são transferências de corpos. Eu estou estudando como transplantar boa parte do corpo para pessoas que sofreram acidentes de multilação... isso é muito nobre para a sociedade...Eu não transporto a alma das pessoas, elas continuam sendo verdadeiramente quem são. _Nobre? Pode chamar o que fez comigo de nobre? Quantos de mim há por aí? Eu não posso acreditar que você só criou a mim. _..._ele não respondeu. _Oh, meu deus... Depois, você quer guardar segredo... _Sim, há alguns outros. _Você sabe onde estão? _Sim, sei, procuro estar por perto e protegê-los. Como quero protegêla. Mas, querida... _voltou ao assunto. _Fique longe de Doug para o seu bem. _Eu já falei, não vou fazer mais nada que mandarem. _Ele não te ama! _O que sabe sobre o nosso amor? O que sabe sobre Doug? _Tudo! _perdeu o controle. _Não! Não sabe o quanto nos amamos! _Não! _ele levantou-se gritando. _Não te ama. Ele é um egoísta que só pensa em como preservar sua família. _falou com ironia. _Nada iria acontecer com eles, se vocês ficassem juntos, mas teria, claro, que abdicar o luxo e a fortuna que tem. Você não vale pra ele nem o carro conversível que anda. Mas, querida, você foi criada com os melhores valores. A gente sempre pode escolher. _repetiu a frase que me falava desde a infância. _ sempre! E ele não escolheu você! Se ele está sofrendo? Não! O Doug está curtindo sua substituta. Meu estomago verdadeiramente começava a doer. _Quem te contou essas coisas? A mãe dele na escola? Ela não nos quer juntos. _Eu não quero aquele sangue-suga com você. E não foi ela... Eu sei de tudo porque... Levantei os olhos em espera. _Eu sou um alfa também._soltou. _Sou um importante influenciador da área científica. Eu monitoro tudo sobre vocês. _Você é manipulado por outros jogadores? _Não, não. Seria anti-ético brincar com a ciência. No meu caso, eu sou só um alfa influenciador. Não tem pessoas brincando com a minha vida como Doug deixa acontecer. _Como sabe tudo sobre Doug? _Porque eu sou um dos jogadores que gasta mais dinheiro com a vida dele. _Como...? _Eu preciso monitorá-lo. _Você ficou me vigiando o tempo todo?! _Também... _voltou a se sentar e abaixou a cabeça, apoiando a testa com um punho fechado._ Eu me arrependo tanto de todo meu ímpeto de cientista na juventude... _Se arrepende de ter me criado? _Não! Eu já disse que você é a coisa mais importante que tenho. _Por que precisava monitorar tanto Doug, se não era só por mim? _Porque ele é uma das outras crianças como você, mas não sabe disso. _Doug é... é um mutante? Como eu? _Sim. Sua mãe era uma grande amiga cientista... _Pensei que não se conheciam... _Foi melhor parecer assim... Nós acabamos nos envolvendo... _Mamãe sabe disso? Aurora Li Mendi 148 _Eu ainda não havia conhecido-a._ disse, mas poderia estar mentindo. _E a mãe de Doug implantou nela mesma a primeira tentativa bem sucedida, depois a segunda... _Gisele também? _Sim. _Mas, eles se dizem superhumanos _Sim. Ela é um irresponsável. Preferiu acreditar que nada aconteceria aos seus filhos e eles foram criados normalmente. Nunca teve medo que pudesse matá-los se usassem alguma intervenção que desse uma reação errada. O pior! Expôs eles como alfas... _Ela veio pra essa cidade para ficar perto de você? Estão tendo um caso? Ele é meu irmão? _disparei a fazer todo tipo de suposição ruim. _Se fosse pensar como criador disso, poderia chamá-lo de filho. Mas, geneticamente não sou o pai dele. Não se preocupe. Não são irmãos. Eu poderia chamar aquilo de alívio. _Mas, ela está preocupada sim, pois os filhos não manifestaram o dom ainda e queria que eu a ajudasse lidar com isso quando vier a tona. A única forma de monitorá-los sempre é a família dele sendo alfa. Isso os amarra a ela. Doug não largaria a família por nada. Nem por você. Enquanto for alfa, tem que ficar junto deles. _Ela, então, tem medo da influencia que eu posso ter sobre Doug? _Querida, ela faria qualquer coisa se você tirasse Doug de perto dela. Queriam muito que mantivesse nossas famílias afastadas. Guarde esse segredo. _O quanto minha mãe sabe? _Nada sobre as outras crianças, nem sobre Doug e sua mãe... _E quer que eu silencie mais esse segredo. _Você quer vê-la sofrer mais? _Por que não me criou de forma normal como Doug?_continuei aquele assunto. _Porque o seu dom é mais perigoso e não podia arriscá-la. _Qual é o “dom” _aquela palavra era ridícula. _ de Gisele e Doug? _Querida, é melhor descansar. Não quero falar sobre isso. Só guarde meu conselho, fique longe deles. Quando a porta fechou-se eu fiquei olhando o teto do quarto, quieta. Engoli em seco. Saber mais sobre a minha natureza não melhorara muito as coisas. Eu era um corpo imprevisível. Mas, Doug era a prova de que nada ruim poderia acontecer... No café da manhã do dia seguinte, estávamos os três em silêncio mastigando. _Pai, ontem você me perguntou o que eu queria para perdoá-lo. _falei enquanto colocava manteiga no pão. Minha mãe olhou para ele, provavelmente se questionando como teria sido nossa conversa. _Eu já sei o que quero, não que isso ajude muito eu perdoar vocês por terem mentido e me feito sofrer tanto..._minha voz era fria. _O que quer? _perguntou. _Nada que não possa me dar, ou negar... A escolha é minha. _O que é Olhei-o pra ver se estava preparado para o que eu iria lhe pedir. Aurora Li Mendi 150 37 Você tem esse direito (Aurora) Eu não consegui colocar a torrada na boca, nem acho que meu pai me daria esse tempo, estava ansioso pra saber qual era meu pedido. Aquele assunto era novo para todos nós. _Quero ter um chip também. _revelei meu pedido. Não foi um alívio nem uma exigência inalcançável. Ele poderia gerenciar isso bem. _Ok, você tem o direito de tentar a ter uma vida de super humana. _Quê? _minha mãe jogou o guardanapo na mesa. _Não pode arriscar a vida dela. E você! _apontou pra mim. _Você não vai sair agora fazendo um monte de maluquices. Eu continuava serena, olhando para o meu pai. _O corpo de Aurora já provou que reage bem a muitas coisas, se ela quer muito ter um chip... é um direito seu. Posso pagar e lhe oferecer isso... _Eu quero virar uma super humana, com uma super beleza, super força...Você pode administrar algumas coisas no meu corpo, uns remédios, suplementos..._mostrei minha vontade de me livrar do estigma de humana. _Vá com calma, querida._pediu minha mãe. _Como disse sua mãe, vamos por partes e com calma. Primeiro, faremos sua cirurgia pra implante do chip. Isso dará a sensação de superioridade que deseja. Devemos essa segurança a você, lhe ajudará a assumir a sua identidade real. Mas, há ainda muitas coisas a aprender sobre seu dom pra não usá-lo de forma errada... _aconselhou ele. Minha mãe levantou-se muito decepcionada com o rumo das coisas e saiu da mesa. _Mas, eu também mantenho meu pedido. Fique longe de Doug, ele não merece você. _Eu tenho que ir para a escola. _Aurora, vá com calma. Você tem muitas coisas de humana ainda, sua recuperação nunca é rápida quando se machuca, por isso, não jogue o jogo contra você. Jogo... Ele era um dos jogadores da vida de Doug! E ainda por cima era um Alfa! Eu tinha um Alfa dentro de casa? Peguei minha mochila pra sair, realmente estava precisando tomar um ar. Assim, absorta, andei pelos corredores da escola com a vista um pouco embaçada, mergulhada em meus pensamentos. O mundo estava desfocado à minha frente. Eu olhava pra dentro tentando ver beleza no paraíso que imaginava morar os super humanos, mas só sentia que tudo continuava como antes, não havia essa esperada super força. Eu era uma mutante, não uma super humana completa. Seria essa a explicação? Ouvi uma risada alta e um gritinho feminino:- “Doug”. Virei o rosto em reflexo pra trás e vi a ruiva pendurada no pescoço de Doug no meio da roda de amigos ricos e super humanos, super bem vestidos, super in. Sustentei o olhar por alguns segundos suficientes para seus grandes e vivos olhos azuis encontrarem os meus. Seu sorriso morreu aos poucos. Continuei meu caminho. A voz do meu pai me veio a cabeça: “Você não vale pra ele nem o carro conversível que anda. Mas, querida, você foi criada com os melhores valores. A gente sempre pode escolher. E ele não escolheu você! Se ele está sofrendo? Não! O Doug está curtindo sua substituta.” Engoli em seco e ergui a cabeça até a sala de aula, onde joguei a mochila em uma mesa encostada à janela. Encostei o queixo sobre o braço e fiquei observando o jardim lá fora. Eu gostaria de sentir o que meu pai queria que eu sentisse, mas meu coração simplesmente desejava estar com Doug. Não conseguia ser racional para entender que ele não arriscaria tudo por mim. Suspirei pesadamente. A mesa estremeceu com o estrondo que se seguiu de uma mochila caindo sobre o tampo de madeira. Assustei-me e olhei para o lado com a testa franzida de susto. Meu coração estancou. Era Doug. Vestia uma blusa pólo branca que deixava seus braços fortes com um contorno desafiador para minha resistência. Sentou-se e chegou mais perto: _Vai me ignorar completamente e não nos falaremos mais? _sua voz enrouquecida pela manhã e o perfume delicioso que me envolviam me deixou um pouco tonta. Dei de ombros. Esse não era o plano que tinha pra nós? Eu bem longe, ele fingindo que tinha uma nova namorada perfeita? Mas, ignorá-lo era uma ofensa para um alfa acostumado a ser o centro do mundo. _Já gastou sua cota esse mês comigo... _lembrei-o sem entusiasmo e senti doer quando as palavras entraram em meus ouvidos e recordei da última vez que estivemos verdadeiramente juntos, sem farsas. _Aurora? _chamou e eu fechei os olhos por alguns segundos pra meu coração não derreter e ter que recolhê-lo do chão. _Você está linda como sempre... _tirou alguns cachos caídos no meu rosto e senti como um choque o escorregar da ponta dos seus dedos sobre a pele da maçã do rosto. _Eu vou sentar em outro lugar. _ameacei levantar. _Não tem outro. _sorriu e seus dentes brancos transparentes na ponta e sua boca vermelha e úmida me arrepiaram inteira. Que efeito devastador ele tinha?! _Sente-se antes que comecem a falar de nós. Engoli em seco e sentei inconformada, respiração agitada, pés andando milhas debaixo da mesa, espírito inquieto. Eu não ia chorar, ia? Aurora Li Mendi 152 O professor apagou a luz e começou a mostrar em uma projeção em 3D algumas reações químicas nas células. Notei o quanto ficara perto de Doug quando sentara novamente, quando seu braço encostou no meu por baixo da cadeira e o pêlo fino do seu braço roçou na minha pele quente. Tive aquele costumeiro e recente pânico de provocar algum desastre. Respire. Respire. Ventile. Acalme-se. Seus dedos roçaram meu punho fechado e mergulharam entre o polegar e o indicador, quebrando minhas forças e se entrelaçaram perfeitamente com a minha mão. Senti a força daquele toque ativando todos os meus nervos. Engoli em seco e o olhei pelo canto dos olhos concentrado na aula. Seu dedão acariciou o contorno da minha mão repetidamente em um movimento delicado e amoroso. Soltei-o, peguei minha mochila e atravessei a luz e as células projetadas no ar, sem me preocupar com a turma inteira estar nos olhando curiosa por quase ter derrubado a cadeira. Não me importei nem em fechar a porta. Eu não tinha que me preocupar com o que pensavam. Agora, eu podia pensar só em mim e não era justo comigo aproveitar o prazer do contato e depois ser deixada por Doug outra vez. Não queria migalhas. _Aurora? _era a voz de Doug. _Não... Não venha atrás._ senti que ia chorar de cansaço. Eu não tinha toda essa energia pra resistir. Continuei andando apressadamente. Tolice, seria capaz de me alcançar facilmente. Como presa fácil, segurou meu braço e me fez parar. Não o impedi. Vencera como sempre vencia meu coração de segunda divisão. Com a outra mão ele abriu a porta de uma sala, que averiguo antes estar vazia. Fechou-a atrás de nós. _Qual é o seu problema?! _irritei-me._Quer ter tudo? Você não poder ter tudo, Doug! _Mas eu não tenho nada, porque eu não posso ter você! _sua voz era calma e doce. Se aproximou mais e mais. Só restou-me retroceder até o limite da parede. Olhei pra trás, não era possível recuar mais nenhum passo. _ Vê o que faz comigo! Eu não podia estar aqui seguindo-a, mas... _Doug, não..._segurei seus dois antebraços quando tentou tocar meu rosto. Apertei-o quando inclinou-se mais e senti minhas mãos esquentarem. Doug gemeu e eu fiquei preocupada._Oh meu deus, eu te machuquei? Seu braço estava com duas marcas vermelhas. Eu o havia queimado?! Doug parecia não ligar se eu podia machucá-lo e aquele principio de acidente me fez esquecer por alguns segundos que estávamos sozinhos e que Doug quase se colava a mim. _Aurora, ninguém mexe comigo como você... _Por favor, não faça isso..._ deneguei. Ele me escutava? Puxou-me pela cintura, inclinou o rosto para a esquerda e roçou seus lábios nos meus já entre abertos. Aquilo provocou um arrepio, tentei fechar os pulsos na sua camisa, fazer débil força contrária, mas ele era obstinado e egoísta, teria sim tudo que quisesse. Esperou alguns segundos pela minha resistência e colou seus lábios nos meus. Com sua força me suspendeu mais contra a parede, meus seios esmagados contra seu peito forte. Beijou meu pescoço sem fôlego, respirando forte meu perfume, meu cabelo, lambendo minha pele. Eu procurei de volta seus lábios, sorvi seu queixo, senti sua língua. Havia um vulcão cheio de lavas saindo de dentro de mim. Ele apertou suas coxas fortes contra minhas pernas trêmulas e me inclinou um pouco pra trás para beijar o meu colo sob o decote. Puxei seu cabelo, querendo sua boca de volta para continuar aquele beijo delicioso. Só o sinal soando alto nos fez parar muitos minutos depois. Eu estava com a boca seca, tonta, voltando à terra outra vez. _É isso que você faz comigo._deu-me um último e breve beijo. _Você sai primeiro? _Hum?...ãnh? Si...sim. _segurei a porta e a abri. Andei pelo corredor, sentindo que estava andando em oito, como uma bêbada, mas não olhei para trás. Eu tremia. Aurora Li Mendi 154 38 Um dia só pra mim (Aurora) Era o primeiro dia do mês e eu já havia enviado um relatório pra Felícia de que tiraria folga completamente, incluindo não estar online pra ninguém. Ela reclamou pelo tempo de três palavrões até que desliguei e a deixei em off. _Vai sair, querido? _minha mãe perguntou, me vendo caminhar até a porta. _Vou pra nossa casa na montanha ficar sozinho. _disse-lhe. _Quer que eu acredite? _ ela riu e continuou a ler sua revista no vidro da mesa, tocando em alguns pontos para ampliar as imagens, enquanto tomava seu café da manhã. _Não tem aula hoje? _Tenho, mas baixo depois a matéria, não quero participar da aula, estou precisando descansar, estou trabalhando muito... _Vai convidar Aurora pra matar a aula com você?_quis saber, não tinha paciência pra rodeios. _Não. Vou ficar sozinho. _ respondi-lhe. Quando aproximei-me do carro, este reconheceu meu comando de voz e destravou a porta. Entrei e meu playlist continuou a tocar de onde eu havia parado. Toquei na tela do GPS pra se auto programar para o caminho da colina. Tínhamos uma casa próximo, há 30 minutos dali, em uma área de mata verde e densa onde nos refugiávamos quando queríamos. Nossa vida era muito exposta. Ao chegar, o jardineiro acenou com sua tesoura de podar plantas na mão e eu fiz um gesto de cabeça, sem sorrisos. Sentia que toda a minha alegria estava vendida, minhas prateleiras da alegria haviam sido saqueadas e completamente. Sentei no sofá branco, estiquei as pernas, ajeitei as costas nas almofadas e fechei os olhos. Eu simplesmente não queria ouvir a voz de ninguém, já não suportava ter que conviver com minha nova namorada arranjada e nunca tive tantas festas e produtos pra promover. Mas, eu não podia chamar aquilo de uma avalanche, pois era eu mesmo que procurava subir até a montanha do trabalho e provocava aquele verdadeiro deslizamento de tarefas sobre mim. Até Felícia me aconselhava a parecer mais saudável. Sua ganância, porém, se contentava o suficiente com o sucesso dos seus negócios e parcerias que era fácil fingir que nada estava acontecendo com seu Alfa. Fechei os olhos e senti as pálpebras um pouco trêmulas, manifestação do estresse do dia a dia. Só existia entre a minha solidão interior e o silêncio incômodo de fora, a barreira do meu corpo físico vigoroso e bonito. Uma parede de células oca. Já fazia um mês que Aurora saíra da minha casa e eu ficara mal por saber que não podia ter algo mais longo com ela. Felícia acabara contando a minha mãe sobre Aurora, na esperança de que esta fosse mais uma vigia pra me conter. Minha mãe bateu na porta do meu quarto e entrou. Eu estava sentado na sacada, com os pés em cima de um velho baú. Sentou-se ao meu lado em uma poltrona. _Eu não quero te ver assim... Por isso, chegou a hora de eu lhe contar uma coisa... _É sobre Aurora? _Eu já sei que você ficou sabendo que ela é humana... _Já sabe? _Sempre soube, antes de você. _Mas...? _franzi a testa. Eu havia expulsado Aurora de casa para que meus pais não descobrissem que era humana. Agora, eu acabara de descobrir que não era necessário tê-la feito passar por aquela exclusão tão indelicada. _Eu conheço o pai de Aurora há muito tempo. Ele me indicou pra ser diretora dessa escola quando decidi me dedicar um pouco mais a nossa família, vindo morar aqui. Somos amigos desde a faculdade... _Nunca me falou! _Sim, tem muitas coisas que você ainda não estava preparado para saber. _Então, ele lhe contou que Aurora era humana pra poder deixá-la estudar na escola? _Hum... não._ fez uma cara de que eu estava bem longe da verdade. _Aliás, eu nunca imaginei que você dois pudessem se gostar... _fez uma careta. _Esse mundo é mesmo surpreendente! Vocês... _parou. _Vocês...? _Vocês são diferentes, mas são iguais também. _disse. _Eu fiquei ansiosa desde que você nasceu pra te contar isso e nunca decidi se contaria. Mas, ver você assim sofrendo não me permite viver com a consciência tranqüila... _Eu não estou conseguindo entender metade do que está querendo dizer. _Eu sei._respirou fundo. _Doug, eu vou lhe contar uma coisa que chegará a hora da sua irmã saber também. Mas, cada coisa ao seu tempo. Você é capaz de guardar esse segredo? _ Bom... fale. Aurora Li Mendi 156 _Querido, eu e o pai de Aurora trabalhávamos antes de vocês nascerem em uma pesquisa secreta sobre o limite da capacidade de fazer mutações genéticas. Nós contratamos uma mãe de aluguel pra gerar uma criança que... Doug, me prometa... _Prometo! _jurei logo pra que continuasse. _...Ninguém pode saber disso. _Ok! O que tem a criança? _Nós queríamos saber se podíamos gerar uma criança com poderes. _Poderes?_repeti, franzindo a testa. _Como me arrependo disso, pois brincamos de ser Deus. Éramos tão frios na época. Eu agradeço por tudo ter dado certo, mas se não desse? _Deu certo? Vocês geraram uma criança com poderes? Que poderes? _A criança teria habilidades. _trocou a palavra poderes por habilidade, mas isso não me deixava menos curioso pra saber o final da história._o projeto do pai de Aurora era criar uma menina que pudesse canalizar sua energia, transformá-la em calor e... _Em fogo? _terminei sua conclusão, lembrando-me do incêndio quando Aurora me salvou dos cães mutantes. A imagem de Aurora em minha mente se fixou. Sua pele alva, seus cabelos vermelhos, seu nome, tudo remetia ao projeto perfeito de transformála na criança de fogo. _Então, perai. Ela não é uma humana. Ela é super humana? _Não. _Não para qual pergunta? _Aurora é algo que não sabemos definir. Ela acreditou que era uma humana por muito tempo, era a forma de protegê-la de alguma reação indevida com algum medicamento ou intervenção. _Mas, isso não é justo... _Sabemos disso e...não é só a saúde que importa, mas o fato dela se sentir inferior a você, por ter sido expulsa e deixada por você, Doug. Você fez isso por nós, pra nos preservar. Pra preservar Aurora também. Mas, não quero vê-lo sentir-se um monstro, como agora, porque eu também me senti assim por muitos anos por conta daquela pesquisa e daquelas crianças... _Você disse crianças? Lembrei-me do começo da conversa em que ela dissera que Gisele também precisaria um dia saber da verdade. _Doug, Aurora não foi a única criança, mas uma das... Você e Gisele foram concebidos por mim... _Mas, somos super humanos normais! Não somos? _Eu os criei assim. Não tinha a sensatez e responsabilidade do pai de Aurora, eu queria acreditar que eram super humanos normais e os tratei assim. _O que somos? _Mutações genéticas. _Mutantes? _Não importa o nome, você é saudável, lindo, bem sucedido, feliz, perfeito. _Eu tenho habilidades? _Não se manifestaram, querido. Isso só aconteceu com Aurora. Ela agora precisará lidar com todas essas revelações. Estar com Aurora significará que você não poderá ser um Alfa. Imagina se todos descobrem essa história. Eu seria presa junto com o pai dela. E ela seria engolida pela imprensa como uma aberração... _Então, veio me contar toda essa história pra limpar sua consciência e pra dizer que não muda em nada nossa distância? _Não. Pra dizer que você pode escolher entre ela e nós. Desculpe, mas a vida é tão dura quanto isso. _E o que acha que eu devo fazer? _Deve ficar longe dela. Como disse, nunca imaginei que aquelas células cresceriam e se transformariam em duas pessoas que se amariam... Que o destino seria tão irônico. Deixe Aurora em paz. Se aceitar isso, podemos nos mudar daqui pra não ter que vê-la mais. Minha cabeça estava girando com tantas informações. _Você vai superar isso. _ela saiu. Superar? Eu estava agora deitado na nossa casa da montanha. “Isso” era um sentimento muito forte que eu tinha dentro de mim e que não conseguia sufocar. Dias depois minha mãe me contara que o pai de Aurora revelara a ela a verdade e que estavam passando por um terrível período de conflito. Reforçou pra que eu a deixasse em paz e não trouxesse os holofotes pra cima da garota. Mas, justo agora eu tinha uma sombra de esperança de que Aurora podia viver mais tempo e ser tão forte quanto eu! Queria tanto vê-la. Disquei o seu número e chamou duas vezes. Atendeu. _Aurora? _tomei coragem e falei. _Quem é? Ri. Era louvável sua encenação de que tinha apagado meu contato da sua lista. _Doug. _Ãnh. _ficou em silêncio. _Dia primeiro? Quantas horas vai ser? _falou carregada de ironia. _Todo o dia. Estou na casa da montanha. Vem pra cá. _Você acha que eu sou o quê? Eu não quero te ver pintado, seu pateta vaidoso, alfa idiota, inconseqüente, ridículo! _gritou, xingou, cuspiu, desligou. Aurora Li Mendi 158 Mas, meu coração se acelerou. Quando Aurora não tinha tristeza, mas raiva, isso me dava esperança. A raiva é um sentimento vizinho do amor. Eu estava terminando de fazer um lanche na cozinha, vendo a chuva caindo forte lá fora, quando o caseiro anunciou que tinha uma desconhecida toda molhada na sala. Perguntou o que devia fazer. _Não se preocupe, eu a estava esperando. Caminhei pelo corredor de assoalho de madeira e como estava descalço, não fiz barulho algum. Queria observá-la de longe e não me adiantei pra chamar sua atenção. Ela estava de costas com o cabelo molhado de um ruivo escuro como sangue caindo por suas costas, pingando sobre o sobretudo vermelho de couro. Meu coração disparava descompassado em pensar que Aurora estava na minha sala, como eu tinha pedido. Caminhou até a lareira e ficou parada, olhando a madeira, mas estranhamente não havia nenhum fogo para admirar, só pedaços de troncos com fuligem. Agachou-se e estendeu a mão. De repente, prendi a respiração e lembrei-me de que tinha uma habilidade. Não faria isso na minha frente, faria? Queria me aproximar curioso, mas não pestanejei. Parecia uma garotinha aprontando, em uma posição como se fizesse prece sobre a madeira. Seu riso soou por toda a sala e vi uma fagulha de fogo iluminar as toras. Não seria possível! Ela riu mais e esfregou as mãos, como se não tivesse conseguido controlar muito bem aquela mágica. Como eu podia ser completamente apaixonado por aquela mutante travessa? Sorri, cheio de uma felicidade única que apenas ela provocava em mim. Ela levantou-se e se virou, tomando um baita susto quando me viu. Recuou e apertou uma mão contra a outra. Eu é que estaquei, estonteado com sua beleza. Seus grandes olhos verdes e brilhantes estavam mais destacados com a sombra escura em torno dos olhos. A boca estava com um brilho úmido. Uma fita preta amarrada ao seu pescoço segurava um broche antigo. O sobretudo estava aberto, mostrando seu vestido de couro preto costurado ao corpo, com os seios suspensos e redondos. Fiz um meio círculo ao seu redor e parei por trás. Delicadamente puxei seu casaco, aproveitando pra escorregar os dedos pela pele sedosa dos ombros e braços. Joguei-o sobre a poltrona ao lado da lareira e puxei-a pela cintura até que se colou a mim. Afastei seu cabelo e beijei sua nuca, roçando ali os lábios sobre os pêlos eriçados. _Não vai me oferecer nada pra beber? _virou-se de frente e deu dois passos atrás. _Claro. _procurei uma garrafa no bar e uma taça. _Vinho. _pediu. _Que bom que veio._entreguei-lhe a taça com vinho tinto. _Será a última vez. _disse com uma voz amarga, balançando a taça pra girar o vinho. _ Nunca mais vai me ter, Doug. Nunca mais. Aquela promessa era quase uma condenação de morte. Só podia estar denegando. _Já disse o mesmo pra si mesma? _perguntei. Ela fez uma cara de pouco caso e bebeu o vinho. _Você não conseguiu resistir também, não foi? Engasgou-se com o vinho e algumas gotas escorreram por seu pescoço. _Oh... _Não! _ tomei-lhe a taça e segurei seus dedos pra que não se limpasse. _Doug... _Você é única... _ segurei sua nuca e olhei pra sua boca vermelha com aroma de vinho e álcool respirando muito perto. A gota ainda estava em seu queixo, um vermelho agora translúcido._Você é tudo. _beijei seus dedos com carinho, sem pressa. _Você é perfeita. _Será sua última vez. _repetiu aquela promessa com uma voz rouca. _Doug..._acariciou meu rosto com a barba rala. O beijo começou suave, superficial, no contorno, nos cantos, no queixo, na beira, aproximando da pontinha do precipício. Íamos nos jogar juntos e a queda seria longa e alucinante. Envolvi-a em proteção e fomos juntos nos libertando de tudo, até sermos só duas peles, dois corações, duas bocas e finalmente um só, caindo e caindo, a velocidade da queda maior e maior, mais rápido, mais rápido. E o fim é como a morte, o silêncio, o nada, o vazio, um sono profundo e longo. Eu ressuscitei primeiro, reabrindo os olhos. Ainda era o paraíso, pois ela adormecia em meu braço, perfeitamente agarrada a mim. Sorri, admirando o rosto mais perfeito que poderiam ter concebido. Quanto tempo ela sofrera achando que era uma humana comum? Meu coração sempre a considera sem qualquer defeito. _Que horas são...?_ela resmungou e se mexeu com uma careta. O sofá era muito largo, mas não o mais confortável do mundo. _Aqui não tem hora. Fique. _mantive-a apertadamente grudada a mim. _Um dia a noite acaba e vem o dia 2. _Não penso nisso..._ beijei seu pescoço, querendo guardar aquele aroma. _É fácil pra você... Fácil? Eu nunca achara fácil ficar longe da garota que mais amei pra protegê-la daqueles que devastariam sua vida com perguntas e investigações. E tinha mais certeza que nunca que a amava desde a desconfiança de sua humanidade. Aurora Li Mendi 160 _Nunca será fácil ficar sem você. _Doug, eu não quero mais sentir o avesso disso. O depois é o oposto. Eu não consigo virar a chave... Doug, nunca mais acontecerá. _Pra isso sim precisará ser forte. _falei amargo. _Eu preciso superar você, porque não posso aceitar vir só quando você chamar. Eu queria ligar e pedir pra que ficasse a vida inteira. Mas, não podia. Ela precisava ficar longe e eu era luz, câmera, fotos, um alvo ambulante. _Doug, você deixaria de ser um Alfa por mim? _..._acariciei seu rosto e seu cabelo. _Então, já tomou a decisão por nós._levantou-se e se vestiu. _Doug, olha pra mim. Olhei-a, sentindo que a minha garganta estava sendo esmagada, era a mão invisível da saudade me tirando o ar. _Nunca mais, ouviu? _saiu. 39 Guardei meu amor pra você (Aurora) Eu nunca pensei que teria a chance de um dia fazer aquela cirurgia e agora um tubo se ligava ao meu braço preparando o intervalo entre o antes e o depois. Meu pai segurou minha mão em um aperto e não sorriu, ele tinha apreensão e eu só podia sentir ansiedade pra acabar com o silêncio em minha cabeça: queria logo aquele chip. Era a morte da minha humanidade e o ressuscitar pra a superioridade. Fechei os olhos esperando logo que o efeito da anestesia começasse e ele veio, desligando todos os meus nervos. Não havia nada neste hiato de dias que durou. Pra mim eram só dois segundos e novamente eu estava em um quarto de hospital. _Querida..._ meu pai sorriu agora sim aliviado pelo êxito. Eu tinha certeza que ele era o melhor pra fazer aquilo. _... Finalmente pudemos tirá-la do coma induzido. _Pai..._ não conseguia me mexer, só mover os lábios._...Como funciona?_ perguntei. Ele acariciou meu cabelo da testa e riu. Tinha os olhos brilhantes admirando-me. _Pode ouvir do lado de fora da janela o beija-flor? _perguntou. Eu acalmei o espírito e procurei aguçar o ouvido. Sim, eu ouvia o bater das asas. Virei o rosto para o lado e notei as micro partículas de poeira em suspensão no facho de luz amarela do som. _O que mais eu posso fazer? _Conversar sem mexer os lábios. _ disse e só então notei que não movíamos nossas bocas. Entre abri a minha, maravilhada. _Pode me ouvir, não? _Óh... _ri. _Você merecia o chip mais avançado de todos que já se viu. E terei que trabalhar muito pra pagá-lo. _gabou-se como se me desse a chave de um carro. _Sua visão e audição estão dez vezes mais apurada e pode conversar com várias pessoas ao mesmo tempo em redes privadas ou compartilhadas. Mas, primeiro precisa se compartilhar pra eu te ensinar toda a potencialidade disso. Eu aprendia rápido. Lidei com a dor de cabeça inicial, coloquei aplique aumentando meus cabelos ruivos pra disfarçar a pequena área raspada na minha nuca. Eu estava pronta pra voltar pro mundo com tudo. Achei o cartão de Felícia jogado em alguma bolsa e liguei, maravilhada por não precisar de nenhum aparelho. Aurora Li Mendi 162 _Oi. É Aurora, tudo bem? Você deixou seu contato comigo. Podemos marcar um encontro? _Aurora, sei que te fiz uma proposta, mas soube de certos detalhes que invalidam a minha oferta. Conversei com Doug e Gisele. _Pois não deveria acreditar em tudo que eles falam. Por que não nos encontramos no shopping pra almoçar? _Ãnhhh... Ok, ok._ ela aceitou. Quando me viu, Felícia fechou um pouco os olhos. Seu perfume foi fácil de reconhecer e achar o nome na internet. Minha mente agora era tão veloz que eu me sentia uma máquina. Podia enxergar a marca da sua roupa entre seus cabelos pelo espelho atrás das suas costas no restaurante. Eu estava mais alta pelos saltos, tinha a boca pintada de vermelho conforme meus cabelos recém tingidos pra se igualar ao aplique de um ruivo intenso. Eu era um superlativo de mulher agora e isso era uma pista de que eu não estava brincando no telefone. _Já pediu? _ perguntei displicente, usando muito bem a habilidade de falar por transmissão de voz por ip, usando a rede ativada pelo meu chip. Continuei olhando o menu displicentemente. _Anh, não... Estava esperando você. Fiz meu pedido ao garçom e depois inclinei-me sobre a mesa de vido e base metálica. _Eu vou ser objetiva, eu quero aceitar a sua oferta. Felícia estava muito, muito desconcertada. _Por quê? _Por que preciso. _Precisa de quê? _Óhhh, acha que é pelo Doug? Não! É por mim mesma. _O que te leva a achar que pode ser uma alfa? _Por todos os motivos que você mesma me falou na última vez que nos vimos. _Hum. _Eu sou linda, inteligente, uma superhumana perfeita pra atrair seus clientes pelo marketing de relacionamento. Estou disponível. _Não é um acordo passageiro, querida. Não poderá enjoar de uma hora pra outra. _Eu tenho consciência disso. Já convivi bastante com os alfas, não acha? _ desafiei. Ela sabia que me referia a família de Doug e a meu pai. _Seu pai aprova? _Já sou maior de idade, tenho meu próprio chip, meu próprio corpo, minhas próprias conclusões. _Ok. _Isso é um sim? _Não. Isso é um teste. Você será uma estagiária por um ano. Andará com nossos alfas e depois de sair do seu período de calouro, eu decidirei qual é o perfil de empresas que irá atender. _Como quiser. _Você terá aulas com nossos professores. _Aulas? Ãnh, ok, feito... _ segurei meu tédio por ouvir a palavra “aulas”. _Não acha que basta um corpinho bonito, não? _Tenho certeza que é preciso muita inteligência. _Também. Você precisa aprender a arte de influenciar. Isso vai além dos seus instintos, que já são bons. _Já disse, tudo como quiser. Quando o carro me deixou na porta da festa, eu senti-me apreensiva, mas confiante. Eu era uma superhumana. Havia lido todas as páginas do briefing que Felícia me passara. Não precisava fazer nada além de estar presente. _Alfa júnior chegando. _ouvi uma voz na minha cabeça e identifiquei um rapaz sorrindo pra mim com cabelos dourados encaracolados na entrada. Como eu saberia se era ele o dono daquela voz ou só um flertador? _Alfa júnior, encontre seu grupo na mesa do segundo andar, próximo a janela onde uma mulher está de vestido amarelo. _Entendido. _respondi e peguei uma bebida. Tinha que relaxar. _Alfa júnior subindo as escadas. Droga? Aquela voz masculina ficaria nos meus ouvidos a noite toda dizendo o que eu fazia, pior, me chamando de júnior?! Saco. Um ano?!!! Era esse o prazo? Caminhei pelo mezanino e vi um grupo de rapazes com o perfil de capa de revista abraçados com suas garotas. Minha audição perfeita conseguia separar a voz deles da música eletrônica alta. _“Doug, mais uma caloura pra a gente se divertir!” _ todos riram, mas não me afetei tanto com o preconceito quanto ouvir o nome “Doug”. Soltei o ar pela boca, engoli em seco e puxei a imagem que tinha tirado de mim no espelho antes de sair de casa. Estava com um vestido azul marinho de acetinado preto tomara que caia de uma grife famosa e cabelos semi presos. _Não pensem que não posso ouvi-los, rapazes... _disse-lhes e cheguei sorrindo, confiante, pé na frente do pé, como uma modelo. Os rostos viraram-se pra mim, mas meu foco era naquela nuca loira. Doug fixou seus olhos azuis em mim e os desceu até meu pé, escaneando o que via. _Aurora? _Ultimamente estão me chamando de Alfa júnior, mas pode me chamar de Aurora. _ ri, deliciada pelo meu novo poder de falar pela mente. Aurora Li Mendi 164 _Você o quê? _agora sua boca se mexeu, testas franzidas, horrorizado. Ignorei-o. _Deni, quem é Deni? _perguntei. Um rapaz apareceu e quase duvidei que fosse segurança. Tinha o cabelo comprido e preto. Era tão liso que precisava conter atrás da orelha. Seu rosto era indígena e duro, sério. Tinha um corpo forte por trás do terno preto. _Soube que preciso ser sua sombra por um ano. _ sorri-lhe. _Puxa, pensei que me apareceria um velho de cabelos brancos com um livro de boas maneiras. _Quer que lhe passe meu currículo?_levantou uma sobrancelha. _Eu vou me aposentar fazendo o que esse cara faz. _brincou um dos rapazes, tomando um beliscão de sua falsa namorada loira. _Vamos dar uma volta, então. _ ele polidamente pegou minha mão. _Aurora? _era a voz de Doug. _Você não pode ter virado uma Alfa! _ sua voz tinha desespero. Aceitei sua conversa em uma linha particular, mas mantive-me descendo as escadas, dando-lhe as costas. _Eu guardei meu amor pra você, Doug. Mas, você não quis. Agora, vou trabalhar. Quer continuar lendo a saga, confira o livro Aurora 2. Li Mendi é carioca, mora no Rio de Janeiro e é casada com um tenente do Exército Brasileiro. O casal namorou à distância por 2 anos e hoje celebram uma união muito feliz. Quando ele viaja em suas arriscadas missões, ela se dedica aos livros para esquecer o medo e a angústia de uma possível perda. Suas estórias de amor já ganharam as graças dos internautas que acompanham o enredo diário publicado em seu blog. Seu primeiro romance publicado pela Editora Outras Letras em 2011 teve milhares de downloads e acessos. Hoje, a turma dos fãs a acompanham e trocam idéias com a autora no Facebook. Todos os livros da Autora, você encontra em limendi.com.br Livro O amor está no quarto ao lado Jeniffer é uma jovem estudante que perde o pai em um acidente de serviço militar. Antes de morrer, este lhe confia aos cuidados do capitão Ruan. O amor que nasce entre os dois é arrebatador e mexe com os corações. Os dois mal percebem que não precisam ir tão longe para serem felizes. Porque o amor pode estar bem ali, no quarto ao lado. Livro Fonte do Amor Cris é jornalista e cobre a vida das celebridades. Seu lema é correr atrás dos fatos, por isso, não desperdiça a chance de entrevistar o famoso ator de cinema Igor Frinzy quando o encontra em uma lanchonete na beira da estrada. Para não espantar o ator, Cris decide não lhe contar sua profissão. Ela só não imaginava que acabaria misturando amor e trabalho. Agora, seu editor está cobrando a tão prometida matéria sobre o galã e Cris não sabe mais como enrolar os dois. Seu chefe quer a redação e Igor, seu coração. Os fãs de Ruan e Jeni de O amor está no quarto ao lado, podem acompanhar o filho do casal Igor, neste livro cheio de romance. Livro Atrás da linha do Amor Eduarda morou desde que nascera com seu pai, um militar alegre, sábio e aventureiro. Viveu por todos os pontos do país atrás da trilha das missões do homem que admirava como um herói. Mas, agora, seu pai deseja que Duda faça faculdade como todas as garotas de sua idade e tenha um endereço fixo. A mãe da menina, então, reaparece à cena e propõe ajudá-la. Eduarda não gostou nada da idéia, mas foi praticamente Aurora Li Mendi 166 levada a força para seu novo destino, que se cruzará com o de Maurício, o único rapaz por quem jamais poderia se apaixonar. Livro Aurora 2 No segundo livro da série, Doug volta com tudo, mas precisa manter seu disfarce, se quiser proteger Aurora e ensiná-la toda a arte de ser uma Alfa. Seu filho ganha as graças de Aurora e começa a demonstrar os dons desde pequeno, provando que as intervenções dos mutantes pode ser passada geneticamente. Será que Aurora vai se apaixonar finalmente por Deni, o novo personagem da saga? Ou Doug vai ser seu eterno amor? Livro Beijo de Chocolate Depois de um acidente de carro, Felipe acaba em uma cadeira de rodas e passa a acreditar que sua vida tinha terminado por causa da limitação de suas pernas. É, nesse momento, que sua história se choca com a de Andressa, uma fisioterapeuta linda, engraçada e inteligente que Felipe tenta reencontrar incessantemente. Na procura por Andressa, ele também quer redescobrir aquele jovem alegre e feliz que era e voltar a andar. O enredo é uma trama composta por muitos personagens que influem diretamente no curso da vida dos demais, formando uma teia de emoções, mistério, fantasia e amor. Beijo de chocolate é um livro para tocar na epiderme da alma. Livro Cada Casa um Caso Ricardo tem sua mulher em coma por causa de um acidente. Enquanto ela dormia, Daniela, sua cunhada, decide ajudá-lo a enfrentar esta difícil fase de sua vida e acaba se apaixonando pelo marido de sua irmã Alice. Mas, o despertar de sua esposa, promove uma reviravolta na vida desses três. Livro Um coração em guerra Caio e Bela formam um casal que enfrenta o amor à distância. Os dois amigos de longa data descobrem que é possível viver um romance de verdade mesmo que longe um do outro e lidando com problemas tão diferentes. Cada um cresce e ganha suas próprias conquistas. Mas, será que esse amor vai encontrar um ponto em comum no caminho outra vez? Livro Amor de Alto Risco Jéssi, uma rica fazendeira, coloca a mochila nas costas e chega ao Rio de Janeiro para dividir um apartamento e começar a faculdade. É aí que a sua estória se cruza com a de Paulo, um estudante de direito que não terá paciência com a caipirinha que acaba de chegar ao seu apartamento com todas aquelas malas rosas. A garota vira alvo de ex-clientes insatisfeitos de seu pai e coloca Paulo em várias enrascadas perigosas. A solução encontrada pelo seu pai é colocar um batalhão de seguranças ao seu redor. Aurora Li Mendi