Cortázar: que lia e citava Gombrowicz: que era lido e publicado por Macedonio Fernández: que imaginara um leitor possível para Ferdydurke e Rayuela Davidson de Oliveira Diniz (UFMG)1 Imara Bemfica Mineiro (UFMG)2 “Ahora bien (después de todo), ¿se puede hablar así?¿Se puede hablar de una novela argentina? ¿Qué características tendría?” Ricardo Piglia. “Por eso repito que no debemos temer y que debemos pensar que nuestro patrimonio es el universo; ensayar todos los temas, y no podemos concretarnos a lo argentino para ser argentinos: porque o ser argentino es una fatalidad y en ese caso lo seremos de cualquier modo, o ser argentino es una mera afectación, una máscara.” Jorge Luis Borges. Em “La novela polaca”, Ricardo Piglia formula um descaminho ontológico em torno da arte literária argentina e, desse modo, aponta para a vinculação de Ferdydurke, do escritor polaco Witold Gombrowicz, com os centramentos axiais do romance argentino no século XX. Toda verdadeira tradição, diz o crítico e escritor, é clandestina e, retrospectivamente, se constrói na forma de um complô (PIGLIA, 2005, p. 80). Seguiremos através da reflexão de Piglia. Nossa tarefa, também ela um desvio, é pontuar aqui o cruzamento clandestino relativo a uma tradição “argentina & não” a partir dos romances Ferdydurke, de Gombrowicz, Rayuela, de Julio Cortázar, e Museo de la novela de la Eterna, de Macedonio Fernández. A esses escritores o processo criativo vem também forrado de uma hábil crítica e reflexão artística. Maestria buscada não só no plano da ficção, procuram-na 545 também mediante teorias autorais do romance, as quais, em suas respectivas peculiaridades, imiscuem-se na composição da obra literária através da metaficção. Aparentadas por tal afinidade literária essas obras cristalizam uma moderna poética do gênero e irradiam, por trás de escritas em tons de humor e ironia, incisivas críticas à forma tradicional do romance, às instituições literárias e às políticas do meio intelectual. Ao lado de um núcleo sintagmático crítico, o qual articula e colabora para a discussão teórica do próprio gênero, no caso da tríade literária que então evocamos, ocorre uma ostensiva formulação poética integrando o corpo das obras, ou bem mais, assegura-se textualmente a característica de obras literárias que são deliberadamente críticas e poéticas de si mesmas. Rayuela: y “sus precursores” À sua maneira Rayuela é um romance em que sobressai a possibilidade de uma metanarrativa. Ali a espionagem do fluxo criativo (ARRIGUCCI JR., 1973) revela a mais intima relação entre composição ficcional e a desmontagem crítica da obra literária. Essa relação presente na escrita cortazariana, entrecruzamento que conduz à presença determinante de traços metanarrativos, marca também os romances de Gombrowicz e de Macedonio Fernández. Nessas três obras a reflexão teórica apresenta-se imbricada na própria tessitura narrativa de uma tal maneira que vem ali a constituir muito mais que meros princípios implícitos nas construções literárias, e sim, todo o contrário, sobrescrevendo com essa reflexão teórica a matéria e o tema essenciais em tais ficções. Daí uma textualidade capaz de articular módulos narrativos cujo traçado vai da desmontagem crítica até o nível de uma leitura que é também construção da obra 546 literária. (Des)ordem combinatória entregue ao leitor, essa desmontagem crítica apresenta poéticas para as quais a noção de totalidade da obra é apenas vislumbrada. Revela-se, por tudo isso, uma técnica de composição metanarrativa em que os elementos próprios da narração, devassavelmente, entram num plano de contato irônico com a des-construção crítica das cenas textuais da história. Devém daí o fato de o texto (que se quer também metatexto, ou ao menos constrói sua desmontagem enquanto tal) estar diluído numa superfície especular à procura de sua própria suma poética. Nessa superfície a imagem reluzente é a de uma textualidade que se olha de modo a refletir-se criticamente, e, com isso, inverte a sua própria forma literária e já é também paródia de sua estrutura composicional. A propósito do tema de escrita neste artigo, traçaremos, a partir de Gombrowicz e, sobretudo, de Macedonio, a remissão relativa a tal ascendência literária que vem a despontar em Cortázar. E, assim, à maneira da sentença borgeana em que “cada escritor crea a sus precursores. Su labor modifica nuestra concepción del pasado, como ha de modificar el futuro”3 (BORGES, 2005, p. 134), aqui nós nos encontramos à procura de uma tradição “argentina & não” da arte romanesca. Rayuela, Ferdydurke Frente ao que mais acima marcamos na obra cortazariana, poderíamos evocar o romance de Gombrowicz, que aparece citado em Rayuela (CORTÁZAR, 1996, p. 448) no capítulo 145, instante em que o leitor é remetido ao fluxo poético gombrowicziano mediante a transcrição de uma parte do “Prefacio al Filifor forrado de niño”, fragmento do Ferdydurke: 547 Esas, pues, son las fundamentales, capitales y filosóficas razones que me indujeron a edificar la obra sobre la base de partes sueltas — conceptuando la obra como una partícula de la obra — y tratando al hombre como una fusión de parte de cuerpo y partes de alma, mientras a la Humanidad entera la trato como una mezcla de partes. Pero si alguien me hiciese tal objeción: que esta parcial concepción mía no es, en verdad, ninguna concepción, sino una mofa, chanza, fisga y engaño, y que yo, en vez de sujetarme a las severas reglas y cánones del Arte, estoy intentando burlarlas por medio de irresponsables chungas, zumbas y muecas, contestaría que sí, que es cierto, que justamente tales son mis propósitos. Y, por Dios — no vacilo en confesarlo — yo deseo esquivarme tanto de vuestro Arte, señores, como de vosotros mismo, ¡pues no puedo soportarlos 4 junto con vuestra actitud artística y todo vuestro medio artístico! (GOMBROWICZ, 1983, p. 72-73). Nesse romance Gombrowicz aponta para questões acerca da necessidade de edificação da obra sobre uma base de partes soltas, ressaltando a composição de uma textualidade saliente no “Prefacio al Filifor...”. A citação de Gombrowicz acolhida pelas páginas de Rayuela é aí recuperada como prática de montagem literária de modo a colaborar para o polimorfismo do texto. O “Prefácio” gombrowicziano, ao qual Cortázar gostava de citar, não se limitando a uma metaficcionalidade do processo criativo, é a formulação de um ataque ao tradicionalismo da crítica literária, incapaz de assimilar a força com que o texto despedaçado de Ferdydurke procura irromper na literatura. Sobre os críticos, Gombrowicz os define da seguinte maneira: “Una pequeña partícula del mundo, un mundito no mayor que el dedo meñique, un estrecho gremio de profesionales y estetas, que todo él puede caber en una confitería, amasándose sin cesar, extrae de si postulados cada vez más refinados”5 (GOMBROWICZ, 1983, p. 71). Ferdydurke se propõe a ser um romance sobre a imaturidade e conta a história de um escritor, que, em seus trinta anos, sofre um estranho seqüestro e descobre seu corpo diminuído a dimensões de menino. Um culeíto e uma facha (“bumbum” e “fuça”) são “partes” que vêm a desempenhar função expressiva em diversas personagens ao longo do romance. No decorrer do suposto enredo o leitor é surpreendido pela inserção de dois contos, precedidos de seus respectivos prólogos. Com interrupções reflexivas (prefácios a “Filifor forrado de niño” e “Filimor forrado de 548 niño”) coloca-se em questão uma dinâmica de leitura que se esquiva de qualquer linearidade. “É difícil não brincar e não debochar deste tema”, comenta o narrador em um dos prefácios, referindo-se ao caráter necessariamente parcial e fragmentário da leitura e que pode ser interrompida a qualquer momento (Cf. GOMBROWICZ, 1983, p. 70). Tais aspectos, sobrescritos no romance de Gombrowicz, desabilitam qualquer política do meio intelectual e a própria estrutura da sociedade com seus valores e utopias de princípios do século XX. Rayuela, Ferdydurke e Museo de la novela de la Eterna Nascido na Polônia, onde pela primeira vez publica o Ferdydurke em 1937, Gombrowicz viaja à Buenos Aires em um transatlântico premeditando uma missão cultural prevista para durar não mais que uns poucos dias. Momentos antes de embarcar de volta para sua terra natal, a bordo do mesmo navio em que viera, o escritor decide adiar o retorno. Pouco tempo depois a Polônia é invadida pela Alemanha e a estadia do escritor na Argentina se entende por mais de vinte e quatro anos. O “vento da contingência” que o levou a este país, comenta Saer, mesclou-o para sempre ao “folclore literário de Buenos Aires” (SAER, 1998, p. 20). Piglia menciona que Macedonio teria sido o único escritor argentino com quem Gombrowicz realmente se encontrara, sugerindo que tal encontro celebraria uma verdadeira reunião de ânimos literários afins. Para mais, refere-se ao escritor polonês como o “único leitor possível” do Museo; e diz: Hasta que Witold Gombrowicz no llega a la Argentina se puede decir que Macedonio no tiene a nadie con quien hablar sobre el arte de hacer novelas. Transatlántico, novela argentina, ya es una novela macedoniana (para no hablar de Ferdydurke). A partir de Gombrowicz se puede leer a Macedonio. Mejor, Gombrowicz deja leer a Macedonio6 (PIGLIA, 2005, p. 23). 549 Longe de se limitar a um dos recorrentes encontros entre escritores no café Rex a meados dos anos 1940, esse encontro, ao qual Piglia descreve na citação, diz respeito, mais que tudo, a projetos literários. Macedonio publica em 1944 “Filifor forrado de niño”, na revista Papeles de Buenos Aires, dando a conhecer pela primeira vez em espanhol um texto de Gombrowicz. A partir de uma distinta versão em espanhol, refeita pelo próprio autor, o texto de Ferdydurke é entregue a um grupo de escritores, o qual, à companhia de Gombrowicz, é coordenado por Adolfo de Obieta, editor-chefe da revista Papeles... e filho de Macedonio Fernández (BORISNKY, 1996, p. 428). O texto polonês é então traduzido para o espanhol e poeticamente remodelado à pena da tradição literária hispano-americana. Essa tradução, portanto, envolveu uma verdadeira transcriação textual. Nesse sentido é que Piglia comenta que o Ferdydurke em espanhol ganharia a sua singularidade, ligando-se, em segredo, às linhas centrais do romance argentino contemporâneo (PIGLIA, 2005, p. 78). A mescla do escritor polonês ao folclore argentino ocorreu, sobretudo, através das ligações artísticas e afinidades de espessura literária. Ainda nesse sentido Saer observa que “el tema witoldiano por excelencia, la inmadurez, lo inacabado — que el atribuía a la cultura polaca — venía siendo de un modo inequívoco, desde los años veinte, la preocupación esencial de los intelectuales argentinos”7 (SAER, 1998, p. 21). Precisamente nesses mesmos anos vinte, de que fala Saer, Macedonio inicia a escrita do romance ao qual, incessantemente, veio a se dedicar durante os últimos trinta anos de sua vida. O projeto literário do Museo versa também sobre a idéia de um romance inacabado, fragmentado em sua própria essência, engendrando uma espacialização poética de modo a absorver da obra literária partes autônomas e por vezes tão distintas e pois desprendidas de qualquer composição ordenada por uma totalidade articulada. Mais de vinte e nove prólogos precedem os capítulos do 550 romance, apresentam sua proposta, discutem a estrutura e os princípios estéticos, bem como advertem sobre seu caráter inconcluso. Desde o início Macedonio anunciava o Museo como “La Novela que Comienza”, “La Novela Impedida”, “La Novela que no Sigue”, “La Prólogo-Novela cuyo relato se da a escondidas del lector en los prólogos”, “La Novela sin Fin”. Todas essas definições abarcam o que Saer aponta como “tema witoldiano por excelência”: o inacabado. O último capítulo é ainda seguido de um “Prólogo final” no qual o autor diz deixar o Museo como um “libro abierto” para quem eventualmente desejar escrevê-lo, criando margens em que prospera a idéia de que ainda não esteja pronto e aproximando-se novamente da noção de imaturidade (FERNÁNDEZ, 1996, p. 253). Daí ambas obras se tocarem emparelhadamente com efeito de afinidades poéticas. Como apresentamos anteriormente, a proposta literária de Ferdydurke é a de uma obra à margem de uma leitura teleológica; resulta, pois, ser lida despedaçadamente, e que, vale notar, é proposta como um texto cujo leitmotiv versa sobre a imaturidade, espécie de exaltação irônica de tudo aquilo cuja natureza é por definição incompleta. A estrutura pontilhada em cacos literários e, ao fim, incompleta, evoca, consequentemente, certo tipo de leitura nada linear. Macedonio dedica seu livro ao “Lector Salteado”, que se move entre os fragmentos da obra de maneira aleatória e não linear, realizando uma leitura “inseguida” e, portanto, participando na construção da estrutura do romance. Esse leitor idealizado pelo Museo, que se dispõe a entrar no jogo do texto e a transitar de forma meio “mareada” pelo romance é, posteriormente, o mesmo convidado a ler Rayuela, de Cortázar (BORINSKI, 1996, p. 547). Através da superposição de prólogos e de uma costura escritural toda ela feita a partir de retalhos literários, o Museo dialoga com a proposta de Ferdydurke e, ao mesmo tempo, estabelece o que Cortázar chamou de “atitude macedoniana”, a qual veio a ser absorvida pela paginação e textualidade de Rayuela: 551 Asomarse al gran misterio con la actitud de un Macedonio se les ocurre a muy pocos; a los humoristas les pegan de entrada la etiqueta para distinguirlos higiénicamente de los escritores serios. Cuando mis cronopios hicieron algunas de las suyas en Corrientes y Esmeralda, huna heminente hintelectal hexclamó “¡Qué lástima, pensar que era un escritor tan serio!”. Sólo se acepta el humor en su estricta jaulita, y ojo con trinar mientras suena la sinfónica porque lo dejamos sin 8 alpiste para que aprenda (CORTÁZAR, 1984, p. 58). A propósito dessa postura Cortázar recupera em seu processo composicional a marca irônica presente tanto na obra de Macedonio, quanto no romance de Gombrowicz. Em cada um dos três casos é por meio de tal ironia que a reflexão teórica toma de assalto o processo criativo. Por outras palavras, diríamos: essa reflexão forra e imiscui-se nas composições ficcionais de modo a tematizar uma teoria do leitor habilitado a transitar em estruturas textuais estilhaçadas. Tradição “argentina & não” Através do entrecruzamento clandestino de uma tradição “argentina & não”, tais obras buscaram inovar a textualidade poética do romance contemporâneo. Escrituras que colaboram para uma literatura altamente moderna, a salvo de toda enteléquia elegível na Arte, a tríade de que falamos aqui buscou romper com topos artísticos no romance enquanto gênero literário, colocando, assim, possibilidades de leituras capazes de extrapolar o enclausuramento dessas três poéticas romanescas. Purificada de polêmica e rivalidade, toda tradição é tão clandestina quanto evidente. Argentina & não, no caso da tradição romanesca de que falamos aqui, uma voz literária parece aclamar por algo cuja sonoridade textual vaza o parentesco nacional e ecoa, a partir daí, enquanto afinidade entre essas escrituras em que tal voz vem a ter corpo. Daí vir também a eleger para si um patrimônio cuja espessura, nada 552 mais, nada menos, tem a justa medida do universo — conforme a sentença escolhida por Borges ao falar d“O escritor argentino e a tradição” (Cf. BORGES, 1957, p. 162). Eis por fim o tablado textual em cujo piso trouxemos à baila essas “poéticas-teorias” do romance a partir de escritas movediças e polimórficas em Cortázar: que lia e citava Gombrowicz: que era lido e publicado por Macedonio: que imaginara um leitor possível para Ferdydurke e Rayuela. Referências ARRIGUCCI JR., Davi. O escorpião encalacrado. São Paulo: Perspectiva, 1973. BORGES, Jorge Luis. El escritor argentino y la tradición. In: ______. Obras completas. Buenos Aires: Emecé, 1957. p. 151-162. ______. Otras inquisiciones. Buenos Aires: Emecé, 2005. BORINSKY, Alicia. Gombrowicz’s tango: an argentine snapshot. Poetics Today, Creative and Exile: European/ American Perspectives I, v. 17, n. 3, p. 417-135, 1996. ______. El aprendizaje de la lectura. In: FERNÁNDEZ, Macedonio. Museo de la Novela de la Eterna: edición crítica. Coordenação de Ana María Camblong e Adolfo de Obieta. Madrid: ALLCA XX, 1996. CORTÁZAR, Julio. La vuelta al día en ochenta mundos. México, D. F.: Siglo Veintiuno, 1984. tomo 1. 553 ______. Rayuela: edición crítica. Cordenação de Julio Ortega e Sául Yurkievich. Madrid: ALLCA XX, 1996. FERNÁNDEZ, Macedonio. Museo de la Novela de la Eterna: edición crítica. Coordenação de Ana María Camblong e Adolfo de Obieta. Madrid: ALLCA XX, 1996. GOMBROWICZ, Witold. Ferdydurke. Tradução de Witold Gombrowicz. Buenos Aires: Sudamericana, 1983. PIGLIA, Ricardo. Formas breves. Barcelona: Anagrama, 2005. SAER, Juan José. El concepto de ficción. Buenos Aires: Ariel, 1998. Notas 1 [email protected] . 2 [email protected] . 3 ... cada escritor cria seus precursores. Seu trabalho modifica nossa concepção diante do passado, assim como vem a modificar diante do futuro. 4 Essas são, pois, as razões fundamentais, capitais e filosóficas que me induziram a edificar a obra sobre o alicerce de partes soltas — considerando a obra como uma partícula da obra — e tratando o homem como uma fusão de partes corpóreas e partes da alma, enquanto a Humanidade inteira eu a trato como uma mistura de mais outras partes. Mas se alguém me fizesse tal objeção: que esta minha concepção parcial, a bem verdade, nada mais é que nenhuma concepção, e sim, todo o contrário, uma mofa, uma molecagem, uma zombaria e um engano, e que eu, em vez de sujeitar-me às severas regras e cânones da Arte, estou buscando driblá-las através de toda essa classe de palavras debochadas, eu responderia que sim, que fica muito certo assim e que são exatamente esses, e não outros, os meus propósitos. E, por Deus — não vacilo em confessar — eu desejo me esquivar tanto da Arte dos senhores, a qual eu não suporto, quanto dos senhores também, pois tampouco posso suportá-los à companhia de tais atitudes artísticas e todo esse meio artístico a que os senhores pertencem! 5 Uma pequena partícula do mundo, um mundinho não maior que o dedo mindinho, um afunilado grupinho de profissionais e estetas, o qual pode muito bem encerrar-se inteiramente em um só Café, espremendo-se sem parar, para então extrair de si postulados cada vez mais refinados. 554 6 Enquanto Witold Gombrowicz não desembarca na Argentina pode-se dizer que Macedonio não tem nenhum interlocutor com quem falar a respeito da arte de fazer romances. Transatlântico, romance argentino, já é um romance macedoniano (para não mencionar o Ferdydurke). A partir de Gombrowicz é possível ler Macedonio. Melhor, Gombrowicz permite que Macedonio seja lido. 7 O tema witoldiano por excelência, a saber, a imaturidade, o inacabado — características atribuídas por ele à cultura polonesa — já vinha sendo, inequivocamente, e desde os anos vinte, a preocupação essencial dos intelectuais argentinos. 8 Despontar no grande mistério com a atitude de um Macedonio ocorre muito raramente; nos humoristas afixa-se logo de entrada a etiqueta para distingui-los higienicamente dos escritores sérios. Quando meus cronópios aprontaram das suas caminhando pela Corrientes e Esmeralda, huma heminente hintelectal hexclamou: “Que lástima, pensar que havia sido um escritor tão sério!”. O humor só é aceitável em sua apertada gaiolinha, e que não ouse gorjear seus trinados enquanto ressoa a sinfônica porque o deixamos sem alpiste para que então aprenda. 555