DISPOSITIVOS A ESTADO SÓLIDO FUNCIONANDO COMO CHAVES ELETRÔNICAS Os dispositivos a estado sólido podem ser usados como amplificadores ou como chaves. Na eletrônica de potência, eles são usados principalmente como chaves e com freqüência são comparados aos interruptores mecânicos devido as suas similaridades. Os dispositivos de estado sólido são superiores aos mecânicos porque têm vida muito longa e podem ser comutados em freqüências tão elevadas como várias dezenas de quilohertz. Entretanto, os dispositivos a estado sólido são mais delicados, suas propriedades são mais complicadas e devemos ter cuidado em usá-los. Nesta seção, serão discutidas a configuração física básica e algumas propriedades de dispositivos a estado sólido seguida de uma explanação de alguns circuitos de comutação fundamentais para C.C. e C.A. Impurezas em materiais semicondutores e as junções PN Vamos fazer rapidamente uma retrospectiva sobre materiais semicondutores antes de darmos seqüência ao que nos propusemos a fazer nessa seção, ou seja, o estudo de dispositivos semicondutores atuando como chaves eletrônicas. A maioria dos dispositivos a estado sólido, como vimos, é feita de silício cristalino. O silício é um elemento que pertence à quarta coluna da tabela periódica. Isto significa que os átomos do silício possuem quatro elétrons na camada de valência (ou orbital mais afastado do núcleo), como mostra a Fig. 1(a). A estrutura cristalina do silício é similar àquela do diamante, como ilustrado na Fig. 1(b). Nesta estrutura, cada átomo compartilha um destes elétrons de valência com um de seus quatro átomos vizinhos. Em tal estrutura chamada covalente é como se cada átomo tivesse oito elétrons de valência. Quando os átomos possuem oito elétrons em sua camada de valência eles são muito estáveis. Tal estrutura cristalina é geralmente ilustrada pela representação bidimensional da Fig. 1(c). O silício puro ou intrínseco tem pouco valor como dispositivo semicondutor porque tem a condutividade muito baixa devido à estrutura cristalina estável. Para ser usado como diodo ou transistor, o semicondutor deve possuir pequenas concentrações de impurezas. Se, durante a produção de um único cristal de silício, forem introduzidos alguns átomos de um elemento da quinta coluna da tabela periódica, estes átomos vão ocupar várias posições ao longo do cristal (veja Fig. 2(a)). Uma vez que, na vizinhança imediata de cada átomo da impureza, há quatro átomos de silício, então há quatro elétrons de valência destes átomos disponíveis para formar ligações covalentes. Logo, um dos elétrons que pertence ao átomo da impureza não é utilizado na ligação covalente. Estes elétrons em excesso são ligados fracamente ao núcleo, e podem se mover livremente à temperatura ambiente. Este tipo de semicondutor dopado é chamado do tipo N, onde N é derivado da carga negativa da partícula em excesso. O outro tipo de semicondutor dopado é chamado um material do tipo P. Ele é formado pela dopagem com átomos de um elemento da terceira coluna da tabela periódica durante a produção do cristal (veja Fig. 2(b)). Uma vez que o átomo trivalente da impureza é cercado por quatro átomos de silício, falta um elétron para uma ligação covalente em potencial. Este déficit de um elétron comporta-se como um portador positivo de carga e é conhecido como lacuna. Da mesma forma que os elétrons adicionais do material do tipo N, 1 as lacunas, num material do tipo P, estão fracamente ligadas aos núcleos de seus átomos e podem mover-se livremente no material quando um campo elétrico é aplicado à temperatura ambiente. Fig. 1 - (a) Quatro dos quatorze elétrons em um átomo de silício estão na órbita ou camada de valência (órbita mais distante do núcleo); (b) A estrutura cristalina do silício é similar à estrutura muito estável de carbono do diamante. Cada átomo é cercado por quatro vizinhos imediatos; (c) Este arranjo é ilustrado numa representação bidimensional. Fig. 2 - Cristal de silício com átomos de impureza: (a) Quando um átomo pentavalente é introduzido, seu quinto elétron de valência está fracamente ligado ao núcleo e pode transformar-se num portador de carga negativa; (b) Se um átomo trivalente é adicionado, a vacância, ou o déficit de um elétron de valência, conhecido como lacuna, pode mover-se livremente devido à energia térmica à temperatura ambiente e pode comportar-se como um portador de carga positivo. Na maioria dos dispositivos semicondutores, as regiões do tipo N e do tipo P existem em um único cristal. O dopante usado mais freqüentemente para o material do tipo P é o boro (b), enquanto que os dopantes típicos para materiais do tipo N são fósforo (P) e arsênico (As). A zona da transição do tipo N para o tipo P é conhecida como uma junção 2 PN. Uma junção PN tem uma função importante, e os dispositivos a estado sólido têm uma ou mais junções PN. Tipos de dispositivos a estado sólido Há muitos tipos diferentes de dispositivos a estado sólido. A seguir apresentamos alguns que têm sido usados por muito tempo em equipamentos de eletrônica de potência: (1) diodos; (2) transistores bipolares; (3) MOSFETs de potência (transistores de efeito de campo com tecnologia MOS de Metal-Óxido-Semicondutor); (4) grupo tiristores, que podem ser classificados em: (a) tiristor (também conhecido como o tiristor de bloqueio reverso ou SCR, significando Retificador Controlado de Silício); (b) Tiristores GTO (tiristores Gate turn-off); (c) triacs (conhecidos também como tiristores de corrente alternada). Os símbolos e as características básicas destes dispositivos (com exceção do GTO e do triac) são sumarizados na tabela 1. Tabela 1 – Principais dispositivos a estado sólido Dispositivo Símbolo Característica Diodo Ânodo Dispositivo mais simples possuindo características retificadoras. De todos os dispositivos a estado sólido é o que é capaz de trabalhar com potência mais elevada (por exemplo, 4000 V/3000 A). Há tipos especiais de diodos tais como Cátodo diodos Zener, diodos de rápida reversão-recuperação, etc. Transistores Coletor Comutação implementada pela corrente de base. Capacidade Bipolares de potência média. Circuito de controle mais simples que o do Base tiristor e mais complexo que o do MOSFET. A maioria é NPN, mas os PNP também são utilizados. Emissor MOSFETs Dreno Capacidade de potência é baixa, mas acionamento paralelo é de fácil. Comutação em alta freqüência é possível (isto é, tão alta potência Gate quanto 1 MHz). Interfaceamento simples com microprocessadores ou CIs. Fonte Tiristores Ânodo Capacidade de potência é tão elevada quanto à do diodo. Adequado para aplicações de alta potência. São necessários circuitos complexos de comutação e para desligamento. Freqüência de comutação menor que a requerida para Cátodo transistor bipolar Os dispositivos recentemente introduzidos são o SIT (transistor de indução estático), o tiristor SI, e o IGBT (transistor bipolar de porta isolada). 3 Examinaremos primeiramente as diferenças entre o diodo, o transistor bipolar, o MOSFET, e os vários tiristores, uma vez que, são considerados dispositivos básicos de comutação em termos de construção do dispositivo e de funções básicas. Fig. 3 - Seção transversal de um diodo de potência. Diodos e junções PN Primeiramente, vamos estudar as características básicas de uma junção PN. Figura 3 mostra a seção transversal de um diodo de potência que tem uma junção PN. Um diodo é um cristal único de silício, com um lado do silício dopado com os átomos de impureza do tipo P e o outro lado com impureza do tipo N. É conhecido que uma junção PN tem a propriedade de um retificador isto é, permite a corrente fluir em um sentido, mas bloqueia a corrente em sentido oposto. Melhor que discussões fisicamente detalhadas, uma explanação simples, mas útil, de como uma junção PN exibe a propriedade de um retificador, é dada na Fig. 4. Como já vimos, quando um potencial positivo é aplicado ao ânodo com relação ao cátodo, a junção PN está polarizada diretamente e por ela pode fluir corrente. Ao contrário, quando a junção PN está polarizada reversamente, isto é, quando um potencial negativo é aplicado ao ânodo com relação ao cátodo, o diodo obstrui o fluxo de corrente. Assim, a polarização direta é equivalente ao estado ON e a polarização reversa ao estado OFF. Conseqüentemente, quando um diodo está conectado como àquele do circuito mostrado na Tabela 2, pelo diodo fluirá uma corrente na metade positiva do ciclo do potencial aplicado de c.a. e a corrente será obstruída na metade negativa do ciclo. A Figura 5 mostra as curvas características (corrente-versus-tensão) de dois diodos típicos. Como ilustrado pela curva contínua, em um diodo normal, a corrente pode fluir somente quando for aplicado ao ânodo um potencial positivo maior que 0,6 V com relação ao cátodo, enquanto, na região reversamente polarizada, somente uma corrente insignificante pode fluir. Como mostra a curva tracejada, entretanto, no diodo Zener um tipo de avalanche pode ocorrer devido ao efeito túnel em um potencial reverso relativamente baixo conhecido como potencial de Zener. Nesta região de avalanche o dispositivo mantém praticamente inalterada a tensão para grandes variações de corrente. 4 Esta propriedade é utilizada em circuitos de estabilização de tensão. Em alguns diodos, o potencial de Zener é tão baixo quanto 3 V mas em outros é tão elevado quanto 20 V. Tabela 2 – Classificação dos dispositivos semicondutores baseada na estrutura PN (a) (b) (c) Fig. 4 – Como trabalha a junção PN. (a) Quando nenhum potencial é aplicado ao diodo, as lacunas ou as partículas positivamente carregadas estão livres para moverem-se na região P, e os elétrons ou as partículas negativas estão livres para moverem-se na região N; (b) Quando diretamente polarizado, isto é, quando um potencial estiver aplicado como mostrado, as lacunas e os elétrons migram para a junção PN devido ao campo elétrico em cada região. Na junção, as lacunas e os elétrons combinam-se, tornando-se neutros e desaparecendo. Entretanto, novas lacunas são fornecidas pelo ânodo e novos elétrons são fornecidos pelo cátodo. Assim, fluxos contínuos de ambos os tipos de partículas são mantidos; isto é uma corrente elétrica. (3) Quando reversamente polarizado, isto é, quando um potencial estiver aplicado como mostrado, as lacunas são atraídas pelo potencial negativo no ânodo e são absorvidos por ele, e os elétrons são atraídos pelo potencial positivo no cátodo e absorvidos por ele. Assim, todos os portadores da carga são evacuados do diodo; nenhuma corrente fluirá. 5 Fig. 5 - Características (corrente-versus-tensão) de diodos. A curva contínua é para um diodo retificador normal, e a curva tracejada é para o diodo Zener que tem características de tensão constante na região reversamente polarizada. Transistores bipolares Um transistor de junção bipolar tem duas junções PN em ambas construções: P-N-P ou NP-N. Não importando o tipo, a região central imprensada pelas duas junções é chamada base e é denotada por B. Uma das duas regiões restantes é maior que a outra, como visto no transistor planar de tripla difusão, ilustrado na Fig. 6; esta região é chamada de coletor e denotada por C. O resto é o emissor (E). Fig. 6 – Vista em corte da estrutura de uma unidade de um transistor planar de tripla difusão fabricado em um substrato altamente dopado denotado por N++. Observa-se que a área do coletor é muito maior que a do emissor. Há uma película de SiO2 recobrindo o limite das junções PN entre o coletor e a base que serve para aumentar o potencial que o transistor pode suportar. São fabricadas centenas ou milhares unidades, sobre um substrato, e conectadas em paralelo para poder trabalhar com correntes elevadas. Princípios dos transistores A Figura 7 ilustra um transistor NPN conectado na configuração emissor-comum. Neste tipo de conexão, a base é usada como terminal de entrada e o coletor como terminal de 6 saída, enquanto o emissor é comum a ambos os estágios de entrada e de saída. Um potencial E1 de C.C. relativamente baixo, mais um potencial alternado vi são aplicados entre a base e o emissor. O potencial E2 de C.C., do outro lado, é mais elevado do que E1. Assim, um potencial reverso é aplicado à junção PN entre o coletor e a base. Uma vez que a junção PN entre B e E está polarizada diretamente, elétrons livres migram para a região da base vindos do emissor. Fig. 7 - Movimento de portadores de carga na conexão emissor-comum. A maioria dos elétrons injetados na base, vindos do emissor, migram por difusão para a região do coletor produzindo a corrente de coletor. Alguns elétrons se recombinam com lacunas na base. Uma corrente flui para base para fornecer as lacunas perdidas. É muito importante que a região da base seja fina para que a maioria dos elétrons, vindos do emissor, ultrapasse a região da base e entre na região de coletor. Nesta região os elétrons são acelerados para o terminal de coletor pelo potencial reverso E2. Quando o sinal potencial vi é mais elevado, mais elétrons migrarão do emissor à região de coletor produzindo mais corrente. Por outro lado, quando vi é negativo o suficiente para reverter a polarização da junção base-emissor, nenhum elétron migrará para a base ou o coletor; não haverá corrente de coletor. Como indicado antes, a região da base é bastante fina de forma que, a maioria dos elétrons injetados, do emissor à base, entra na região de coletor, não tendo nenhuma oportunidade de se recombinar com uma lacuna. Entretanto, a probabilidade de recombinação entre uma lacuna e um elétron na base não é absolutamente zero. Alguns elétrons e lacunas são perdidos devido à recombinação. Para fornecer lacunas para a região da base, uma corrente flui da fonte de alimentação da entrada (E1 e vi) para a base; esta é a corrente de base. Quando a corrente de coletor varia com tempo, o potencial através do resistor RL da carga também variará. A Figura 8 ilustra duas relações entre vi e vo; uma é para um sinal de entrada senoidal e a outra é para uma onda quadrada como sinal de entrada. Observa-se que um transistor pode ser usado como um amplificador de sinal ou como uma chave a estado sólido. Quando os transistores são usados como amplificadores para acionamento de motores, a configuração simples emissor-comum não é empregada porque nesta configuração parâmetros, tal como o fator de amplificação de corrente, diferem de 7 transistor para transistor e são fortemente afetados pela temperatura. O uso prático dos transistores na região linear já foi discutido em aulas anteriores e poderá ser abordado em breve. Fig. 8 – Relação entre o sinal de entrada vi e o sinal de saída vo; (a) sinal de entrada senoidal; (b) onda quadrada como sinal de entrada. Na eletrônica de potência, os transistores bipolares são usados mais freqüentemente como chaves a estado sólido. Os transistores bipolares caracterizam por terem alta densidade de corrente por unidade de área do material do semicondutor. Serão discutidas técnicas detalhadas para esta execução. Características de coletor Já abordamos esse assunto, vamos retomá-lo para podermos avançar. Quando discutimos as propriedades físicas de um transistor, tratamos geralmente delas em termos dos potenciais aplicados às junções. Para discutir um transistor como um elemento de circuito, entretanto, é conveniente analisar sua função em termos de parâmetros de corrente. A Figura 9 mostra um gráfico que representa a relação entre as correntes de coletor e o potencial do coletoremissor com a corrente de base como um parâmetro. Fig. 9 - Características de coletor de um transistor bipolar na configuração emissor-comum. O transistor é visto como tendo três regiões distintas de operação: (1) região ativa ou linear; (2) região de saturação e 8 (3) região de corte. Estas regiões características são especificadas fisicamente em termos dos potenciais de polarização aplicados às duas junções como explicado na tabela 3. Tabela 3 - Relação entre polarização e regiões características Ativa Saturação Corte Junção Emissor-base direta direta reversa Junção Coletor-base reversa direta reversa Quando nenhuma corrente é fornecida à base, flui somente uma corrente de coletor insignificante; o transistor está operando na região de corte. Quando uma corrente de base é fornecida, o transistor está operando ou na saturação ou na região ativa. Na região de saturação, as curvas para correntes de base diferentes estão quase alinhadas, partindo da origem. Na região ativa, as curvas para vários parâmetros são quase paralelas ao eixo horizontal, ramificando a partir da região de saturação. A Figura 10 explica a similaridade entre uma chave transistor e uma chave mecânica. Quando nenhuma corrente é fornecida à base, o transistor se comporta como uma chave aberta; quando é fornecida corrente de base suficiente, ele trabalha como uma chave fechada. Fig. 10 - Correspondência entre uma chave mecânica e uma chave transistor. A relação entre a corrente de coletor IC e a corrente de base IB na região ativa é chamada fator de amplificação de corrente e indicada, como já explicado em aulas anteriores, por β ou, ainda, por hFE : hFE = I C / I B . (1) Este parâmetro não é constante e varia com o potencial, corrente, e temperatura. Como regra geral, quanto menor o transistor maior o hFE . Nos transistores de potência de mais de 30A, valores típicos de hFE são tão pequenos quanto 10 a 20. Quando um transistor é usado como um amplificador, como em um servoamplificador linear de C.C., ele deve operar na região ativa. Entretanto, quando é usado como um dispositivo de chaveamento, por exemplo, em um servo-amplificador com modulação em largura de pulso (do inglês, Pulse-Width Modulation, PWM), os transistores devem operar na região de saturação, no estado ON, e na região de corte, no estado OFF. 9